Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 111 INFLUÊNCIAS CULTURAIS E IDENTITÁRIAS NO ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA COMO UMA LÍNGUA ADICIONAL NO BRASIL CULTURAL AND IDENTITARY INFLUENCES ON THE TEACHING/LEARNING OF ENGLISH AS AN ADDITIONAL LANGUAGE IN BRAZIL Fabiana Kanan Oliveira1 Valéria Brisolara2 Resumo: Os fatores associados à língua e às influências culturais e identitárias são determinantes no processo de ensino/aprendizagem de uma língua adicional. Sob essa perspectiva, o objetivo deste artigo é apresentar as reflexões resultantes de um estudo teórico, que trata das incidências das influências culturais e identitárias não apenas no aprendizado de língua inglesa como uma língua adicional, mas também na formação das identidades diversas que o aprendiz constrói ao longo de um processo mais amplo de aprendizagem. Assim, através das relações entre língua, cultura e identidade, buscamos refletir acerca das influências culturais e identitárias presentes no processo de ensino/aprendizagem e vivenciadas pelos aprendizes brasileiros de língua inglesa, no intuito de contribuir para práticas de sala de aula. Palavras-chave: Língua. Cultura. Identidade. Ensino/Aprendizagem de Língua Inglesa. Língua Adicional. Abstract: All factors associated to language and to the cultural and identitary influences are crucial for the teaching/learning process of an additional language. Under this perspective, the objective of this article is to present reflections of a theoretical study, which deals with cultural and identitary influences, not only on the learning of English as an additional language, but also on the construction of the various identities that learners construct along their learning process. This way, through the relations among language, culture and identity, we aim at a reflection on the cultural and identitary influences present in the teaching/learning process received by the Brazilian leaners of English, in order to contribute to future classroom practices. Keywords: Language. Culture. Identity. English teaching/learning. Additional Language. INTRODUÇÃO Pesquisar questões relacionadas com língua, cultura e identidade não é um empreendimento fácil. Uma língua nunca é aprendida isoladamente, porque temos sempre fatores associados à língua, como é o caso do meio social em que o aprendizado acontece e das influências culturais e identitárias desse meio. Considera-se que a língua é sempre uma prática social e seu aprendizado, seja dentro ou fora de sala de aula, lida com sujeitos em relações sociais nas quais as identidades estão em constante reconstrução. Os aprendizes brasileiros, enquanto sujeitos sociais, recebem influências culturais e identitárias durante o processo de ensino/aprendizagem, pois são herdeiros da 1 2 Bacharel em Letras (UFRGS). Mestre em Letras (UniRitter). Doutora em Letras (UFRGS). Professora do Programa de Pós-graduação em Letras da UniRitter. Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 112 cultura e da identidade nacional brasileira, como não poderia ser diferente. Assim, são influenciados tanto pelo ambiente no qual a língua inglesa está inserida quanto pelo ambiente em que o seu aprendizado acontece. Dessa forma, quando o brasileiro decide aprender uma língua adicional3, existe uma série de fatores sociais, culturais, identitários e linguísticos que influenciam esse processo. Toda experiência do indivíduo, assim como todas as situações históricas que construíram sua identidade sociocultural e nacional exercem influência na aprendizagem. Tomando essas considerações como ponto de partida, a perspectiva que rege este trabalho toma por base as palavras de Florian Coulmas, ao afirmar que a língua não tem a função de refletir a constituição da sociedade, porque ela própria é um dos principais elementos de sua constituição (2007, p.574). Isso significa dizer que a língua não meramente reflete a sociedade e a cultura; a língua instaura a realidade, pois ela é a realidade. Por essa razão, almejamos explicitar que as identidades não podem ser tomadas como objetos de posse por parte dos indivíduos, ou mesmo serem naturalizadas, mas sim como construções sociais que podem ser abandonadas ou estimuladas, dependendo dos interesses pessoais ou sociais, mas que, por sua vez, são sempre influenciadas