Artigo Original Ensaio clínico randomizado controlado duplo-cego da nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal Randomized double blind controlled trial of nitazoxanide in human intestinal polyparasitism: a brazilian study Elisabeth Campos de Andrade1, Isabel Cristina Gonçalves Leite2, Marcel de Toledo Vieira3, Elaine Soares Coimbra4, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá5, Vivian de Oliveira Rodrigues6 Resumo Foi realizado um ensaio clínico controlado, duplo cego, randomizado, para avaliar a efetividade e efeitos adversos associados à nitazoxanida, em comparação a outras drogas antiparasitárias (albendazol, tiabendazol, praziquantel e secnidazol), no tratamento de indivíduos poliparasitados. Foram avaliados 65 indivíduos nos dois grupos de tratamento. Os desfechos primários foram: cura ou ausência de cura; diminuição ou não da carga parasitária; ocorrência ou não de eventos adversos. A taxa de cura foi de 32,4% e 38,7% com a nitazoxanida e com o tratamento convencional, respectivamente, mas esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,559). Dos efeitos adversos analisados, houve diferença significativa entre os grupos apenas para vômitos (p=0,031, no grupo que recebeu as drogas convencionais) e urina esverdeada (p=0,002, no grupo que recebeu a nitazoxanida). São necessários outros estudos para esclarecer a baixa efetividade nos casos de poliparasitismo, assim como reavaliar as práticas preventivas e terapêuticas, com o uso de novas drogas e de agentes de largo espectro, podendo a nitazoxanida ser uma droga alternativa neste contexto. Palavras-chave: enteropatias parasitárias; antihelmínticos; agentes antiprotozoários; ensaio clínico; efeitos adversos; parasitologia. Abstract A randomized controlled double-blind trial was undertaken to assess the effectiveness and side effect profile of nitazoxanide compared with other drugs (albendazole, and/or thiabendazole, and/or praziquantel, and/or secnidazole) used in the chemotherapy of human intestinal polyparasitism. Sixty-five individuals were assessed in the two treatment groups. Primary outcomes were cure or absence of cure; reduction or not of the parasitic load; and occurrence or not of side effects. Cure rates were 32.4% and 38.7% with nitazoxanide and conventional therapy, respectively, but the difference was not statistically significant (p=0.599). As for side effects, only vomit (p=0.031, in the treatment group with conventional therapy) and greenish urine (p=0.002 in the treatment group with nitazoxanide) differed significantly. Other studies to clarify the low therapeutic efficacy found in polyparasitism are necessary. Likewise, a reevaluation of preventive and therapeutic practices is necessary. In this context, nitazoxanide could be a possible alternative drug. Keywords: intestinal diseases; anthelmintics; anti-protozoa agents; clinical trial; side effects; parasitology. Trabalho realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora (MG), Brasil. 1 Professora da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora – Juiz de Fora (MG), Brasil. 2 Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil. 3 Professor Adjunto do Departamento de Estatística da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil. 4 Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil. 5 Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil. 6 Aluna de Graduação, Faculdade de Medicina da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil. Endereço para correspondência: Rua João Teixeira Lopes Filho, 70 – Estrela Sul – CEP: 36030-060 – Juiz de Fora (MG), Brasil – Email: [email protected]. Fonte de financiamento: este projeto foi parcialmente financiado pelo Projeto FAPEMIG-SUS/2006 (processo nº. EDT – 3323/06). Conflito de interesse: nada a declarar. Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 139 Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues Introdução A abordagem das parasitoses intestinais, de uma maneira geral, consiste, além do emprego de antiparasitários, em medidas de educação preventiva e de saneamento básico. Em vista da dificuldade de diagnóstico específico das parasitoses1, muitas vezes são realizados tratamentos empíricos com mais de uma droga. A Organização Mundial de Saúde recomendou o tratamento em massa, em locais endêmicos, de geohelmintíases e considera que os custos de diagnósticos individuais são maiores do que o de tratamento2. Nos últimos 25 anos, poucos avanços têm sido identificados no desenvolvimento de novos antiparasitários3. Até o presente momento, não se dispunha de uma droga eficaz para o tratamento concomitante de helmintos e protozoários, além de ser observado o surgimento de novas cepas resistentes a drogas, como o caso da giardíase e o uso do metronidazol4. O tratamento das protozooses intestinais (giardíase e amebíase) tem sido feito com os derivados nitroimidazólicos: metronidazol, tinidazol ou secnidazol5. O metronidazol é a droga mais utilizada no Brasil, até o momento, por ser de baixo custo e fazer parte da cesta básica de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)6. As principais drogas usadas no tratamento dos nematódeos intestinais (A. lumbricoides, S. stercoralis, ancilostomídeos, E. vermicularis e T. trichiura) são: mebendazol e albendazol; porém, a cura completa para estas infecções não é atingida com qualquer uma destas drogas7. Na teníase, as drogas mais recomendadas são o praziquantel, na dose única de 5 a 10 mg/kg, e a niclosamida, na dose única de 2 g8. A nitazoxanida é um derivado nitrotiazólico sintetizada em 19749 e, desde 1994, sua atividade vem sendo avaliada contra um largo espectro de protozoários e helmintos, que infectam o trato gastrointestinal do homem. Estudos em protozoários anaeróbios, bactérias (Trichomonas vaginalis, E. histolytica e Clostridium perfrigens) e no microaerófilo Helicobacter pylori demonstraram que a nitazoxanida inibe uma enzima fundamental para o metabolismo energético destes organismos, a piruvato ferrodoxina oxidoredutase (PFOR)10. Ensaios clínicos com a droga demonstraram eficácia de 71% no tratamento de diarréia por G. intestinalis, eficácia de 89% na ascaridíase11,12 e eficácia de 89% no tratamento da tricuríase12. O objetivo do presente estudo foi avaliar a efetividade e segurança do uso de nitazoxanida no tratamento de poliparasitoses, comparado à terapêutica tradicional (albendazol, praziquantel, tiabendazol e/ou secnidazol). Atualmente, não dispomos, no nosso país, de nenhum estudo para avaliar a efetividade desta droga no tratamento de pacientes mono ou poliparasitados. Do mesmo modo, não foi encontrado, nas fontes de dados da literatura internacional consultadas, 140 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 nenhum ensaio clínico duplo cego com a nitazoxanida, no tratamento de poliparasitados. Materiais e métodos Tipo de estudo Tratou-se de experimental, ensaio clínico, fase IV, controlado, duplo cego, randomizado, no qual foi avaliada a efetividade e eventos adversos associados à droga nitazoxanida, em comparação a outras drogas antiparasitárias, já tradicionalmente utilizadas. Tratou-se de um estudo fase IV, pois apesar do pequeno tamanho da amostra, ocorreu após a comercialização da droga. Pode ser classificado como um estudo triplo-cego, embora este termo seja pouco usado, pois na maioria das vezes, os responsáveis pela terapêutica são também os responsáveis pela avaliação, diferente do que ocorreu neste estudo. Critérios de elegibilidade Nos critérios de elegibilidade enquadraram-se pacientes positivos para duas ou mais parasitoses intestinais patogênicas (helmintos e/ou protozoários) em um e/ou ambos os métodos de diagnóstico parasitológico13, usuários do SUS em três cidades da Zona da Mata de Minas Gerais, com disponibilidade para acompanhamento e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após informação sobre todas as etapas do estudo, realização dos exames e administração das drogas. Critérios de exclusão Os critérios de exclusão foram mulheres grávidas, crianças abaixo de dois anos de idade, pacientes com insuficiência hepática, renal ou com alterações do trato biliar, pacientes em uso de varfarina, aspirina, fenitoína, carbamazepina e ácido valpróico, pacientes com obstrução intestinal por parasitoses intestinais, pacientes com qualquer doença