A proteção radiológica na imagiologia hospitalar

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dossiê
A proteção radiológica na imagiologia
hospitalar
Hugo Trindade
A imagem proveniente da radiação ionizante (normalmente conhecida como raios X) para diagnóstico médico é hoje uma
ferramenta indispensável no estudo de diversos tipos de patologias, devido à facilidade com que se consegue obter imagens
do interior do corpo humano.
A radiologia é uma das valências médicas onde são utilizadas
radiações ionizantes (as outras são a medicina nuclear e a radioterapia) e inclui a radiologia convencional, a mamografia,
a radiologia de intervenção ou a tomografia computorizada.
Esta simplicidade na obtenção de imagens, aliada aos desenvolvimentos tecnológicos e científicos, resultou num aumento
exponencial do número de exames nos últimos anos, aumentando também a exposição das populações à radiação de origem
artificial.
Na radiologia, uma ampola de raios X emite radiação que atravessa o corpo humano e é captada por um detetor, onde é criada a imagem. Parte dessa radiação é absorvida pelo corpo do
paciente e parte é dispersa para o meio envolvente. Por estes
motivos é necessário que existam medidas de proteção radiológica adequadas para garantir que a dose a que o paciente está
sujeito é somente a necessária para o exame clínico e que os trabalhadores expostos e público estão dentro dos limites legais.
A proteção radiológica e a exposição médica
A figura 1 exemplifica uma radiografia:
Tubo emissor de raio X
Filme Radiológico
Figura 1. Exemplo de uma radiografia.
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A proteção radiológica de pacientes e trabalhadores expostos
assenta em princípios e pressupostos simples, mas necessita de
um elevado empenho por parte das instituições. A figura 2 resume o que deve ser feito para garantir uma exposição médica
segura.
Relativamente aos princípios tem-se:
Princípio da Justificação - nenhuma prática envolvendo exposição às radiações deve ser adotada se dessa prática não
resultar um claro benefício para o homem ou para a sociedade;
Princípio da Otimização ou Principio ALARA - todas as exposições às radiações e o número de indivíduos expostos devem ser mantidos a um nível tão baixo quanto razoavelmente
possível (As Low As Reasonably Achievable), tendo em atenção
os diversos fatores de natureza económica e social;
No que se refere aos pressupostos consideram-se:
Responsabilização - qualquer exposição médica deve ser efetuada sobre a responsabilidade clínica de um profissional habilitado e qualquer instalação radiológica deve ter descritas as responsabilidades de cada trabalhador e do titular. Neste sentido,
é de extrema importância a figura do Responsável de Proteção
Radiológica (RPR), pessoa responsável pela gestão de todo o
sistema de proteção radiológica, por assegurar que os trabalhos
com radiações são realizados em conformidade com as regras
estabelecidas e garantir o cumprimento de normas de segurança e procedimentos de emergência. O RPR deve ser dotado da
autoridade necessária para assegurar o cumprimento de todos
os requisitos legais.
Formação – todos os profissionais cuja atividade envolva o uso
de radiações ionizantes devem ter formação contínua e periódica. A legislação portuguesa prevê que o trabalhador exposto tenha formação, de pelo menos, 18 horas nesta área, administrada
por entidade licenciada pela DGS de acordo com o DL 167/02;
Cooperação – num serviço de imagiologia é necessário que
proteção radiológica na saúde
Figura 2. Exposição médica segura.
exista uma forte cooperação entre médicos, técnicos e físicos
de modo a cumprir todos os requisitos definidos acima.
Na exposição médica o médico que prescreve o exame é responsável pela sua justificação e tanto o médico radiologista
como o técnico de radiologia que o efetuam devem garantir
que a dose de radiação é otimizada de modo a assegurar a
melhor relação diagnóstico/dose.
Para além disso, os equipamentos de radiologia utilizados devem ser mantidos em ótimo estado de funcionamento e os seus
operadores devem conhecer todos os parâmetros, sobretudo
dos controlos automáticos de exposição. Deve também existir
um programa de controlo de qualidade (obrigatório por lei pelo
DL 180/2002).