pela ordem social vigente. Assim, neste trabalho, discute-se como as relações entre língua, cultura e identidade influenciam o ensino/aprendizado da língua inglesa como uma língua adicional no contexto geral e também no brasileiro. Com isso, espera-se contribuir com os estudos sobre a aprendizagem de línguas adicionais e práticas de sala de aula. A fim de atingir os objetivos propostos, a primeira seção do artigo apresenta as especificidades do contexto brasileiro, considerando que a aprendizagem é sempre um processo situado. A segunda seção discute as relações entre identidade, cultura e aprendizagem, para finalmente, na terceira seção, pensarmos a respeito das implicações da identidade e da cultura no processo de aprendizagem de uma língua adicional. O CONTEXTO BRASILEIRO Alguns estudos já desenvolvidos, como o de Moita Lopes (1996), por exemplo, mostraram que existe uma forte tendência por parte de muitos aprendizes brasileiros em querer ter uma pronúncia tão perfeita quanto à considerada como a de um nativo. Essa tendência, que vem ao encontro de uma das indagações que inspiraram este estudo, vê no que poderíamos atribuir como um “perfeccionismo exagerado”, o desejo de apagar os traços identitários e culturais que mostrariam a sua identidade linguística e cultural brasileira. Esse fato sugere um possível conflito identitário e também a criação de uma falsa expectativa com relação ao próprio aprendizado, ao enfatizar a figura do falante nativo e, de certa forma, tomá-la como um modelo, o que não deixaria de ser a busca por um ideal inatingível. Essa tendência a um perfeccionismo exagerado e a consequente busca por um ideal inatingível podem levar a um sentimento de inferioridade, na medida em que o aprendiz é brasileiro e, portanto, nunca será nativo da língua inglesa, sendo a natividade um fato histórico (COOK, 1999, p.187). Mais recentemente, o mito da natividade, que afirma a superioridade do falante nativo, vem sendo contestado e uma das conclusões sobre o assunto chama a atenção para o fato de que, mesmo sendo um nativo de língua inglesa, isso apenas não garantiria um perfeito 3 Nesse estudo adotamos o termo língua adicional em detrimento dos termos língua estrangeira e segunda língua por acreditar que a e escolha do termo língua adicional carrega importantes significados, constituindo-se em uma escolha ideológica natural ao optar pelas teorias que apoiam esse estudo e rejeitam a oposição entre língua estrangeira e segunda língua. Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 113 “domínio” da língua, até porque não necessariamente todos os falantes nativos de uma língua vivenciam um processo homogêneo de educação. É provável que a nossa história, que vem desde a colonização de nosso país, acarrete em uma crise de identidade nacional e cultural, influenciando no processo de ensino/aprendizagem do inglês como língua adicional, o que também reforçaria a supremacia do falante nativo. Em outro estudo, Moita Lopes (2005), ao tratar do grande valor atribuído à língua inglesa em relação a outras línguas faladas no mundo contemporâneo, afirma que, sem dúvida, ela pode ser considerada um bem simbólico cobiçado pelos aprendizes em busca de novas identidades. Levando em consideração esse contexto histórico de povo colonizado que quer ter acesso a outras culturas, surge a suposição de que o aprendiz brasileiro, por conta de sua experiência através das influências vivenciadas em virtude desse contexto, possuiria um sentimento de inferioridade que se evidenciaria no momento da aprendizagem de língua inglesa, o qual se tenta compreender através deste estudo teórico. Muitos autores chamaram atenção para o complexo de inferioridade vivenciado pelo povo brasileiro. Um deles foi Nélson Rodrigues, que numa crônica sobre o futebol, cunhou a expressão “complexo de vira-latas”, que ele mesmo explica: “por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol” (1993, p. 51-52). Futuramente, a expressão apareceria em outras áreas, como no campo científico e na diplomacia, tendo o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmado repetidas vezes, com foco na Política Externa, que um setor da população brasileira mantinha ainda o traço psicológico do complexo de vira-lata. Para ilustrar o sentimento de inferioridade, e uma tentativa de combatê-lo, também temos a campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro”4, com o propósito de resgatar a autoestima do brasileiro. Essa campanha ficou mais conhecida pela frase “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”, sendo a peça publicitária mais memorável, a que foi estrelada pelo herói nacional, Ronaldo “O fenômeno”. No discurso de lançamento, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, reconheceu: “tanta gente de fora acredita tanto no Brasil, e nós, às vezes, não acreditamos”5. Parece existir uma crença cristalizada em muitos setores da nossa sociedade de que o de fora é sempre melhor do que o daqui, assim como muitos exemplos de profissionais que precisaram vencer e desenvolver suas pesquisas em outros países para só depois serem reconhecidos no Brasil. A partir de muitos estudos sobre a identidade nacional do brasileiro, ou brasilidade, concluiu-se que ela é plural: mesmo com muitos traços positivos e negativos, a diversidade – herança de nossas origens – atualmente ainda é a principal característica de nossa cultura e da nossa sociedade. A brasilidade, assim como qualquer identidade, não pode ser entendida como uma essência imutável ou sempre idêntica; a ideia de brasilidade é múltipla, conforme o momento histórico. Um exemplo disso é perceber que no passado o ideal de brasilidade consistia em aproximar-se ao máximo dos padrões cultos europeus, prática que tinha o objetivo de elevar o Brasil ao mesmo nível de cultura e erudição da Europa. Posteriormente, a necessidade de enaltecer um país recém-liberto, ansioso por desenvolver as suas potencialidades e afirmar-se perante as demais nações teriam sido as causas que originaram a brasilidade. Darcy Ribeiro, ao afirmar que o homem é um ser cultural, destaca o fato de que os indivíduos absorvem e aprendem através das tradições e dos códigos sociais e culturais disponíveis em sua sociedade, e através desse processo se tornam humanos (1972, p.95). Dessa forma, 4 Campanha iniciada durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004. Citação encontrada no artigo “Resgate da auto-estima do brasileiro” de Cesar Romão. Disponível em: <http:/www.cesarromao.com.br> 5 Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 114 nossas identidades inevitavelmente são constituídas através dos fatores inatos a nossa condição, através da herança cultural e dos códigos sociais que nos foram legados pelos nossos ancestrais, absorvidos e aprendidos por nós e constantemente transformados através das influências culturais e identitárias que vivenciamos todos os dias. Outras implicações desse contexto histórico, social, cultural e identitário são as próprias políticas de ensino e prática docente (no caso dos professores brasileiros6), uma vez que os professores de língua inglesa no Brasil, na sua grande maioria, são brasileiros, e, portanto, tiveram uma herança cultural e identitária similar à de seus aprendizes. Moita Lopes, em seu estudo com professores de inglês, afirma: “é óbvio que esta atitude colonizada não surgiu simplesmente do nada e que os professores de inglês não estão sozinhos: esta posição parece estar latente no Brasil” (1996, p.38). A ideologia do colonialismo estabelece a superioridade do colonizador e, consequentemente, a inferioridade e dependência do colonizado. Ao contrastar o perfil do povo brasileiro com o perfil dos povos de língua inglesa, o autor concluiu que os professores tinham uma imagem bem diferente das características do próprio povo e do “outro” (na verdade, outros). O brasileiro foi identificado como brincalhão, maleducado, preguiçoso, informal e indisciplinado; para os nativos de língua inglesa foram atribuídas qualidades como trabalhador, educado, disciplinado, sério e formal. Moita Lopes conclui, a partir dos resultados de sua pesquisa, que existe: “uma atitude altamente positiva em relação à cultura de língua estrangeira e totalmente negativa em relação à própria cultura, totalmente calcada em cima de estereótipos” (1996, p.54-55). Esses dados reforçam a suspeita de complexo de inferioridade mesmo entre os professores de língua inglesa. O papel que uma língua desempenha no país e como ela é vista pelos professores e aprendizes traz implicações para o processo de ensino, porque língua e cultura estão sempre imbricadas uma na outra. Dessa forma, aprender inglês