(in)constitucionalidade da regulamentação - Lya de Oliveira

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A INCONSTITUCIONALIDADE DA REGULAMENTAÇÃO
DA ORTOTANÁSIA PELA RESOLUÇÃO Nº 1.805/2006 DO
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
LYA DE OLIVEIRA MOURA1
RESUMO
Este trabalho analisa a Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, que trata da regulamentação da prática da ortotanásia, à luz da
Constituição brasileira vigente. O problema da pesquisa é abordar uma discussão doutrinária existente com relação à constitucionalidade do tema.
Para melhor formulação do parecer, é feita uma delimitação conceitual da eutanásia e de suas variações, dando ênfase ao conceito de ortotanásia.
Não obstante, será feita reflexão sobre o direito à vida, juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Cabe salientar que os objetivos do estudo são: analisar a dignidade do paciente portador de doença incurável, que se encontra em estado terminal, no momento da sua
morte; discutir o direito à liberdade e à autonomia, que pacientes portadores de doenças incuráveis possuem ao optar ou não por determinado
tratamento. Ademais, para um melhor posicionamento a respeito do tema, foi necessário analisar todas as espécies normativas que compõe o
processo legislativo brasileiro, com a finalidade de entender os efeitos que são produzidos por uma resolução; além de ponderar sobre a Resolução
1.805/2006 CFM, em todos os seus aspectos, demonstrando a discussão surgida dentro da comunidade jurídica e médica, para ao fim, apresentar
um posicionamento com relação a sua (in)constitucionalidade. Outrossim, o presente trabalho pretende demonstrar, a solução mais adequada
para que a conduta oriunda da prática da ortotanásia venha a produzir efeitos no mundo jurídico.
Palavras-chave: Eutanásia. Ortotanásia. Direito à vida. Dignidade da pessoa humana. Paciente terminal.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal garante o direito à vida, como sendo um direito inviolável e indisponível. Não obstante, esta Carta Magna traz como fundamento o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana.
Hodiernamente, há uma preocupação marcante na sociedade, com relação à prática da
eutanásia e suas variações, que atinge diretamente os dispositivos constitucionais.
O presente trabalho, no intuito de perquirir acerca da constitucionalidade ou não da
ortotanásia, procedimento médico previsto da Resolução nº 1.805, do Conselho Federal de
Medicina – CFM , fará uma delimitação conceitual da eutanásia e de algumas de suas variações,
abordando principalmente o conceito de ortotanásia e a sua diferença da eutanásia passiva.
1
Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF), advogada
DWXDQWHQDViUHDVFLYLOHSUHYLGHQFLiULRHPDLOSUR¿VVLRQDOO\DPRXUD#KRWPDLOFRP*7,,±%LRpWLFDH6D~GH
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Imperioso salientar como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana pode ser apliFDGRQRGLUHLWRjYLGDGHVWDIHLWDFXPSUHDSUHVHQWHSHVTXLVDYHUL¿FDUVHDYLGDJDUDQWLGD
constitucionalmente garantida é uma vida lato sensu ou uma vida digna.
Outro ponto importante a ser abordado no trabalho em tela é a questão dos limites imSRVWRVSHOR3ULQFtSLRGD'LJQLGDGHGD3HVVRD+XPDQDDRVDYDQoRVFLHQWt¿FRHWHFQROyJLFR
da medicina, no que respeito à possibilidade de prolongamento da vida de pacientes portadores de doenças incuráveis que se encontram em estado terminal, dando origem à chamada
“obstinação terapêutica”.
2&)0FRPD¿QDOLGDGHGHHYLWDUD³REVWLQDomRWHUDSrXWLFD´DRVXEPHWHURSDFLHQWH
WHUPLQDODWUDWDPHQWRVH[WUDRUGLQiULRVVREDMXVWL¿FDWLYDGHSURORQJDUDYLGDFULRXD5HVRlução 1.805/2006.
Aludida resolução trouxe polêmica tanto no campo jurídico quanto no campo da medicina moderna, suscitando discussões tais como: a ortotanásia em confronto com Direitos e
Garantias Fundamentais consagradas constitucionalmente; a relativização do direito à vida
em determinado caso concreto; e a possibilidade de resolução de caráter administrativo regulamentar que descriminaliza conduta médica.
Em que pesem as referidas contendas, a intenção do presente trabalho é enfrentar o
tema, principalmente sobre o mote da regulamentação da ortotanásia no Direito brasileiro,
tendo em vista que diante da lacuna no nosso ordenamento, o fato gera grandes celeumas
em torno da vida humana.
ORTOTANÁSIA
A “eutanásia” possui uma etimologia simples, “eu´HPJUHJRVLJQL¿FD³EHP´RX³ERP´
e thanatosVLJQL¿FD³PRUWH´(PVXDRULJHPDSDODYUDHXWDQiVLDWHPRVHQWLGRGHERDPRUWH
ou morte fácil (PESSINI, 2002, p.287).
$HXWDQiVLDFRQVLVWHHPS{U¿PjYLGDGHXPVHUKXPDQDTXHHVWiHPIDVHWHUPLQDO
ocasionada por moléstia incurável. Em outras palavras, é a antecipação da morte de alguém
por ser a situação em que o paciente se encontra, irreversível, objetivando poupar sofrimento
(VELOSO FILHO, 2007).
Atualmente, diante da lacuna jurídica a respeito da eutanásia, esta prática é considerada,
pela maioria da doutrina, como homicídio privilegiado, já que o autor deve agir movido por
piedade, compaixão, em paciente vítima de forte sofrimento e portador de doença incurável.
Em contrapartida, uma minoria entende que se não houver o preenchimento desses
SUHVVXSRVWRVVHULDFDVRGHKRPLFtGLRVLPSOHVRXPHVPRTXDOL¿FDGR%25*(6
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É válido esclarecer, que não é correto falar em eutanásia quando se busca somente causar
DPRUWHVHPKDYHUPRWLYDomRKXPDQtVWLFD&RPRD¿UPDGRDQWHULRUPHQWHVyVHFRQ¿JXUD
a prática da eutanásia quando a morte provocada em enfermo, com doença incurável, em
estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, sendo a ação movida por compaixão ou
piedade em relação ao mesmo.