A finalidade controlo de qualidade é garantir que os equipamentos estão num estado ótimo de utilização em termos de
emissão de radiação e qualidade de imagem, pois:
¬ Sem o equipamento de avaliação específico podem não ser
detetados artefactos, o que pode comprometer o diagnóstico médico;
¬ Os parâmetros de irradiação definidos pelo operador podem
estar desajustados;
¬ O equipamento pode estar a debitar radiação fora dos níveis
definidos pelas tolerâncias.
É de salientar que os testes são efetuados não só aos equipamentos produtores de radiação ionizante mas a todo o sistema
de imagem, ou seja, detetores de aquisição de imagem, digitalizadores, impressoras e monitores de imagem médica.
Numa instalação de radiologia deve existir o apoio de um físico
médico no serviço de imagiologia, que não deve ser limitado ao
controlo de qualidade ou à avaliação das condições de segurança. O físico médico deve:
¬ Cooperar com médicos e técnicos na elaboração de protocolos de exame. Devem ser criados protocolos de exame adequados, sobretudo em exames pediátricos (as crianças são
consideravelmente mais sensíveis à radiação que os adultos
e por esse motivo deve ser dada uma especial atenção a esta
população. É importante que existam protocolos apropriados e ajustados de acordo com o tamanho do corpo, sexo ou
idade) ou exames envolvendo doses elevadas, como a tomografia computorizada ou a radiologia de intervenção;
¬ Desenvolver métodos de estimativa de dose que possam
servir para informar o doente da dose efetiva a que foi sujeito e calcular a dose em exposições acidentais (irradiação de
pacientes grávidas, por exemplo);
¬ Criar Níveis de Referência de Radiodiagnóstico (NRD), ou
seja, estudar as doses utilizadas nos exames, para que possam ser comparadas entre si e com protocolos nacionais e
Figura 3. Exemplo de equipamento de controlo de qualidade em TC.
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Figura 6. Exemplo de trifólio
Figura 4. Retirada de: Radiation Protection in Paediatric Radiology - L06. Radiation
protection in computed tomography
internacionais, com objetivo de alertar para doses elevadas e
desnecessárias. Alguns exemplos de exames onde a criação
de NRD é importante:
¬ Tórax PA e LAT, ortopantomografia, coluna lombar AP e
LAT, lombo Sagrada;
¬ Mamografia;
¬ Enema de bário (várias imagens e técnicas);
¬ Angiografia coronária (tempos elevados);
¬ TC de crânio, SPN, tórax, abdómen, coluna lombar e pélvis.
A proteção radiológica de trabalhadores
expostos
A diminuição da exposição às radiações ionizantes, e consequentemente, da dose absorvida pelos trabalhadores expostos
pode ser reduzida por:
¬ Diminuição do tempo de exposição (a dose recebida é
diretamente proporcional ao tempo de exposição):
¬ Aumento da distância à fonte de radiações ionizantes
(a dose recebida é inversamente proporcional ao quadrado da distância à fonte de radiação);
¬ Interposição de barreiras de proteção entre os indivíduos e a fonte de radiação (a espessura das barreiras
depende do tipo de radiação e do material utilizado;
Deve existir uma preocupação especial com o correto dimensionamento das barreiras atenuadoras da radiação, nas salas que
envolvem os equipamentos de Raios-X, e com a sua manutenção. Esta avaliação deve ser feita durante a fase de projeto das
instalações. O dimensionamento das barreiras deve ser considerar os seguintes elementos:
¬ Localização do equipamento dentro da sala;
¬ Ocupação das salas contíguas;
¬ Carga de trabalho semanal (número de exames).
Todas as portas de acesso às salas devem ter sinalética de advertência de risco contra radiações (trifólio) e luz de aviso de
raios X em funcionamento;
Depois do equipamento instalado, devem ser efetuadas medições nas barreiras (paredes, vidros, portas, etc.) das salas adjacentes de modo a comprovar que existe atenuação de radiação
e que está dentro dos limites definidos. O procedimento correto
envolve a simulação das condições normais de exame utilizando
um fantoma (para simular um paciente) e a medição da dose de
radiação dispersa, considerando a tensão máxima da ampola. A
dose de radiação é medida com uma câmara de ionização para
radiação ambiente, calibrada nos termos da legislação.