no Brasil não é a mesma coisa que aprender inglês em outros contextos, como, por exemplo, na Europa ou na África. A língua está conectada ao contexto social em que é usada; dessa forma, quando o brasileiro decide aprender a língua inglesa como uma língua adicional no Brasil existe uma série de fatores sociais, culturais, identitários e linguísticos que influenciam nesse processo. O papel que a língua inglesa possui na nossa sociedade, a maneira como é usada, e mesmo o modo como é vista por aqueles que a ensinam, entre outros fatores, desempenham um papel definidor. Os conhecimentos, cujo aprendizado é mediado pelo professor, dependem, fundamentalmente, da visão que o aprendiz tem da língua e de mundo, suas inclinações políticas, crenças, valores, preconceitos, entre outros. A esse respeito, Moita Lopes ressalta que, “se o discurso é de natureza social, os significados que construímos quando agimos no mundo social são definidores da realidade social à nossa volta e de nós mesmos” (2002, p.197). Assim, a visão que os brasileiros têm de si mesmos e da sua língua são fatores que inevitavelmente estarão implicados no processo de aprendizagem de língua inglesa como uma língua adicional. RELAÇÕES ENTRE IDENTIDADE, CULTURA E APRENDIZAGEM Quando nos referimos à identidade neste trabalho, nos referimos às concepções construtivistas que defendem as identidades como mutantes, fluídas e não estáveis (WOODWARD, 2000; HALL, 2000; SILVA, 2000; BAUMAN, 2005). Essa concepção 6 Para um perfil mais aprofundado dos professores brasileiros, pode ser interessante a leitura do capítulo, “Yes, nós temos bananas” ou “Paraíba não é Chicago não”. Um estudo sobre a alienação e o ensino de inglês como língua estrangeira no Brasil, de Moita Lopes (1996). Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 115 resulta da fragmentação do sujeito e das inúmeras possibilidades de se encarar o mundo pós-moderno, fazendo com que as identidades não possam ser compreendidas como homogêneas, únicas e permanentes. Por serem relacionais e se construírem em torno de uma pluralidade de centros, de forças sociais e políticas, as pessoas são chamadas a ocupar diferentes posições em variados contextos e as diferentes identidades assumidas nem sempre convivem em harmonia. O ritmo vertiginoso das mudanças sociais ocasiona deslocamentos nas formas de representação de si e do outro, surgindo, assim, novas formas de identificação. Claire Kramsch entende que “a língua expressa, abarca e simboliza a realidade cultural” (1998, p.5). Há uma ligação natural entre a língua falada de um grupo social e a identidade do grupo. De acordo com essa concepção, através do sotaque, do vocabulário e dos seus padrões de discurso, os falantes identificam a si próprios e são identificados como membros desta ou daquela comunidade de fala ou discurso. Desta sociedade, eles retiram força pessoal e orgulho, como também um sentimento de importância social e continuidade histórica por usar a mesma língua usada pelo grupo ao qual pertencem. (KRAMSCH, 1998, p.65) Através da língua, assimilamos os códigos culturais vigentes e construímos nossas identidades. Por conseguinte, uma língua nunca é aprendida isoladamente, pois ela sempre trará fatores associados, como é o caso do meio social em que o aprendizado acontece e das influências culturais e identitárias. Assim, quando nascemos e vivemos em um lugar, somos incessantemente influenciados por esses fatores, muitas vezes nem sequer questionamos porque pensamos ou agimos de determinada maneira e que nosso pensamento e nossas escolhas linguísticas são fruto dessas influências. Kramsch sintetiza bem esse ponto quando afirma que a identidade do grupo não é um fato natural, mas uma percepção cultural. Assim, “nossa percepção da identidade social de um indivíduo é em grande parte determinada culturalmente” (KRAMSCH, 1998, p.67). As percepções que temos sobre a cultura e a língua são sempre condicionadas pela própria cultura e modelos estereotipados, construídos a partir de nossos próprios modelos sociais e culturais. Assim sendo, parte-se da concepção de que o sujeito está imerso no mundo, em sua historicidade, e com ele interage, construindo suas próprias relações com ele e a partir da interação com o outro, constrói suas identidades. Complementando essa concepção de que a língua está