Ensaio clínico randomizado controlado duplo-cego da

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Artigo Original
Ensaio clínico randomizado controlado
duplo-cego da nitazoxanida no tratamento
do poliparasitismo intestinal
Randomized double blind controlled trial of nitazoxanide in human
intestinal polyparasitism: a brazilian study
Elisabeth Campos de Andrade1, Isabel Cristina Gonçalves Leite2, Marcel de Toledo Vieira3,
Elaine Soares Coimbra4, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá5, Vivian de Oliveira Rodrigues6
Resumo
Foi realizado um ensaio clínico controlado, duplo cego, randomizado, para avaliar a efetividade e efeitos adversos associados à nitazoxanida, em comparação a outras drogas antiparasitárias (albendazol, tiabendazol, praziquantel e secnidazol),
no tratamento de indivíduos poliparasitados. Foram avaliados 65 indivíduos nos dois grupos de tratamento. Os desfechos
primários foram: cura ou ausência de cura; diminuição ou não da carga parasitária; ocorrência ou não de eventos adversos.
A taxa de cura foi de 32,4% e 38,7% com a nitazoxanida e com o tratamento convencional, respectivamente, mas esta
diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,559). Dos efeitos adversos analisados, houve diferença significativa entre
os grupos apenas para vômitos (p=0,031, no grupo que recebeu as drogas convencionais) e urina esverdeada (p=0,002,
no grupo que recebeu a nitazoxanida). São necessários outros estudos para esclarecer a baixa efetividade nos casos de
poliparasitismo, assim como reavaliar as práticas preventivas e terapêuticas, com o uso de novas drogas e de agentes de
largo espectro, podendo a nitazoxanida ser uma droga alternativa neste contexto.
Palavras-chave: enteropatias parasitárias; antihelmínticos; agentes antiprotozoários; ensaio clínico; efeitos adversos; parasitologia.
Abstract
A randomized controlled double-blind trial was undertaken to assess the effectiveness and side effect profile of nitazoxanide compared with other drugs (albendazole, and/or thiabendazole, and/or praziquantel, and/or secnidazole) used in the
chemotherapy of human intestinal polyparasitism. Sixty-five individuals were assessed in the two treatment groups. Primary
outcomes were cure or absence of cure; reduction or not of the parasitic load; and occurrence or not of side effects. Cure
rates were 32.4% and 38.7% with nitazoxanide and conventional therapy, respectively, but the difference was not statistically
significant (p=0.599). As for side effects, only vomit (p=0.031, in the treatment group with conventional therapy) and greenish
urine (p=0.002 in the treatment group with nitazoxanide) differed significantly. Other studies to clarify the low therapeutic
efficacy found in polyparasitism are necessary. Likewise, a reevaluation of preventive and therapeutic practices is necessary.
In this context, nitazoxanide could be a possible alternative drug.
Keywords: intestinal diseases; anthelmintics; anti-protozoa agents; clinical trial; side effects; parasitology.
Trabalho realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora (MG), Brasil.
1
Professora da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora – Juiz de Fora (MG), Brasil.
2
Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil.
3
Professor Adjunto do Departamento de Estatística da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil.
4
Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil.
5
Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil.
6
Aluna de Graduação, Faculdade de Medicina da UFJF – Juiz de Fora (MG), Brasil.
Endereço para correspondência: Rua João Teixeira Lopes Filho, 70 – Estrela Sul – CEP: 36030-060 – Juiz de Fora (MG), Brasil – Email: [email protected].
Fonte de financiamento: este projeto foi parcialmente financiado pelo Projeto FAPEMIG-SUS/2006 (processo nº. EDT – 3323/06).
Conflito de interesse: nada a declarar.
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Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues
Introdução
A abordagem das parasitoses intestinais, de uma maneira
geral, consiste, além do emprego de antiparasitários, em medidas de educação preventiva e de saneamento básico. Em
vista da dificuldade de diagnóstico específico das parasitoses1,
muitas vezes são realizados tratamentos empíricos com mais
de uma droga. A Organização Mundial de Saúde recomendou
o tratamento em massa, em locais endêmicos, de geohelmintíases e considera que os custos de diagnósticos individuais são
maiores do que o de tratamento2.