A mistanásia, também denominada, erroneamente, de eutanásia social, vem do grego,
morte infeliz, visto quePLVHPJUHJRVLJQL¿FDLQIHOL]2VLOXVWUHVGRXWULQDGRUHV&KULVWLDQ
Barchifontaine e Leo Pessini se referiram a esta forma de eutanásia em sua obra “Bioética,
DOJXQVGHVD¿RVFROHomRELRpWLFDHPSHUVSHFWLYD´FRPRPXVWDQiVLDTXHVHULDDPRUWHGHUDWR
no esgoto, uma vez que musHPJUHJRVLJQL¿FDUDWR%$5&+,)217$,1(3(66,1,
É conhecida como a morte miserável, por ser precoce e injusta, muitas vezes causadas
pela desigualdade social; na medida em que, num contexto geral, seria a morte infeliz ocasionada por sistemas e estruturas que se enquadram além do cenário médico hospitalar. A
título de ilustração, a mistanásia seria a morte decorrente da fome, da falta de dinheiro, de
torturas de regimes políticos (BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2002).
É um atentado à dignidade, já que ocorre quando não existem condições básicas para
DD¿UPDomRGDYLGDTXLoiDGLJQLGDGHGHYLYHUSOHQDPHQWH%$5&+,)217$,1(3(66,1,
2005).
A distanásia, por sua vez, é a utilização de todos os recursos disponíveis para prolongar
DYLGD(PRXWUDVSDODYUDVpRSURORQJDPHQWRDUWL¿FLDOH[DJHUDGRGRSURFHVVRGHPRUWHGH
um paciente.
Voltando-se para um contexto médico hospitalar, o oposto da eutanásia seria o proORQJDPHQWR DUWL¿FLDO GD YLGD DOpP GR SURFHGLPHQWR PpGLFR FRPXP &RQIRUPH HQVLQDP
Barchifontaine e Pessini, é o “encarniçamento terapêutico”, visando adiar a morte biológica
a todo custo, como se fosse um inimigo a ser vencido (BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2002).
Com essa atitude, não se prolonga a vida propriamente dita, mas força um prolonJDPHQWRGRSURFHVVRGHPRUUHU³eDREVWLQDomRWHUDSrXWLFDTXHQHJDD¿QLWXGHKXPDQD´
(PESSINI, 2007).
Há uma prorrogação da agonia e do sofrimento do acamado, haja vista a modernização
da medicina e das tecnologias biomédicas possibilitando um tratamento que protele o processo
GHPRUWHGRHQIHUPR'HYHVHDFUHVFHQWDUDLQGDTXHDSHVDUGHWRGDDÀLomRVRIULGDQHPD
equipe médica nem o paciente possuem reais expectativas de melhoria de vida.
Importante conceituar ainda a eutanásia passiva ou eutanásia por omissão, que muitos
doutrinadores, erroneamente, confundem como sinônimo da ortotanásia. Esta técnica con-
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siste na interrupção imediata e abrupta de tratamentos médicos úteis, antecipando assim a
morte, mesmo que tais procedimentos sejam indicados e proporcionais para uma possível
PHOKRUDVLJQL¿FDWLYDGRGRHQWH&$%(77(
Mister evidenciar, que na eutanásia passiva ainda existem meios de melhorar a condição
ItVLFDGRHQIHUPRWRGDYLDRSUR¿VVLRQDOGDVD~GHPHVPRHVWDQGRFLHQWHGHWDOIDWRGHL[DGH
ministrar o tratamento necessário, fato este que diverge da ortotanásia, como veremos adiante.
9DOHUHVVDOWDUDLQGDTXHRDXWRUGDFRQGXWDQRFDVRRSUR¿VVLRQDOGDVD~GHHVWDUi
matando por negligência, pois ele deveria agir para evitar a morte e não age, fato este que
não ocorre na ortotanásia, tendo em vista que, nessa hipótese, a omissão do autor decorre
do fato de sua ação seria inútil para prolongar a vida, trazendo mero sofrimento e angústia
ao paciente (CABETTE, 2009).
3RU¿PDRUWRWDQiVLDpFRQFHLWXDGDFRPRDDUWHGHEHPPRUUHUGHPRGRDSULRUL]DU
a qualidade de vida que ainda resta. Assim, tal prática não se confunde em hipótese alguma com a mistanásia, e não se assemelha a eutanásia (abreviamento da vida) ou distanásia
(prolongamento da agonia e do processo do morrer), haja vista que tem como compromisso
a promoção do bem-estar do acamado crônico e terminal, garantindo a dignidade no viver e
no morrer (PESSINI, 2004).
Inserido ao conceito de ortotanásia estão, além da opção do acometido de moléstia
irreversível ou que haja ameaça real de morte, também todos aqueles que o cercam, principalmente familiares. Isso porque a morte não é uma doença a se curar, ela deve ser tratada
como uma certeza da vida.
Em suma, é necessário que a sociedade ocidental entenda a diferença entre manter a
vida quando este procedimento é o mais adequado e permitir que uma pessoa faleça quando
chegou a hora em que a morte se evidencia (BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2002).
(Q¿PDSyVDQiOLVHVXFLQWDGDVGLIHUHQWHVPDQHLUDVHPTXHDPRUWHSRGHRFRUUHUFKHJD-se a uma conclusão primária de que a ortotanásia é a solução mais adequada para uma morte
digna e humanizada dos acamados que se encontram em situações de extremo sofrimento,
SHODDEVROXWDLQH¿FiFLDGHTXDOTXHULQWHUYHQomRPpGLFD
É válido esclarecer ainda, que a ortotanásia não é vista como a causa de morte do paciente, mas sim como a sua morte natural, uma vez que o processo de morte já está instalado.
7HPSRU¿QDOLGDGHHYLWDUDGLVWDQiVLDGHL[DQGRDPRUWHVHGHVHQYROYHUQDWXUDOPHQWHGH
forma humanizada, tendo em vista a manutenção da integridade humana.
2 JUDQGH GHVD¿R GD RUWRWDQiVLD p UHVJDWDU D GLJQLGDGH GR VHU KXPDQR QD ~OWLPD
fase de sua vida, especialmente quando for marcada por dor e sofrimento. Neste aspecto,
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vislumbra-se que este método é a antítese de toda forma de tortura, morte violenta ou qualquer outra maneira que além da vida é retirada também a dignidade (BARCHIFONTAINE;
PESSINI, 2002).
DIREITO À VIDA
O direito à vida é condicionador de todos os demais direitos e garantias fundamentais
do home, tendo em vista ser o mais básico dos direitos, pois para haver outros direitos devem
estar vivos. Por isso, é considerado o direito humano mais sagrado (TAVARES, 2012).
Tal direito possui uma visão dupla, uma relacionada ao direito de existir do ser humano,
de continuar vivo até a interrupção da vida por suas causas naturais; e outra diretamente
ligada à qualidade de vida, que assegura ao ser humano, viver de forma digna, com um nível
mínimo existencial, ou seja, direito à alimentação adequada, à moradia, ao vestuário, à saúde,
à educação, à cultura e ao lazer (TAVARES, 2012).
