Alimentação saudável e dietas específicas na prevenção

Propaganda
Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51
Gabriela Albuquerque1 Andreia Matos Oliveira1,2
instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto
departamento de epidemiologia clínica, Medicina Preditiva e Saúde
Pública da Universidade do Porto
1
2
Alimentação saudável e dietas específicas
na prevenção cardiovascular: realidade e mitos
Palavras-chave: Alimentação saudável; Prevenção cardiovascular;
Dieta Dash; Dieta Mediterrânica
Resumo
A alimentação é hoje reconhecidamente um
dos fatores mais importantes para a prevenção
cardiovascular primária e secundária. A assunção de uma relação causal entre uma alimentação nutricionalmente desequilibrada e o
desenvolvimento de doença cardiovascular tem
levado as principais estruturas e sociedades
científicas internacionais a emitir recomendações alimentares e nutricionais específicas,
que recaem sobre questões desde a composição
nutricional dos alimentos aos produtos e
hábitos alimentares que devem ser
incluídos/excluídos por rotina, como parte de
um padrão alimentar saudável.
Apesar de não existirem recomendações específicas para a população portuguesa, os
profissionais de saúde têm-se regido pela adaptação das referidas recomendações à nossa
rea-lidade. estas baseiam-se na evidência científica e preconizam, genericamente, o aumento
do consumo de peixe e de fibras (através do
consumo de fruta, produtos hortícolas e cereais
integrais e leguminosas), a diminuição da ingestão de sal e de gordura saturada, trans e colesterol, bem como a moderação no consumo
de bebidas alcoólicas. A dieta dASH e a dieta
Mediterrânica são dietas específicas com evidência de proteção cardiovascular, que incorporam nos seus princípios diversos aspetos das
recomendações.
44
no entanto, um profundo desconhecimento e desvalorização de certos aspetos fulcrais para a prevenção cardiovascular, tem
levado à existência de um gap entre o que são
os princípios de uma alimentação saudável e a
realidade do consumo alimentar no nosso país.
A literacia em saúde, no que toca às questões
da alimentação saudável, tem imposto vários
desafios à disseminação da «boa informação».
Assiste-se ainda, por um lado, a uma forte presença das tradições e sabedoria populares nas
atitudes diárias de prevenção de doença e promoção da saúde e, por outro, a um acesso mais
próximo à informação, cujo apoio científico
está, por vezes, pouco presente. Apesar de distintos, ambos os fenómenos têm contribuído
para a proliferação de alguns mitos sobre a alimentação adequada para a prevenção da
doença cardiovascular, dos quais se destacam
o consumo de vinho e a respetiva quantidade
recomendada, o papel dos alimentos ricos em
colesterol no aumento do colesterol sanguíneo,
e o papel da gordura saturada e dos suplementos alimentares/nutricionais no risco cardiovascular.
O presente artigo pretende abordar as principais recomendações sobre prevenção cardiovascular, esclarecendo sobre algumas dietas
específicas que resumem aspetos destas recomendações, bem como alguns mitos enraizados na nossa cultura.
O que dizem as recomendações
alimentares sobre prevenção
cardiovascular?
Uma das questões centrais nas recomendações alimentares para prevenção cardiovascular é privilegiar o consumo de peixe,
especialmente peixe gordo (como o salmão, a
sardinha e a cavala). este alimento constitui a
principal fonte alimentar de ácidos gordos da
série n-3 [vulgarmente designados de omega3, dos quais se destacam os ácidos gordos
essenciais – eicosapentaenóico (ePA) e docosahexaenóico (dHA)]. As recomendações da
American Heart Association referem, para indivíduos com doença coronária estabelecida, o
consumo de 1 g/dia de ePA e dHA (em indivíduos sem doença coronária a recomendação é
50% inferior: 500 mg/dia)1. Para atingir estas
recomendações, preconiza-se o consumo de
um consumo superior a 400 g/dia)3. estas recomendações baseiam-se no facto destes alimentos serem fontes privilegiadas de
vitaminas, minerais, fibras e água, associados
a um teor energético reduzido. Os produtos integrais ou pouco refinados (por exemplo, pão
de mistura, centeio, massas e arroz integrais)
são preferíveis relativamente aos alimentos refinados (por exemplo, pão de trigo), por apresentarem um teor superior de fibras, vitaminas
do complexo B e minerais. Os frutos gordos
(desde que não salgados e em quantidades
moderadas, pelo seu elevado valor energético)
são também uma fonte alternativa de fibra e de
vitaminas, minerais e ácidos gordos polinsaturados.
igualmente importante é a limitação do
consumo de sal e de alimentos com elevado
teor de sal. A American Heart Association e a
A associação entre o consumo de álcool e o risco de mortalidade
cardiovascular, tem uma curva em «J». consumos baixos e moderados
de álcool associam-se a uma proteção cardiovascular, mas consumos
excessivos despoletam um risco exponencialmente superior
de ocorrência de eventos cardiovasculares e de mortalidade
peixes gordos pelo menos duas vezes por semana e a inclusão de outros alimentos como
nozes e outros frutos secos, ricos em precursores deste tipo de ácidos gordos.