intimamente ligada à identidade social, temos que “a identidade do indivíduo se constrói na língua e através dela. Isso significa que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da língua” (RAJAGOPALAN, 2003, p.74). É somente pela língua que começamos a construir nossas identidades, dentro da herança cultural e dos códigos sociais vigentes em nossa sociedade. Essa concepção é compartilhada por Rajagopalan (1998) ao declarar que a habilidade de falar não surge com o nascimento, pois o nascimento enquanto acontecimento físico é importante apenas por fixar o começo de uma possível socialização. Tal socialização, porém, nunca é um fato abstrato, mas um processo que se dá dentro de uma sociedade real e concreta. Assim, o falante é real e importante somente na medida em que é um ser social. Ao narrar-se, o indivíduo constrói sua própria identidade; portanto, a formação discursiva é uma parte importante da sua identidade, que, de certa forma, define as relações de poder e, consequentemente, o que pode e deve ser dito, onde, e de que modo. Dessa forma, outra questão considerada neste artigo trata da impossibilidade de ensinar uma língua adicional sem considerar a cultura e os códigos sociais da mesma. Na verdade, o ensino da língua adicional e sua cultura coloca as identidades e culturas Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 116 em jogo ao proporcionar um choque e tensionamento ao contrastá-las. De modo semelhante, Kramsch coloca que as “subjetividades individuais e coletivas são construídas, moldadas e subvertidas através da língua” (2004, p.251), subjetividades essas que abrigamos diante da diversidade cultural a qual estamos expostos e que colocamos em movimento através do aprendizado de uma nova língua. Por essa razão, Kramsch afirma que é impossível ensinar língua sem mobilizar as identificações do aluno e que o processo de aprendizagem de uma língua adicional possibilita o contraste da língua e cultura materna com uma nova língua e cultura. IMPLICAÇÕES DA IDENTIDADE E DA CULTURA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE UMA LÍNGUA ADICIONAL Existem muitas implicações das relações entre língua, cultura e identidade. Por exemplo, para Tavares, o processo de aprendizagem de uma língua “é visto como um evento discursivo com consequências na constituição subjetiva e identitária dos envolvidos” (2011, p.197). Coracini reforça essa relação ao destacar que, ao abordar a questão da língua, invariavelmente, estaremos abordando a questão do sujeito e da identidade e que “falar de língua, sujeito e identidade nos remete à noção de idioma” (2007, p.49). Assim, aprender e apropriar-se de uma língua significa – através da mesma e dos sistemas culturais – converter as identificações que fazemos ao longo da vida em nossas identidades, porque o sujeito é sempre fruto de várias identificações. Somos sempre ditos pelo outro e é pelo olhar do outro que encontramos nossas verdades. De acordo com a concepção de Signorini, “o encontro com segundas línguas talvez seja uma das experiências mais visivelmente mobilizadoras de questões identitárias no sujeito” (1998, p.256), porque ao mesmo tempo em que um aprendiz faz novas identificações com um novo sistema cultural, coloca em cheque o sistema cultural fundante, numa constante relação entre língua materna e língua adicional que vai adicionando elementos à subjetividade. Segundo Brisolara, “pode-se pensar no aprendiz de língua adicional como em um ‘entre-lugar’, como um sujeito entre-línguas e entre identidades” (2012, p.2145), devido ao constante intercâmbio entre a língua materna e as outras línguas que o sujeito adiciona ao seu repertório. Segundo Eckert-Hoff, “a inscrição numa língua deixa inevitavelmente marcas” (2010, p.102), ao construir e reconstruir nossas identidades. A partir dessas marcas, tal qual cicatrizes de uma batalha, vamos nos formando enquanto indivíduos. O contato ou possíveis conflitos com uma língua estrangeira ou “estranha”, nas palavras de Cavallari, “leva o aprendiz a reconsiderar seus referenciais, suas representações de línguas e de si mesmo, além de desestabilizar o saber aparentemente lógico e homogêneo, até então já constituído e sedimentado na/pela língua materna” (2011, p.322). Para Revuz, “o eu da língua estrangeira não é, jamais, completamente o da língua