Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51 Gabriela Albuquerque1 Andreia Matos Oliveira1,2 instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto departamento de epidemiologia clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública da Universidade do Porto 1 2 Alimentação saudável e dietas específicas na prevenção cardiovascular: realidade e mitos Palavras-chave: Alimentação saudável; Prevenção cardiovascular; Dieta Dash; Dieta Mediterrânica Resumo A alimentação é hoje reconhecidamente um dos fatores mais importantes para a prevenção cardiovascular primária e secundária. A assunção de uma relação causal entre uma alimentação nutricionalmente desequilibrada e o desenvolvimento de doença cardiovascular tem levado as principais estruturas e sociedades científicas internacionais a emitir recomendações alimentares e nutricionais específicas, que recaem sobre questões desde a composição nutricional dos alimentos aos produtos e hábitos alimentares que devem ser incluídos/excluídos por rotina, como parte de um padrão alimentar saudável. Apesar de não existirem recomendações específicas para a população portuguesa, os profissionais de saúde têm-se regido pela adaptação das referidas recomendações à nossa rea-lidade. estas baseiam-se na evidência científica e preconizam, genericamente, o aumento do consumo de peixe e de fibras (através do consumo de fruta, produtos hortícolas e cereais integrais e leguminosas), a diminuição da ingestão de sal e de gordura saturada, trans e colesterol, bem como a moderação no consumo de bebidas alcoólicas. A dieta dASH e a dieta Mediterrânica são dietas específicas com evidência de proteção cardiovascular, que incorporam nos seus princípios diversos aspetos das recomendações. 44 no entanto, um profundo desconhecimento e desvalorização de certos aspetos fulcrais para a prevenção cardiovascular, tem levado à existência de um gap entre o que são os princípios de uma alimentação saudável e a realidade do consumo alimentar no nosso país. A literacia em saúde, no que toca às questões da alimentação saudável, tem imposto vários desafios à disseminação da «boa informação». Assiste-se ainda, por um lado, a uma forte presença das tradições e sabedoria populares nas atitudes diárias de prevenção de doença e promoção da saúde e, por outro, a um acesso mais próximo à informação, cujo apoio científico está, por vezes, pouco presente. Apesar de distintos, ambos os fenómenos têm contribuído para a proliferação de alguns mitos sobre a alimentação adequada para a prevenção da doença cardiovascular, dos quais se destacam o consumo de vinho e a respetiva quantidade recomendada, o papel dos alimentos ricos em colesterol no aumento do colesterol sanguíneo, e o papel da gordura saturada e dos suplementos alimentares/nutricionais no risco cardiovascular. O presente artigo pretende abordar as principais recomendações sobre prevenção cardiovascular, esclarecendo sobre algumas dietas específicas que resumem aspetos destas recomendações, bem como alguns mitos enraizados na nossa cultura. O que dizem as recomendações alimentares sobre prevenção cardiovascular? Uma das questões centrais nas recomendações alimentares para prevenção cardiovascular é privilegiar o consumo de peixe, especialmente peixe gordo (como o salmão, a sardinha e a cavala). este alimento constitui a principal fonte alimentar de ácidos gordos da série n-3 [vulgarmente designados de omega3, dos quais se destacam os ácidos gordos essenciais – eicosapentaenóico (ePA) e docosahexaenóico (dHA)]. As recomendações da American Heart Association referem, para indivíduos com doença coronária estabelecida, o consumo de 1 g/dia de ePA e dHA (em indivíduos sem doença coronária a recomendação é 50% inferior: 500 mg/dia)1. Para atingir estas recomendações, preconiza-se o consumo de um consumo superior a 400 g/dia)3. estas recomendações baseiam-se no facto destes alimentos serem fontes privilegiadas de vitaminas, minerais, fibras e água, associados a um teor energético reduzido. Os produtos integrais ou pouco refinados (por exemplo, pão de mistura, centeio, massas e arroz integrais) são preferíveis relativamente aos alimentos refinados (por exemplo, pão de trigo), por apresentarem um teor superior de fibras, vitaminas do