LUCIANA MARIA ARAÚJO RABÊLO EFEITOS DE UM INIBIDOR DO TIPO KUNITZ DE SEMENTES DE Mimosa regnellii Benth SOBRE EVENTOS CELULARES DA LINHAGEM TUMORAL B16-F10 NATAL 2016 LUCIANA MARIA ARAÚJO RABÊLO EFEITOS DE UM INIBIDOR DO TIPO KUNITZ DE SEMENTES Mimosa regnellii Benth SOBRE EVENTOS CELULARES DA LINHAGEM TUMORAL B16-F10 Tese apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Bioquímica. Orientador: Santos. NATAL 2016 Elizeu Antunes dos II Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Biociências - CB Rabelo, Luciana Maria Araújo. Efeitos de um inibidor do tipo Kunitz de sementes de Mimosa regnellii Benth sobre eventos celulares da linhagem tumoral B16-F10 / Luciana Maria Araújo Rabelo. - Natal, 2016. 135 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Elizeu Antunes dos Santos. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Bioquímica 1. Inibidor de tripsina - Tese. 2. Apoptose - Tese. 3. Melanoma Tese. 4. Mimosa regnellii Benth - tese. 5. Potencial de membrana mitocondrial - Tese. I. Santos, Elizeu Antunes dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE-CB CDU 577.1 III IV Dedico esta obra A Deus, meus pais, irmãos e amigos pelo incentivo e apoio. V AGRADECIMENTOS Inicialmente, gostaria de agradecer a Deus, por todos os momentos (bons e ruins) que vivi ao percorrer esta estrada da pós-graduação, que teve início em 2009, com o ingresso no mestrado em Bioquímica. Cada experiência foi essencial para minha formação acadêmica/pessoal e sou muito grata a Ele por ter me guiado por este percurso. Um agradecimento especial vai à minha família, que sempre me deu suporte para que este trabalho pudesse ser concluído. Da maneira deles, sempre estiveram presentes, e sem eles eu não seria capaz de prosseguir com êxito. Não poderia deixar de agradecer ao meu filho, sempre muito carinhoso, compreensivo, disponibilizando tempo para que eu pudesse me dedicar ao trabalho e, muitas vezes, abdicando da minha presença em momentos importantes em sua vida. Eu te amo muito e sei que você entende essa ausência temporária. Rodrigo, você recebe um agradecimento mais que especial... Meu companheiro de todas as horas, o presente que a bike proporcionou. Sem a sua paciência e ajuda, tanto no desenvolvimento deste trabalho, quanto nos momentos em que eu precisava viajar para dar aula nos interiores, passando dias sem se ver foram importantíssimos; Mesmo distante você sempre estava marcando presença, me tranquilizando com suas palavras de apoio. Muito obrigada por ser essa pessoa maravilhosa. Te amo. Agradeço à família LQFPB: a antiga formação, composta por Anderson, Jonalson, Paula, Tici, Serquiz, Antônio e Cleysyvan, e os novos componentes: Dani, Geovanna, Yago, John, Leandro, Igor... o meu muito obrigada por nossa convivência, brincadeiras, experimentos, confissões, brigas... Todos esses momentos marcaram minha estadia pelo Departamento de Bioquímica, sem vocês nada disso teria graça! Às minhas bests Fernanda (Fedida) e Ruth... não importa o quão distante estamos, sempre encontramos um jeito de ficarmos unidas! A amizade de vocês me fez uma pessoa melhor, tenho certeza que terei a presença das duas em muitos outras fases importantes da vida. Amo vocês, horrorosas! A toda família BIOPOL, o meu muito obrigada! Rafael, Raniere, Karol, Day, Moacir, Roninho, Vinicius, Ivan, Leandro, Arthur… Nada melhor que trabalhar em um ambiente descontraído, onde sempre podemos contar com a ajuda dos amigos! Valeu! Gostaria de agradecer aos meus amigos da UNIFESP: Sheyla, Dayse e Leo, muito obrigada pela ajuda, tanto na parte experimental como na parte pessoal... vocês foram e são muito importantes para mim! Agradeço à profa. Doutora Helena Nader, por ter me recebido em seu laboratório e ter permitido que eu desenvolvesse em colaboração os experimentos finais deste trabalho. VI Não poderia deixar passar um dos agradecimentos mais especiais... Ao professor Elizeu, meu orientador, não só da pós-graduação, mas meu orientador de vida. Pode-se dizer que é meu segundo pai (não se ofenda pela idade), pois sempre o procuro para me orientar sobre qualquer assunto (qualquer um mesmo!)... Temos uma sintonia que não se encontra com facilidade, e espero que ela não se perca nunca. Os meus sinceros agradecimentos e que esta parceria perdure por muito tempo! Agradeço a todos do Departamento de Bioquímica (Rogério, Ricardo, Jonas, Angela, Eliene, Ana Katarina e muitos outros) por todos os momentos de descontração que tivemos pelos corredores... Esses momentos são muito importantes para um bom andamento da tese! Aos meus amigos do IFRN (Campus Pau dos Ferros, Ipanguaçu e em especial aos amigos do campus Lajes) o meu muito obrigado! Sem o apoio de vocês, os momentos de descontração e os conselhos nas horas difíceis eu não teria conseguido controlar a tensão pré-defesa! Meus agradecimentos aos órgãos de fomento que viabilizaram esta pesquisa (CAPES e CNPq). Mais uma etapa