materna” (1998, p.225), porque quando se aprende uma língua adicional fazemos referências a partir da língua materna, a língua primeira de nossa infância. Durante o processo de aprendizado de uma língua adicional, existe uma tendência natural de traçar paralelos entre a língua materna e a língua adicional ou de identificar as diferenças entre uma e outra. Nessa constante reconstrução da identidade do aprendiz, nesse vaivém de língua adicional e língua materna, um pouco se ganha, um pouco se perde, mas o aprendiz nunca sai o mesmo. Segundo Andrade (2011), ninguém permanece igual depois de ter contato com uma outra língua e com sua cultura, pois essa relação traz novas identificações, que somadas às anteriores, constituem a subjetividade do indivíduo que nunca deixa de manter as representações da língua materna. Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 117 A língua inglesa atualmente possui um lugar de prestígio que propicia a ascensão social, colocando em funcionamento um imaginário em relação à essa língua. Dessa forma, a forte presença da língua inglesa em nosso meio possibilita a circulação de representações que passam a compor a constituição identitária do sujeito da língua materna. Mesmo quem não estuda a língua inglesa é, como afirma Cavallari, “afetado pelos sons e dizeres desta língua, através da música, cinema, entre outras coisas, reforçando o lugar ocupado pela língua inglesa” (2011, p.127). Nossas identidades são construídas principalmente através das relações sociais e dos estímulos culturais, ambos mediados pela língua. No caso da língua inglesa, além de afetar e deslocar o lugar ocupado pela língua materna, o processo de ensino/aprendizagem provocará efeitos na constituição identitária do sujeito, porque assim, também absorvemos culturas outras além da nossa, principalmente na atualidade em tempos de globalização. É de conhecimento corrente que o multilinguismo deixou de ser exceção e está se tornando a norma em muitos países. Muitas vezes o contato com a língua inglesa e outras línguas adicionais podem fazer com que aprendizes imaginem seus falantes e sua cultura como ideais, numa oposição direta com sua própria cultura, que passa a ser desvalorizada. O aprendizado de uma língua adicional desloca o sentido necessário entre o referente e os signos linguísticos da língua materna, o que de acordo com Revuz: “abre um espaço a outras significações, a outros enunciados, que identificam o sujeito cujo porta-voz original não pode mais ser a fonte” (1998, p.225). Os sujeitos se constituem no jogo das relações sociais, nas quais as instituições educacionais e seus agentes exercem um papel fundamental para o desenvolvimento das práticas discursivas que, por sua vez, contribuem para a construção das identidades sociais. Almeida, ao citar Moita Lopes, afirma que as práticas desenvolvidas na escola, “podem desempenhar um papel importante na vida dos indivíduos quando se depararem com outras práticas discursivas nas quais suas identidades são reexperienciadas ou reposicionadas” (2011, p.171). Assim, a experiência prévia é reelaborada a partir da nova identificação. Ainda, a língua colabora efetivamente na construção da identidade de um povo. O que falamos influencia não somente a maneira como vemos o mundo ao nosso redor, mas também o modo como vemos e pensamos sobre nós mesmos e sobre os outros. Na concepção de Coracini, saber uma língua é ser falado por ela, isto é, permitir ao inconsciente encontrar fissuras por onde possa escapar, na medida do possível, significando ao se significar, transformando ao se transformar, permitindo, assim, a constituição de uma identidade híbrida, heterogênea, em constante movimento, identidade que, cada vez mais híbrida, só poderá trazer benefícios para uma sociedade como a nossa, que precisa se afirmar como povo que pensa e que é capaz de encontrar soluções “criativas” para seus problemas complexos. (CORACINI, 2007, p.158-159, grifo do autor) Esse ponto é reforçado por Rajagopalan (2003) quando o autor enfatiza o constante intercâmbio entre o social, a cultura e nossas identidades ao descrever nosso mundo atual como sendo emergente, marcado por características como a instabilidade e pela mistura cultural num ritmo sem precedentes. Assim, o autor afirma que é necessário estarmos constantemente negociando nossas