severa e pacientes infectados por S. mansoni14,15. Cálculo do tamanho da amostra O tamanho da amostra foi determinado com o objetivo de detectar uma diferença de 20% na taxa de efeitos adversos da nitazoxanida, em relação ao tratamento convencional, no tratamento de indivíduos portadores de duas ou mais espécies de parasitos intestinais patogênicos, com um poder de 80%, nível de significância de p<0,05. O número estimado de participantes para cada grupo e tratamento foi 32. Dada a ausência de outros estudos, foi definido por um grupo de especialistas, que a taxa de efeitos adversos com o tratamento convencional é de cerca de 20%. Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal Protocolo Foram recrutados indivíduos usuários do SUS, identificados como portadores de duas ou mais espécies de parasitos intestinais patogênicos, com idade maior ou igual a dois anos, nos anos de 2007 e 2008. Os indivíduos foram comunicados através de aviso por escrito, entregue pelo agente comunitário de saúde, de sua microárea, pertencente à equipe de Saúde da Família do município. Os sujeitos da pesquisa (1 a n) foram distribuídos de forma idêntica entre os dois tratamentos, de acordo com a lista de números randômicos gerada pelo programa EPI-INFO 3.3.2 (Figura 1). O paciente, a enfermeira, que administrou a medicação, e os responsáveis pelos exames coproscópicos não tiveram conhecimento sobre qual droga foi administrada. As embalagens contendo os medicamentos foram rotuladas em Tratamento 1 e Tratamento 2, aleatoriamente. A alocação aleatória dos sujeitos da pesquisa foi realizada da seguinte maneira: metade da amostra recebeu tratamento convencional com albendazol (na dose única de 400 mg/dia, para crianças maiores de 2 anos e adultos) para helmintíases; tiabendazol (na dose de 50 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, por 2 dias, para crianças e adultos) para indivíduos infectados por S. stercoralis; praziquantel (na dose única de 10 mg/kg, para crianças e adultos) para o tratamento de teníase e secnidazol (na dose única de 30 mg/kg/dia para crianças e de 2 g para adultos) para protozooses. A outra metade da amostra recebeu nitazoxanida (na dose de 15 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, por 3 dias, para crianças e um comprimido de 500 mg de 12 em 12 horas, por 3 dias, para adultos). As doses foram previamente calculadas para os dois grupos de tratamento, para cada paciente, e após a randomização, preparadas pela equipe de suporte (enfermagem e farmácia). Caso fosse admitida a análise por protocolo, seriam excluídos quatro indivíduos de cada grupo que não colheram fezes póstratamento. Controle de vieses No caso de medicação a ser administrada em dose única, esta foi administrada sob supervisão da enfermeira na Unidade Básica de Saúde. Em caso de doses subsequentes, houve o recolhimento do frasco para conferir a adesão ou não ao tratamento. Juntamente com a administração dos fármacos foi aplicado um questionário acerca dos sintomas e possíveis eventos adversos associados ao uso das drogas. Os pacientes, alocados nos dois grupos, foram acompanhados durante o uso das medicações e até o término da coleta das amostras fecais pós-tratamento. Este questionário de acompanhamento foi preenchido pelo paciente ou responsável, em seu domicílio diariamente, e foram checados nos dias um, três, cinco e dez após o início do tratamento, considerando dia um como o dia do início do tratamento. Nestas datas, foram confirmados a ingestão das medicações e os eventuais efeitos associados ao uso das medicações, além da necessidade do uso de qualquer medicação diferente das drogas em estudo. A equipe de acompanhamento foi treinada para verificação de efeitos adversos inesperados que, se necessário, informariam aos pesquisadores; em caso de efeitos adversos graves, teriam acesso aos códigos de tratamento. Toda a equipe, responsável pela administração das drogas, foi treinada pela pesquisadora responsável e teve toda sua conduta orientada por um roteiro para o trabalho de campo. O tratamento foi considerado completo quando o paciente referiu (com verificação dos frascos) o uso do mesmo pelo tempo e quantidade indicado no rótulo, e incompleto quando a administração não correspondeu ao recomendado, anotando-se a duração total. Dos 67 participantes elegíveis para o estudo, 65 67 pacientes poliparasitados elegíveis para o estudo Randomizados = 65 34 randomizados para nitazoxanida 2 pacientes excluídos sendo 1 paciente excluída por ser gestante 1 paciente excluído por estar em uso de antiparasitário 31 randomizados para tratamento convencional Figura 1. Fluxograma do desenho do estudo. Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 141 Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues submeteram-se a todo o procedimento conforme recomendado. A análise principal foi feita de acordo com a “intenção de tratar”, ou seja, incluiu todos os indivíduos que foram randomizados para formar os grupos. Os pacientes que, porventura, apresentaram qualquer evento adverso foram atendidos e acompanhados pela Equipe do Programa de Saúde da Família dos municípios envolvidos no estudo. Foram realizados exames de controle pelo método Kato-Katz e método de Hoffman, Pons & Janer (HPJ), para avaliação da eficácia das drogas, com coletas de amostras fecais no 14° e 15° dia após o término do tratamento. correção de continuidade e, quando apropriado, o teste exato de Fisher, todos bi-caudais com um nível de significância de p<0,05. O efeito do tratamento sob análise foi estimado pela redução absoluta do risco (RAR), risco relativo (RR) e redução relativa de risco (RRR). Além disso, foi obtido o número necessário para tratar (Number Needed to Treat – NNT), que demonstra o número de sujeitos que necessitam ser submetidos ao novo tratamento para a obtenção de uma cura. Variáveis em estudo Os desfechos primários foram a cura, definida como ausência de qualquer espécie de parasito no exame das fezes, através dos métodos Kato-Katz e HPJ, em oposição à ausência de cura, ou seja, manutenção da parasitose preexistente; diminuição da carga parasitária, avaliada através da quantificação dos ovos de helmintos, pelo método Kato-Katz; ocorrência de evento adverso relacionado ao uso de uma das drogas administradas. Considerações éticas O presente estudo atendeu aos requisitos da Declaração de Helsinque e às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da Propesq/UFJF em 15 de março de 2007, sob parecer número 063/2007. Os indivíduos que concordaram em participar do estudo assinaram o TCLE, em duas vias, recebendo todas as explicações acerca da pesquisa. O presente estudo foi inscrito no Registro Internacional de Ensaios Clínicos International Standard Randomised Controlled Trial Number (ISRCTN) sob o número 74820169 e seguiu as recomendações do Consort Statement (CONSORT)16. Análise estatística O Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.015, foi utilizado para entrada e análise dos dados. Na avaliação comparativa da efetividade e de eventos adversos foi utilizado o teste para diferença de proporções e o teste do χ2 com Resultados Não foram observadas diferenças nas características socioambientais dos indivíduos alocados nos dois grupos de tratamento, conforme visto na Tabela 1. Tabela 1. Aspectos sociodemográficos dos indivíduos alocados nos dois grupos de tratamento. Zona da Mata, MG, 2008. Sexo Feminino Masculino Total Cor Branca Preta Parda Total Faixa etária <6 anos De 6 a 14 anos >14 anos Total Escolaridade Analfabeto ou Fora da Escola Escolar Fora da Idade Escolar Total % INDIVÍDUOS QUE RECEBERAM TRATAMENTO CONVENCIONAL % Valor p 23 11 34 67,6 32,4 100,0 15 16 31 48,4 51,6 100,0 0,116 4 28 2 34 11,8 82,3 5,90 100,0 1 25 5 31 3,30 80,6 16,1 100,0 0,210 8 8 18 34 23,5 23,5 53,0 100,0 3 13 15 31 9,7 41,9 48,4 100,0 0,266 5 15,2 6 19,4 16 12 33 48,5 36,4 100,0 20 5 31 64,5 16,1 31,0 INDIVÍDUOS QUE RECEBERAM NITAZOXANIDA 142 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 0,187 Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal Os pacientes receberam os esquemas terapêuticos identificados na Tabela 2, de acordo com sua associação de parasitos. A taxa de cura foi de 32,4% para nitazoxanida e 38,7% para a medicação convencional, baseada na análise por intenção de