Nos últimos 25 anos, poucos avanços têm sido identificados
no desenvolvimento de novos antiparasitários3. Até o presente
momento, não se dispunha de uma droga eficaz para o tratamento concomitante de helmintos e protozoários, além de ser
observado o surgimento de novas cepas resistentes a drogas,
como o caso da giardíase e o uso do metronidazol4.
O tratamento das protozooses intestinais (giardíase e amebíase) tem sido feito com os derivados nitroimidazólicos: metronidazol, tinidazol ou secnidazol5. O metronidazol é a droga
mais utilizada no Brasil, até o momento, por ser de baixo custo
e fazer parte da cesta básica de medicamentos do Sistema Único
de Saúde (SUS)6.
As principais drogas usadas no tratamento dos nematódeos
intestinais (A. lumbricoides, S. stercoralis, ancilostomídeos, E.
vermicularis e T. trichiura) são: mebendazol e albendazol; porém,
a cura completa para estas infecções não é atingida com qualquer
uma destas drogas7.
Na teníase, as drogas mais recomendadas são o praziquantel, na dose única de 5 a 10 mg/kg, e a niclosamida, na dose
única de 2 g8.
A nitazoxanida é um derivado nitrotiazólico sintetizada em
19749 e, desde 1994, sua atividade vem sendo avaliada contra
um largo espectro de protozoários e helmintos, que infectam
o trato gastrointestinal do homem. Estudos em protozoários
anaeróbios, bactérias (Trichomonas vaginalis, E. histolytica e
Clostridium perfrigens) e no microaerófilo Helicobacter pylori demonstraram que a nitazoxanida inibe uma enzima fundamental
para o metabolismo energético destes organismos, a piruvato
ferrodoxina oxidoredutase (PFOR)10. Ensaios clínicos com a
droga demonstraram eficácia de 71% no tratamento de diarréia
por G. intestinalis, eficácia de 89% na ascaridíase11,12 e eficácia de
89% no tratamento da tricuríase12. O objetivo do presente estudo
foi avaliar a efetividade e segurança do uso de nitazoxanida no
tratamento de poliparasitoses, comparado à terapêutica tradicional (albendazol, praziquantel, tiabendazol e/ou secnidazol).
Atualmente, não dispomos, no nosso país, de nenhum estudo
para avaliar a efetividade desta droga no tratamento de pacientes
mono ou poliparasitados. Do mesmo modo, não foi encontrado, nas fontes de dados da literatura internacional consultadas,
140 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46
nenhum ensaio clínico duplo cego com a nitazoxanida, no tratamento de poliparasitados.
Materiais e métodos
Tipo de estudo
Tratou-se de experimental, ensaio clínico, fase IV, controlado, duplo cego, randomizado, no qual foi avaliada a efetividade e eventos adversos associados à droga nitazoxanida, em
comparação a outras drogas antiparasitárias, já tradicionalmente utilizadas.
Tratou-se de um estudo fase IV, pois apesar do pequeno
tamanho da amostra, ocorreu após a comercialização da droga.
Pode ser classificado como um estudo triplo-cego, embora este
termo seja pouco usado, pois na maioria das vezes, os responsáveis pela terapêutica são também os responsáveis pela avaliação,
diferente do que ocorreu neste estudo.
Critérios de elegibilidade
Nos critérios de elegibilidade enquadraram-se pacientes
positivos para duas ou mais parasitoses intestinais patogênicas
(helmintos e/ou protozoários) em um e/ou ambos os métodos de
diagnóstico parasitológico13, usuários do SUS em três cidades da
Zona da Mata de Minas Gerais, com disponibilidade para acompanhamento e que assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE), após informação sobre todas as etapas do
estudo, realização dos exames e administração das drogas.