que finaliza, e que esta seja apenas mais um degrau para o contínuo aperfeiçoamento como docente! MUITO OBRIGADA! VII "Em algum lugar, alguma coisa incrível está esperando para ser descoberta.” Carl Sagan VIII RESUMO O câncer é um termo utilizado para representar um conjunto de mais de 200 patologias, incluindo tumores malignos de diferentes localizações. Vários são os mecanismos que contribuem para a carcinogênese: sinal proliferativo sustentado, desregulação da energia celular, evasão a apoptose, indução a angiogênese, replicação ilimitada, entre outros. Dentre os principais tipos de câncer existentes, o câncer de pele se destaca: surge nos melanócitos e é o mais frequente no Brasil, correspondendo a 30% de todos os tumores malignos registrados no País. Melanomas em estágio inicial podem, na maioria das vezes, ser tratados apenas com cirurgia, porém os cânceres mais avançados requerem outros tratamentos. Neste trabalho, um inibidor de tripsina do tipo Kunitz foi purificado de sementes da leguminosa Mimosa regnellii Benth (ITJ), parcialmente caracterizado e avaliado quanto sua toxicidade frente a linhagens de células tumorais, atuando especificamente com um IC50 de 0,65 µM em linhagem celular B16-F10, não apresentando toxicidade frente a linhagens de células não transformadas. Sua capacidade de induzir morte celular pela via de apoptose em células de melanoma de camundongo B16-F10 também foi avaliada, através de citometria de fluxo com os marcadores Anexina V-FITC/PI, induzindo cerca de 45% das células a apoptose. Além disso, o inibidor também foi avaliado quanto a sua capacidade de: alterar o potencial de membrana mitocondrial, visualizado por experimentos em citometria de fluxo utilizando a sonda Rodamina123 e microscopia confocal com o marcador Mitotracker Red, onde foi capaz de alterar de forma significativa o ΔΨm; Liberar espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, através de sondas específicas visualizadas por técnicas de microscopia, causando liberação de ROS na concentração de IC50, porém não influenciando liberação de ERNs; Liberar cálcio citosólico, evento que influencia na ativação de apoptose, com efeito significativo em células B16-f10; Inibir atividade angiogênica de células endoteliais de coelho, através de experimentos de inibição de formação de novos vasos em matrigel, análise da expressão de VEGF por técnicas de western Blotting e redução da expressão de IL-6 analisado por microscopia confocal; Inibir o processo de migração celular em ensaio de indução de ferimento e análise em microscopia e, por fim, a alterar a morfologia celular de B16-F10, analisada por incubação com anticorpos específicos para componentes da matriz extracelular e filamentos intermediários das células de melanoma, realizados em microscopia de fluorescência. Todos esses resultados reunidos favorecem a proposição de um possível mecanismo de ação de ITJ na indução de morte celular por apoptose em células B16-F10, onde o inibidor atuaria inicialmente aumentando os níveis de cálcio citosólico e ROS, alterando posteriormente a expressão de p53 em 36h de incubação, que agiriam alterando o metabolismo mitocondrial, ativando vias de apoptose dependentes da participação de caspases; ITJ também atuaria inibindo processos migratórios até 18 horas de exposição, além de influenciar de forma tardia na inibição do processo angiogênico in vitro. Estes resultados sugerem que ITJ apresenta potencial para ser utilizado como fármaco em tratamento adjuvante contra melanomas, devido a sua especificidade e baixa dosagem quando comparado a outras moléculas bioativas. Palavras-chave: Mimosa regnellii Benth; Inibidor de tripsina; Melanoma; Apoptose; Angiogênese; Migração celular; Potencial de membrana mitocondrial. IX ABSTRACT Cancer is a term used to represent a set of more than 200 diseases, including malignant tumors of different localizations. There are several mechanisms that contribute to carcinogenesis: sustained proliferative signals, deregulation of cellular energy, evasion of apoptosis, angiogenesis induction and unlimited replication, among others. Among the main types of cancer, skin cancer stands out: arises in melanocytes and is the most common in Brazil, accounting for 30% of all malignant tumors registered in the country melanomas at an early stage can, in most cases,. It is treated with surgery, but the most advanced cancers require other treatments. In this work a Kunitz-type trypsin inhibitor was purified from Mimosa regnellii Benth (ITJ) legume seeds, partially characterized and evaluated for their toxicity front tumor cell lines, specifically acting with an IC50 of 0.65 µM in B16-F10 cell line, showing no toxicity compared to non-transformed cell lines. Its ability to induce cell death by apoptosis pathway in mouse B16-F10 melanoma cells was evaluated by flow cytometry with Annexin V-FITC / PI markers, inducing about 45% apoptosis of