tratar. Esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,599). Especificamente para a amostra proveniente de um dos municípios analisados, uma comunidade quilombola, com uma maior prevalência de parasitoses (45,8% de positividade para espécies patogênicas e 36,5% de poliparasitismo), a taxa de cura foi ainda menor, sendo 13,6% para o tratamento convencional, com 22 pacientes tratados, e 8,3% para a nitazoxanida (p=0,574), com 24 pacientes tratados. Não houve diferença de evolução da carga parasitária (contagem de ovos de helmintos/g de fezes) com o tipo de tratamento, conforme visto na Tabela 3. As cargas parasitárias foram baseadas na definição da Organização Mundial da Saúde, que considera para ancilostomídeos, infecções de baixa intensidade de 1 a 1999 ovos/g de fezes, de moderada intensidade de 2000 a 3999 ovos/g de fezes e de alta intensi- dade de 4000 ou mais ovos/g de fezes; para A. lumbricoides, infecções de baixa intensidade de 1 a 4999 ovos/g de fezes, de moderada intensidade de 5000 a 49999 ovos/g de fezes e de alta intensidade de 50000 ou mais ovos/g de fezes; T. trichiura, infecções de baixa intensidade de 1 a 999 ovos/g de fezes, de moderada intensidade de 1000 a 9999 ovos/g de fezes e de alta intensidade de 10000 ou mais ovos/g de fezes2. Houve o aparecimento de espécie diferente, das anteriormente encontradas, na amostra pré-tratamento em 6,7% dos pacientes que receberam nitazoxanida e 11,1% dos pacientes que receberam tratamento convencional. O teste para diferença de proporções, neste caso, mostrou que a diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,562). Os dois grupos de tratamento mostraram maior taxa de cura em adultos (maiores de 14 anos), com diferença estatisticamente significativa entre as proporções, como observamos na Tabela 4. Por meio do cálculo para diferença de proporções, observou-se diferença estatisticamente significativa em relação à cor da pele e a taxa de cura para ambos os tratamentos. A menor efetividade foi apresentada pelos indivíduos de cor preta. A Tabela 2. Subgrupos de tratamento de acordo com a associação de parasitos. Zona da Mata, MG, 2008. Associação Asc+Tt Anc+Asc Asc+Ev Tt+Tric Anc+Tric Tt+Tae Ss+Tt Anc+Asc+Tt Asc+Tt+Ss Anc+Tt Asc+Tae+Tt Anc+Ev+Tt Eh+Tric Anc+Eh Ss+Eh Asc+Gia Asc+Gia+Tt Ev+Eh Anc+Gia Tt+Gia Asc+Eh Anc+Asc+Tt+Eh Gia+Eh Total Alb 10 1 2 1 1 1 16 Alb+Tiab 1 3 4 Tratamento Tratamento Convencional Alb+Praz Alb+Sec Tia+Sec 1 1 2 1 2 1 1 1 7 1 Sec 2 2 Nitazoxanida 9 1 1 1 5 1 1 1 1 1 3 2 2 1 1 3 34 Anc = ovos de ancilostomideos; Asc = ovos de A. lumbricoides; Tt = ovos de T. trichiura; Ev = ovos de Enterobius vermicularis; Tae = ovos de Taenia sp; Tric= ovos da família Strongyloidea (ovos de Strongyloides sp, de espécies não tipadas) , Eh = cistos de Entamoeba histolytica; Gia = cistos de Giardia lamblia; Ss = larvas de Strongyloides stercoralis; Alb = albendazol; Tia = tiabendazol; Praz = praziquantel; Sec = secnidazo. Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 143 Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues Tabela 3. Evolução da carga parasitária dos pacientes tratados com nitazoxanida e tratamento convencional avaliada pelo método Kato-Katz. Zona da Mata, MG, 2008. Espécie/Carga Número de pacientes/ parasitária Tratamento Anc/baixa 5/nitazoxanida* Anc/baixa 3/convencional Anc/moderada 2/nitazoxanida Anc/moderada 0/convencional Asc/baixa 8/nitazoxanida Asc/baixa 4/convencional Asc/ moderada ou alta 8/nitazoxanida Asc/ moderada ou alta 11/convencional Tt/baixa 14/nitazoxanida Tt/baixa 13/convencional Tt/moderada 3/nitazoxanida Tt/moderada 4/convencional Número de pacientes que diminuíram carga parasitária ou negativaram 4/5 (80,0%) 3/3 (100%) 2/2 (100%) 4/8 (50,0%) 2/4 (50,0%) 5/8 (62,5%) 7/11 (63,6%) 6/14 (42,8%) 5/13 (38,4%) 3/3 (100%) 4/4 (100%) Número de pacientes que aumentaram carga parasitária ou mantiveram 0/5 0/3 0/2 4/8 2/4 3/8 4/11 8/14 8/13 0/3 0/4 Anc = ancilostomideos; Asc = A. lumbricóides; Tt = T. trichiura. *um paciente não colheu amostras pós-tratamento. Tabela 4. Taxa de cura e número de pacientes curados/tratados por faixa etária com o tratamento convencional e nitazoxanida. Zona da Mata, MG, 2008. Taxa de Cura