Relativamente à gordura na alimentação,
as recomendações preconizam o consumo limitado de alimentos ricos em gordura saturada,
gordura trans e colesterol1,2. estas gorduras encontram-se presentes em maior quantidade
nas carnes e derivados (carnes gordas, vísceras,
produtos de charcutaria e salsicharia, enchidos, etc.), produtos lácteos gordos, bem como
em produtos de pastelaria doce e salgada,
chocolates, molhos, enlatados e conservas.
A par da redução da gordura, também o aumento do consumo de alimentos ricos em fibra
(principalmente fruta e produtos hortícolas)
faz parte das recomendações. O consumo
diário recomendado de fruta e produtos hortícolas é de entre 5 a 9 porções (equivalendo a
American Dietetic Association recomendam
que se limite o consumo diário de sódio a 2,3 g
(100 mmol/dia)1, 4, 5, sensivelmente equivalente
a 5,9 g/dia de sal e a Organização Mundial de
Saúde, mais recentemente, limitou este valor
para 5 g/dia6, o que na prática se reduz a uma
simples colher de chá de sal. Para não se ultrapassar os valores recomendados, os alimentos
devem ser escrupulosamente selecionados em
função do seu teor em sódio (intrínseco) e
daquele adicionado no tempero e confeção dos
mesmos. estudos em diversos segmentos da
nossa população (crianças, adolescentes e
adultos)7-9 têm revelado que o pão e a sopa são
alimentos que, pela frequência com que são
tradicionalmente consumidos, constituem
fontes importantes de ingestão de sal, facto que
também esteve na base da elaboração da
primeira lei que impõe um limite de sal no pão
(1,4 gramas de sal por 100 gramas de pão, de-
45
Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51
creto lei n.º 75/2009 de 12 de agosto).
O consumo de bebidas alcoólicas deve ser
moderado. As recomendações da American
Heart Association1 indicam que o consumo de
bebidas alcoólicas deve ser limitado a uma (10
g de álcool) ou duas (20 g de álcool) bebidas
por dia, nas mulheres e nos homens respetivamente, idealmente às refeições. Genericamente, pode considerar-se como equivalente a
uma bebida alcoólica um copo (125 ml) de
vinho, uma garrafa ou lata (330 ml) de cerveja
e um cálice (40 ml) de bebidas brancas ou espirituosas.
O recurso aos alimentos funcionais é uma
estratégia também presente nas recomendações. de acordo com a sua definição, alimentos funcionais são alimentos com efeito benéfico
numa ou mais funções fisiológicas alvo, para além
dos seus efeitos nutricionais adequados para
promover a saúde e o bemestar e/ou reduzir o risco
de doença. As recomendações1,2 apontam no sentido de que os grupos de
risco, particularmente indivíduos hipercolesterolémicos, consumam entre
2-3 g/dia de esteróis e estanóis vegetais, como adjuvantes da alimentação e
que o seu consumo seja simultâneo com
carotenóides e tocoferóis, provenientes, por exemplo, da fruta e produtos hortícolas10. Os esteróis e estanóis vegetais podem ser
encontrados nos frutos gordos e nos péptidos
bioativos presentes nos iogurtes e leites fermentados. no entanto, a utilização por rotina
dos alimentos funcionais necessita de um
maior suporte de evidência científica, não
disponível à luz do conhecimento científico
atual.
Dietas específicas na prevenção
de Doença Cardiovascular
O conceito de «dietas específicas» na prevenção de doença cardiovascular derivou,
genericamente, da investigação epidemiológica
em torno dos fatores alimentares com efeitos
46
benéficos ou prejudiciais neste outcome11,12.
classicamente, as recomendações alimentares
tinham por base evidência científica centrada
nos efeitos isolados que determinados alimentos ou nutrientes apresentam na saúde, sendo,
na maioria das vezes, também elas interpretadas isoladamente. não descurando a relevância científica deste conhecimento, é importante
ter em conta que esta abordagem encerra algumas limitações13-15: o efeito isolado de um alimento ou nutriente pode ser demasiado
pequeno para ser detetado por si só ou mesmo
ser atenuado ou modificado pelos restantes
componentes da alimentação. Assim, na abordagem clássica não era considerado o efeito
sinérgico e de interação na ingestão de um
grupo de alimentos ou nutrientes,
mas antes a soma das suas ações
isoladas.