cells. In addition, the inhibitor was also evaluated for their ability to: change the mitochondrial membrane potential, visualized by flow cytometry experiments using Rhodamine123 probe and confocal microscopy with Mitotracker Red marker, which was able to significantly change the ΔΨm; Release of ROS and RNs through specific probes visualized by microscopy techniques, causing release of ROS in the concentration of IC50, but not influencing release RNS; Liberation of cytosolic calcium, an event that influences the apoptosis activation, with significant effect on B16-F10 cells; Inhibition of angiogenic activity on rabbit endothelial cells through experiments of inhibition of new vessel formation in Matrigel, analysis of VEGF expression by western blotting techniques and reduction of IL-6 expression analyzed by confocal microscopy; Inhibition of cell migration process in wound induction assay and microscopy analysis and, finally, to alter the cellular morphology of B16-F10 analyzed by incubation with specific antibodies to extracellular matrix components and intermediate filaments of melanoma cells, conducted in fluorescence microscopy. All these combined results favor the proposal of a possible ITJ action mechanism in the induction of cell death by apoptosis in B16-F10 cells, where the inhibitor initially act by altering the p53 expression in 36h of incubation, increasing calcium cytosolic levels and ROS, which would act changing the mitochondrial metabolism, activating dependent apoptosis pathways of caspase participation; ITJ also act by inhibiting migration processes up to 18 hours of exposure, as well as influence belatedly in inhibiting the angiogenic process in vitro. These results suggest that ITJ has the potential to be used as a drug adjuvant treatment for melanomas, due to their specificity and low-dose when compared to other bioactive molecules. Keywords: Mimosa regnellii Benth; Trypsin inhibitor; Melanoma; Apoptosis; Angiogenesis; Cell migration; Mitochondrial membrane potential. X SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 17 1.1. CÂNCER DE PELE – MELANOMA CUTÂNEO............................................................. 17 1.1.1. 1.2. MECANISMOS DE MORTE CELULAR ....................................................................... 26 1.2.1. 1.3. Apoptose ............................................................................................................ 27 BIOMA CAATINGA ................................................................................................ 31 1.3.1. 1.4. Aspectos gerais ................................................................................................... 17 Juquiri (Mimosa regnellii Benth) ........................................................................ 32 PROTEASES ........................................................................................................... 33 1.4.1. Proteases serínicas ............................................................................................. 34 1.4.2. Inibidores de proteinases ................................................................................... 35 1.5. INIBIDORES DE PROTEASES SERÍNICAS................................................................... 38 1.6. INIBIDORES DE PROTEASES E CÂNCER ................................................................... 41 2. JUSTIFICATIVA ............................................................................... 43 3. OBJETIVOS ..................................................................................... 44 3.1. OBJETIVO GERAL................................................................................................... 44 3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................................ 44 4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................. 45 4.1. 4.2. 5. MateriaL............................................................................................................... 45 4.1.1. Equipamentos..................................................................................................... 45 4.1.2. Materiais Biológicos ........................................................................................... 46 Metodologia ......................................................................................................... 47 4.2.1. Preparação dos extratos proteicos..................................................................... 47 4.2.2. Fracionamento Proteico com Sulfato de Amônio .............................................. 48 4.2.3. Quantificação das proteínas ............................................................................... 48 4.2.4. Ensaios de inibição de atividade enzimática ...................................................... 49 4.2.5. Cromatografias ................................................................................................... 