Tratamento convencional Nitazoxanida 2-14 anos 25,0% 4/16 18,8% 3/16 Faixa Etária taxa de cura neste grupo foi de 24,0% com o tratamento convencional, enquanto brancos e pardos tiveram 100% (p<0,001). Com o uso da nitazoxanida, a taxa foi de 17,9% entre pretos, enquanto brancos e pardos tiveram 100% (p<0,001). Não se verificou associação estatisticamente significativa entre a cura e as variáveis sexo e grau de escolaridade, tanto para o tratamento com nitazoxanida quanto para o tratamento convencional (p=0,379 e p=0,730, respectivamente, com relação a sexo e p=0,293 e p=0,197, respectivamente, com relação à escolaridade). Dos pacientes submetidos ao tratamento convencional, 12% não coletaram amostras pós-tratamento, enquanto no grupo tratado com nitazoxanida, 11% não refizeram os exames (p=0,567). Os efeitos adversos foram independentes da droga, exceto em duas condições. A ocorrência de vômito (p=0,031) esteve associada ao tratamento convencional e de urina esverdeada ao uso de nitazoxanida (p=0,002). A ocorrência de pelo menos um evento adverso, em algum momento do tratamento, foi de 42,9% com o tratamento convencional e de 57,1% com a nitazoxanida (Tabela 5). Nenhum paciente apresentou efeito adverso grave que necessitasse de suspensão de nenhuma das drogas utilizadas, nem de atendimento médico devido a algum efeito adverso. A redução absoluta de risco foi de 6%, demonstrando que a cura no grupo tratado com nitazoxanida foi 6% menor. A 144 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 Maiores de 14 anos 53,3% 8/15 44,4% 8/18 Valor p 0,015 0,021 redução relativa de risco mostrou que o grupo tratado com nitazoxanida teve uma cura 16% menor em relação ao controle. O risco relativo alcançado foi de 0,84 em relação ao controle; portanto, um risco 16% menor de cura no grupo tratado com nitazoxanida. O número necessário para tratar foi de 16,6; portanto, 16,6 pacientes devem ser tratados para que ocorra uma cura com a droga em estudo. Discussão A taxa de cura, observada no presente estudo, de 32,4% para nitazoxanida e 38,7% para a medicação convencional, não apresentou diferença estatisticamente significativa. Esta baixa taxa pode sugerir que o tamanho da amostra não tenha sido grande o suficiente para detectar uma diferença de eficácia, ou ainda, que realmente não exista tal diferença entre os dois tratamentos. O padrão de efetividade para ambos os tratamentos foi considerado baixo em comparação com estudos feitos para avaliar o tratamento de monoparasitismo. No tratamento com albendazol, a taxa de cura encontrada em revisão sistemática foi de 88% para A. lumbricoides, 28% para T. trichiura, e 72% para ancilostomídeos17. No tratamento da giardíase, a taxa de cura com secnidazol foi de 79,4%18 e 85%5 e, no tratamento da amebíase, foi observado 93% de eficácia com o uso desse medicamento. Por outro lado, a nitazoxanida, em estudos an- Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal Tabela 5. Frequência de efeitos adversos para cada grupo de tratamento. Zona da Mata, MG, 2008. Sinal/Sintoma Cefaléia Diarréia Náuseas Vômitos Secura Dor no corpo Urina esverdeada Urina avermelhada Urina alaranjada Dor no estômago Cólicas Coceira Tontura Distensão abdominal Droga convencional n % 4/31 12,9% 2/31 6,40% 1/31 3,20% 4/31 12,9% 0 0 1/31 3,20% 0 0 1/31 3,20% 0 0 0 0 1/31 3,20% 0 0 1/31 3,20% 1/31 3,20% Nitazoxanida n 5/34 0 3/34 0 2/34 0 9/34 0 1/34 3/34 3/34 1/34 2/34 1/34 % 14,7% 0 8,80% 0 5,90% 0 26,5% 0 2,90% 8,80% 8,80% 2,90% 5,90% 2,94% Valor p 0,834 0,132 0,348 0,031* 0,170 0,291 0,002* 0,291 0,336 0,090 0,348 0,336 0,610 0,947 * teste do χ2, nível de significância de 5% teriores, mostrou eficácia de 69% contra giardíase, 96% contra amebíase, 100% contra tricuríase, ascaridíase e enterobíase19. Não há padrão de referência para o tratamento de pacientes poliparasitados. Estudos envolvendo resposta imunológica e predisposição a reinfecção ambiental, nos casos de poliparasitismo, são necessários para esclarecer a baixa eficácia terapêutica nesse tipo de população, uma vez que os pacientes foram avaliados quanto à cura no curto período de 15 dias após o tratamento. A ocorrência de parasitismo múltiplo