O direito à existência consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a
própria vida, de permanecer vivo, não interrompendo este processo vital por outro meio que
não a morte espontânea inevitável. Sob este prisma, toda e qualquer forma de interpretação
do processo vital é punida pela legislação penal (SILVA, 2012).
Insta salientar que o Art..2º, do Código Civil vigente, versa que a personalidade da pessoa natural se inicia com a vida extrauterina, contudo ao ordenamento jurídico ressalva os
direitos do nascituro desde a concepção (TAVARES, 2012).
O direito à vida é um direito irrenunciável, intransmissível e indisponível; assim, nenhum
ser humano tem o direito de dispor de sua própria vida ou da de outrem.
Por estas três características intrínsecas da garantia ora tratada é que a prática de algumas condutas não são toleradas no nosso ordenamento jurídico, dentre elas: a eutanásia,
considerada como conduta ilícita, punida como crime de homicídio; a pena de morte, que é
expressamente vedada pela Carta Magna, salvo em caso de guerra declarada; e auxílio, induomRRXLQVWLJDomRDRVXLFtGLRWLSL¿FDGRVFRPRFULPHSHOR&yGLJR3HQDO
Não obstante, observa-se que direito à vida assegura: a vida, a integridade física, a honra
e a liberdade individual (PINHO, 2012).
Todavia, mister acrescentar que as condutas praticadas em estado de necessidade e em
legítima defesa são tidas como excludentes de proteção à vida. O que se vislumbra é a legitimidade de cada indivíduo para defender-se de condutas que atentam contra a sua própria
vida ou de outrem (TAVARES, 2012).
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É possível observar ainda a não incidência do direito à vida nos casos em que há autorização de sua interrupção na gestação, como a possibilidade de realizar o aborto quando não
há outra maneira de salvar a vida da gestante, ou quando a gravidez é resultante de estupro,
ambas as hipóteses previstas no Código Penal (TAVARES, 2012).
DIREITO À LIBERDADE
Direito à liberdade é a pessoa ter a faculdade de fazer ou não algo, sempre envolvendo
uma escolha entre alternativas, de acordo com sua própria vontade (PINHO, 2012).
Salienta-se que nenhum direito é absoluto, quiçá o direito de liberdade, que possui limitações impostas pelo princípio da legalidade. Tanto que o artigo 5º, da Constituição Federal,
expõe expressamente que o indivíduo é livre para fazer tudo aquilo que não é proibido em
lei (PINHO, 2012).
São várias as liberdades conferidas ao indivíduo. O presente artigo só irá abordar a
liberdade sob o ponto de vista do livre-arbítrio, no que tange à faculdade do homem em
escolher o seu destino, possuindo plena liberdade de agir de acordo com a sua consciência
(PINHO, 2012).
A liberdade em destaque será a que o indivíduo, portador de doença incurável em fase
terminal, tem de se utilizar, do seu livre-arbítrio, de acordo com o princípio da autonomia, para
HVFROKHUVHLUiVHVXEPHWHUDWUDWDPHQWRVH[WUDRUGLQiULRVFRPD¿QDOLGDGHGHSURORQJDUDYLGD
Porém, como abordado no tópico anterior, o direito à vida é um direito indisponível, não
podendo o indivíduo dispor de sua própria vida ou da de outrem. Nesse caso, o mencionado
direito sofreria certas restrições, não podendo o ser humano se utilizar do seu livre-arbítrio
para dispor de sua vida.
O direito à liberdade deve ser observado seguindo os preceitos determinados pelo
princípio da dignidade da pessoa humana, que garante ao indivíduo uma vida digna desde o
momento de seu nascimento até o momento de sua morte.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana possui raízes no pensamento clássico e no ideário cristão.
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podem ser encontradas referências de que “
o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus” e que o ser humano é dotado de
um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou
instrumento (SARLET, 2012).
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No decorrer dos tempos, a noção de dignidade vem se completando com o preceito de
,PPDQXHO.DQWTXHD¿UPDTXHDGLJQLGDGHSDUWHGDDXWRQRPLDpWLFDGRVHUKXPDQRVHQGR
esta o fundamento da dignidade do homem. Baseada nesse conceito que a doutrina jurídica
encontra bases para uma fundamentação do princípio da dignidade humana.
A Carta Política brasileira traz o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no artigo
primeiro, consagrando como fundamento do Estado democrático de direito.
Partindo dessa premissa, o constituinte, ao elaborar o texto constitucional, consagrou a
dignidade humana como princípio fundamental basilar da República Federativa do Brasil, de
modo que se tornou uma norma a ser seguida por todos os direitos e garantias fundamentais
(SARLET, 2012).
Ao alocar a dignidade no patamar de um fundamento da Constituição, o constituinte
GHPRQVWURXGHPDQHLUDKLDOLQDTXHD¿QDOLGDGHGDDWXDomRHVWDWDOpDSURWHomRDRVHUKXPDQR
e que todas as normas jurídicas devem ser condutoras da dignidade humana (SARLET, 2012).
$GLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQDpD¿JXUDGDSDUDSURWHomRGRKRPHPFRPRQRomRPRUDO
H¿ORVy¿FDLQGHSHQGHQWHGHFUHQoDUDoDHWQLDRXVH[RVHQGRSULPRUGLDOFRQIHULUUHVSHLWDbilidade dos homens.
É notória a necessidade de proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, uma
vez que, com os avanços tecnológicos, os indivíduos estão sujeitos não só a benefícios, mas
também a danos irreparáveis, uma vez que aumenta o controle do processo de morte.
A partir do surgimento desses avanços, é conceituada a chamada obstinação terapêutica,
que tem a intenção de estender os efeitos do tratamento de forma desmedida, sendo vista como
uma prática médica excessiva e abusiva, decorrente dos progressos oferecidos pela tecnociência.
$REVWLQDomRWHUDSrXWLFDpRFRPSRUWDPHQWRDGRWDGRSHORSUR¿VVLRQDOGDVD~GHTXH
consiste em utilizar procedimentos terapêuticos, cujo efeito é mais nocivo ou inútil, diante da
impossibilidade de cura e da ausência de expectativa para evitar inconvenientes previsíveis
(BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2005).
O que ocorre é que a obstinação terapêutica tem o seu foco na tecnologia e não no bem
do doente, burlando a dignidade da pessoa. O ser humano deve estar sempre em primeiro
plano, não o seu tratamento.
O que se reivindica nos tempos atuais é o apossamento da morte pelo próprio doente,
tendo ele o direito de resguardar sua qualidade de vida mesmo na hora da morte, garantindo
uma morte digna ao se recusar a procedimentos que apenas prolongam sua agonia.
Os surgimentos das novas formas de prolongar o tratamento dos doentes terminais,
adiando a sua morte, ultrajam a dignidade da pessoa, causando mais dor e sofrimento a ela
e aos seus familiares.