51 4.2.6. Eletroforese em gel de poliacrilamida................................................................ 52 4.2.7. Estabilidade estrutural na presença de agentes desnaturante e redutor ......... 53 4.2.8. Determinação da sequência de aminoácidos .................................................... 53 4.2.9. Ensaios em cultura de células ............................................................................ 54 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................... 63 XI 5.1. Isolamento, purificação e caracterização do inibidor de tripsina das sementes de Mimosa regnellii Benth (ITJ)........................................................................................................ 63 5.1.1. Determinação da atividade inibitória sobre proteases serínicas em frações proteicas de M. regnellii ............................................................................................................... 63 5.1.2. Processos cromatográficos ................................................................................. 64 5.1.3. Caracterização estrutural e funcional do inibidor de tripsina purificado de Mimosa regnellii Benth (ITJ) ......................................................................................................... 69 5.2. Determinação da constante de inibição e do mecanismo de inibição de ITJ ............ 72 5.3. Determinação da sequência aminoacídica do inibidor............................................ 72 5.4. Ensaios DE AVALIAÇÃO DE EVENTOS CELULARES ................................................... 73 5.4.1. Ensaios colorimétricos de viabilidade celular .................................................... 74 5.4.2. Efeito de ITJ na proliferação de células de melanoma (B16-F10) através da avaliação da incorporação de bromo-desoxi-uridina (BrdU) ....................................................... 79 5.4.3. Quantificação de marcadores para morte celular utilizando técnicas de citometria de fluxo, microscopia de fluorescência e Western Blotting ....................................... 80 6. CONCLUSÃO ................................................................................ 114 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................... 115 8. ANEXOS ........................................................................................ 133 XII LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Etapas do processo de formação de tumores. .................................................................... 20 Figura 2 - Fases do ciclo celular. .......................................................................................................... 22 Figura 3 - Alterações bioquímicas que ativam o gatilho angiogênico, estimulando a progressão tumoral. ......................................................................................................................................... 24 Figura 4 - Mecanismos que contribuem para a carcinogênese (VIEIRA, 2013). .................................. 27 Figura 5 - Esquema mostrando as alterações progressivas na célula em apoptose. .......................... 28 Figura 6 - Ilustração esquemática das vias de morte celular por apoptose. ........................................ 29 Figura 7 - FAMÍLIAS DE PROTEÍNAS INIBIDORAS DE SERINOPROTEASES. ................................ 39 Figura 8 - Juquiri (Mimosa regnellii Benth). .......................................................................................... 46 Figura 9 - Esquema de extração e fracionamento DE PROTEÍNAS DE SEMENTES DE JUQUIRI com sulfato de amônio. ........................................................................................................................ 48 Figura 10 – Ensaio inibitório de ITJ contra proteinases serínicas (tripsina e quimotripsina). ............... 64 Figura 11 - Perfil de Eluição de F2 em cromatografia líquida de afinidade em Tripsina-Sepharose 4B. ...................................................................................................................................................... 65 Figura 12 - Perfil de eluição em cromatografia líquida de troca-iônica. ................................................ 66 Figura 13 – Perfil eletroforético das frações proteicas de juquiri. ......................................................... 67 Figura 14 - Perfil cromatográfico de ITJ em cromatografia líquida de alta eficiência de fase reversa (HPLC-RP) C8. ............................................................................................................................. 68 Figura 15 - Eletroforese DESNATURANTE DAS FRAÇÕES PROVENIENTES DA hplc-rp................ 68 Figura 16 - Determinação da massa molecular aparente do inibidor de tripsina de juquiri (ITJ) por eletroforese. .................................................................................................................................. 