Critérios de exclusão
Os critérios de exclusão foram mulheres grávidas, crianças
abaixo de dois anos de idade, pacientes com insuficiência hepática, renal ou com alterações do trato biliar, pacientes em uso de
varfarina, aspirina, fenitoína, carbamazepina e ácido valpróico,
pacientes com obstrução intestinal por parasitoses intestinais,
pacientes com qualquer doença severa e pacientes infectados por
S. mansoni14,15.
Cálculo do tamanho da amostra
O tamanho da amostra foi determinado com o objetivo de
detectar uma diferença de 20% na taxa de efeitos adversos da
nitazoxanida, em relação ao tratamento convencional, no tratamento de indivíduos portadores de duas ou mais espécies de
parasitos intestinais patogênicos, com um poder de 80%, nível
de significância de p<0,05. O número estimado de participantes para cada grupo e tratamento foi 32. Dada a ausência de
outros estudos, foi definido por um grupo de especialistas, que
a taxa de efeitos adversos com o tratamento convencional é de
cerca de 20%.
Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal
Protocolo
Foram recrutados indivíduos usuários do SUS, identificados como portadores de duas ou mais espécies de parasitos
intestinais patogênicos, com idade maior ou igual a dois anos,
nos anos de 2007 e 2008. Os indivíduos foram comunicados
através de aviso por escrito, entregue pelo agente comunitário
de saúde, de sua microárea, pertencente à equipe de Saúde da
Família do município.
Os sujeitos da pesquisa (1 a n) foram distribuídos de forma
idêntica entre os dois tratamentos, de acordo com a lista de
números randômicos gerada pelo programa EPI-INFO 3.3.2
(Figura 1).
O paciente, a enfermeira, que administrou a medicação, e os
responsáveis pelos exames coproscópicos não tiveram conhecimento sobre qual droga foi administrada.
As embalagens contendo os medicamentos foram rotuladas em Tratamento 1 e Tratamento 2, aleatoriamente. A
alocação aleatória dos sujeitos da pesquisa foi realizada da
seguinte maneira: metade da amostra recebeu tratamento
convencional com albendazol (na dose única de 400 mg/dia,
para crianças maiores de 2 anos e adultos) para helmintíases;
tiabendazol (na dose de 50 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, por
2 dias, para crianças e adultos) para indivíduos infectados
por S. stercoralis; praziquantel (na dose única de 10 mg/kg,
para crianças e adultos) para o tratamento de teníase e secnidazol (na dose única de 30 mg/kg/dia para crianças e de 2
g para adultos) para protozooses. A outra metade da amostra
recebeu nitazoxanida (na dose de 15 mg/kg/dia de 12 em 12
horas, por 3 dias, para crianças e um comprimido de 500 mg
de 12 em 12 horas, por 3 dias, para adultos). As doses foram
previamente calculadas para os dois grupos de tratamento,
para cada paciente, e após a randomização, preparadas pela
equipe de suporte (enfermagem e farmácia).
Caso fosse admitida a análise por protocolo, seriam excluídos
quatro indivíduos de cada grupo que não colheram fezes póstratamento.
Controle de vieses
No caso de medicação a ser administrada em dose única, esta
foi administrada sob supervisão da enfermeira na Unidade Básica
de Saúde. Em caso de doses subsequentes, houve o recolhimento
do frasco para conferir a adesão ou não ao tratamento.
Juntamente com a administração dos fármacos foi aplicado
um questionário acerca dos sintomas e possíveis eventos adversos associados ao uso das drogas. Os pacientes, alocados nos dois
grupos, foram acompanhados durante o uso das medicações e
até o término da coleta das amostras fecais pós-tratamento. Este
questionário de acompanhamento foi preenchido pelo paciente
ou responsável, em seu domicílio diariamente, e foram checados
nos dias um, três, cinco e dez após o início do tratamento, considerando dia um como o dia do início do tratamento. Nestas datas, foram confirmados a ingestão das medicações e os eventuais
efeitos associados ao uso das medicações, além da necessidade
do uso de qualquer medicação diferente das drogas em estudo.