O estudo dos padrões alimentares tem sido mais amplamente utilizado na atualidade
pois permite, efetivamente,
avaliar o efeito cumulativo de
vários alimentos, nutrientes e
práticas alimentares na prevenção ou tratamento de diversas
doenças para as quais sabemos
que múltiplos componentes alimentares contribuem13, nomeadamente as doenças cardiovasculares. Seguem-se dois dos
melhores exemplos que a evidência científica tem apoiado e que se encaixam
bem nas recomendações acima descritas.
Dieta DASH
A dieta dASH (Dietary Approaches to Stop
Hypertension) surgiu nos anos 90. É, atualmente, um dos padrões alimentares mais estudado e conhecido como estratégia de
prevenção primária e secundária16 para
diminuir a pressão arterial17,18, e consequentemente, a doença cardiovascular, para a qual é
considerada um fator de risco major.
diversos estudos, entre os quais se destaca
o OmniHeart Study (Optimal Macronutrient
Intake Trial to Prevent Heart Disease)19,
demonstraram o efeito benéfico da dieta
dASH na redução da pressão arterial. estudos
observacionais11,16,20 sugerem ainda que a
dASH pode reduzir a incidência da síndrome
metabólica e o risco cardiovascular, principalmente se combinada com exercício físico e redução ponderal. Uma maior adesão ao padrão
dASH associa-se a reduções mais significativas
da pressão arterial, independentemente da
variação ponderal também registada21. A dieta
dASH foi também investigada no Nurses’
Health Study, um estudo de coorte envolvendo
88 517 enfermeiras, com idades entre os 34 e
os 59 anos de idade. no estudo em questão,
avaliou-se a eficácia deste padrão alimentar a
longo prazo, através da criação de um score
dASH (baseado em oito alimentos e nutrientes
característicos). Os resultados (ajustados para
a idade e alguns fatores de risco conhecidos
para a doença cardiovascular) mostraram reduções do risco de eventos cardiovasculares
não fatais e fatais na ordem dos 22 e 34%, respetivamente, assim como uma redução de 17%
no risco de enfarte do miocárdio22.
bastante estudada nas últimas décadas. esta
dieta representa o padrão alimentar dos povos
do Mediterrâneo, que encerra características
comuns entre si. Os primeiros contributos para
a definição da dieta Mediterrânica decorreram
da observação de uma estreita relação entre o
elevado consumo de gorduras e a maior incidência de doença coronária em diversos
países12. Ancel Keys, o investigador responsável
por este estudo, encontrou uma exceção nos
países desta área geográfica, onde se verificavam relativamente poucos enfartes de
miocárdio apesar do elevado consumo de gordura, e que atribuiu à diferença no tipo de gordura consumida que, no Mediterrâneo, era
sobretudo gordura insaturada proveniente do
azeite12. Seguiram-se, posteriormente, diversos
estudos epidemiológicos, mais robustos, assim
como revisões sistemáticas e meta-análises,
evidenciando o aumento da longevidade e a redução da mortalidade por doença cardiovascu-
Alimentos como queijos, enchidos, carnes vermelhas, manteiga, natas,
snacks, fritos, biscoitos, bolachas e alimentos e bebidas açucaradas
serão bem mais prejudiciais à manutenção dos níveis normais
de colesterol, do que alimentos como o ovo, o marisco e os moluscos
A dASH caracteriza-se por um elevado
consumo de fruta e produtos hortícolas, de laticínios com baixo teor de gordura, peixe e aves,
alimentos integrais, sementes e frutos oleaginosos e por uma reduzida ingestão de gordura,
doces e alimentos ricos em açúcar. Genericamente, este padrão alimentar deve ser considerado moderadamente hiperproteico, com os
hidratos de carbono a serem parcialmente substituídos por proteínas e gordura (primariamente
monoinsaturada). A dASH é ainda rica em
potássio, magnésio, cálcio e fibra com baixo
aporte nutricional em lípidos totais, ácidos gordos saturados e colesterol11.
Dieta Mediterrânica
A dieta Mediterrânica, recentemente reconhecida como Património cultural imaterial
da Humanidade pela UneScO, tem vindo a ser
lar decorrentes de uma maior adesão à dieta
Mediterrânica23.