identidades como uma resposta às pressões vindas de todos os lados. Além de aprender a como agir com nossas palavras, também criamos uma base de conhecimento sobre o mundo, incluindo uma série de expectativas para o que conta como conhecimento e entendimentos sobre o que podemos e não podemos fazer como indivíduos e como membros de um grupo. Por meio desse processo, desenvolvemos um entendimento da importância sociocultural de Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 118 qualquer atividade, seus valores e objetivos, e os papéis que são adequados para nós e outros participantes (HALL, 2002). Referindo-se ao trabalho de Lameiras (2006), é necessário direcionar o ensino de língua adicional para uma visão de interculturalidade e transdisciplinaridade, a fim de permitir que, juntamente com o novo conhecimento linguístico adquirido, seja acrescida não só a percepção da cultura alvo, mas também a consciência de outras culturas, com seus usos e costumes, e de novas concepções de vida. Nessa abordagem de acréscimo de outras culturas no ensino/aprendizagem de línguas no mundo que habitamos, fica manifesto que o ensino de língua, da cultura e da história de um povo são indissociáveis. Nas palavras da autora, “o diálogo entre culturas permite uma abertura de espírito que deve, naturalmente, afastar as pessoas de um comportamento etnocêntrico, além de favorecer o respeito às diferenças, sem creditar supremacia ou sentimento de inferioridade a nenhuma cultura especificamente” (2006, p.36). De acordo com essa perspectiva, todo aprendiz de língua adicional deveria preservar alguns elementos de sua identidade prévia e fazer relações entre sua língua materna e a língua adicional para ter a compreensão de que o outro não é igual, mas também não é superior nem inferior; é apenas diferente. Reconhecendo a importância da cultura dentro do ensino/aprendizagem de línguas adicionais, os professores necessitam oferecer aos alunos não somente informações sobre os fenômenos culturais da língua estudada, mas também fazer com que tornem-se parte das interações em sala de aula, a partir de uma reflexão crítica sobre esses fenômenos. Esse tipo de exercício sobre uma cultura diferente da sua faz com que os alunos passem a ter um entendimento crítico sobre a própria cultura, não para desvalorizar o que é brasileiro ou para valorizar o que é estrangeiro. Ao contrário, o aprendiz deve dar-se conta de que as diferenças também fazem parte da identidade cultural de um povo. Dessa maneira, afasta-se a ideia de superioridade ou a de imposição de ideologias para se aproximar da concepção de relativismo cultural. Por meio do viés intercultural, a exposição à cultura da língua estudada pode mostrar ao aluno que uma cultura não é superior nem inferior, estimulando o senso crítico do aluno. Uma perspectiva cultural também implica que ao aprender uma nova língua, nesse movimento de construir e reconstruir suas identidades, os aprendizes não deveriam sofrer um processo de apagamento de suas identidades e nem perpetuar o complexo de inferioridade identificado por tantos autores nesse trabalho, referindo-se ao contexto brasileiro. A cultura nativa pode muito bem ser usada para mostrar as diferenças sociais e culturais sem apontar superioridade ou inferioridade de determinada sociedade. Evidentemente, as culturas são diferentes, pois receberam influências distintas para se desenvolverem, mas durante o processo de aprendizagem de uma língua adicional, língua e cultura devem ser ensinadas como verdadeiramente são, indissociáveis, a fim de valorizar suas diferenças sem avalizar a superioridade ou inferioridade deste ou daquele povo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma vez que consideramos os aspectos da cultura e da identidade do aprendiz e seu contexto de aprendizagem como essenciais para o seu sucesso no aprendizado de uma língua adicional, deveria existir uma maior tendência em investigar de forma aprofundada a influência do elemento cultural no ensino/aprendizagem de línguas. Entretanto, ainda há poucos estudos sobre o ensino da língua inglesa como uma língua adicional no Brasil, pois estudos que enfatizam a diferença entre ensino/aprendizagem Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 119 de língua estrangeira e segunda língua ainda são predominantes. Por essa