É também necessário referir a importância dos equipamentos de
proteção radiológica individual como aventais de chumbo, óculos de chumbo, anteparos de proteção, protetores de tiroide, etc.
que devem ser mantidos em perfeito estado de utilização.
Figura 7. Óculos de chumbo e colete com saia para proteção em radiologia de
Figura 5. Exemplo da folha de chumbo colocada numa porta. Retirado de RPII 09/01
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intervenção. Fonte IAEA
proteção radiológica na saúde
Trabalhador exposto
Público
Categoria A
Categoria B
1 mSv
6 mSv
20 mSv
Figura 8. Exemplo de dosímetros de corpo, pulso e anel
Na radiologia de intervenção devem utilizados não só aventais, mas também óculos de chumbo com proteção lateral.
Estudos mais recentes advertem para a possibilidade de lesões no olho dos profissionais que realizam este tipo de procedimentos.
Para além dos indispensáveis conhecimentos técnicos de execução dos exames e de utilização dos equipamentos, não é demais salientar a importância da formação dos trabalhadores
expostos (contínua e periódica) e uso de dosimetria individual
- dispositivos que permitem medir a dose a que o trabalhador
é exposto.
Existem limites para a dose a que os trabalhadores podem ser
expostos:
Mulheres grávidas:
- A dose equivalente do nascituro não deve exceder 1 mSv
durante a gravidez
A mulher deve notificar o empregador do seu estado de gravidez ou de amamentação. Estas situações não podem ser razões
para despedir a mulher do seu trabalho.
O empregador que foi notificado, pela mulher trabalhadora, da
suspeição de gravidez ou do estado de amamentação, deve
adaptar as condições de trabalho, no que se refere à exposição
ocupacional, de modo a assegurar um nível de protecção para o
nascituro igual aos membros do público.
Limites para os trabalhadores expostos (DL 222/08, art.º
4º):
Dose efectiva (média anual) – 20 mSv.ano -1
Dose equivalente no cristalino* – 150 mSv.ano -1
Dose equivalente mãos, pés e pele – 500 mSv.ano -1
* Segundo a diretiva 2013/59/Euratom o limite de dose no
cristalino é de 20 mSv.ano -1. Esta diretiva será transposta para
a legislação nacional.
Devido ao elevado número de exposições médicas que utilizam
radiações ionizantes e da sua importância para diagnóstico, é
importante que exista uma cultura de proteção radiológica em
todas as instituições de saúde, que não deve ser orientada por
princípios económicos ou utilitários e sim salvaguardar a segurança de pacientes, trabalhadores e público em geral.
A periodicidade de controlo dosimétrico é definida por:
Classificação dos trabalhadores (DL 222/08, art.º 9º e 10º):
Categoria A – Trabalhadores expostos que são susceptíveis de
receber uma dose efetiva superior a 6 mSv por ano, ou uma dose
equivalente superior a três décimas de um dos limites anuais
previstos para o cristalino, para a pela ou para as extremidades
(periodicidade mensal)
Categoria B – Todos os restantes trabalhadores (periodicidade
trimestral)
Conclusão
Agradecimentos
Agradeço aos meus colegas e em especial ao Eng. Romão Trindade e Eng. João Azevedo pelas suas correções, sugestões e
análise crítica, que melhoraram em muito este artigo.
Referências
[1] Decreto-lei n.º 180/2002, publicado no D.R. n.º 182 de 8 de agosto de 2002, transposição da diretiva do Conselho Europeu n.º 97/43/EURATOM.
[2] Diretiva 2013/59/Euratom do Conselho de 5 de dezembro de 2013
[3] The importance and unique aspects of radiation protection in medicine – Holmberg et al, European Journal of Radiology, Volume 76, Issue 1
[4] Decreto-lei nº 222/2008, de 17 de novembro (DL 222/08)
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