complexo B e minerais. Os frutos gordos (desde que não salgados e em quantidades moderadas, pelo seu elevado valor energético) são também uma fonte alternativa de fibra e de vitaminas, minerais e ácidos gordos polinsaturados. igualmente importante é a limitação do consumo de sal e de alimentos com elevado teor de sal. A American Heart Association e a A associação entre o consumo de álcool e o risco de mortalidade cardiovascular, tem uma curva em «J». consumos baixos e moderados de álcool associam-se a uma proteção cardiovascular, mas consumos excessivos despoletam um risco exponencialmente superior de ocorrência de eventos cardiovasculares e de mortalidade peixes gordos pelo menos duas vezes por semana e a inclusão de outros alimentos como nozes e outros frutos secos, ricos em precursores deste tipo de ácidos gordos. Relativamente à gordura na alimentação, as recomendações preconizam o consumo limitado de alimentos ricos em gordura saturada, gordura trans e colesterol1,2. estas gorduras encontram-se presentes em maior quantidade nas carnes e derivados (carnes gordas, vísceras, produtos de charcutaria e salsicharia, enchidos, etc.), produtos lácteos gordos, bem como em produtos de pastelaria doce e salgada, chocolates, molhos, enlatados e conservas. A par da redução da gordura, também o aumento do consumo de alimentos ricos em fibra (principalmente fruta e produtos hortícolas) faz parte das recomendações. O consumo diário recomendado de fruta e produtos hortícolas é de entre 5 a 9 porções (equivalendo a American Dietetic Association recomendam que se limite o consumo diário de sódio a 2,3 g (100 mmol/dia)1, 4, 5, sensivelmente equivalente a 5,9 g/dia de sal e a Organização Mundial de Saúde, mais recentemente, limitou este valor para 5 g/dia6, o que na prática se reduz a uma simples colher de chá de sal. Para não se ultrapassar os valores recomendados, os alimentos devem ser escrupulosamente selecionados em função do seu teor em sódio (intrínseco) e daquele adicionado no tempero e confeção dos mesmos. estudos em diversos segmentos da nossa população (crianças, adolescentes e adultos)7-9 têm revelado que o pão e a sopa são alimentos que, pela frequência com que são tradicionalmente consumidos, constituem fontes importantes de ingestão de sal, facto que também esteve na base da elaboração da primeira lei que impõe um limite de sal no pão (1,4 gramas de sal por 100 gramas de pão, de- 45 Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51 creto lei n.º 75/2009 de 12 de agosto). O consumo de bebidas alcoólicas deve ser moderado. As recomendações da American Heart Association1 indicam que o consumo de bebidas alcoólicas deve ser limitado a uma (10 g de álcool) ou duas (20 g de álcool) bebidas por dia, nas mulheres e nos homens respetivamente, idealmente às refeições. Genericamente, pode considerar-se como equivalente a uma bebida alcoólica um copo (125 ml) de vinho, uma garrafa ou lata (330 ml) de cerveja e um cálice (40 ml) de bebidas brancas ou espirituosas. O recurso aos alimentos funcionais é uma estratégia também presente nas recomendações. de acordo com a sua definição, alimentos funcionais são alimentos com efeito benéfico numa ou mais funções fisiológicas alvo, para além dos seus efeitos nutricionais adequados para promover a saúde e o bemestar e/ou reduzir o risco de doença. As recomendações1,2 apontam no sentido de que os grupos de risco, particularmente indivíduos hipercolesterolémicos, consumam entre 2-3 g/dia de esteróis e estanóis vegetais, como adjuvantes da alimentação e que o seu consumo seja simultâneo com carotenóides e tocoferóis, provenientes, por exemplo, da fruta e produtos hortícolas10. Os esteróis e estanóis vegetais podem ser encontrados nos frutos gordos e nos péptidos bioativos presentes nos iogurtes e leites fermentados. no entanto, a utilização por rotina dos alimentos funcionais necessita de um maior suporte de evidência científica, não disponível à luz do conhecimento científico atual. Dietas específicas na prevenção de Doença Cardiovascular O conceito de «dietas específicas» na prevenção de doença cardiovascular derivou, genericamente, da investigação epidemiológica em torno dos fatores alimentares com efeitos 46 benéficos ou prejudiciais neste outcome11,12. classicamente, as