O embrião versus o direito à vida - BuscaLegis

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O embrião versus o direito à vida
Damaris Badalotti *
Com o advento da "polêmica" Lei de Biossegurança, faz-se necessário um estudo acerca do
embrião, tendo em vista que após o descobrimento do DNA e do emprego de técnicas de
reprodução humana, e até mesmo a possibilidade de clonagem, mais uma vez põe-se a
frente o discutido início da vida.
Maria Helena Diniz, citada por VIEIRA et al, ressalta:
[...] a vida teria início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Desse modo, na
fertilização in vitro, embora seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que inicia a
vida, seria a nidação do zigoto ou do ovo que a garantiria; logo, para alguns autores o
nascituro só seria ‘pessoa’ quando o ovo fecundado fosse implantado no útero materno, sob
a condição de nascimento com vida.
Entretanto, noutra ponta resta a corrente doutrinária minoritária que afirma que se o
embrião possui carga genética própria já é pessoa[1].
Coloca corretamente SEMIÃO:
A procriação humana assistida perturba valores, crenças e representações que se julgavam
intocáveis. Ela divorcia a sexualidade da reprodução, a concepção da filiação, a filiação
biológica dos laços afetivos e educativos, a mãe biológica da mãe substituta.[2]
Justamente esses valores morais, bem como os paradigmas e dogmas religiosos é que
devem ser assolados, para que a visão técnico-científica possa ascender ao controle e cura
de doenças até então consideradas incuráveis (Doença de Parkinson, Doença de Alzheimer,
entre outras).
Assim, o que voga da questão da manipulação de embriões para a produção de célulastronco é: quando inicia a vida? Como o direito vai estabelecer normas para limitar o uso
dos embriões excedentes?
De grande importância é a regulamentação jurídica a respeito dos embriões excedentes,
notadamente, diante de casos que já vêm ocorrendo e, por isso, destaca-se o caso verídico –
e de grande importância ao estudo dos embriões excedentes – trazido por SEMIÃO ao citar
a autora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos:
...conta que um rico empresário chileno, Mário Rios, e sua esposa, Elza, após o falecimento
de sua única filha, tentaram ter outros filhos sem sucesso. Em 1981, viajaram para
Melbourne, onde se apresentaram ao médico Carl Wood para se submeterem à fertilização
artificial. A tentativa inicial fracassou, mas o doutor Wood comunicou Elza que havia
oportunidade para outras operações graças à preservação de dois embriões congelados. A
mulher preferiu esperar um pouco mais, para readquirir estabilidade emocional. Voltando
para o Chile, no final do ano de 1983, o casal morreu em um acidente de avião. Os dois
embriões continuaram vivos na Austrália, herdeiros de uma fortuna. Para recebê-la
deveriam nascer. Com a mãe morta a mãe de substituição também teria direito à uma parte
do espólio? O caso, inédito no mundo, abriu uma nova discussão. [3]
O que fazer com os embriões que estão congelados?
Para alguns autores não há o que se discutir. SEMIÃO citando artigo de Silmara J. A.
Chinelato e Almeida, afirma que corrobora quando esta diz:
‘somente se poderá falar em ‘nascituro’ quando houver a nidação do ovo. Embora a vida se
inicie com a fecundação, é a nidação – momento em que a gravidez começa – que garante a
sobrevivência do ovo, sua viabilidade. Assim sendo, o embrião na fecundação in vitro, não
se considera nascituro’[4].
Além disso, a procriação medicamente assistida, gênero donde derivam as espécies
inseminação artificial e fertilização in vitro, somente se concretiza com a nidação no útero
materno.
A rigor, pela primeira vez na história da biociência brasileira, pela aprovação da Lei
11.105/05, e em razão dos avanços médico-científicos, subsiste a possibilidade de se
interferir no corpo humano – através das pesquisas em células-troco – para o tratamento de
inúmeras doenças.