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Nesta perspectiva que se encontra o Código de Ética Médica brasileiro, que traz o tratamento como um benefício ao doente, não devendo o mesmo gerar sofrimento, nem atentar
contra a dignidade e integridade das pessoas.
HIERARQUIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Pelo Princípio da Supremacia da Constituição, a Carta Magna vigente é a lei suprema
do Estado brasileiro, estando no topo da cadeia hierárquica legislativa. Neste aspecto, o restante das disposições legais que integram o ordenamento jurídico nacional só será válido se
estiverem compatíveis com as normas constitucionais (SILVA, 2012).
O referido princípio se baseia na rigidez constitucional, pelo fato de haver maior di¿FXOGDGHSDUDDDOWHUDomRRXPRGL¿FDomRGDVQRUPDVMXUtGLFDVFRQVWLWXFLRQDLVRTXHS}H
WDLVGLVSRVLo}HVQRWRSRGRVLVWHPDMXUtGLFREUDVLOHLURJDUDQWLQGRDH¿FiFLDHDYDOLGDGHjV
demais normas (SILVA, 2012).
Pelo princípio da supremacia, as normas que são hierarquicamente inferiores a ConstiWXLomRVyVHWRUQDPYiOLGDVTXDQGRQmRKiFRQÀLWRFRPDVQRUPDVFRQVWLWXFLRQDLVHTXDQGR
se utilizam do procedimento legislativo adequado.
As espécies normativas do processo legislativo estão previstas no artigo 59, da Constituição Federal, e são: as emendas à Constituição; as leis complementares; as leis ordinárias;
as leis delegadas; as medidas provisórias; os decretos legislativos; e as resoluções.
A primeira das espécies normativas prevista no dispositivo aludido é a Emenda à ConstiWXLomRTXHYLVDDFUHVFHQWDUVXSULPLURXPRGL¿FDURWH[WRFRQVWLWXFLRQDO&$59$/+2
$HPHQGDFRQVWLWXFLRQDOpVXEPHWLGDDXPSURFHVVRIRUPDOGLIHUHQFLDGRSDUDPRGL¿FDU
uma constituição rígida, sendo necessárias formalidades estabelecidas nas próprias constituições para o exercício do poder reformador (SILVA, 2012).
$GHPDLVHVWDPRGDOLGDGHQRUPDWLYDWHPSRU¿QDOLGDGHDSHQDVDPRGL¿FDomRGHGHWHUPLQDGRVSRQWRVHPTXHROHJLVODGRUQmRFRQVHJXLXDOFDQoDUDH¿FiFLDGHVHMDGDDRHODERUDU
o texto constitucional.
A segunda espécie normativa prevista no processo legislativo são as leis complementares.
Este tipo normativo é utilizado em casos taxativamente previstos na Carta Política e possui
XPDDOWHUDomRPDLVÀH[tYHOHPUHODomRjVHPHQGDVFRQVWLWXFLRQDLV
Em suma, a lei complementar foi criada, pois o legislador constituinte entendeu que
determinadas matérias, não obstante tamanha importância, não deveriam ser regulamentadas
no texto constitucional, sob pena de engessamento de futuras alterações. Contudo, o mesmo
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legislador, decidiu não instituir o mesmo processo legislativo ordinário, para evitar constantes alterações sobre assuntos que merecem atenção especial. Para isso, criou dois elementos
diferenciadores: matéria própria e TXyUXP diferenciado (MORAES, 2012).
A terceira espécie normativa prevista são as leis ordinárias, que podem dispor sobre
WRGDVDVPDWpULDVFDEHQGRDROHJLVODGRUGH¿QLUTXDLVGHYHPVHUQRUPDWL]DGDV$FRQVWLWXLomR
porém, determina que as matérias reservadas às leis complementares e as privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são vedadas às leis ordinárias (CARVALHO, 2012).
O processo de elaboração de uma lei ordinária é o procedimento comum e possuem
várias fases, quais sejam: introdutória (apresentação do projeto); constitutiva (apresentação
do projeto de lei ao Congresso Nacional, com votação nas duas Casas, podendo rejeitar ou
aprovar o projeto), e complementar (promulgação e publicação da lei) (TAVARES, 2012).
A quarta espécie normativa prevista é a lei delegada, que é entendida como a autorização concedida pelo Congresso Nacional ao Presidente da República, pela elaboração de leis
delegadas (CARVALHO, 2012).
Tal ato normativo é elaborado e editado pelo Presidente da República, de acordo com os
limites estabelecidos pelo Poder Legislativo. Este deverá solicitar a delegação ao Congresso
Nacional e indicar, desde já, o assunto da lei que será objeto do projeto. Logo após, este pedido
será encaminhado ao Congresso e submetido à votação por suas Casas. Depois de aprovada
a criação da lei, o Presidente irá elaborar o texto, promulgá-lo e publicá-lo.
Salienta-se que a aprovação da solicitação da lei delegada pelo Congresso Nacional possui
caráter provisório, não podendo ultrapassar a legislatura do Chefe de Estado em exercício
(MORAES, 2012).
A quinta espécie são as medidas provisórias, em que o Presidente da República, em
casos de extrema relevância e urgência, poderá adotar tais medidas, com força da lei, que são
H¿FD]HVDSDUWLUGHVXDSXEOLFDomR(VVDVPHGLGDVLUmRYLJRUDUSHORSUD]RGHVHVVHQWDGLDV
prorrogável por igual período. Ressalta-se que é hipótese excepcional, devendo ser utilizada
como última alternativa (FERREIRA FILHO, 2012).
As medidas provisórias são um ato normativo primário e geral, devido ao fato de que
que o edita é sempre o Presidente, exercendo sua competência constitucional.
A sexta espécie normativa expressa é o decreto legislativo, que é uma norma destinada a
veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas, basicamente,
no artigo 49, do texto constitucional (MORAES, 2012).
A Carta Magna não exige que tais decretos sejam remetidos ao Presidente da República
para promulgação ou veto, pois as matérias regulamentadas são de competência exclusiva do
Congresso Nacional, não dependendo de sanção ou veto.
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3RU¿PDVpWLPDHVSpFLHSUHYLVWDQRSURFHVVROHJLVODWLYRVmRDVUHVROXo}HVTXHDVVLP
como os decretos legislativos, regulamentam matérias que são próprias do Congresso Nacional.
Aquelas se diferenciam desses, pois seus efeitos são internos (LQWHUQDFRUSRULV), já que
regulam matérias exclusivas de cada Casa Legislativa, São deliberações tomadas fora do
processo de elaboração da lei, para regulamentar assuntos administrativos ou meramente
políticos (FERREIRA FILHO, 2012).