A equipe de acompanhamento foi treinada para verificação de
efeitos adversos inesperados que, se necessário, informariam
aos pesquisadores; em caso de efeitos adversos graves, teriam
acesso aos códigos de tratamento. Toda a equipe, responsável
pela administração das drogas, foi treinada pela pesquisadora
responsável e teve toda sua conduta orientada por um roteiro
para o trabalho de campo.
O tratamento foi considerado completo quando o paciente
referiu (com verificação dos frascos) o uso do mesmo pelo
tempo e quantidade indicado no rótulo, e incompleto quando a
administração não correspondeu ao recomendado, anotando-se
a duração total. Dos 67 participantes elegíveis para o estudo, 65
67 pacientes
poliparasitados elegíveis
para o estudo
Randomizados = 65
34 randomizados
para nitazoxanida
2 pacientes excluídos sendo
1 paciente excluída por ser gestante
1 paciente excluído por estar
em uso de antiparasitário
31 randomizados
para tratamento
convencional
Figura 1. Fluxograma do desenho do estudo.
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 141
Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues
submeteram-se a todo o procedimento conforme recomendado.
A análise principal foi feita de acordo com a “intenção de tratar”,
ou seja, incluiu todos os indivíduos que foram randomizados
para formar os grupos.
Os pacientes que, porventura, apresentaram qualquer
evento adverso foram atendidos e acompanhados pela Equipe
do Programa de Saúde da Família dos municípios envolvidos
no estudo.
Foram realizados exames de controle pelo método Kato-Katz
e método de Hoffman, Pons & Janer (HPJ), para avaliação da
eficácia das drogas, com coletas de amostras fecais no 14° e 15°
dia após o término do tratamento.
correção de continuidade e, quando apropriado, o teste exato de
Fisher, todos bi-caudais com um nível de significância de p<0,05.
O efeito do tratamento sob análise foi estimado pela redução
absoluta do risco (RAR), risco relativo (RR) e redução relativa
de risco (RRR). Além disso, foi obtido o número necessário para
tratar (Number Needed to Treat – NNT), que demonstra o número de sujeitos que necessitam ser submetidos ao novo tratamento
para a obtenção de uma cura.
Variáveis em estudo
Os desfechos primários foram a cura, definida como ausência de qualquer espécie de parasito no exame das fezes, através
dos métodos Kato-Katz e HPJ, em oposição à ausência de cura,
ou seja, manutenção da parasitose preexistente; diminuição da
carga parasitária, avaliada através da quantificação dos ovos de
helmintos, pelo método Kato-Katz; ocorrência de evento adverso
relacionado ao uso de uma das drogas administradas.
Considerações éticas
O presente estudo atendeu aos requisitos da Declaração de
Helsinque e às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisas em Seres Humanos da Propesq/UFJF em 15 de março
de 2007, sob parecer número 063/2007. Os indivíduos que concordaram em participar do estudo assinaram o TCLE, em duas
vias, recebendo todas as explicações acerca da pesquisa.
O presente estudo foi inscrito no Registro Internacional de
Ensaios Clínicos International Standard Randomised Controlled
Trial Number (ISRCTN) sob o número 74820169 e seguiu as
recomendações do Consort Statement (CONSORT)16.
Análise estatística
O Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS),
versão 15.015, foi utilizado para entrada e análise dos dados. Na
avaliação comparativa da efetividade e de eventos adversos foi
utilizado o teste para diferença de proporções e o teste do χ2 com
Resultados
Não foram observadas diferenças nas características socioambientais dos indivíduos alocados nos dois grupos de
tratamento, conforme visto na Tabela 1.
Tabela 1. Aspectos sociodemográficos dos indivíduos alocados nos dois grupos de tratamento. Zona da Mata, MG, 2008.