é frequente nas regiões tropicais20. Estudos têm demonstrado que indivíduos com múltiplas infecções geralmente apresentam infecções mais severas que indivíduos com infecções únicas21. Outra suposição para a baixa efetividade observada, nos dois tipos de tratamento, são as condições ambientais desfavoráveis em que vivem a maioria dos pacientes analisados, além de sua conduta quanto higiene pessoal e dos alimentos. As condições ambientais, de saneamento e de higiene facilitam a aquisição de parasitos através do solo contaminado com fezes humanas22. Estas condições propiciam a reinfecção de forma rápida. No caso do A. lumbricoides, a despeito da conduta de risco do indivíduo, este parasito apresenta algumas características que facilitam a reinfecção, como sua alta fertilidade, alta resistência de seus ovos mesmo em condições ambientais adversas e ampla dispersão no ambiente14. O aparecimento de espécie diferente, das anteriormente encontradas na amostra pré-tratamento, pode confirmar que o meio onde vivem os sujeitos da amostra do presente estudo é um fator propiciador a infecção constante, a despeito de qualquer tratamento. Este achado confirma a necessidade de abordagem mais ampla no controle das parasitoses com a melhoria das condições de saneamento e educação em saúde14. A taxa de cura foi maior para indivíduos com idade acima de 14 anos, sendo menos eficaz em crianças, nos dois grupos de tratamento, havendo diferença estatisticamente significativa para a cura entre as faixas etárias. A nitazoxanida é um novo derivado nitrotiazólico com um amplo espectro de atividade anti-helmíntica e antiprotozoária. Tem sido eficaz contra infecções por A. lumbricoides, T. Trichiura, Taenia saginata, H. nana e Fasciola hepática, assim como infecções por C. parvum, Blastocystis hominis, E. histolytica, G. lamblia e Isospora belli. Entretanto, apesar de ter sido lançada no Brasil em 2006, nenhum estudo foi conduzido no país para avaliar a sua efetividade no tratamento das parasitoses mais comuns. É uma droga bem tolerada que tem apresentado apenas pequenos e poucos efeitos adversos (4% dos pacientes) de acordo com Diaz et al.20. No presente estudo, o efeito adverso mais frequente foi a mudança de cor da urina, que não apresenta nenhum significado clínico. A ausência de episódios de vômitos em todos os pacientes que receberam a nitazoxanida é um fator que facilita a aderência ao tratamento. Em outro estudo, os eventos adversos foram leves e transitórios, principalmente relacionados ao trato gastrintestinal. Os mais frequentes foram: cefaléia, tonteira, dor abdominal, diarréia, náuseas, vômitos, fadiga. Alguns pacientes estudados relataram mudança de cor da urina (amareloesverdeada)13. O seu uso pode ser uma alternativa a um tratamento mais longo com metronidazol, melhorando a adesão ao tratamento nos casos de resistência aos nitroimidazólicos e quando o tratamento empírico se faz necessário11. A principal limitação deste estudo foi o pequeno número de sujeitos que constituiu a amostra estudada, o que sugere a necessidade de estudos futuros com número maior Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 145 Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues de participantes, tanto destinados a investigar os efeitos nos quadros de poliparasitismo, quanto nos de monoparasitismo, que ainda não foram desenvolvidos no país para esta droga. Nos países em desenvolvimento, onde as parasitoses intestinais são endêmicas e onde os custos com atendimentos médicos frequentes, procedimentos diagnósticos e hospitalizações devido a complicações são altos, faz-se necessário reavaliar as práticas preventivas e terapêuticas, assim como o uso de novas drogas e de agentes de largo espectro, podendo a nitazoxanida ser uma droga alternativa neste contexto. Agrega-se às novas possibilidades terapêuticas, a necessidade de políticas públicas que garantam qualidade de vida, através de saneamento básico, educação para saúde e acesso ao sistema público de saúde, minimizando as iniquidades na sociedade brasileira. Agradecimentos Ao Laboratório Farmoquímica S.A. que disponibilizou a medicação nitazoxanida e que concordou com a realização de um estudo independente e publicação dos resultados dele provenientes. Às Prefeituras dos Municípios pelo apoio na realização do estudo, em especial às Prefeituras de Piau e Bias Fortes. Aos técnicos da Gerência Regional de Saúde de Juiz de Fora que realizaram a leitura das lâminas e pelos esforços para bom andamento dos trabalhos de campo. Referências 1. Cohen SA. Use of nitazoxanide as a new therapeutic option for persistent diarrhea: a pediatric perspective. Curr Med Res Opin. 2005;21(7):9991004. 