70 Figura 17 - Eletroforese de ITJ em condições desnaturante e redutora............................................... 70 Figura 18 - Determinação da IC50 de ITJ. ............................................................................................ 71 Figura 19 - Determinação do valor da Ki de ITJ. .................................................................................. 72 Figura 20 - Sequência N-terminal parcial de ITJ e Alinhamento Múltiplo. ............................................ 73 Figura 21 - Avaliação da atividade hemolítica de ITJ. .......................................................................... 75 Figura 22 - Avaliação da citotoxicidade de ITJ contra linhagem de fibroblastos murinos. ................... 76 Figura 23 - Avaliação da viabilidade celular de RAEC após incubação com ITJ. ................................ 77 Figura 24 - Avaliação da citotoxicidade de ITJ contra células B16-F10. .............................................. 78 Figura 25 - Incorporação de BrdU em células de melanoma (B16-F10) tratadas com ITJ. ................. 79 Figura 26 - Marcação de células de melanoma por Anexina V e iodeto de propídeo sob ação de ITJ. ...................................................................................................................................................... 82 Figura 27 – Expressão de proteínas envolvidas na parada de ciclo celular de células B16-F10 sob ação de ITJ. .................................................................................................................................. 85 Figura 28 - Possível mecanismo de ação de ITJ na ativação de proteínas relacionadas à parada de ciclo celular em células de melanoma B16-F10. .......................................................................... 87 Figura 29 - Análise citométrica do efeito de ITJ no potencial de membrana mitocondrial das células B16-F10. ....................................................................................................................................... 88 Figura 30 – Análise microscópica confocal do efeito de ITJ no potencial de membrana mitocondrial das células B16-F10. .................................................................................................................... 89 Figura 31 – Efeito de ITJ sobre a liberação de EROs por células de melanoma. ................................ 92 XIII Figura 32 - Efeito de ITJ sobre a liberação de ERNs por células de melanoma. ................................. 93 Figura 33 - Influência de ITJ nos níveis de Ca 2+ citosólico. .................................................................. 94 Figura 34 - Immunoblotting de proteínas envolvidas na morte celular por apoptose (p21, p53, p-Erk) em células B16-F10 expostas a ITJ. ............................................................................................ 96 Figura 35 – Expressão de caspase 3 em células B16-F10 após tratamento com ITJ. ........................ 98 Figura 36 (página anterior) - Efeito de ITJ no processo de migração celular de B16-F10. ................ 101 Figura 37 – Efeito de ITJ sobre a angiogênese. ................................................................................. 103 Figura 38 – Efeito de ITJ sobre a expressão de IL-6 em células B16-F10. ........................................ 105 Figura 39 – Expressão de vimentina em células B16-F10 expostas a ITJ. ........................................ 106 Figura 40 – Efeito de ITJ sobre a expressão de condroitim sulfato em células B16-F10 ITJ............. 107 Figura 41 – Expressão de versican em células B16-F10 após tratamento com ITJ. ......................... 108 Figura 42 – Expressão de N-acetil-glicosamina e de ácido N-acetilneuramínico em células B16-F10 após tratamento com ITJ. ........................................................................................................... 109 Figura 43 – Padrão de expressão de Faloidina e COX IV em células B16-F10 após tratamento com ITJ. .............................................................................................................................................. 110 Figura 44 - Possível mecanismo de ação de ITJ na indução de apoptose em células de melanoma. .................................................................................................................................................... 113 XIV LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Classificação das principais classes de proteinases. .......................................................... 34 Tabela 2 - Família de inibidores de proteinases de plantas. ................................................................ 38 Tabela 3 - Tabela de purificação do inibidor de tripsina de juquiri (ITJ). .............................................. 69 Tabela 4 - Avaliação de parada de ciclo celular das células de melanoma após exposição a ITJ. ..... 