Sexo
Feminino
Masculino
Total
Cor
Branca
Preta
Parda
Total
Faixa etária
<6 anos
De 6 a 14 anos
>14 anos
Total
Escolaridade
Analfabeto ou Fora
da Escola
Escolar
Fora da Idade Escolar
Total
%
INDIVÍDUOS
QUE RECEBERAM
TRATAMENTO
CONVENCIONAL
%
Valor p
23
11
34
67,6
32,4
100,0
15
16
31
48,4
51,6
100,0
0,116
4
28
2
34
11,8
82,3
5,90
100,0
1
25
5
31
3,30
80,6
16,1
100,0
0,210
8
8
18
34
23,5
23,5
53,0
100,0
3
13
15
31
9,7
41,9
48,4
100,0
0,266
5
15,2
6
19,4
16
12
33
48,5
36,4
100,0
20
5
31
64,5
16,1
31,0
INDIVÍDUOS
QUE RECEBERAM
NITAZOXANIDA
142 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46
0,187
Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal
Os pacientes receberam os esquemas terapêuticos
identificados na Tabela 2, de acordo com sua associação
de parasitos.
A taxa de cura foi de 32,4% para nitazoxanida e 38,7% para
a medicação convencional, baseada na análise por intenção
de tratar. Esta diferença não foi estatisticamente significativa
(p=0,599).
Especificamente para a amostra proveniente de um dos
municípios analisados, uma comunidade quilombola, com
uma maior prevalência de parasitoses (45,8% de positividade para espécies patogênicas e 36,5% de poliparasitismo), a
taxa de cura foi ainda menor, sendo 13,6% para o tratamento
convencional, com 22 pacientes tratados, e 8,3% para a nitazoxanida (p=0,574), com 24 pacientes tratados.
Não houve diferença de evolução da carga parasitária
(contagem de ovos de helmintos/g de fezes) com o tipo de
tratamento, conforme visto na Tabela 3. As cargas parasitárias foram baseadas na definição da Organização Mundial
da Saúde, que considera para ancilostomídeos, infecções de
baixa intensidade de 1 a 1999 ovos/g de fezes, de moderada
intensidade de 2000 a 3999 ovos/g de fezes e de alta intensi-
dade de 4000 ou mais ovos/g de fezes; para A. lumbricoides,
infecções de baixa intensidade de 1 a 4999 ovos/g de fezes, de
moderada intensidade de 5000 a 49999 ovos/g de fezes e de
alta intensidade de 50000 ou mais ovos/g de fezes; T. trichiura,
infecções de baixa intensidade de 1 a 999 ovos/g de fezes, de
moderada intensidade de 1000 a 9999 ovos/g de fezes e de alta
intensidade de 10000 ou mais ovos/g de fezes2.
Houve o aparecimento de espécie diferente, das anteriormente encontradas, na amostra pré-tratamento em 6,7% dos
pacientes que receberam nitazoxanida e 11,1% dos pacientes
que receberam tratamento convencional. O teste para diferença de proporções, neste caso, mostrou que a diferença não foi
estatisticamente significativa (p=0,562).
Os dois grupos de tratamento mostraram maior taxa de
cura em adultos (maiores de 14 anos), com diferença estatisticamente significativa entre as proporções, como observamos
na Tabela 4.
Por meio do cálculo para diferença de proporções, observou-se diferença estatisticamente significativa em relação à cor
da pele e a taxa de cura para ambos os tratamentos. A menor
efetividade foi apresentada pelos indivíduos de cor preta. A
Tabela 2. Subgrupos de tratamento de acordo com a associação de parasitos. Zona da Mata, MG, 2008.
Associação
Asc+Tt
Anc+Asc
Asc+Ev
Tt+Tric
Anc+Tric
Tt+Tae
Ss+Tt
Anc+Asc+Tt
Asc+Tt+Ss
Anc+Tt
Asc+Tae+Tt
Anc+Ev+Tt
Eh+Tric
Anc+Eh
Ss+Eh
Asc+Gia
Asc+Gia+Tt
Ev+Eh
Anc+Gia
Tt+Gia
Asc+Eh
Anc+Asc+Tt+Eh
Gia+Eh
Total
Alb
10
1
2
1
1
1
16
Alb+Tiab
1
3
4
Tratamento
Tratamento Convencional
Alb+Praz
Alb+Sec
Tia+Sec
1
1
2
1
2
1
1
1
7
1
Sec
2
2
Nitazoxanida
9
1
1
1
5
1
1
1
1
1
3
2
2
1
1
3
34
Anc = ovos de ancilostomideos; Asc = ovos de A. lumbricoides; Tt = ovos de T. trichiura; Ev = ovos de Enterobius vermicularis; Tae = ovos de Taenia sp; Tric=
ovos da família Strongyloidea (ovos de Strongyloides sp, de espécies não tipadas) , Eh = cistos de Entamoeba histolytica; Gia = cistos de Giardia lamblia; Ss =
larvas de Strongyloides stercoralis; Alb = albendazol; Tia = tiabendazol; Praz = praziquantel; Sec = secnidazo.