2. World Health Organization (WHO). Relevé épidémiologique hebdomadaire. Wkly Epidemiol Rec. Geneve; 2006;81(20):197-208. 3. Dupouy-Camet J. New drugs for the treatment of human parasitic protozoa. Parassitologia. 2004;46(1-2):81-4. 4. Upcroft P, Upcroft JA. Drug targets and mechanisms of resistance in the anaerobic protozoa. Clin Microbiol Rev. 2001;14(1):150-64. 5. Gardner TB, Hill DR. Treatment of giardiasis. Clin Microbiol Rev. 2001;14(1):114-28. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Política federal de assistência farmacêutica 1990 a 2002. Barjas Negri. Série B. Textos básicos de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 7. Geerts S, Gryseels B. Drug resistance in human helminths: current situation and lessons from livestock. Clin Microbiol Rev. 2000;13(2):20722. 8. Duncan BB, Schimidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2004. 9. Rossignol JF, Cavier R. New derivatives of 5-nitrothiazoles. United States patent n 3.950.351; 1976. 2-benzamido 10. Gilles HM, Hoffman PS. Treatment of intestinal parasitic infections: a review of nitazoxanide. Trends Parasitol. 2002;18(3):95-7. 11. Ortiz JJ, Ayoub A, Gargala G, Chegne NL, Favennec L. Randomized clinical study of nitazoxanide compared to metronidazole in the treatment of symptomatic giardiasis in children from Northern Peru. Aliment Pharmacol Ther. 2001;15(9):1409-15. 12. Juan JO, Lopez-Chegne N, Gargala G, Favennec L. Comparative clinical studies of nitazoxanide, albendazole and praziquantel in the treatment of ascariasis, trichuriasis and hymenolepiasis in children from Peru. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2002;96(2):193-6. 146 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 13. Hoffman WA, Pons JA, Janer JL. Sedimentation concentration method in schistosomiasis mansoni. J Publ Health Trop Med. 1934;9:283-98. 14. Stockis A, Allemon AM, De Bruyn S, Gengler C. Nitazoxanide pharmacokinetics and tolerability in man using single ascending oral doses. Int J Clin Pharmacol Ther. 2002;40(5):213-20. 15. Zani LC, Favre TC, Pieri OS, Barbosa CS. Impact of antihelminthic treatment on infection by Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura and hookworms in Covas, a rural community of Pernambuco, Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo. 2004;46(2):63-71. 16. SPSS Incorporation; SPSS for Windows. Statistical Package for Social Sciences. Release 15.0. Chicago: SPSS Inc.; 2006. 17. Moher D, Schulz KF, Altman D. The CONSORT statement: revised recommendations for improving the quality of reports of parallel-group randomized trials. JAMA. 2001;18(15):1987-91. 18. Keiser J, Utzinger J. Efficacy of current drugs against soil-transmitted helminth infections: systematic review and meta-analysis. JAMA. 2008;299(16):1937-48. 19. Escobedo AA, Cañete R, Gonzalez ME, Pareja A, Cimerman S, Almirall P. A randomized trial comparing mebendazole and secnidazole for the treatment of giardiasis. Ann Trop Med Parasitol. 2003;97(5):499-504. 20. Diaz E, Mondragon J, Ramirez E, Bernal R. Epidemiology and control of intestinal parasites with nitazoxanide in children in Mexico. Am J Trop Med Hyg. 2003;68(4):384-5. 21. Brooker S, Miguel EA, Moulin S, Luoba AI, Bundy DA, Kremer M. Epidemiology of single and multiple species of helminth infections among school children in Busia District, Kenya. East Afr Med J. 2000;77(3):157-61. 22. Fleming FM, Brooker S, Geiger SM, Caldas IR, Correa-Oliveira R, Hotez PJ, et al. Synergistic associations between hookworm and other helminth species in a rural community in Brazil. Trop Med Int Health. 2006;11(1):56-64. Recebido em: 10/02/2011 Aprovado em: 07/05/2011