Sonhos de uma Teoria Final

Propaganda
abril2011
Jornal Unesp
Opinião
Sonhos de uma Teoria Final
Hipótese de supercordas é a única que associa de modo consistente gravitação e física quântica
Daniel Patire, a partir de imagem obtida pelo Telescópio Hubble
Rogério Rosenfeld
O
sonho de grande parte dos físicos é descobrir uma
teoria que possa explicar todos os fenômenos observados nos laboratórios e no universo. O entendimento de fenômenos diversos como sendo consequência de
uma mesma lei aumenta a nossa compreensão da Natureza.
Por exemplo, quando Isaac Newton mostrou que uma mesma
lei descreve tanto a queda de uma maçã na Terra como as
órbitas de planetas do sistema solar houve uma unificação
entre fenômenos terrestres e fenômenos do cosmos. Os efeitos
da lei da gravidade de Newton são universais.
Os físicos buscam desesperadamente por pistas de unificações de fenômenos em uma mesma lei. Os fenômenos elétricos
e magnéticos, conhecidos desde a antiguidade, foram unificados na teoria eletromagnética desenvolvida pelo físico James
Clerk Maxwell no século XIX.
Hoje sabemos que existem quatro tipos de forças: a força gravitacional, a eletromagnética e duas outras que são
importantes apenas no domínio microscópico, conhecidas
como forças fraca e forte. A força eletromagnética e a força
fraca foram unificadas na chamada teoria eletrofraca. Em
tempo: o título deste artigo é roubado de um livro escrito
por Steven Weinberg, prêmio Nobel de Física pelo desenvolvimento dessa teoria.
Umas das previsões da teoria eletrofraca é a existência de
uma nova partícula, denominada de bóson de Higgs. A prioridade máxima do acelerador de partículas chamado Large
Hadron Collider (LHC), que entrou recentemente em operação no laboratório europeu CERN, é justamente produzir e
detectar o bóson de Higgs, peça-chave dessa teoria. Existem
modelos que unificam a interação eletrofraca com a interação
forte, denominados de modelos de grande-unificação, ainda
sem comprovação experimental.
O próximo passo seria integrar a força gravitacional
nesse esquema de unificação. Entretanto, enquanto todas as
três forças podem ser descritas em modelos que levam em
consideração efeitos quânticos, como seria de se esperar em
modelos microscópicos, a força gravitacional não admite um
tratamento quântico consistente. É notoriamente difícil casar a gravitação com a física quântica. Entra em cena a
teoria de cordas.
No início da década de 1970, a teoria de cordas começou
a ser desenvolvida com o propósito de descrever as interações fortes. No entanto, essa teoria falhou em seu intuito
original. Ela foi ressuscitada em 1974 como uma teoria
que descreve a gravitação quanticamente. De fato, as outras
interações também podem ser descritas em uma teoria de
cordas que incorpora uma nova possível simetria da natureza, a supersimetria. A teoria de cordas supersimétricas, ou
supercordas, postula que os elementos básicos do universo
não são partículas elementares pontuais, mas sim objetos
com extensões muito pequenas, que seriam as supercordas.
Diferentes partículas correspondem a diferentes vibrações
dessa supercorda fundamental.
Uma esperança que sempre existiu era a de que haveria
apenas uma teoria consistente de supercordas. No entanto,
Este texto não reflete necessariamente a opinião do
Jornal Unesp.
na década de 1980 já existiam cinco teorias de supercordas
consistentes. Em 1995, Edward Witten unificou essas cinco
teorias em apenas uma, denominada de teoria M, no que ficou conhecido como a segunda revolução de supercordas. Será
que finalmente foi alcançada uma Teoria Final?
Infelizmente a situação é mais complicada. A teoria M é
consistente apenas em dez dimensões espaciais. Sete dessas
dimensões devem ser muito pequenas e a maneira como isso
ocorre não é prevista pela teoria. Para piorar, existe quase
uma infinidade de maneiras de tornar essas sete dimensões
pequenas. Portanto, a teoria perde muito de sua capacidade
de realizar previsões.
Algumas pessoas argumentam que, caso a supersimetria
fosse encontrada no LHC, isso seria uma comprovação da teoria de supercordas. Eu particularmente discordo, pois existem
teorias de partículas elementares que possuem supersimetria
sem referência a supercordas.
A teoria de supercordas é a única teoria que descreve
satisfatoriamente a gravitação de maneira consistente com
a física quântica. Ainda é cedo para julgar se ela é a Teoria Final. Sendo esse o caso ou não, o fato é que muitas de
nossas ideias acerca do universo têm mudado em resposta
a seus avanços. Além disso, apesar da notória dificuldade
em observar experimentalmente suas previsões, a teoria de
supercordas tem sido extremamente importante no desenvolvimento de ferramentas matemáticas que estão sendo usadas
em outras áreas da Física, desde buracos negros até o estudo
de sistemas de matéria condensada.
Rogério Rosenfeld possui graduação em bacharelado e mestrado em Física pela USP, é doutor na mesma área pela Universidade de Chicago, livre-docente
e atualmente diretor do Instituto de Física Teórica da
Unesp, Câmpus de São Paulo.
Download