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 143
Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues
Tabela 3. Evolução da carga parasitária dos pacientes tratados com nitazoxanida e tratamento convencional avaliada pelo método Kato-Katz.
Zona da Mata, MG, 2008.
Espécie/Carga
Número de pacientes/
parasitária
Tratamento
Anc/baixa
5/nitazoxanida*
Anc/baixa
3/convencional
Anc/moderada
2/nitazoxanida
Anc/moderada
0/convencional
Asc/baixa
8/nitazoxanida
Asc/baixa
4/convencional
Asc/ moderada ou alta
8/nitazoxanida
Asc/ moderada ou alta
11/convencional
Tt/baixa
14/nitazoxanida
Tt/baixa
13/convencional
Tt/moderada
3/nitazoxanida
Tt/moderada
4/convencional
Número de pacientes que diminuíram
carga parasitária ou negativaram
4/5 (80,0%)
3/3 (100%)
2/2 (100%)
4/8 (50,0%)
2/4 (50,0%)
5/8 (62,5%)
7/11 (63,6%)
6/14 (42,8%)
5/13 (38,4%)
3/3 (100%)
4/4 (100%)
Número de pacientes que aumentaram
carga parasitária ou mantiveram
0/5
0/3
0/2
4/8
2/4
3/8
4/11
8/14
8/13
0/3
0/4
Anc = ancilostomideos; Asc = A. lumbricóides; Tt = T. trichiura.
*um paciente não colheu amostras pós-tratamento.
Tabela 4. Taxa de cura e número de pacientes curados/tratados por faixa etária com o tratamento convencional e nitazoxanida. Zona da Mata,
MG, 2008.
Taxa de Cura
Tratamento convencional
Nitazoxanida
2-14 anos
25,0% 4/16
18,8% 3/16
Faixa Etária
taxa de cura neste grupo foi de 24,0% com o tratamento convencional, enquanto brancos e pardos tiveram 100% (p<0,001).
Com o uso da nitazoxanida, a taxa foi de 17,9% entre pretos,
enquanto brancos e pardos tiveram 100% (p<0,001).
Não se verificou associação estatisticamente significativa
entre a cura e as variáveis sexo e grau de escolaridade, tanto
para o tratamento com nitazoxanida quanto para o tratamento convencional (p=0,379 e p=0,730, respectivamente, com
relação a sexo e p=0,293 e p=0,197, respectivamente, com
relação à escolaridade).
Dos pacientes submetidos ao tratamento convencional,
12% não coletaram amostras pós-tratamento, enquanto no
grupo tratado com nitazoxanida, 11% não refizeram os exames (p=0,567).
Os efeitos adversos foram independentes da droga, exceto
em duas condições. A ocorrência de vômito (p=0,031) esteve
associada ao tratamento convencional e de urina esverdeada
ao uso de nitazoxanida (p=0,002). A ocorrência de pelo menos um evento adverso, em algum momento do tratamento,
foi de 42,9% com o tratamento convencional e de 57,1% com
a nitazoxanida (Tabela 5).
Nenhum paciente apresentou efeito adverso grave que
necessitasse de suspensão de nenhuma das drogas utilizadas,
nem de atendimento médico devido a algum efeito adverso.