Diante de mais um assunto de alta complexidade, convém uma abordagem sucinta sobre a
diferença entre embrião e nascituro. Este é, sem qualquer polêmica, o homem ou a mulher
enquanto se encontram em processo de gestação no útero da mãe. Conforme SILVA: Indica
aquele que há de nascer, o ente gerado ou concebido que tem existência no ventre
materno[5].
Já o embrião, apesar de possuir carga genética própria, é assim definido, por ser um
organismo celular proveniente da união do óvulo com o espermatozóide, cujo êxito forma
uma única célula denominada zigoto (ou ovo), sendo esta a ocasião em que ocorre a
concepção.
Tem-se que o zigoto após o processo de divisão celular que se dá em três etapas – mórula,
blástula e gástrula – passa a ser então denominado embrião. Esse processo de divisão
celular leva até uma semana, quando então se inicia a fase denominada nêurula, formação
do sistema nervoso central, e somente a partir da oitava semana temos o denominado feto
(deve-se ponderar que o feto para ser chamado de nascituro deve encontrar-se inserido no
útero materno).
Assim, pode-se considerar que embrião ainda não é pessoa humana, vez que conforme
propõe a lei de biossegurança, in verbis, É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a
utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por
fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, (...), serão utilizadas
apenas as células tronco embrionárias, que diante da biologia celular ainda não corresponde
a um ser humano formado, até mesmo porque nem sequer chega-se perto do momento da
nidação.
Convém alertar que o uso dos embriões excedentes será feito em laboratório, seguindo o
procedimento de manipulação em provetas, sem que um novo indivíduo seja formado. Não
se estará matando um feto (8ª semana após divisão celular do zigoto) ou mesmo um
nascituro (feto enquanto inserido no útero materno), muito antes da formação destes as
células tronco já estarão estabelecidas num organismo humano para a cura de doenças.
Aqui consiste a nobreza da Lei de Biossegurança.
A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, pendente de julgamento no Supremo
Tribunal Federal, interposta pelo Procurador-Geral da República, Cláudio Fontanelles,
sustenta basicamente a inviolabilidade do direito à vida, bem como, o respeito à dignidade
da pessoa humana. Daí, porque os argumentos até então elencados reportam-se
principalmente ao tão controvertido início da vida.
Aliás, do corpo da petição do Excelentíssimo Procurador-Geral da República extrai-se: Por
embrião nos termos desta lei entende-se, já a partir do momento da fusão nuclear, o óvulo
humano fecundado e capaz de desenvolver, assim como toda célula totipotente retirada de
um embrião que, uma vez reunidas as condições necessárias, seja capaz de se dividir e
desenvolver-se num indivíduo".[6] (vide: Lei alemã, em anexo)
Como se observa da Lei Alemã citada na ADIN observa-se que o embrião necessita de
condições certas para que possa se desenvolver e, assim, dar início a vida humana. É claro
que as células embrionárias por si só são formas de vida, assim como as bactérias e os vírus
espelhados pelo planeta. O que se examina é o início da vida humana.
Porém, ainda assim, muitos se perguntam: a proteção da vida prevista no art. 5º, caput da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 alcança o embrião?
Sem dúvida, o maior de todos os direitos é o direito à vida consagrado na Carta Magna, in
verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)[7].
Note-se que o texto constitucional limita-se somente em garantir o direito à vida, sem
definir a partir de que momento se dá esta proteção. Entretanto, vale ressaltar que, no que
tange a utilização dos embriões excedentes não se vislumbra atentado à vida, vez que o
embrião ainda é fase de divisão celular anterior à própria formação neural de onde se
formará propriamente dito, o feto.
Quanto à dignidade da pessoa humana, também, por demais óbvio que deva ser respeitada,
nem quer que se entenda o contrário.
Reafirmando que o uso dos embriões excedentes não atenta contra o bem primeiro que é a
vida, tem-se o uso e distribuição das chamadas "pílulas do dia seguinte".