recomendações alimentares tinham por base evidência científica centrada nos efeitos isolados que determinados alimentos ou nutrientes apresentam na saúde, sendo, na maioria das vezes, também elas interpretadas isoladamente. não descurando a relevância científica deste conhecimento, é importante ter em conta que esta abordagem encerra algumas limitações13-15: o efeito isolado de um alimento ou nutriente pode ser demasiado pequeno para ser detetado por si só ou mesmo ser atenuado ou modificado pelos restantes componentes da alimentação. Assim, na abordagem clássica não era considerado o efeito sinérgico e de interação na ingestão de um grupo de alimentos ou nutrientes, mas antes a soma das suas ações isoladas. O estudo dos padrões alimentares tem sido mais amplamente utilizado na atualidade pois permite, efetivamente, avaliar o efeito cumulativo de vários alimentos, nutrientes e práticas alimentares na prevenção ou tratamento de diversas doenças para as quais sabemos que múltiplos componentes alimentares contribuem13, nomeadamente as doenças cardiovasculares. Seguem-se dois dos melhores exemplos que a evidência científica tem apoiado e que se encaixam bem nas recomendações acima descritas. Dieta DASH A dieta dASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) surgiu nos anos 90. É, atualmente, um dos padrões alimentares mais estudado e conhecido como estratégia de prevenção primária e secundária16 para diminuir a pressão arterial17,18, e consequentemente, a doença cardiovascular, para a qual é considerada um fator de risco major. diversos estudos, entre os quais se destaca o OmniHeart Study (Optimal Macronutrient Intake Trial to Prevent Heart Disease)19, demonstraram o efeito benéfico da dieta dASH na redução da pressão arterial. estudos observacionais11,16,20 sugerem ainda que a dASH pode reduzir a incidência da síndrome metabólica e o risco cardiovascular, principalmente se combinada com exercício físico e redução ponderal. Uma maior adesão ao padrão dASH associa-se a reduções mais significativas da pressão arterial, independentemente da variação ponderal também registada21. A dieta dASH foi também investigada no Nurses’ Health Study, um estudo de coorte envolvendo 88 517 enfermeiras, com idades entre os 34 e os 59 anos de idade. no estudo em questão, avaliou-se a eficácia deste padrão alimentar a longo prazo, através da criação de um score dASH (baseado em oito alimentos e nutrientes característicos). Os resultados (ajustados para a idade e alguns fatores de risco conhecidos para a doença cardiovascular) mostraram reduções do risco de eventos cardiovasculares não fatais e fatais na ordem dos 22 e 34%, respetivamente, assim como uma redução de 17% no risco de enfarte do miocárdio22. bastante estudada nas últimas décadas. esta dieta representa o padrão alimentar dos povos do Mediterrâneo, que encerra características comuns entre si. Os primeiros contributos para a definição da dieta Mediterrânica decorreram da observação de uma estreita relação entre o elevado consumo de gorduras e a maior incidência de doença coronária em diversos países12. Ancel Keys, o investigador responsável por este estudo, encontrou uma exceção nos países desta área geográfica, onde se verificavam relativamente poucos enfartes de miocárdio apesar do elevado consumo de gordura, e que atribuiu à diferença no tipo de gordura consumida que, no Mediterrâneo, era sobretudo gordura insaturada proveniente do azeite12. Seguiram-se, posteriormente, diversos estudos epidemiológicos, mais robustos, assim como revisões sistemáticas e meta-análises, evidenciando o aumento da longevidade e a redução da mortalidade por doença cardiovascu- Alimentos como queijos, enchidos, carnes vermelhas, manteiga, natas, snacks, fritos, biscoitos, bolachas e alimentos e bebidas açucaradas serão bem mais prejudiciais à manutenção dos níveis normais de colesterol, do que alimentos como o ovo, o marisco e os moluscos A dASH caracteriza-se por um elevado consumo de fruta e produtos hortícolas, de laticínios com baixo teor de gordura, peixe e aves, alimentos integrais, sementes e frutos oleaginosos e por uma reduzida ingestão de gordura, doces e alimentos ricos em açúcar. Genericamente, este padrão alimentar deve ser considerado moderadamente