O estudo ePic (European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition), uma
coorte multicêntrica de base populacional, envolveu diversos países europeus, e mostrou
uma estreita ligação entre a adesão à dieta
Mediterrânica e a doença cardiovascular,
nomeadamente a um menor risco de doença
coronária24-27, a menor risco de acidente vascular cerebral, de doença isquémica coronária e
de outros eventos vasculares (como enfarte de
miocárdio e morte vascular), assim como a
uma redução significativa de mortalidade por
doença isquémica coronária, mortalidade por
todas as causas e morte por causa específica
por doença isquémica coronária e doença cardiovascular25. A coorte italiana28 foi a que apresentou o tempo de seguimento mais longo,
47
Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51
evidenciando, nos indivíduos com uma maior
adesão à dieta Mediterrânica, um efeito protetor em relação à ocorrência de eventos
isquémicos cardíacos fatais passados 20 e 40
anos (redução da mortalidade por doença coronária em 26% e 22% respetivamente). O estudo
PRediMed (Prevención con Dieta Mediterránea), um ensaio clínico (também multicêntrico) envolvendo indivíduos de elevado risco
cardiovascular, e por isso centrado na prevenção primária da doença cardiovascular, tem
trazido também fortes evidências que consolidam as conclusões dos estudos anteriores29. Os
resultados apontam para que a dieta Mediterrânica, especialmente rica em azeite extravirgem, esteja associada a níveis mais elevados
de capacidade antioxidante
plasmática.
Sugere-se, assim, um
efeito protetor dos fatores de risco cardiovasculares mais forte
nos seguidores da
dieta Mediterrânica
do que duma dieta
hipolipídica29. num
outro estudo, verificou-se ainda que após
cinco anos de intervenção, nos indivíduos com risco cardiovascular elevado, a
dieta Mediterrânica (sem restrição calórica) suplementada com azeite extra-virgem ou uma
mistura de oleaginosas, reduziu a incidência de
eventos cardiovasculares major30.
Os benefícios da dieta Mediterrânica estendem-se também à prevenção secundária de
doença cardiovascular. O estudo Lyon Heart31
tinha já concluído que, em indivíduos que tinham tido enfarte do miocárdio, os efeitos
benéficos da dieta Mediterrânica prolongaram-se até quatro anos. Juntando os resultados de outros estudos entretanto realizados,
é possível afirmar que a dieta Mediterrânica
apresenta melhores resultados a nível da
sobrevivência, comparativamente à terapia farmacológica (com o objetivo de baixar os níveis
de colesterol). este padrão alimentar é efetivo
na redução da aterosclerose coronária e no
risco de complicações fatais como insuficiência
48
cardíaca e morte súbita cardíaca32.
A dieta Mediterrânica caracteriza-se essencialmente por: consumo abundante de alimentos de origem vegetal (produtos hortícolas,
fruta, cereais pouco refinados, leguminosas
secas e frescas, frutos secos e oleaginosos);
consumo de produtos frescos da região, pouco
processados e sazonais; consumo de azeite
como principal fonte de gordura; consumo
moderado de lacticínios, sobretudo de queijo e
iogurte; consumo baixo e pouco frequente de
carnes vermelhas; consumo frequente de
pescado; e consumo modera-do de vinho, em
particular tinto e às refeições33,34. este padrão
alimentar associa-se à preparação de pratos
frescos e saborosos, com baixo teor de gordura
saturada e trans, aliados a uma riqueza nutricional derivada das
gorduras sau-dáveis
provenientes
do
azeite, dos frutos
secos oleaginosos e do
peixe. A presença de
hidratos de carbono
complexos, de micronutrientes, e de fatores não-nutritivos,
nomeadamente com
ação antioxidante, e
ainda, a abundância
em produtos ve-getais
ricos em fibras e um consumo suficiente de
proteína de origem vegetal e animal, fazem da
dieta Mediterrânica um padrão alimentar potencialmente saudável. Além disso, a dieta
Mediterrânica encerra uma proporção adequada dos principais nutrientes e alimentos de
baixa densidade energética e de baixo índice
glicémico nas refeições35. Apesar de a dieta
Mediterrânica ter um elevado teor lipídico, as
fontes de gordura derivam principalmente de
óleos vegetais monoinsaturados. Por essa razão
a Sociedade europeia de cardiologia /Associação europeia para o estudo da diabetes
(eSc/eASd) admite nas suas últimas recomendações para a diabetes Mellitus, Pré-diabetes e doença cardiovascular, com base
na evidência obtida através do estudo PRediMed, que a dieta Mediterrânica é uma alternativa aceitável à habitual dieta dASH36.