A redução absoluta de risco foi de 6%, demonstrando que
a cura no grupo tratado com nitazoxanida foi 6% menor. A
144 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46
Maiores de 14 anos
53,3% 8/15
44,4% 8/18
Valor p
0,015
0,021
redução relativa de risco mostrou que o grupo tratado com
nitazoxanida teve uma cura 16% menor em relação ao controle. O risco relativo alcançado foi de 0,84 em relação ao
controle; portanto, um risco 16% menor de cura no grupo
tratado com nitazoxanida. O número necessário para tratar
foi de 16,6; portanto, 16,6 pacientes devem ser tratados para
que ocorra uma cura com a droga em estudo.
Discussão
A taxa de cura, observada no presente estudo, de 32,4%
para nitazoxanida e 38,7% para a medicação convencional,
não apresentou diferença estatisticamente significativa. Esta
baixa taxa pode sugerir que o tamanho da amostra não tenha
sido grande o suficiente para detectar uma diferença de eficácia, ou ainda, que realmente não exista tal diferença entre os
dois tratamentos.
O padrão de efetividade para ambos os tratamentos foi
considerado baixo em comparação com estudos feitos para
avaliar o tratamento de monoparasitismo. No tratamento com
albendazol, a taxa de cura encontrada em revisão sistemática
foi de 88% para A. lumbricoides, 28% para T. trichiura, e 72%
para ancilostomídeos17. No tratamento da giardíase, a taxa de
cura com secnidazol foi de 79,4%18 e 85%5 e, no tratamento
da amebíase, foi observado 93% de eficácia com o uso desse
medicamento. Por outro lado, a nitazoxanida, em estudos an-
Nitazoxanida no tratamento do poliparasitismo intestinal
Tabela 5. Frequência de efeitos adversos para cada grupo de tratamento. Zona da Mata, MG, 2008.
Sinal/Sintoma
Cefaléia
Diarréia
Náuseas
Vômitos
Secura
Dor no corpo
Urina esverdeada
Urina avermelhada
Urina alaranjada
Dor no estômago
Cólicas
Coceira
Tontura
Distensão abdominal
Droga convencional
n
%
4/31
12,9%
2/31
6,40%
1/31
3,20%
4/31
12,9%
0
0
1/31
3,20%
0
0
1/31
3,20%
0
0
0
0
1/31
3,20%
0
0
1/31
3,20%
1/31
3,20%
Nitazoxanida
n
5/34
0
3/34
0
2/34
0
9/34
0
1/34
3/34
3/34
1/34
2/34
1/34
%
14,7%
0
8,80%
0
5,90%
0
26,5%
0
2,90%
8,80%
8,80%
2,90%
5,90%
2,94%
Valor p
0,834
0,132
0,348
0,031*
0,170
0,291
0,002*
0,291
0,336
0,090
0,348
0,336
0,610
0,947
* teste do χ2, nível de significância de 5%
teriores, mostrou eficácia de 69% contra giardíase, 96% contra
amebíase, 100% contra tricuríase, ascaridíase e enterobíase19.
Não há padrão de referência para o tratamento de pacientes poliparasitados. Estudos envolvendo resposta imunológica
e predisposição a reinfecção ambiental, nos casos de poliparasitismo, são necessários para esclarecer a baixa eficácia
terapêutica nesse tipo de população, uma vez que os pacientes
foram avaliados quanto à cura no curto período de 15 dias
após o tratamento.
A ocorrência de parasitismo múltiplo é frequente nas regiões tropicais20. Estudos têm demonstrado que indivíduos com
múltiplas infecções geralmente apresentam infecções mais
severas que indivíduos com infecções únicas21.
Outra suposição para a baixa efetividade observada, nos
dois tipos de tratamento, são as condições ambientais desfavoráveis em que vivem a maioria dos pacientes analisados, além
de sua conduta quanto higiene pessoal e dos alimentos. As
condições ambientais, de saneamento e de higiene facilitam a
aquisição de parasitos através do solo contaminado com fezes
humanas22. Estas condições propiciam a reinfecção de forma
rápida. No caso do A. lumbricoides, a despeito da conduta de
risco do indivíduo, este parasito apresenta algumas características que facilitam a reinfecção, como sua alta fertilidade,
alta resistência de seus ovos mesmo em condições ambientais
adversas e ampla dispersão no ambiente14.