hiperproteico, com os hidratos de carbono a serem parcialmente substituídos por proteínas e gordura (primariamente monoinsaturada). A dASH é ainda rica em potássio, magnésio, cálcio e fibra com baixo aporte nutricional em lípidos totais, ácidos gordos saturados e colesterol11. Dieta Mediterrânica A dieta Mediterrânica, recentemente reconhecida como Património cultural imaterial da Humanidade pela UneScO, tem vindo a ser lar decorrentes de uma maior adesão à dieta Mediterrânica23. O estudo ePic (European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition), uma coorte multicêntrica de base populacional, envolveu diversos países europeus, e mostrou uma estreita ligação entre a adesão à dieta Mediterrânica e a doença cardiovascular, nomeadamente a um menor risco de doença coronária24-27, a menor risco de acidente vascular cerebral, de doença isquémica coronária e de outros eventos vasculares (como enfarte de miocárdio e morte vascular), assim como a uma redução significativa de mortalidade por doença isquémica coronária, mortalidade por todas as causas e morte por causa específica por doença isquémica coronária e doença cardiovascular25. A coorte italiana28 foi a que apresentou o tempo de seguimento mais longo, 47 Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51 evidenciando, nos indivíduos com uma maior adesão à dieta Mediterrânica, um efeito protetor em relação à ocorrência de eventos isquémicos cardíacos fatais passados 20 e 40 anos (redução da mortalidade por doença coronária em 26% e 22% respetivamente). O estudo PRediMed (Prevención con Dieta Mediterránea), um ensaio clínico (também multicêntrico) envolvendo indivíduos de elevado risco cardiovascular, e por isso centrado na prevenção primária da doença cardiovascular, tem trazido também fortes evidências que consolidam as conclusões dos estudos anteriores29. Os resultados apontam para que a dieta Mediterrânica, especialmente rica em azeite extravirgem, esteja associada a níveis mais elevados de capacidade antioxidante plasmática. Sugere-se, assim, um efeito protetor dos fatores de risco cardiovasculares mais forte nos seguidores da dieta Mediterrânica do que duma dieta hipolipídica29. num outro estudo, verificou-se ainda que após cinco anos de intervenção, nos indivíduos com risco cardiovascular elevado, a dieta Mediterrânica (sem restrição calórica) suplementada com azeite extra-virgem ou uma mistura de oleaginosas, reduziu a incidência de eventos cardiovasculares major30. Os benefícios da dieta Mediterrânica estendem-se também à prevenção secundária de doença cardiovascular. O estudo Lyon Heart31 tinha já concluído que, em indivíduos que tinham tido enfarte do miocárdio, os efeitos benéficos da dieta Mediterrânica prolongaram-se até quatro anos. Juntando os resultados de outros estudos entretanto realizados, é possível afirmar que a dieta Mediterrânica apresenta melhores resultados a nível da sobrevivência, comparativamente à terapia farmacológica (com o objetivo de baixar os níveis de colesterol). este padrão alimentar é efetivo na redução da aterosclerose coronária e no risco de complicações fatais como insuficiência 48 cardíaca e morte súbita cardíaca32. A dieta Mediterrânica caracteriza-se essencialmente por: consumo abundante de alimentos de origem vegetal (produtos hortícolas, fruta, cereais pouco refinados, leguminosas secas e frescas, frutos secos e oleaginosos); consumo de produtos frescos da região, pouco processados e sazonais; consumo de azeite como principal fonte de gordura; consumo moderado de lacticínios, sobretudo de queijo e iogurte; consumo baixo e pouco frequente de carnes vermelhas; consumo frequente de pescado; e consumo modera-do de vinho, em particular tinto e às refeições33,34. este padrão alimentar associa-se à preparação de pratos frescos e saborosos, com baixo teor de gordura saturada e trans, aliados a uma riqueza nutricional derivada das gorduras sau-dáveis provenientes do azeite, dos frutos secos oleaginosos e do peixe. A presença de hidratos de carbono complexos, de micronutrientes, e de fatores não-nutritivos, nomeadamente com ação antioxidante, e ainda, a abundância em produtos ve-getais ricos em fibras e um consumo suficiente de proteína de origem vegetal e animal, fazem da dieta Mediterrânica