84 XV LISTA DE ABREVIAÇÕES Ang1: Angiopoietina 1 Ang2: Angiopoietina-2 BApNa: Benzoil-DL-arginil-p-nitroanilida BrdU:5-Bromo-2-Deoxiuridina COX-2: Ciclo-oxigenase 2 DAPI: 4',6-diamidino-2-fenilindol DTT: Ditiotreitol EROS: Espécies Reativas de Oxigênio FGF: Fator de Crescimento Fibroblástico FITC: Isotiocianato de Fluoresceína HGF: Fator de Crescimento de Hepatócitos IAPs: Proteínas Inibidoras de Apoptose IL-12: Interleucina-12 IL-18: Interleucina-18 IL-4: Interleucina-4 INCA: Instituto Nacional de Câncer MCP-1: Proteína Quimiotática de Monócitos 1 MEC: Matriz Extracelular NAD(P): Fosfato de Dinucleotídeo Nicotinamida Adenina NOS: Nitrogen Oxidative Species PBS: Tampão Fosfato Salino PI: Iodeto de Propídeo PVDF: Fluoreto Polivinidileno SDS: Dodecil Sulfato de Sódio Smac: Segundo Ativador Mitocondrial de Caspase XVI TEMED: Tetrametiletilenodiamina Tie2: Receptor Tirosino-Quinase de Angiopoietina 1 TRAIL: Apoptose induzida por ligante relacionado à TNF TSP-1: Trombospondina-1 UV: Ultra-violeta VEGF: Fator de Crescimento Endotelial Vascular VEGFR1: Receptor do Fator de Crescimento Endotelial Vascular 17 1. INTRODUÇÃO 1.1. CÂNCER DE PELE – MELANOMA CUTÂNEO 1.1.1. Aspectos gerais Câncer é um termo utilizado para designar o conjunto de mais de 200 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, causadas por alterações nos programas de proliferação celular. Portanto, o tumor é resultante do desenvolvimento anormal das células, pois mesmo que o organismo possua mecanismos de defesa para evitar seu surgimento, as células cancerosas encontram uma maneira de resistir a esses mecanismos e sobreviver, enquanto células normais seguem programadas para manter o funcionamento do organismo (WEINBERG, 2000). Os fatores de risco para o desenvolvimento do câncer podem ser hereditários ou encontrados no meio ambiente, como o meio ambiente em geral (água, terra e ar), ambiente ocupacional (quando insalubre), o ambiente social e cultural (estilo e hábitos de vida) e o ambiente de consumo (alimentos, medicamentos). As mudanças provocadas no meio ambiente pelo próprio homem podem determinar os diferentes tipos de câncer (ALMEIDA, 2005). Os tipos de câncer estão agrupados em cinco categorias, de acordo com o tipo de célula onde se iniciam: Carcinoma - câncer que começa na pele ou nos tecidos que revestem ou cobrem órgãos internos. A maioria dos cânceres de pele se encaixa na categoria carcinoma, com exceção do melanoma, que se desenvolve a partir de células embrionárias. Há um número de subtipos, incluindo o adenocarcinoma, o carcinoma das células basais, carcinoma de células escamosas e carcinoma de células transicionais; Sarcoma - câncer que começa no tecido conectivo ou de apoio, tais como osso, cartilagem, gordura, músculo, ou vasos sanguíneos; Leucemia - câncer que começa nos tecidos formadores das células sanguíneas, tais como a medula óssea, e faz com que um grande número de células anormais do sangue passe a ser produzidas; Linfoma e mieloma - câncer que começa nas células do sistema imunitário; 18 Câncer de cérebro e medula espinhal - estes são conhecidos como os cânceres do sistema nervoso central. Os cânceres também podem ser classificados de acordo com o local onde começam no corpo, tais como câncer de mama ou câncer de pele. Os cânceres de pele são nomeados de acordo com a célula a partir da qual eles surgem, além do comportamento clínico do tumor. Os três tipos mais comuns são os carcinomas de células basais, carcinomas de células escamosas (também conhecidos como cânceres de pele não-melanocíticos) e melanomas malignos cutâneos (D’ORAZIO et al., 2013; ARMSTRONG; KRICKER, 2001; NARAYANAN; SALADI, 2010). A incidência do câncer de pele aumenta significativamente com a idade, refletindo presumivelmente o tempo de latência entre exposição cancerígena e estabelecimento do câncer, como acontece com muitos outros cânceres cujas etiologias ambientais, neste caso a radiação ultravioleta (UV) contribuíram para seu desenvolvimento (D’ORAZIO et al., 2013). O melanoma cutâneo é um tipo de câncer de pele que tem origem nos melanócitos (células produtoras de melanina, substância que determina a cor da pele) e tem predominância em adultos brancos. Embora o câncer de pele seja o mais frequente no Brasil e corresponda a 30% de todos os tumores malignos registrados no país, o melanoma representa apenas 4% das neoplasias malignas do órgão, apesar de ser o mais grave devido à sua alta possibilidade de metástase (INCA; 2016). A estimativa de novos casos no Brasil é de 5.670, sendo 3.000 homens e 2.670 mulheres, de acordo com estatísticas obtidas pelo INCA (2016). O prognóstico desse tipo de câncer pode ser considerado bom, se detectado nos estágios iniciais. Nos últimos anos, houve uma grande melhora na sobrevida dos pacientes com melanoma, principalmente devido à detecção precoce do tumor, porém, existe apenas um número limitado de opções