«Mitos» a esclarecer
no nosso país é ainda comum a ideia de
que o vinho, e especialmente o vinho tinto, é
protetor na doença cardiovascular, ideia essa
que frequentemente justifica uma ingestão superior às recomendações. esta noção provém
do «Paradoxo Francês», uma observação
datada dos anos 90, em que em França a incidência de doença coronária seria particularmente baixa, apesar de se verificar uma dieta
rica em gordura saturada, bem como taxas de
tabagismo, de consumo de álcool e níveis de
colesterol elevados37. Atualmente a evidência
científica mostra-nos que na composição do
vinho, particularmente do vinho tinto, se
destaca um componente: o resveratrol. este
componente fenólico apresenta características
antioxidantes, anti-inflamatórias, anti-proliferativas e anti-angiogénicas, que lhe conferem
o poder de combater o stress oxidativo e, consequentemente, benefícios de proteção cardiovascular38. no entanto, a presença do etanol
entre o consumo de álcool e o risco de mortalidade por doença cardiovascular, ilustrada
através de uma curva em «J»: consumos
baixos e moderados de álcool associam-se a
uma proteção cardiovascular, mas consumos
excessivos despoletam um risco exponencialmente superior de ocorrência de eventos cardiovasculares e de mortalidade42, 43.
Um outro «mito» bastante popular tem a
ver com os alimentos que aumentam o colesterol sanguíneo. Acredita-se que, por exemplo,
os ovos, o marisco e os moluscos, pela sua
elevada composição em colesterol não serão
adequados a uma alimentação saudável. convém esclarecer que, ao contrário do que popularmente se acredita, não existe uma relação
direta entre o colesterol ingerido e o que circula
na corrente sanguínea44. O colesterol é uma
substância essencial no nosso organismo, tão
indispensável que é passível de ser sintetizada
através de mecanismos biológicos internos,
mesmo na ausência da ingestão através da ali-
A evidência não apoia a suplementação com vitaminas
ou minerais com função antioxidante, mas sim o consumo de fruta
e produtos hortícolas
nas bebidas alcoólicas em geral, substância que
exerce efeitos fisiológicos no aparelho cardiovascular, tais como a elevação do colesterolHdL, a inibição da agregação plaquetária e o
aumento da produção de óxido nítrico, importante na bronco e vasodilatação39, parece suportar a ideia de que o consumo de etanol por
si só (quer seja proveniente do vinho ou da
cerveja), poderá ser o principal responsável
pelo referido efeito protetor40,41. importa ainda
realçar que as recomendações não são no sentido de sugerir o consumo de bebidas alcoólicas
a indivíduos que não o façam na sua rotina
diária, mas caso tenham este hábito já enraizado, o façam em moderação. Tal como
referido anteriormente, o consumo moderado
está limitado a uma ou duas bebidas diárias
(conceito muitas vezes não presente nas mensagens de educação para a saúde). diversos estudos têm, aliás, demonstrado a associação
mentação. O elevado valor calórico dos alimentos, a composição em gordura saturada e
gordura trans, bem como em açúcares e cereais
refinados terão, sim, uma ação mais marcada
a esse nível, participando no aumento da concentração plasmática quer de triglicerídeos,
quer do colesterol-LdL45. Portanto, e reiterando o que dizem as recomendações, alimentos como queijos, enchidos, carnes
vermelhas, manteiga, natas, snacks, fritos, biscoitos, bolachas e alimentos e bebidas açucaradas serão bem mais prejudiciais à
manutenção dos níveis normais de colesterol,
do que alimentos como o ovo, o marisco e os
moluscos. isto não significa, no entanto, que o
consumo destes últimos deva ser exagerado,
pois existe uma variabilidade inter-individual
na resposta à ingestão de colesterol (alguns indivíduos reagem positivamente à ingestão de
alimentos ricos em colesterol aumentando os
49
Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 44-51
seus níveis sanguíneos e outros não). curiosamente, também apresentam na sua composição as vitaminas A, d, B12, B6, ácido fólico
e ácidos gordos ómega 3, benéficos para a
saúde cardiovascular.
Ainda relativamente à questão da gordura
na alimentação, um outro mito deve ser destacado: o papel da gordura saturada. de
acordo com a Teoria Lipídica clássica15, o aumento do colesterol sérico teria por base uma
elevada ingestão de gordura saturada, aliada a
uma baixa ingestão de gordura polinsaturada.