um padrão alimentar potencialmente saudável. Além disso, a dieta Mediterrânica encerra uma proporção adequada dos principais nutrientes e alimentos de baixa densidade energética e de baixo índice glicémico nas refeições35. Apesar de a dieta Mediterrânica ter um elevado teor lipídico, as fontes de gordura derivam principalmente de óleos vegetais monoinsaturados. Por essa razão a Sociedade europeia de cardiologia /Associação europeia para o estudo da diabetes (eSc/eASd) admite nas suas últimas recomendações para a diabetes Mellitus, Pré-diabetes e doença cardiovascular, com base na evidência obtida através do estudo PRediMed, que a dieta Mediterrânica é uma alternativa aceitável à habitual dieta dASH36. «Mitos» a esclarecer no nosso país é ainda comum a ideia de que o vinho, e especialmente o vinho tinto, é protetor na doença cardiovascular, ideia essa que frequentemente justifica uma ingestão superior às recomendações. esta noção provém do «Paradoxo Francês», uma observação datada dos anos 90, em que em França a incidência de doença coronária seria particularmente baixa, apesar de se verificar uma dieta rica em gordura saturada, bem como taxas de tabagismo, de consumo de álcool e níveis de colesterol elevados37. Atualmente a evidência científica mostra-nos que na composição do vinho, particularmente do vinho tinto, se destaca um componente: o resveratrol. este componente fenólico apresenta características antioxidantes, anti-inflamatórias, anti-proliferativas e anti-angiogénicas, que lhe conferem o poder de combater o stress oxidativo e, consequentemente, benefícios de proteção cardiovascular38. no entanto, a presença do etanol entre o consumo de álcool e o risco de mortalidade por doença cardiovascular, ilustrada através de uma curva em «J»: consumos baixos e moderados de álcool associam-se a uma proteção cardiovascular, mas consumos excessivos despoletam um risco exponencialmente superior de ocorrência de eventos cardiovasculares e de mortalidade42, 43. Um outro «mito» bastante popular tem a ver com os alimentos que aumentam o colesterol sanguíneo. Acredita-se que, por exemplo, os ovos, o marisco e os moluscos, pela sua elevada composição em colesterol não serão adequados a uma alimentação saudável. convém esclarecer que, ao contrário do que popularmente se acredita, não existe uma relação direta entre o colesterol ingerido e o que circula na corrente sanguínea44. O colesterol é uma substância essencial no nosso organismo, tão indispensável que é passível de ser sintetizada através de mecanismos biológicos internos, mesmo na ausência da ingestão através da ali- A evidência não apoia a suplementação com vitaminas ou minerais com função antioxidante, mas sim o consumo de fruta e produtos hortícolas nas bebidas alcoólicas em geral, substância que exerce efeitos fisiológicos no aparelho cardiovascular, tais como a elevação do colesterolHdL, a inibição da agregação plaquetária e o aumento da produção de óxido nítrico, importante na bronco e vasodilatação39, parece suportar a ideia de que o consumo de etanol por si só (quer seja proveniente do vinho ou da cerveja), poderá ser o principal responsável pelo referido efeito protetor40,41. importa ainda realçar que as recomendações não são no sentido de sugerir o consumo de bebidas alcoólicas a indivíduos que não o façam na sua rotina diária, mas caso tenham este hábito já enraizado, o façam em moderação. Tal como referido anteriormente, o consumo moderado está limitado a uma ou duas bebidas diárias (conceito muitas vezes não presente nas mensagens de educação para a saúde). diversos estudos têm, aliás, demonstrado a associação mentação. O elevado valor calórico dos alimentos, a composição em gordura saturada e gordura trans, bem como em açúcares e cereais refinados terão, sim, uma ação mais marcada a esse nível, participando no aumento da concentração plasmática quer de triglicerídeos, quer do colesterol-LdL45. Portanto, e reiterando o que dizem as recomendações, alimentos como queijos, enchidos, carnes vermelhas, manteiga, natas, snacks, fritos, biscoitos, bolachas e alimentos e bebidas açucaradas serão bem mais prejudiciais à manutenção dos níveis normais de colesterol, do que alimentos como o ovo, o marisco e os moluscos. isto não significa, no entanto, que