Existem as resoluções oriundas diretamente do Congresso Nacional e resoluções que
são emanadas de órgãos administrativos ligados ao Governo, como é o caso da que é objeto
de análise.
Importante acrescentar ainda, que as resoluções de órgãos administrativos são típicos
atos administrativos, que possuem natureza derivada; assim, há pressuposto de existência
de lei ou outro ato legislativo a que estejam subordinadas.
Dessa forma, não se confundem com as resoluções previstas no texto constitucional, que
VmRDWRVDXW{QRPRVHGHQDWXUH]DSULPiULDQmRVHFRQ¿JXUDQGRFRPRDWRVDGPLQLVWUDWLYRV
propriamente ditos.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 1.805/2006, DO CONSELHO FEDERAL
DE MEDICINA
A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada no
'LiULR2¿FLDOGD8QLmRHPGLVFLSOLQDDRUWRWDQiVLDGHPRGRTXHDXWRUL]DDGministrativamente, a realização desta prática.
Tal instrumento normativo foi criado para facultar os médicos, mediante autorização
da família, a interrupção de tratamentos em doentes terminais que não tenham mais a possibilidade de gozar de uma vida digna (MOREIRA, 2007).
A esfera jurídica aponta vários entendimentos doutrinários divergentes no que diz
respeito à legalidade desta conduta e à constitucionalidade da Resolução 1.805/2006. Por
LVVRVHUmRDERUGDGRVDPERVRVSRVLFLRQDPHQWRVSDUDQR¿PFKHJDUDXPDFRQFOXVmRFRP
relação à prática da ortotanásia.
Primeiramente, relevante observar que ao editar a Resolução, o CFM “conferiu aos
SUR¿VVLRQDLVPpGLFRVDDXWRUL]DomRVRERVSRQWRVGHYLVWDGHRQWROyJLFRGHSURIHULUHPXP
julgamento, em conjunto com o doente ou seu representante legal”, quando estiverem diante
de um caso de ortotanásia (CABETTE, 2009).
É perceptível a lacuna legislativa com relação às práticas das condutas de eutanásia e
ortotanásia no ordenamento jurídico brasileiro, gerando uma insegurança jurídica em face
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de tal omissão, e, por conseguinte, ocasiona divergências plausíveis quanto à aplicabilidade
da resolução em comento (CABETTE, 2009).
A nítida intenção do CFM ao editar a acenada resolução é preservar a dignidade do
paciente ao facultar ao médico o prolongamento da vida do enfermo a qualquer custo. Neste
caso, é o paciente ou seu representante legal que irá decidir sobre a continuidade do tratamento; sendo facultada, inclusive, a opção de requisitar alta do hospital para que a pessoa
possa escolher como deve passar seus últimos momentos (MOREIRA, 2007).
A prática da ortotanásia é a decorrência efetiva dos princípios da dignidade humana e
do direito à liberdade, permitindo que cada ser humano tenha a possibilidade de escolher
FRPRLUiSDVVDUVHXVPRPHQWRV¿QDLVMiTXHVHPDOLEHUGDGHQmRH[LVWHDGLJQLGDGH
1HVVHGLDSDVmRpSRVVtYHOD¿UPDUTXHDVQRUPDVQmRSRGHPVHULQWHUSUHWDGDVDSHQDV
em seu sentido literal. O direito do paciente ao seu livre-arbítrio, de escolher se irá ou não se
submeter a determinado tratamento, está intimamente ligado ao princípio da autonomia, que
garante a possibilidade de optar pela solução mais apropriada na ótica do doente terminal.
Ademais, é observando o princípio da dignidade da pessoa humana, que se percebe que
os avanços tecnológicos à disposição dos médicos, não trazem somente benefícios à saúde das
pessoas, como também podem acabar afetando a sua dignidade (SANTOS, 2001).
Um ponto de vista bastante discutido, defendendo a constitucionalidade da Resolução,
se baseia no fato de que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites aos avanoRVFLHQWt¿FRVVHQGRGHIHVRjFLrQFLDXOWUDSDVVDURVOLPLWHVLPSRVWRVSRUHVWHIXQGDPHQWR
constitucional, na medida em que devem ser repetidas as práticas que atentem contra a
YLGDPHVPRTXHVHMDSRUXPDMXVWL¿FDWLYDGHSURSRUFLRQDUXPDPHOKRUTXDOLGDGHGHYLGD
ao enfermo (SANTOS, 2001).
O que se vislumbra com este estudo, é elucidar um típico caso de colisão entre direitos
e garantias fundamentais, devendo ser analisado caso a caso, sempre dentro das metas estaEHOHFLGDVSHOD&DUWD0DJQDSDUDDR¿QDOUHVROYHUTXDOLUiSUHYDOHFHU
3DUDDPDLRULDGRVPpGLFRVQmRH[LVWHYLRODomRpWLFDTXDQGRRSUR¿VVLRQDOGDVD~GH
suspende o tratamento que é considerado inútil e doloroso do doente em fase terminal, respeitando a sua vontade ou de sua família (SILVA JR., 2007).
Na visão do cardiologista Roberto Luiz D’Ávila (apud CABETTE, 2009, p. 35-36), um
dos responsáveis pela criação do texto da Resolução, a ortotanásia:
“não é uma infração ética nem uma derrota”. Segundo ele, “os médicos são treinados para vencer a morte
a qualquer custo”. No entanto, isso seria um erro a ser corrigido, devendo-se banir da prática médica a
chamada “futilidade” ou “obstinação terapêutica”. Para D’Avila é importante que os médicos se preocupem
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menos com a morte e mais com o paciente, atentando para que ele tenha uma morte sem sofrimento e
até com sedação se necessário, não se olvidando os imprescindíveis apoios “psíquico e espiritual”. Nesse
FRQWH[WRDPRUWHQmRPDLVVHFRQ¿JXUDULDDRPpGLFRFRPRXPLQLPLJRDVHUFRPEDWLGRDTXDOTXHUFXVWR
mas como “algo natural”.
Segundo essa resolução, a prática da ortotanásia somente será permitida caso sejam
mantidos os cuidados que serão necessários para aliviar o sofrimento do doente, dentre
eles, o oferecimento de uma assistência integral, conforto físico, psíquico, social e espiritual,
devendo o procedimento ser todo fundamentado e registrado em prontuário. O médico não
estaria retirando a vida de um paciente que se encontra em estado de extremo sofrimento,
mas sim minimizando os efeitos da doença, sem ter que se utilizar de meios extraordinários,
que atentam contra a dignidade humana (SANTO, 2009).
A resolução tem provocado várias discussões no mundo jurídico, principalmente no que
diz respeito ao direito à vida, uma vez que a Constituição Federal garante a inviolabilidade
desse direito, por ser indisponível.