Para além do aumento do colesterol sérico,
entre outros fatores, também a hiperglicemia/hiperinsulinemia seriam fatores de
risco de doença coronária46. entretanto, a ciência trouxe-nos novas evidências, que apontam
para um outro olhar sobre o papel da gordura
na alimentação. em primeiro lugar, nem todas
as gorduras são más; já foi referido anteriormente, por exemplo, o efeito benéfico dos ácidos gordos ómega 3. Além disso, intervenções
dietéticas com baixo aporte de gordura (associadas a elevada ingestão de fruta e produtos
hortícolas e leguminosas), evidenciaram apenas efeitos modestos ao nível de alguns fatores
de risco para a doença cardiovascular, mas não
mostraram qualquer efeito significativo na
diminuição do risco de doença cardiovascula47.
Relativamente à gordura saturada, a ciência
não conseguiu, até ao momento, evidenciar significativamente a tão aclamada relação com o
aumento do risco de doença cardiovascular48.
Assim sendo, uma baixa ingestão de gordura
trans (presente principalmente nos óleos vegetais parcialmente hidrogenados e alimentos
processados), e um equilíbrio entre a ingestão
de gordura e de hidratos de carbono (há evidência da diminuição do risco cardiovascular
através da substituição da gordura saturada
por gorduras mono e polinsaturadas, mas não
por hidratos de carbono) parecem ser fundamentais para uma boa prevenção cardiovascular49. conclui-se, assim, que as recomendações
sobre a adequação do consumo de gordura
devem ser orientadas para um padrão saudável
Referências:
1. Lichtenstein AH, Appel LJ, Brands M, et al. diet and lifestyle recommendations revision 2006: a scientific statement from the American Heart
Association nutrition committee. circulation. 2006; 114: 82-96.
50
mais do que para a redução de gordura saturada: maior consumo de alimentos pouco
processados (gordura trans e saturada menos
desejável); mais variedade (inclusive nas gorduras); maior consumo de peixe e frutos gordos e consumo de gordura em doses
moderadas (sendo, no entanto, necessário
mais investigação nesta área para se encontrarem intervalos de recomendação adequados).
Por último, importa discutir uma questão
não menos pertinente, o recurso aos suplementos alimentares/nutricionais como
estratégia de prevenção cardiovascular. no que
concerne à suplementação com ácidos gordos
n-3, de acordo com as recomendações o consumo de peixe por si só parece satisfazer as necessidades deste tipo de ácidos gordos; à luz do
conhecimento científico atual não é conhecida,
aliás, nenhuma relação dose-efeito entre a
quantidade consumida e a proteção cardiovascular. São cada vez mais no mercado, os suplementos de ómega 3 com o objetivo de auxiliar
na prevenção da doença cardiovascular e o seu
consumo deve ser, pois, alvo de reflexão. em
2008, a American Dietetic Association5 referiu
especificamente que a suplementação com óleo
de peixe não deve ser recomendada em doentes
com angina ou com fibrilhação ou taquicardia
ventriculares. As recomendações mais recentes
da European Society of Cardiology/European
Association for the Study of Diabetes36 referem
que indivíduos com hipertrigliceridemia, para
os quais as recomendações são superiores (2-4
g/dia de ePA e dHA vs 1 g/dia), poderão recorrer a suplementação, sob supervisão médica.
Acrescentam, no entanto, que não existe evidência que suporte o benefício cardiovascular
em doentes com diabetes Mellitus. em prevenção secundária, a suplementação em ePA e
dHA sob supervisão médica pode também ser
considerada1. A evidência também não apoia a
suplementação com vitaminas ou minerais
com função antioxidante, mas sim o consumo
de fruta e produtos hortícolas50, 51.
2. Krauss RM, eckel RH, Howard B, et al. AHA dietary Guidelines: revision
2000: A statement for healthcare professionals from the nutrition committee of the American Heart Association. Stroke. 2000; 31: 2751-66.
3. Havas S, Heimendinger J, Reynolds K, et al. 5 a day for better health: a
new research initiative. J Am diet Assoc. 1994; 94; 32-6.
4. diet, nutrition and the Prevention of chronic diseases. Geneva: World
Health Organization; 2003. Report nº 916.
middle-aged male population followed for 40 years. nutr Metab cardiovasc
dis. 2012; 22: 369-75.
6. WHO, WHO Guidelines: Sodium intake for adults and children. 2013:
Geneve.
30. estruch R, Ros e, Salas-Salvado J, et al. Primary prevention of cardiovascular disease with a Mediterranean diet. n engl J Med; 2013; 368:
1279-90.
