Um longo processo de globalização em larga escala tem vindo a reestruturar o mundo em que vivemos numa sociedade global fortemente marcada pela fluidez geográfica, pela mobilidade económica, social e cultural e pelo imediatismo das interacções pessoais. Foi desta fluidez, mobilidade e imediatismo que a palavra comunicação se instituiu como conceito-chave da sociedade globalizada. Comunicação vista como possibilidade de diálogo conducente ao entendimento gerado na interacção entre pessoas de línguas e culturas diferentes, que é hoje em dia instantânea e imediata. Neste panorama o foco das instituições europeias tem recaído na promoção do chamado “diálogo intercultural” definido no Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural publicado pelo Conselho da Europa (2008) como: “um processo de troca de ideias aberto e respeitador entre indivíduos e grupos com origens e tradições étnicas, culturais, religiosas e linguísticas diferentes, num espírito de compreensão e de respeito mútuos” (21). Como caminho para atingir este ideal do “diálogo intercultural”, o mesmo documento realça as línguas como um do três domínios-chave da educação, sendo que a sua aprendizagem ajuda “a evitar a criação de uma imagem estereotipada dos outros, a desenvolver a curiosidade e a abertura à alteridade (…), a perceber que a interacção com pessoas com uma identidade social e uma cultura diferentes é enriquecedora.”(37) Ora a língua que se assumiu como língua da globalização foi sem dúvida o inglês, que, apesar de não ser hoje a língua mais falada como língua nativa (com 375 milhões de falantes em comparação com 982 milhões de falantes de Chinês em todas as suas variações), é de longe a língua mais falada em termos de número total de falantes: aproximadamente 1, 500 milhões. Assim, a partir dos anos 70/80 do século passado, com a massificação da procura da aquisição de competências linguísticas em inglês, surgiram obviamente novos desafios para o ensino da língua. Estudiosos de questões relativas à didática sentiram a necessidade de criar ramificações dentro da área do ensino do inglês e daí surgiu o chamado Inglês para Fins Específicos, isto é, ocupacionais, centrado sobretudo na aprendizagem do vocabulário específico de cada área profissional e nos seus modelos de comunicação orais e escritos. É esta acepção do ensino do inglês que subjaz maioritariamente ao ensino do Inglês no Exército português, ou, na nossa situação concreta, no Centro de Línguas do Exército (CLE). Todavia, se queremos que a aprendizagem das línguas assuma o papel de competência chave para o diálogo intercultural, há que redefinir todo o processo de ensino de forma a redimensioná-lo numa abordagem mais ampla. E porquê no CLE? É inegável que a globalização trouxe consigo uma cooperação militar transnacional muito mais marcada, bem como a integração em alianças internacionais (basta olharmos para a dimensão atual das nossas tropas destacadas) e qualquer missão, seja com forças destacadas em teatros de operação, seja em cargos multinacionais permanentes na NATO ou fora dela, implica necessariamente interacção a vários níveis: com a população local, com militares de outros países, com organizações governamentais ou não governamentais. Será então importante que os nossos militares não saibam apenas comunicar em inglês, mas que saibam ser a ponte que une culturas diferentes através de uma língua que possivelmente nem será a língua nativa de nenhum dos intervenientes. Urge então desenvolver métodos e pedagogias de ensino no CLE que consigam servir simultaneamente os fins específicos dos nossos militares, isto é que sejam adequados a nível das competências profissionais exigidas; mas que inclua também quer o inglês para fins gerais, motor de desenvolvimento da competência comunicativa, quer o inglês para fins de interacção que desenvolva a competência intercultural e conduza à formação de falantes interculturais. Um falante intercultural é alguém que, usando a aprendizagem da língua enquanto veículo, consegue ganhar consciência do seu papel de mediador entre duas ou mais identidades culturais, evitando que preconceitos influenciem os seus juízos de valor sobre outras culturas e fá-lo ao conseguir colocar-se na pele do outro, descentrando-se das suas próprias perspectivas. Só assim tem abertura para reconhecer a inevitabilidade de tensões e mal-entendidos em encontros interculturais e a possibilidade de lidar com diferenças inultrapassáveis que se levantem. Este poderá ser caminho para atingir o objectivo do Livro Branco para o Diálogo Intercultural de Viver Juntos em Igual dignidade onde os nossos militares, bem preparados a todos os níveis, poderão e deverão ser uma peça chave.