Desta feita, qualquer ato, seja ação ou omissão, que contribua para a morte de um paciente que se encontra em estado terminal, está violando o direito à vida, garantido como direito
fundamental pela Carta Magna. A prática da ortotanásia não imputa somente a violação ao
direito à vida, mas também a conduta do medico que a pratica, já que o mesmo tem o dever
SUR¿VVLRQDOGHVDOYDUYLGDV6,/9$-5
Em outro diapasão, segundo os doutrinadores que defendem a constitucionalidade da
Resolução, tal abordagem não é juridicamente correta, já que num Estado democrático de
direito não existe nenhum direito que seja absoluto, nem mesmo o direito à vida. Ainda saOLHQWDPTXHDMXVWLoDQmRVHFRQ¿JXUDFRPDDSOLFDomRGDOLWHUDOLGDGHGRVGLVSRVLWLYRVOHJDLV
PDVFRPDDQiOLVHSRQWXDOGHFDGDFDVRFRQFUHWRHVHQHFHVViULRÀH[LELOL]DURWH[WROHJDO
$SDUWLUGHVWDD¿UPDomRpTXHYiULRVPHPEURVGDVFRPXQLGDGHVPpGLFDHMXUtGLFDGHIHQdem a aplicação da Resolução 1.805/2006 do CFM para regulamentar a prática da ortotanásia.
Para chegar-se a um entendimento maduro constitucionalmente, cada caso de colisão
entre direitos e garantias deve ser analisado separadamente, sendo efetivado um juízo de
SRQGHUDomRVREUHRFDVRFRQFUHWRLGHQWL¿FDQGRTXDOGLUHLWRGHYHSUHYDOHFHU&RPRPHQFLRnado, não há hierarquia entre disposições constitucionais, há apenas um valor preponderante
sobre outro, a depender do caso concreto. (VELOSO FILHO, 2007).
Segundo José Carlos Veloso Filho, o direito à vida deve estar complementado pelo qualitativo, tendo em vista que não se pode ter uma visão reducionista do sistema constitucional,
colocando a dignidade da pessoa humana em segundo plano (VELOSO FILHO, 2007).
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Como já abordado, a conduta da ortotanásia visa garantir uma morte digna ao paciente portador de doença terminal. É considerada uma morte correta, por meio de abstenção,
supressão ou limitação de todo tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional, ante a
iminência de falecimento do paciente (CABETTE, 2009).
Diante de tal argumento, parte da doutrina considerada a ortotanásia um procedimento
constitucionalmente lícito, uma vez que, com a análise do princípio do direito à vida e do
princípio da dignidade da pessoa humana, chega-se a conclusão de que a vida garantida pela
Constituição Federal é uma vida digna, desde o momento de sua concepção até o momento
da morte (SANTO, 2009).
Mister esclarecer que para que a prática da ortotanásia ocorra de forma lícita, a resolução objeto deste capítulo deve ser cumprida em todos os seus requisitos e determinações,
sob pena de ofensa ao direito à vida.
Não obstante, segundo os parâmetros do Código de Ética Médica, a prática da ortotanáVLDHVWiHPFRQVRQkQFLDFRPRDUWLJRžGRUHIHULGRGLSORPDHODWHPSRU¿QDOLGDGHLPSHGLU
que o ser humano passe por tratamentos fúteis que só trazem sofrimento e atentam contra
a sua dignidade.
Sob o ponto de vista médico, a ortotanásia não pode ser vista como um crime, mas sim
como um procedimento que respeita a dignidade no processo do morrer em doente terminal
(SILVA JR., 2007).
Nesse diapasão, a resolução é vista como sendo constitucional, já que não fere a nenhum
princípio constitucional, visto que o direito garantido é a uma vida digna (SILVA JR., 2007).
É imprescindível expor que a resolução em estudo foi atacada pelo Ministério Público
Federal, em Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-3, cujo pedido era a concessão de liminar para suspender os efeitos do aludido instrumento normativo, sob a alegação de que o
CFM não possuiria poder regulamentar para dispor sobre o direito à vida.
Tal liminar foi deferida pelo Juiz da 14ª Vara Federal o Distrito Federal, em 23 de outuEURGHSRUHQWHQGHUTXHKiFRQÀLWRDSDUHQWHHQWUHD5HVROXomRRUDGLVFXWLGDH&yGLJR
Penal Brasileiro, voltando à prática da ortotanásia a ser proibida administrativamente.
1HVWHDVSHFWRRVSUR¿VVLRQDLVGDVD~GHIRUDPREULJDGRVDXWLOL]DUWRGRVRVPHLRVGH
tratamento para o prolongamento da vida do paciente, ainda que tais médicos só piorassem
o sofrimento do enfermo terminal (AGUIAR, 2008).
A liminar deferida foi bastante criticada pelos que defendem a constitucionalidade da
ortotanásia, pois, mesmo que o direito à vida seja um direito indisponível, a pessoa tem o
direito de aceitar a chegada da sua morte natural, não sendo obrigada a se submeter a tratamentos extraordinários (AGUIAR, 2008).
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$QGUp0HQGHV(VStULWR6DQWR entende que a ortotanásia é conduta absolutamente constitucional, por estar de acordo com o direito à vida digna. Isso porque, limitar ou suspender
tratamento de paciente terminal cuja terapêutica não será revertida em seu benefício é ato com
amplo respaldo constitucional, eis que garante a dignidade do ser humano (SANTO, 2009).
Para que a dignidade humana seja preservada, o direito à vida, em determinadas situações, deve ser relativizado, observando-se a devida ponderação dos princípios constitucionais
em cada caso concreto. O direito à vida não é absoluto, devendo ser ponderado com as demais
JDUDQWLDVFRPR¿WRGHSUHVHUYDUDGLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQD$*8,$5
Os argumentos de que aludida Resolução é constitucional são nobres, porém, bastante
questionados pelos que possuem opinião diversa.
Sob o aspecto da inconstitucionalidade, vislumbra-se, porém, que a Resolução não
produz efeitos jurídicos, já que é uma decisão tomada por uma corporação, não sendo, na
hierarquia das leis, superior às disposições do Código Penal Brasileiro, que foi devidamente
discutido e aprovado pelo Congresso Nacional.
Em outras palavras, a Resolução só garante ao médico que ao praticar a ortotanásia
haverá a isenção de qualquer procedimento administrativo de natureza ética, porém, não
exime a responsabilidade criminal e civil.
Partindo deste preceito, é que o magistrado, citado anteriormente, proferiu liminar suspendendo os efeitos da Resolução 1.805/2006, não permitindo a realização do procedimento.