O aparecimento de espécie diferente, das anteriormente
encontradas na amostra pré-tratamento, pode confirmar que
o meio onde vivem os sujeitos da amostra do presente estudo
é um fator propiciador a infecção constante, a despeito de
qualquer tratamento. Este achado confirma a necessidade de
abordagem mais ampla no controle das parasitoses com a melhoria das condições de saneamento e educação em saúde14.
A taxa de cura foi maior para indivíduos com idade acima
de 14 anos, sendo menos eficaz em crianças, nos dois grupos
de tratamento, havendo diferença estatisticamente significativa para a cura entre as faixas etárias.
A nitazoxanida é um novo derivado nitrotiazólico com
um amplo espectro de atividade anti-helmíntica e antiprotozoária. Tem sido eficaz contra infecções por A. lumbricoides,
T. Trichiura, Taenia saginata, H. nana e Fasciola hepática,
assim como infecções por C. parvum, Blastocystis hominis, E.
histolytica, G. lamblia e Isospora belli. Entretanto, apesar de ter
sido lançada no Brasil em 2006, nenhum estudo foi conduzido no país para avaliar a sua efetividade no tratamento das
parasitoses mais comuns.
É uma droga bem tolerada que tem apresentado apenas
pequenos e poucos efeitos adversos (4% dos pacientes) de
acordo com Diaz et al.20. No presente estudo, o efeito adverso
mais frequente foi a mudança de cor da urina, que não apresenta nenhum significado clínico. A ausência de episódios de
vômitos em todos os pacientes que receberam a nitazoxanida
é um fator que facilita a aderência ao tratamento.
Em outro estudo, os eventos adversos foram leves e transitórios, principalmente relacionados ao trato gastrintestinal.
Os mais frequentes foram: cefaléia, tonteira, dor abdominal,
diarréia, náuseas, vômitos, fadiga. Alguns pacientes estudados
relataram mudança de cor da urina (amareloesverdeada)13.
O seu uso pode ser uma alternativa a um tratamento mais
longo com metronidazol, melhorando a adesão ao tratamento
nos casos de resistência aos nitroimidazólicos e quando o
tratamento empírico se faz necessário11.
A principal limitação deste estudo foi o pequeno número de sujeitos que constituiu a amostra estudada, o que
sugere a necessidade de estudos futuros com número maior
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 139-46 145
Elisabeth Campos de Andrade, Isabel Cristina Gonçalves Leite, Marcel de Toledo Vieira, Elaine Soares Coimbra, Sandra Helena Cerrato Tibiriçá, Vivian de Oliveira Rodrigues
de participantes, tanto destinados a investigar os efeitos
nos quadros de poliparasitismo, quanto nos de monoparasitismo, que ainda não foram desenvolvidos no país para
esta droga.
Nos países em desenvolvimento, onde as parasitoses intestinais são endêmicas e onde os custos com atendimentos
médicos frequentes, procedimentos diagnósticos e hospitalizações devido a complicações são altos, faz-se necessário
reavaliar as práticas preventivas e terapêuticas, assim como
o uso de novas drogas e de agentes de largo espectro, podendo a nitazoxanida ser uma droga alternativa neste contexto.
Agrega-se às novas possibilidades terapêuticas, a necessidade de políticas públicas que garantam qualidade de vida,
através de saneamento básico, educação para saúde e acesso
ao sistema público de saúde, minimizando as iniquidades na
sociedade brasileira.
Agradecimentos
Ao Laboratório Farmoquímica S.A. que disponibilizou a
medicação nitazoxanida e que concordou com a realização
de um estudo independente e publicação dos resultados
dele provenientes.
Às Prefeituras dos Municípios pelo apoio na realização do
estudo, em especial às Prefeituras de Piau e Bias Fortes.
Aos técnicos da Gerência Regional de Saúde de Juiz de
Fora que realizaram a leitura das lâminas e pelos esforços para
bom andamento dos trabalhos de campo.
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Recebido em: 10/02/2011
Aprovado em: 07/05/2011
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