A "pílula do dia seguinte", ou na visão médica anticoncepção de emergência, é um
medicamento que evita que o espermatozóide se una ao óvulo, ou seja, evita a fecundação,
método este que deve ser utilizado somente em casos extremados e até 72 horas após a
relação sexual, quando se iniciam as etapas de divisão celular.
É o entendimento da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da Febrasgo (Federação
Brasileira dos Ginecologistas), que a pílula do dia seguinte não é abortiva, como rezam
alguns teologistas. Assim afirma a médica ginecologista Albertina Duarte, coordenadora do
Programa do Adolescente do Estado de São Paulo, referindo-se a "pílula do dia seguinte":
Ela age antes que a gravidez ocorra. Se a fecundação ainda não aconteceu, o medicamento
vai dificultar o encontro do espermatozóide com o óvulo. Agora, se a fecundação já tiver
ocorrido, irá provocar uma descamação do útero, impedindo a implantação do ovo
fecundado. Caso o ovo já esteja implantado, ou seja, já tenha iniciado a gravidez, a pílula
não tem efeito algum[8].
Destarte, diante da sucinta abordagem da fisiologia obstetrícia, observa-se que o
entendimento médico também é voltado no sentido de que somente há gravidez com a
nidação.
Ademais, convém esclarecer que a utilização das células-tronco, advindas dos embriões
excedentes, não serão manipuladas geneticamente para a criação de novas formas de vida,
mutantes ou monstros como pensam alguns leigos. Ao contrário. As células encontradas no
interior de embriões recém-fecundados, ou seja, por ocasião da divisão celular denominada
blastócito, formada até 8 dias após a fusão do espermatozóide com o óvulo; diante de sua
potencialidade de formar praticamente todos os tecidos do corpo humano seriam utilizadas
para o tratamento de diversas doenças, tais como cânceres e até mesmo doenças
degenerativas, pois podem substituir o tecido lesionado ou doente.
Ademais, para a produção de células-tronco através dos embriões excedentes observa-se
um método seguro e não invasivo que não importa risco para o cedente do material
genético.
Além disso, deve-se levar em conta que a manutenção dos embriões excedentes
crioconservados [9] sem que se possa dar uma destinação, quer seja pesquisa ou descarte, é
muito dispendiosa.
Diante de todo o exposto, pode-se vislumbrar que a autorização legal (Lei de Biossegurança
– art. 5º da Lei nº 11.105/05) para pesquisas com células-tronco embrionárias são de grande
evolução na ciência médica, e cujos benefícios serão destinados à cura das mais diversas
doenças vistas hoje como incuráveis. A evolução requer a quebra de valores tidos como
únicos e verdadeiros, só assim se dará a evolução humana.
1. VIERIA, Tereza Rodrigues, et al. Células-tronco embrionárias e os direitos do nascituro
– parte I, Revista Jurídica Consulex – ano X, n° 223, 30 de abril de 2006, p. 14.
2. SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro. p. 168.
3. SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro. p. 171-172
4. SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro. p. 173.
5. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 942.
6.
BRASIL.
Supremo
Tribunal
federal.
ADIN
3510.
Disponível
em:
http://www.stf.gov.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=11105&
processo=3510. Acesso em 09/mai/08.
7. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988. Grifo
não original.
8. ANJOS, Monique dos. Tudo o que você precisa saber sobre a pílula do dia seguinte. Boa
Forma,
São
Paulo,
jan.
2006.
Disponível
em
http://boaforma.abril.com.br/edicoes/224/fechado/Saude/conteudo_277.shtml. Acesso em
09/mai/08.
9. Crioconservado é o termo médico utilizado para designar a conservação dos embriões,
congelados em nitrogênio, para utilização futura. Definição da autora, baseada na obra de
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações
parentais. p. 734.
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* Advogada
Disponível em:
http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20080514155654504 .
Acesso em: 15 maio. 2008.
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