(VWHMXt]RD¿UPRXTXHDJORVDGDRUWRWDQiVLDQmRSRGHVHUUHDOL]DGDSRUPHLRGHUHVROXomRDSURYDGDSHOR&)0PDVPHGLDQWHOHL(QDLQWHQomRGHVXSULUDODFXQDGHOHLHVSHFt¿FD
pode ser feita uma provocação ao STF para “judicializar” a questão, como foi feito no caso
do crime de aborto no caso de anencéfalo (ADPF nº 54). Assim, este juízo sai do mérito da
TXHVWmRHSDVVDDDQDOLVDURDSDUHQWHFRQÀLWRHQWUHDUHVROXomRHR&yGLJR3HQDOD¿UPDQGR
DLQGDTXHSHORVLPSOHVIDWRGHKDYHUDPHUDDSDUrQFLDGHFRQÀLWRMipVX¿FLHQWHSDUDVXVSHQder a Resolução 1.805/2006 em sede de antecipação de tutela.
Ocorre que, em razão da desistência da demanda intentada pelo Ministério Público
)HGHUDORSUySULRPDJLVWUDGRTXHGH¿UDDOLPLQDUTXHLPSHGLDDSUiWLFDGDRUWRWDQiVLDD
revogou e restabeleceu todos os efeitos da Resolução, sendo a ação julgada improcedente.
Como o CFM é uma autarquia federal, ou seja, um órgão da Administração Pública, as
UHVROXo}HVHODERUDGDVSRUHOHVmRWtSLFRVDWRVDGPLQLVWUDWLYRVTXHWHPSRU¿QDOLGDGHUHJXODU
PDWpULDHVSHFt¿FDFRQIRUPHGHPRQVWUDGRDQWHULRUPHQWH
Desta maneira, a Resolução 1.805/2006 CFM, é apenas um conjunto de regras destinado
DUHJXODPHQWDUPDWpULDHVSHFt¿FDGDFDWHJRULDPpGLFDeREYLRTXHHVWDOHJLVODomRVHUYHXPD
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RULHQWDomRpWLFDPDVVXDH¿FiFLDpPHUDPHQWHTXDQWRjUHVSRQVDELOLGDGHpWLFDGRPpGLFR
não o eximindo de qualquer responsabilidade civil e criminal (CABETTE, 2009).
Diante do exposto, constata-se que normas meramente administrativas não possuem o
condão de regulamentar a matéria abordada. O Direito Penal deve sempre ser interpretado
UHVWULWLYDPHQWHQmRGHYHQGRDVUHJUDVTXHWLSL¿FDPFRQGXWDVDGPLQLVWUDWLYDVYHUVDUVREUH
PDWpULDVTXHVHFRQÀLWDPGLUHWDPHQWHFRPRVGLUHLWRVHJDUDQWLDVIXQGDPHQWDLVXPDYH]
que possuem status infralegal (MOREIRA, 2007).
O Conselho Federal de Medicina apenas tem a atribuição legal de regulamentar normas
éticas e administrativas, não podendo tratar de matérias que possuem grande relevância constitucional. Tais assuntos devem ser tratados única e exclusivamente pelo Poder Legislativo,
devendo a prática da ortotanásia ser regulamentada por lei federal (JUNQUEIRA, 2006).
Cabette (2009) entende que, em relação ao aspecto jurídico penal da matéria, a ResoluomRHPWHODQmR¿QGDDFHOHXPDVREUHDUHSURYDELOLGDGHFULPLQDOGDRUWRWDQiVLD(FRQWLQXD
VHXSRVLFLRQDPHQWRD¿UPDQGRTXHpGHWULYLDOFRQKHFLPHQWRTXHXPDUHVROXomRGHDXWDUTXLD
federal não pode alterar norma penal, muito menos criar tipos penais ou descriminalizar condutas, tendo em vista que a Carta Magna estabelece que tais atos são exclusivos de leis federais.
Existe hoje, a ocorrência de um impasse legislativo no que diz respeito à ortotanásia, o
procedimento médico é condenável do ponto de vista jurídico, embora tenha uma gama de
argumentos favoráveis para que ele ocorra.
No Brasil, o Código Penal não faz referência expressa à eutanásia e a nenhuma de suas
variações, que dependendo da conduta do agente, pode ser considerado homicídio, auxílio
ao suicídio ou pode, ainda, ser conduta atípica (SANTOS, 2001).
Extremamente relevante apontar que a doutrina majoritária defende o fato de que a práWLFDGDHXWDQiVLDFRQ¿JXUDRFULPHSUHYLVWRQRDUWLJR†žGR&3%KRPLFtGLRSULYLOHJLDGR
por motivo de relevante valor moral), uma vez que o agente age por piedade e compaixão,
visando a abreviar o sofrimento da vítima.
Contudo, a doutrina minoritária, defende que quando a eutanásia é praticada, depenGHQGRGDVLWXDomRHODSRGHFRQ¿JXUDURFULPHGHKRPLFtGLRVLPSOHVRXTXDOL¿FDGRDUW
caput, § 2º, incisos I, II e III, do CPB) (VELOSO FILHO, 2007).
Várias foram às tentativas de se excluir tal punição do Código Penal, ocorre que tal fato
não vingou, uma vez que o legislador preferiu observar o princípio da preservação da vida,
garantindo a punição de tal conduta. Não obstante, o legislador ao prever o homicídio privilegiado, garante a redução da pena de 1/6 a 1/3.
$ RUWRWDQiVLD VHJXQGR D GRXWULQD PDMRULWiULD FRQ¿JXUD KRPLFtGLR SULYLOHJLDGR SRU
omissão (art.121, § 1º c/c art. 13, § 2º, alínea “a”, do CPB). Porém, muitos doutrinadores vêm
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DGRWDQGRDFRUUHQWHGHTXHDRUWRWDQiVLDpIDWRDWtSLFRQmRFRQ¿JXUDQGRLOtFLWRSHQDOXPD
vez que o consentimento do ofendido é causa supralegal de exclusão da ilicitude (VELOSO
FILHO, 2007).
Diante desta omissão legislativa com relação à prática da eutanásia e da ortotanásia,
tramita no Congresso Nacional o anteprojeto do Código Penal, que altera os dispositivos da
sua parte Especial, acrescentando ao artigo 121 os parágrafos 3º e 4º, referentes à eutanásia,
ressaltando que o parágrafo quarto estabelece a ortotanásia como causa excludente de ilicitude, vejamos (FELBERG, 2007):
Parágrafo Terceiro:
“Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por
estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito
anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal
devidamente diagnosticados. “Pena; reclusão de dois a cinco anos”.