5. Van Horn L, Mccoin M, Kris-etherton PM, et al. The evidence for dietary
prevention and treatment of cardiovascular disease. J Am diet Assoc.2008;
108: 287-331.
7. Lopes c, Oliveira A, Santos Ac, et al. consumo alimentar no Porto.
2006, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
8. Araujo J, Severo M, Lopes c, et al. Food sources of nutrients among 13year-old Portuguese adolescents. Public Health nutr. 2011; 14: 1970-8.
9. Lopes c, Oliveira A, Afonso L, et al. consumo alimentar e nutricional de
crianças em idade Pré-escolar. Resultados da coorte Geração 21. 2014,
instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto
10. Patch cS, Tapsell Lc, Williams PG, et al. Plant sterols as dietary adjuvants in the reduction of cardiovascular risk: theory and evidence. Vasc
Health Risk Manag. 2006; 2:157-62.
11. Appel LJ, Moore TJ, Obarzanek e, et al. A clinical trial of the effects of
dietary patterns on blood pressure. dASH collaborative Research Group.
n engl J Med. 1997; 336: 1117-24.
12. Keys A. Seven countries: A Multivariate Analysis of death and coronary
heart disease. 1980, cambridge, Harvard Unversity Press.
13. Hu FB. dietary pattern analysis: a new direction in nutritional epidemiology. curr Opin Lipidol. 2002; 13: 3-9.
14. Schulze MB, Hoffmann K. Methodological approaches to study dietary
patterns in relation to risk of coronary heart disease and stroke. Br J nutr.
2006; 95: 860-9.
15. Willett W. nutritional epidemiology. 2nd edition ed. 1998: Oxford University Press.
16. Svetkey LP, Simons-Morton d, Vollmer WM, et al. effects of dietary
patterns on blood pressure: subgroup analysis of the dietary Approaches
to Stop Hypertension (dASH) randomized clinical trial. Arch intern Med.
1999; 159: 285-93.
17. Bazzano LA, Green T, Harrison Tn, et al. dietary approaches to prevent
hypertension. curr Hypertens Rep.2013; 15: 694-702.
18. Appel LJ, Brands MW, daniels SR, et al. dietary Approaches to Prevent
and Treat Hypertension: A Scientific Statement From the American Heart
Association. Hypertension. 2006; 47: 296-308.
19. Appel LJ, Sacks FM, carey VJ, et al. effects of protein, monounsaturated fat, and carbohydrate intake on blood pressure and serum lipids: results of the OmniHeart randomized trial. Jama, 2005; 294: 2455-64.
20. Salehi-Abargouei A, Maghsoudi Z, Shirani F, et al. effects of dietary
Approaches to Stop Hypertension (dASH)-style diet on fatal or nonfatal
cardiovascular diseases—incidence: a systematic review and meta-analysis
on observational prospective studies. nutrition. 2013;29: 611-8.
21. epstein de, Sherwood A, Smith PJ, et al. determinants and consequences of adherence to the dietary approaches to stop hypertension diet
in African-American and white adults with high blood pressure: results
from the encORe trial. J Acad nutr diet. 2012; 112: 1763-73.
22. Fung TT, chiuve Se, Mccullough ML, et al. Adherence to a dASHstyle diet and risk of coronary heart disease and stroke in women. Arch intern Med. 2008; 168: 713-20.
23. Sofi F, cesari F, Abbate R, et al. Adherence to Mediterranean diet and
health status: meta-analysis. BMJ, 2008; 337: a1344
24. Martinez-Gonzalez MA, Garcia-Lopez M, Bes-Rastrollo M, et al.
Mediterranean diet and the incidence of cardiovascular disease: a Spanish
cohort. nutr Metab cardiovasc dis. 2011; 21: 237-44.
25. Buckland G, Gonzalez cA, Agudo A, et al. Adherence to the Mediterranean diet and risk of coronary heart disease in the Spanish ePic cohort
Study. Am J epidemiol. 2009; 170: 1518-29.
26. Guallar-castillon P, Rodriguez-Artalejo F, Tormo MJ, et al. Major dietary patterns and risk of coronary heart disease in middle-aged persons
from a Mediterranean country: the ePic-Spain cohort study. nutr Metab
cardiovasc dis. 2012; 22: 192-9.
27. Trichopoulou A, costacou T, Bamia c, et al. Adherence to a Mediterranean diet and Survival in a Greek Population. new england Journal of
Medicine. 2003; 348: 2599-2608.