o consumo destes últimos deva ser exagerado, pois existe uma variabilidade inter-individual na resposta à ingestão de colesterol (alguns indivíduos reagem positivamente à ingestão de alimentos ricos em colesterol aumentando os 49 Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51 seus níveis sanguíneos e outros não). curiosamente, também apresentam na sua composição as vitaminas A, d, B12, B6, ácido fólico e ácidos gordos ómega 3, benéficos para a saúde cardiovascular. Ainda relativamente à questão da gordura na alimentação, um outro mito deve ser destacado: o papel da gordura saturada. de acordo com a Teoria Lipídica clássica15, o aumento do colesterol sérico teria por base uma elevada ingestão de gordura saturada, aliada a uma baixa ingestão de gordura polinsaturada. Para além do aumento do colesterol sérico, entre outros fatores, também a hiperglicemia/hiperinsulinemia seriam fatores de risco de doença coronária46. entretanto, a ciência trouxe-nos novas evidências, que apontam para um outro olhar sobre o papel da gordura na alimentação. em primeiro lugar, nem todas as gorduras são más; já foi referido anteriormente, por exemplo, o efeito benéfico dos ácidos gordos ómega 3. Além disso, intervenções dietéticas com baixo aporte de gordura (associadas a elevada ingestão de fruta e produtos hortícolas e leguminosas), evidenciaram apenas efeitos modestos ao nível de alguns fatores de risco para a doença cardiovascular, mas não mostraram qualquer efeito significativo na diminuição do risco de doença cardiovascula47. Relativamente à gordura saturada, a ciência não conseguiu, até ao momento, evidenciar significativamente a tão aclamada relação com o aumento do risco de doença cardiovascular48. Assim sendo, uma baixa ingestão de gordura trans (presente principalmente nos óleos vegetais parcialmente hidrogenados e alimentos processados), e um equilíbrio entre a ingestão de gordura e de hidratos de carbono (há evidência da diminuição do risco cardiovascular através da substituição da gordura saturada por gorduras mono e polinsaturadas, mas não por hidratos de carbono) parecem ser fundamentais para uma boa prevenção cardiovascular49. conclui-se, assim, que as recomendações sobre a adequação do consumo de gordura devem ser orientadas para um padrão saudável Referências: 1. 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Por último, importa discutir uma questão não menos pertinente, o recurso aos suplementos alimentares/nutricionais como estratégia de prevenção cardiovascular. no que concerne à suplementação com ácidos gordos n-3, de acordo com as recomendações o consumo de peixe por si só parece satisfazer as necessidades deste tipo de ácidos gordos; à luz do conhecimento científico atual não é conhecida, aliás, nenhuma relação dose-efeito entre a quantidade consumida e a proteção cardiovascular. São cada vez mais no mercado, os suplementos de ómega 3 com o objetivo de auxiliar na prevenção da doença cardiovascular e o seu consumo deve ser, pois, alvo de reflexão. em 2008, a American Dietetic Association5 referiu especificamente que a suplementação com óleo de peixe não deve ser recomendada em doentes com angina ou com fibrilhação ou taquicardia ventriculares. As recomendações mais recentes da European Society of Cardiology/European Association for the Study of Diabetes36 referem que indivíduos com hipertrigliceridemia, para os quais as recomendações são superiores (2-4 g/dia de ePA e dHA vs 1 g/dia), poderão recorrer a suplementação, sob supervisão médica. Acrescentam, no entanto, que não existe evidência que suporte o benefício cardiovascular em doentes com diabetes Mellitus. em prevenção secundária, a suplementação em ePA e dHA sob supervisão médica pode também ser considerada1. A evidência também não apoia a suplementação com vitaminas ou minerais com função antioxidante, mas sim o consumo de fruta e produtos hortícolas50, 51. 2. Krauss RM, eckel RH, Howard B, et al. AHA dietary Guidelines: revision 2000: A statement for healthcare professionals from the nutrition committee of the American Heart Association. Stroke. 2000; 31: 2751-66. 3. Havas S, Heimendinger J, Reynolds K, et al. 5 a day for better health: a new research initiative. 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