de tratamento disponíveis (JERANT, 2000). A quimioterapia é apenas eficaz em cerca de 25% dos pacientes com melanoma (ETON, 2002). Assim, cirurgia continua a ser o melhor tratamento na maioria dos casos de melanoma metastático. Terapias adjuvantes, tais como: imunoterapia utilizando IL-2, estimulando a produção de células LAK (lymphokine activated killer), que detectam e lisam diferentes tipos de células tumorais (DAVEY et al., 2016); terapia utilizando anticorpo monoclonal anti-CTLA4 Ipilimumab, que se liga aos receptores CTLA-4 de células T ativadas, bloqueando a ligação de CD86 e aumentando a atividade e taxa de sobrevivência das células T, atuando na 19 identificação e destruição das células tumorais, com taxas de resposta variando de 5 a 15% (ROBERT et al., 2011; HERSH et al., 2011; KAPLAN et al., 2011; LUKE et al., 2013); e vacinas, estimulando a resposta imune do indivíduo contra células tumorais por meio de diferentes abordagens, tais como: vacinas de DNA, vacinas de peptídeos (LENS, 2008; TERANDO et al., 2007), vacinas de células completas, vacinas de células dendríticas, dentre outros, têm apresentado bons resultados contra melanomas. As vacinas são bem toleradas, porém não apresentaram sucesso em reduzir a progressão de tumores (GUO et al., 2013). A vacina mais promissora para melanoma é a vacina oncolítica derivada de uma forma modificada de vírus do herpes simplex conhecida como T-VEC, pois os vírus oncolíticos preferencialmente infectam e destroem células tumorais (DAVEY et al., 2016). Recentemente, o bloqueio da via PD-1 / PDL-1 mostrou grande promessa em estudos clínicos como imunoterapia, porém só foi eficaz em 38% dos pacientes que têm alta expressão de PD-1 / PDL-1 (HAMID, 2013). Terapias com inibidores BRAF, utilizando Vemurafenib ou Dabrafenib são bem toleradas por pacientes, eficazes, porém a durabilidade da resposta é limitada devido à resistência e progressão da doença (SHI et al., 2014; WAGLE et al., 2011). LGX818, outro potente inibidor BRAF está em fase de desenvolvimento, onde estudos clínicos em fase III estão sendo realizados até o momento (STUART et al., 2012; DUMMER et al., 2013). Inibidores MEK, tais como Trametinib, atuam bloqueando a via BRAF/MEK/ERK, a qual leva a proliferação e sobrevivência de células tumorais quando ativada, destruindo estas células; terapias conjuntas utilizando combinações de inibidores BRAF/MEK estão sendo exploradas no intuito de aumentar a durabilidade de resposta a terapias direcionadas, utilizando calendários de doses intermitentes para atrasar a seleção de células tumorais resistentes (FLAHERTY et al., 2012; THAKUR et al., 2013). Os tratamentos para a ampla gama de mutações oncogênicas dirigidas estão ainda a ser desenvolvidos. A medida que se descobre mais sobre a biologia do melanoma, mais de deseja investigar abordagens para atingir especificamente estas mutações. Atualmente, a resistência devido à natureza hipermutável do genoma do melanoma é um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento de um tratamento bem sucedido (DAVEY et al., 2016). A alta taxa de heterogeneidade relatada no melanoma desempenha um papel significativo na resistência a todas as formas de tratamento conhecidas. Combinações de terapias tradicionais, que possuem décadas de estudos funcionais, toxicidade e dados de ensaios clínicos com técnicas 20 mais recentes, como imunoterapias, que apresentam alvos moleculares mais eficazes é um passo inovador para progressão do tratamento de melanoma metastático. 1.1.1.1. Etapas de desenvolvimento do câncer Em geral, o desenvolvimento do câncer ocorre lentamente, podendo formar um tumor apenas muito tempo após a exposição a agentes carcinogênicos, como incidência de radiação UV, uso inadequado de medicamentos, agentes mutagênicos, dentre outros. Esse processo é classicamente dividido em três estágios principais: a iniciação, promoção e progressão (Figura 1). No estágio de iniciação, as células apresentam alterações genéticas em decorrência da exposição a agentes carcinogênicos, no entanto, ainda não é possível identificar o tumor clinicamente. No estágio de promoção, a célula afetada inicia, lentamente, o processo de transformação maligna caracterizado pela expressão de oncogenes. Por fim, o estágio de progressão caracteriza-se pela proliferação descontrolada e irreversível das células, formando uma massa tumoral no local. Nesse último estágio algumas células podem entrar em metástase, ou seja, invadir a corrente sanguínea e se instalar em outros tecidos do organismo (BRENTANI et al., 2003). Figura 1 – Etapas do processo de formação de tumores. (Adaptada de: http://www.tuasaude.com/como-surge-o-cancer/). 