CALIBRAÇÃO EM AR E DETERMINAÇÃO DO K0 EM LABORATÓRIO ATRAVÉS DE CÉLULAS DE TENSÃO TOTAL Rafael Tímbola Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil, [email protected] Maciel Donato Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil, [email protected] Francisco Rossatto Universidade de Passo, Passo Fundo - RS, Brasil, [email protected] Antonio Thomé Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil, thomé@upf.br Pedro Domingos Marques Prietto Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo - RS, Brasil, [email protected] RESUMO: Células de tensão total são utilizadas em obras de engenharia, e motivo de diversos temas de pesquisas a nível mundial e nacional. As células, por serem constituídas de material com rigidez diferente do meio inserido, podem causar redistribuição de tensões em seu entorno, tornando-se necessário sua calibração prévia. O objetivo deste trabalho foi avaliar a calibração referenciada pelo fabricante e estimar o valor de K0 para um Latossolo residual. Para isso, utilizando uma câmara de calibração, aplicou-se ar comprimido até um total de 400 kPa. Avaliou-se a linearidade das leituras dos sensores, possíveis defeitos de fabricação e a calibração em fluido dada pelo fabricante. Após, a calibração se deu em solo úmido, com compactação e umidade natural. Os sensores apresentaram constantes de calibração em ar superiores àquelas dadas pelo fabricante. Com solo úmido, o valor de K0 ficou próximo a 1, revelando um comportamento peculiar ao solo, análogo a água. PALAVRAS-CHAVE: Calibração em Laboratório, Determinação do K0, Células de Tensão Total. 1 INTRODUÇÃO A distribuição de pressões no interior de camadas de solo e no contato entre diferentes estruturas vem sendo amplamente estudada com a utilização de células de tensão total. Estas por serem constituídas de material com rigidez diferente do meio onde são inseridas causam uma redistribuição de pressões no seu entorno justificando, assim, intensos estudos e análises detalhadas, principalmente quanto à calibração destes sensores. Células de pressão, também conhecidas como células de tensão total, são utilizadas em diversas obras da engenharia, como aterros sanitários, galerias de drenagens, túneis, minas, estacas, fundações superficiais, muros de arrimo, silos e são motivos de diversos temas de pesquisas a nível mundial e nacional. Não apenas na área de engenharia as células de pressão são empregadas para a determinação da tensão atuante em um determinado local, mas também na agricultura para determinar a compactação dos solos por máquinas agrícolas. Segundo Bailey et al. (1988), uma compactação excessiva pode causar efeitos indesejáveis como a diminuição da infiltração de água, restrição quanto ao crescimento da raiz e aumento do escoamento superficial, levando à redução no rendimento da colheita e ao aumento na erosão do solo. Medidas de tensões totais em solos sempre caem em duas categorias básicas: medidas dentro da massa de solo e medidas na face do elemento estrutural (Dunnicliff, 1988; USACE, 1995). As células de tensão para medidas internas são instaladas dentro de aterros, por exemplo, para determinar a distribuição, magnitude e direção da tensão total. As células para medidas no contato são utilizadas para medidas de tensão total contra muros de arrimo, galerias de drenagem, estacas e sob fundações superficiais (Dunnicliff, 1988). Clayton e Bica (1993) utilizaram uma câmara de aço para calibrar em solo células de contato. A câmara possuía uma placa na qual a célula era inserida e ficava nivelada com a superfície desta placa. O corpo-de-prova era circular com 25,2 cm de diâmetro e 4,2 cm de altura. O diâmetro da célula era de 2,4 cm. A aplicação de carga era realizada através de água que transmitia a pressão a uma membrana de borracha. A rigidez da célula tem um papel importante na interpretação das medidas de tensão normal no contato entre o solo e a estrutura. A maneira comum de calibrar estas células é a aplicação de pressão na sua face ativa. Estes resultados são freqüentemente usados para interpretar medidas de tensão normal no contato entre o solo e a estrutura. No entanto, este procedimento pode causar erros na estimativa da tensão normal. O deslocamento interno da face ativa da célula altera a distribuição de tensões no solo, em especial nas suas proximidades. O valor da tensão normal que a célula mede é então diferente do valor que o solo deveria aplicar ao elemento estrutural na ausência da célula. Quanto maior esse deslocamento interno, maior é a redistribuição de tensões nas suas proximidades, e conseqüentemente, maiores são os erros de medida (Clayton e Bica, 1993). Segundo Pinto (2000) a tensão normal no plano vertical depende da constituição