Parágrafo quarto:
³1mRFRQVWLWXLFULPHGHL[DUGHPDQWHUDYLGDGHDOJXpPSRUPHLRDUWL¿FLDOVHSUHYLDPHQWHDWHVWDGDSRU
dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em
sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”.
3DUDTXHVHMDPFRQ¿JXUDGDVWDLVFRQGXWDVpUHTXLVLWRHVVHQFLDOTXHH[LVWDXPDUHODomR
entre o sujeito ativo e a vítima, ou entre o médico e o paciente.
A proposta possui o apoio da maioria da Comissão, mas tal conduta ainda possui várias
críticas no ponto de vista médico, vez que, algumas correntes, ainda defendem o fato de que
o médico tem a obrigação de se utilizar de todos os recursos disponíveis até o último segundo
(SANTO, 2009).
O CFM, porém defende a aplicação da medida, se utilizando do argumento de que o
enfermo, ou sua família, possui autonomia para decidir por uma morte que não seja sofrida.
Destaca-se que a igreja católica também se demonstra a favor da proposta (FELBERG, 2007).
Para determinar quando a prática destas condutas poderá ser aplicada, devem ser observados os preceitos fundamentasi do Direito juntamente com a Ética, analisando caso a
FDVR¿[DQGRRVOLPLWHVQHFHVViULRVSDUDDSUiWLFDGDVPHVPDV
Vislumbra-se, sob o ponto de vista jurídico, que a disposição normativa deverá seguir os
SURJUHVVRVFLHQWt¿FRVHVWDQGRVHPSUHDWHQWDjVPXGDQoDVVRFLDLVRFDVLRQDGDVSHORVDYDQoRV
WHFQROyJLFRV-iTXHDVUHJXODPHQWDo}HVpWLFDVMiQmRVmRPDLVVX¿FLHQWHVSDUDUHJXODPHQWDU
questões que atentam contra direitos e garantias fundamentais do homem. É necessária a
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FULDomRGHQRUPDVTXHSRVVLELOLWHPXPDSDFL¿FDomRTXDQWRjDSOLFDELOLGDGHGHWDLVGLUHLWRV
e garantias (SANTOS, 2001).
Frisa-se que para que os direitos fundamentais sejam efetivados, deve-se compreender
que a Constituição é a norma fundamental, reconhecida como lei superior do Estado e que
vincula todos os orgãos (SANTOS, 2001).
Desta feita, a ortotanásia ainda deve ser vista como uma conduta típica e passível de
sanção penal, devendo a mesma ser revista, para que possa produzir efeitos desejados.
Por isso o anteprojeto do Código Penal, que visa a implementação das condutas da eutanásia e da ortotanásia no meio jurídico, é visto como uma solução para dirimir o impasse
legislativo, com relação ao tema.
Neste diapasão, chega-se a conclusão de que a Resolução 1.805/2006 CFM deve ter seus
efeitos suspensos, uma vez que a forma como foi prevista é errônea, devendo ser declarada
a sua incostitucionalidade.
Neste aspecto, mesmo que haja uma solução para a colisão de direitos, há necessidade
GHRRUGHQDPHQWRMXUtGLFRWLSL¿FDUHUHJXODPHQWDUWDLVFRQGXWDV
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisou a possibilidade de aplicação da ortotanásia ao paciente portador de doença incurável que se encontra em estado terminal, ante a previsão normativa da
Resolução 1.805/2006, do CFM.
Ao longo da pesquisa foi delimitado o conceito de eutanásia e suas variações, dando
ênfase principalmente ao conceito de ortotanásia.
Importante salientar que existe uma confusão doutrinária com relação aos conceitos de
eutanásia passiva e ortotanásia, em que, para a maioria dos estudiosos, tais condutas podem
ser tidas como sinônimas, inclusive no anteprojeto do Código Penal.
Tal entendimento não é o correto, uma vez que, na eutanásia passiva o autor deixa o enfermo morrer, ele mata por omissão, já que a pessoa poderia e deveria agir para evitar a morte
e não age. Em contrapartida, na ortotanásia o autor não age e a morte ocorre naturalmente,
como ocorreria mesmo se praticasse alguma ação, apenas não prolonga a vida de um enfermo
em situação terminal, não havendo qualquer alteração na saúde deste (CABETTE, 2009).
Não obstante a uma profunda análise da Constituição Federal no que diz respeito ao
direito à vida, conclui-se, após uma interpretação sistemática do referido diploma, que o bem
jurídico protegido constitucionalmente é a vida digna, como fundamenta os que se posicionam
pela constitucionalidade da Resolução e pela prática da ortotanásia.
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Para a comunidade médica, ao praticar a conduta da ortotanásia, o médico não estaria
violando nenhuma limitação ética, vez que deixará submeter o paciente a um tratamento fútil,
HYLWDQGRRPHURSURORQJDPHQWRDUWL¿FLDOGHVXDYLGD7RGDYLDDDGRomRGHUHIHULGRSURFHGLmento não é conferida somente ao médico, mas também ao doente e aos seus representantes
legais, que tomam a decisão de maneira conjunta.
Com a ortotanásia, o doente teria a sua dignidade respeitada em seu momento de morte.
O que o CFM pretende com a criação da Resolução, não é dar apoio à prática da eutanásia,
mas sim da ortotanásia. Sendo autorizada somente a antecipação de uma morte inevitável,
sem nem mesmo causá-la por ação ou omissão (CABETTE, 2009).
Os argumentos utilizados para defender a constitucionalidade da presente Resolução
são nobres, entretanto, não estão juridicamente corretos.
Infere-se da pesquisa que mesmo que a ortotanásia seja praticada para atender a dignidade de um paciente que se encontra em estado terminal, respeitando todos os fundamentos
constitucionais exigidos, tal conduta, afeta diretamente o direito à vida, devendo ser devidamente regulamentada pelos órgãos competentes. (CABETTE, 2009).
Desse modo, aludida Resolução não possui efeitos no meio jurídico, devendo ser considerada inconstitucional, vez que visa descriminalizar uma conduta que atenta contra o direito
à vida. Mesmo que seja entendimento majoritário que a vida garantida constitucionalmente
seja a vida digna, a Resolução em comento, ainda assim, não possui o condão de legislar
sobre matéria penal.
Ante o exposto, constata-se a necessidade premente da aprovação do anteprojeto que
tramita no Congresso Nacional, para alterar a Parte Especial do Código Penal, acrescentando
DRDUWLJRTXHWLSL¿FDKRPLFtGLRRVSDUiJUDIRVžHžUHIHUHQWHVjHXWDQiVLDHjRUWRWDnásia, respectivamente.
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A INCONSTITUCIONALIDADE DA REGULAMENTAÇÃO DA ORTOTANÁSIA PELA RESOLUÇÃO Nº 1.805/2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
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