28. Menotti A, Alberti-Fidanza A, Fidanza F. The association of the
Mediterranean Adequacy index with fatal coronary events in an italian
29. estruch R, Martinez-Gonzalez MA, corella d, et al. effects of a Mediterranean-style diet on cardiovascular risk factors: a randomized trial. Ann
intern Med. 2006; 145: 1-11.
31. de Lorgeril M, Salen P, Martin JL, et al. Mediterranean diet, traditional
risk factors, and the rate of cardiovascular complications after myocardial
infarction: final report of the Lyon diet Heart Study. circulation. 1999; 99:
779-85.
32. de Lorgeril M, Salen P. Mediterranean diet in secondary prevention of
cHd. Public Health nutr. 2011; 14: 2333-7.
33. Willett Wc, Sacks F, Trichopoulou A, et al. Mediterranean diet pyramid: a cultural model for healthy eating. The American Journal of clinical
nutrition. 1995; 61: 1402S-1406S.
34. Serra-Majem L, Trichopoulou A, de la cruz Jn, et al. does the definition
of the Mediterranean diet need to be updated? Public Health nutrition.
2004; 7: 927-929.
35. Rico-cabanas L, Bach-Faig A. Mediterranean diet, the new Pyramid and
some insights on its cardiovascular Preventive effect.
36.Rydén L, Grant PJ, Anker Sd, et al. eSc Guidelines on diabetes, prediabetes, and cardiovascular diseases developed in collaboration with the
eASd The Task Force on diabetes, pre-diabetes, and cardiovascular diseases of the european Society of cardiology (eSc) and developed in collaboration with the european Association for the Study of diabetes
(eASd). european heart journal. 2013; eht108.
37. Renaud S, de Lorgeril M. Wine, alcohol, platelets, and the French paradox for coronary heart disease. The Lancet, 1992;339: 1523-1526.
38. catalgol B, Batirel S, Taga Y, et al. Resveratrol: French paradox revisited. Front Pharmacol. 2012; 3: 141.
39. Rimm eB, Williams P, Fosher K, et al Moderate alcohol intake and
lower risk of coronary heart disease: meta-analysis of effects on lipids and
haemostatic factors. BMJ. 1999.;319: 1523-1528.
40. imhof A, Woodward M, doering A, et al. Overall alcohol intake, beer,
wine, and systemic markers of inflammation in western europe: results
from three MOnicA samples (Augsburg, Glasgow, Lille). european Heart
Journal. 2004; 25: 2092-2100.
41. costanzo S, di castelnuovo A, donati M, et al. Wine, beer or spirit
drinking in relation to fatal and non-fatal cardiovascular events: a metaanalysis. european Journal of epidemiology, 2011; 26: 833-850.
42. O’Keefe JH, Bybee KA, Lavie cJ. Alcohol and cardiovascular Health:
The Razor-Sharp double-edged Sword. Journal of the American college
of cardiology. 2007; 50: 1009-1014.
43. di castelnuovo A, costanzo S, Bagnardi V, et al. Alcohol dosing and
total mortality in men and women: an updated meta-analysis of 34
prospective studies. Arch intern Med. 2006; 166: 2437-45.
44. Kratz M. dietary cholesterol, atherosclerosis and coronary heart disease. Handb exp Pharmacol. 2005; 170: 195-213.
45. Siri-Tarino PW, Sun Q, Hu FB, et al. Saturated fatty acids and risk of
coronary heart disease: modulation by replacement nutrients. curr Atheroscler Rep. 2010; 12: 84-90.
46. Hu FB, Willett Wc. Optimal diets for prevention of coronary heart disease. Jama.2002;288: 2569-78.
47. Howard BV, Van Horn L, Hsia J, et al. Low-fat dietary pattern and risk
of cardiovascular disease: the Women’s Health initiative Randomized controlled dietary Modification Trial. Jama. 2006;295: 655-66.
48. Siri-Tarino PW, Sun Q, Hu FB, et al. Meta-analysis of prospective cohort studies evaluating the association of saturated fat with cardiovascular
disease. Am J clin nutr. 2010; 91: 535-46.
49. Willett Wc. dietary fats and coronary heart disease. J intern Med.
2012; 272: 13-24.
50. Myung SK, Ju W, cho B, et al. efficacy of vitamin and antioxidant supplements in prevention of cardiovascular disease: systematic review and
meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ;, 2013; 346: f10.
51. Moyer VA. Vitamin, mineral, and multivitamin supplements for the
primary prevention of cardiovascular disease and cancer: U.S. Preventive
services Task Force recommendation statement. Ann intern Med. 2014;
160: 558-64.
51
Download