do solo e do histórico de tensões a que ele esteve submetido anteriormente. Normalmente ele é referido à tensão vertical, sendo a relação entre tensão horizontal efetiva e a tensão vertical efetiva denominada coeficiente de empuxo em repouso e indicada pelo símbolo K0. A tensão vertical num plano horizontal aumenta de um valor igual ao produto do peso específico pela espessura da camada. As tensões horizontais também aumentam, mas não no mesmo valor, em virtude do atrito entre as partículas. O valor de K0 é menor do que a unidade situando-se entre 0,4 a 0,5 para areias e 0,5 a 0,7 para argilas (Pinto, 2000). O objetivo do trabalho foi avaliar a calibração em fluido das células, dada como referência pelo fabricante, aplicando pressão de ar no interior da câmara. Utilizando solo no interior da câmara, objetivou-se ainda a estimação do valor de K0. A pesquisa foi realizada em laboratório, e o solo utilizado foi um Latossolo Vermelho distrófico típico (unidade Passo Fundo), segundo Streck et al. (2002) para obtenção do K0. As células foram calibradas em uma câmara de aço. Na determinação do K0, as tensões foram distribuídas uniformemente pelo solo através de uma membrana de borracha. As variáveis de estudo foram as pressões aplicadas como variável independente e o ganho das células como variável dependente. 2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Materiais 2.1.1 Solo O solo utilizado neste trabalho, segundo Streck et al. (2002) é um Latossolo Vermelho distrófico típico (unidade Passo Fundo) extraído do campo experimental de geotecnia - CETEC da Universidade de Passo Fundo. A caracterização físico-químico é apresentada na Tabela 1. Tabela 1. Caracterização físico-química do solo em estudo. Parâmetro Argila (%) Silte (%) Areia (%) Limite de Liquidez (%) Limite de Plasticidade (%) Índice de Plasticidade Peso específico real dos grãos (kN/m³) Umidade Natural (%) Peso específico natural (kN/m³) Índice de Vazios Grau de Saturação (%) Porosidade (%) pH Matéria Orgânica CTC Permeabilidade (m/s) Valor 68 5 27 53 42 11 26,7 34 16,3 1,19 75,7 54 5,4 <0,8 8,6 cmolc/dm³ 1,39.10-5 Fonte: Girardello et al, 2007. 2.1.2 Células de pressão Duas células de tensão total do tipo interna (Figura 1), da marca Kyowa, foram utilizadas. A Tabela 2 apresenta algumas características das células utilizadas, dadas pelo fabricante. Estas células foram escolhidas por serem hidráulicas, pois quando comparadas às de diafragma, apresentam um deslocamento interno da sua face ativa menor e que segundo Clayton & Bica (1993), quanto menor esse deslocamento interno, menor será a redistribuição de tensões nas suas proximidades, e conseqüentemente, menores serão os erros de medida. Tabela 2. Características da célula de contato. Constante Núm. Imagem Dimens . (cm) das Nome / Ganho de calibr. (DxE) (kPa/Vol) células Tipo BE10 KC 6102 BE10 KC 6304 interna interna 3 x 0,65 1000 1369,86 10 3 x 0,65 1000 1388,88 11 2.1.3 Câmara de Calibração A câmara deve ser pelo menos três vezes (preferencialmente cinco vezes) maior do que o diâmetro da célula (Dunnicliff, 1988). A câmara de calibração utilizada neste trabalho foi a projetada por Gonçalves (2003), que reproduz de maneira eficiente às condições nas quais as células de pressão se encontrariam em campo. A câmara, construída em aço, de forma circular, com 50 cm de diâmetro e 40 cm de profundidade, com fator de forma igual a 0,8 utilizando ar comprimido para aplicação da sobrecarga. A representação esquemática do equipamento é apresentada na Figura 2. Figura 2. Câmara de Calibração. Figura 1. Célula de contato. A câmara permitiu aplicação de carga através de ar comprimido transmitido ao solo por uma membrana de borracha (Figura 3), garantindo a distribuição uniforme de pressão, simulando a sobre-carga na superfície do solo. Inseridos na câmara estão um manômetro acoplado a um controlador de pressão e uma válvula de alívio com capacidade de 700 kPa, como pode ser visto na figura 4, que apresenta a visão geral do equipamento. A Figura 5 apresenta a disposição das células dentro da câmara que simulou a tensão vertical na célula 10 e a tensão horizontal na célula 11. 2.2 Métodos A calibração das células de tensão total foram divididas em duas etapas. 2.2.1 Calibração em ar A primeira etapa da calibração das células de tensão total foi a de calibração em ar, a qual permitiu avaliar a linearidade das leituras dos sensores, possíveis defeitos de fabricação e também a calibração em fluido dada pelo fabricante. Figura 3. Detalhe da membrana de borracha. Figura 5. Disposição das células no interior da câmara. Os incrementos de pressão no interior da câmara foram de 50 kPa até um máximo de 400 Kpa respeitando o tempo entre os incrementos para leitura do Data Logger. 