razão, estudos que reflitam sobre as questões identitárias e culturais na sala de aula de língua adicional ainda são poucos, pois a maior parte dos estudos prescinde de uma perspectiva que defende os princípios de uma nova tendência de abordagem pedagógica que enfatiza a inexorável relação entre língua e cultura. Dessa forma, uma aprendizagem não só dos aspectos linguísticos, mas também culturais, seria prioritária, porque, para que um aprendiz tenha uma ampla compreensão da língua adicional em questão, deve-se contemplar um entendimento do contexto cultural da língua sendo estudada. Com o estudo do contexto brasileiro, tínhamos o objetivo de precisar as características que compõem a identidade nacional, para melhor compreender o perfil do aprendiz brasileiro de língua inglesa. De acordo com autores como Moita Lopes (1996; 2002; 2005), Almeida (2011), Ribeiro (1972; 1978; 1995), Rodrigues (1993) e Coracini (2007), entre outros citados neste trabalho, os aprendizes brasileiros de língua inglesa ainda sentem-se afetados pelo sentimento de inferioridade, o que provavelmente é resultado das influências provenientes desde os tempos da colonização. Moita Lopes, a partir de seu estudo com professores de língua inglesa, realizado em 1996, afirma que não só os professores mostraram uma atitude colonizada, mas considera que essa atitude parecia estar latente no povo brasileiro em geral. Assim, temos que o abandono ou o desprezo da própria identidade cultural poderia fazer com que os aprendizes quisessem apagar suas marcas de identidade e perseguir objetivos inacessíveis, como falar inglês tão bem quanto um falante nativo. Meta que não deveria ser almejada, pois sabemos que é possível ser um usuário de língua adicional bem sucedido sem ter que abrir mão da própria identidade e da própria cultura. Em relação à tríade língua, cultura e identidade, concluímos que é impossível estudar apenas um desses conceitos isoladamente, porque eles são indissociáveis e não deveriam, portanto, ser tratados separadamente. Esses três elementos são cruciais no aprendizado de uma língua adicional e as influências identitárias e culturais que incidem no aprendiz durante o processo de aprendizado estão constantemente sendo construídas através da língua, da cultura e dos processos de identificação. Por meio de uma negociação entre a língua materna e a língua adicional surge um novo sujeito, em constante movimento, em constante mudança, num processo contínuo de construção de sua identidade. Como usuários de uma determinada linguagem, construímos a nós próprios e aos outros; construímos a realidade social por meio do discurso. Assim, são muitas as implicações de língua, cultura e identidade para o ensino de língua adicional, uma vez que a língua não é um código separado da cultura. Inerente à língua existe um sistema cultural e social que nos precede, herança de nossos antepassados, que por sua vez, vai influenciar nossas experiências com o aprendizado da língua materna, e, a partir daí, as muitas identidades que assumiremos ao longo de nossas vidas e as línguas adicionais que decidirmos aprender. A cultura através da linguagem afeta o modo como pensamos, nossas interpretações de mundo e, num constante jogo de construir e reconstruir, formamos nossas identidades. Qualquer professor, mas especialmente o professor de línguas, deve estar ciente das relações e das implicações dessas relações para o ensino, porque, invariavelmente, ao ensinar uma língua estará ao mesmo tempo ensinando cultura e construindo identidades dentro de sua sala de aula. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo. A construção de identidade(s) em cenários de pluralidade linguística e cultural. In: UYENO, Elzira; CAVALLARI, Juliana (orgs.). Bilinguismos: Nonada, Porto Alegre, n.24, 1° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 120 subjetivação e identificação nas/pelas línguas maternas e estrangeiras. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. ANDRADE, Eliane. Numa Babel de línguas, o encontro com o outro e o desencontro consigo mesmo. In: UYENO, Elzira; CAVALLARI, Juliana (orgs.). Bilinguismos: subjetivação e identificação nas/pelas línguas maternas e estrangeiras. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. BRISOLARA, V. S. 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