2.2.2 Calibração em solo úmido Figura 4. Vista geral da câmara de calibração. A segunda etapa dos estudos de calibração foi realizada utilizando solo úmido. A intenção foi simular a condição natural obtida a campo. Para isso, a umidade natural do solo, que estava em torno de 28,7%, foi corrigida. Após, as células foram sendo dispostas e o solo colocado em volta para que as células se mantivessem no devido lugar. Compactou-se o solo, a fim de obter compactação natural. Para isso, o solo foi dividido em camadas facilitando a compactação. As camadas tinham 5 cm de altura. Foram feitas 8 camadas. As camadas continham 6517,6g de solo seco e 1870,5g de água. Os incrementos de pressão foram os mesmos para calibração em ar, ou seja, 50 kPa até um máximo de 400 kPa, distribuídos uniformemente através da membrana de borracha. Em consequência da distribuição das células dentro da área útil, foi possível determinar o valor de K0 para calibração com solo úmido. Determinou-se utilizando o valor da inclinação da reta da equação de regressão das tensões lidas na célula 11 relacionada à célula 10. Leitura em kPa 400 350 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Calibração em ar Os sensores apresentaram constantes de calibração superiores àquelas dadas pelo fabricante. Isto provavelmente está associado a pequenas diferenças de voltagem na alimentação fornecida pela placa de aquisição de dados utilizada e aquela a qual o sensor foi calibrado pelo fabricante, juntamente com possíveis diferenças do ganho de sinal para leitura da voltagem de saída de cada sensor. A Tabela 3 apresenta as constantes de calibração das células obtidas em laboratório e também as constantes dadas pelo fabricante. Tabela 3. Constantes de calibração. Nome Tipo Excitação Constante de Constante nominal calibração de (Volt) obtido(kPa/Volt) calibração dada pelo fabricante (kPa/Volt) BE10KC interna 6102 2,5 1373,36 1369,86 BE10KC interna 6304 2,5 1396,44 1388,88 3.2 Calibração em solo úmido Os incrementos de pressão para calibração em solo úmido se deram da mesma forma que para calibração em ar. Os resultados estão apresentados na Figura 6. Para o experimento realizado com inserção de solo na câmara, obteve-se o K0. O valor foi obtido fazendo-se a relação entre tensão horizontal e tensão vertical denominada coeficiente de empuxo em repouso indicado pelo símbolo K0 (Pinto, 2000). Pressão medida (kPa) 3 BE10KC 6102 (kPa) 300 y = 0,9606x - 20,2 R2 = 0,9935 BE10KC 6304 (kPa) 250 200 y = 0,9457x - 23,014 2 R = 0,9927 150 100 50 0 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Pressão aplicada (kPa) Figura 6. Correlação entre pressão aplicada e pressão medida. O coeficiente de Empuxo para o solo em estudo foi de 0,984 aproximando-se a unidade. 4 CONCLUSÕES O valor do K0 mostra a distribuição das tensões no interior da câmara, ou seja, a maior parte da pressão aplicada foi lida pelas células de pressão, pois o solo transmitiu as tensões através do atrito entre as partículas. As células utilizadas foram muito bem projetadas, assim como a câmara de calibração, minimizando erros nos resultados. O solo teve comportamento análogo à água, sendo as tensões distribuídas quase que uniformemente no interior do solo, pois o coeficiente de empuxo apresentou-se próximo a 1. AGRADECIMENTOS A Universidade de Passo Fundo, pela bolsa de iniciação científica concedida ao primeiro autor. REFERÊNCIAS Bailey, A.C.; Nichols, T.A.; Johnson, C.E. Soil stress state determination under wheel loads. Transactions of the American Society of Agricultural Engineers, v. 31, n. 5, p.1309-1314, 1988. Dunnicliff, J. Geotechnical Instrumentation for Monitoring Field Performace. A Wiley-Interscience Publication. p. 577, 1988. Clayton, C.R.I.; Bica, A.V.D. The design of diaphragmtype boundary total stress cells. Géotechnique, v. 43, n. 4, p. 523-535, 1993. Taylor, D.W. Pressure distribuition theories, earth pressure cell investigations and pressure distribuition data. US Army Engineer Waterways Experiment Station, 1947. Pinto, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. São Paulo: Oficina de Textos, 247p., 2000. Streck, Edmar Valdir. Solos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EMATER, 2002. 107 p. Girardello, V. et al. Comparação das técnicas de atenuação natural, bioaumentação e bioventing para avaliar biodegradação de um solo contaminado com biodiesel. In: CONGRESSO REGIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM ENGENHARIA E VII FEIRA DE PROTÓTIPOS, 22. 2007, Passo Fundo. Anais... Passo Fundo : UPF, 2007. Gonçalves, F.P.; Ceratti, J.A.P.; Bica, A.V.D. The use of embedded stress cells for monitoring pavement performance. Geotechnical Testing Journal. ASTM, v.26, n.4, p.363-372, 2003.