21 Alterações em vias de transdução de sinal, importantes na regulação do ciclo celular e da sobrevivência da célula, são obrigatórios para o estabelecimento de todos os tipos tumorais. Dessa forma, essas vias constituem pilares em comum para o estabelecimento e desenvolvimento do câncer (EVAN et al., 2001). O vasto catálogo dos genótipos de células tumorais são uma manifestação de seis alterações essenciais na fisiologia celular, que coletivamente ditam sinais de crescimento malignos: insensibilidade aos sinais inibidores do crescimento, evasão da morte celular programada (apoptose), potencial replicativo ilimitado, angiogênese sustentada, invasão de tecidos e metástases. 1.1.1.2. Alterações na fisiologia de células normais 1.1.1.2.1. Divisão celular e câncer Durante o desenvolvimento normal, intrincados sistemas de controle gênico regulam o balanço entre o surgimento de novas células e sua morte em resposta a determinados mecanismos de sinalização, dentre eles os sinais estimulantes e inibitórios de crescimento e sinais direcionados à morte celular. Em tecidos específicos, a proliferação celular ocorre de forma contínua, como uma estratégia de renovação tecidual. Contudo, em determinados tecidos, as células não proliferam, exceto durante processo de regeneração. O câncer se desenvolve devido às falhas nos mecanismos que geralmente controlam o crescimento e proliferação celular (WEINBERG; HANAHAN, 2000). O ciclo celular tem quatro fases sequenciais. Separando as fases S e M existem dois intervalos, referidos como G1 e G2 (Figura 2). G1 vem na sequência da mitose e é um momento em que a célula está sensível a estímulos positivos e negativos de redes de sinalização para o crescimento. G2 é o intervalo após a fase S, quando a célula se prepara para a entrada em mitose (MURRAY, HUNT; 1993). G0 representa um estado em que as células podem ser retiradas de forma reversível do ciclo de divisão celular em resposta à densidade celular elevada ou privação de agentes mitogênicos (ZETTERBERG, LARSSON; 1985). Alternativamente, as células podem retirar-se irreversivelmente do ciclo celular em estados diferenciados terminalmente ou senescentes. 22 Figura 2 - Fases do ciclo celular. (Adaptado de http://images.slideplayer.es/11/3334472/slides/slide_5.jpg). A progressão por meio do ciclo celular é impulsionada pela família de quinases dependentes de ciclina (CDK) de serina / treonina-quinases e as suas parceiras ciclinas reguladoras (MALUMBRES, BARBACID; 2006). Os complexos Ciclina D-CDK4, Ciclina D-CDK6 e Ciclina E-CDK2 direcionam a progressão de G1 por meio do ponto de restrição, obrigando a célula a completar o ciclo (Figura 2) (PLANAS-SILVA, WEINBERG; 1997). A fase S é iniciada pela Ciclina A-CDK2 e Ciclina B-CDK1, que regulam a progressão G2 para a entrada em mitose (NIGG; 2001). O ciclo celular possui dois pontos de checagem principais entre as fases G1/S e G2/M. Esses pontos têm a finalidade de verificar se a célula em divisão apresenta tamanho adequado, nutrientes suficientes e nenhuma alteração na replicação do DNA. Erros durante a replicação do DNA ocorrem, mas em sua maioria são reconhecidos e reparados pela maquinaria celular. No entanto, caso não seja possível reparar o erro, vias de transdução de sinal induzem o bloqueio no ciclo celular e a morte da célula por apoptose. Esses mecanismos previnem a propagação de mutações ao longo das gerações da célula impedindo a formação de tumores (HANAHAN, 2000). 23 O câncer geralmente resulta de mutações que surgem durante certo período de exposição a carcinógenos, tais como alguns reagentes químicos e radiação ultravioleta. Está claro que milhões de mutações pontuais, translocações, amplificações e deleções contribuem para o desenvolvimento do câncer, e que o alcance mutacional pode diferir mesmo dentro de tumores histopatologicamente idênticos (STRATTON; CAMPBELL; FUTREAL, 2009). Raramente, a mutação em apenas um gene culmina no desenvolvimento de câncer; séries de mutações em múltiplos genes geram uma proliferação celular acelerada que difere da proliferação celular normal, dando oportunidade ao aparecimento de mutações adicionais. Os clones dessas células se desenvolvem em tumores, porém para que estes tumores se expandam, é necessária a obtenção de um suprimento de sangue, proveniente do crescimento de novos vasos capilares a partir de veias sanguíneas preexistentes (angiogênese); este processo depende da ativação, migração e proliferação de células endoteliais, rompimento da lâmina basal vascular e a subsequente maturação de veias sanguíneas. 1.1.1.2.2. Angiogênese A angiogênese é um processo dinâmico que ocorre durante a embriogênese e o desenvolvimento tecidual normal. Através de uma série de eventos regulados, a angiogênese permite a formação de novos vasos a partir de vasos pré-existentes com o intuito de suprir as necessidades fisiológicas durante processos reparativos, tais como cicatrização de feridas. Uma diversidade de fatores pró-angiogênicos e anti-angiogênicos estão envolvidos na resposta angiogênica; com o desbalanço destes reguladores, o ambiente fisiológico estável pode sofrer graves alterações, onde ocorrerá a ativação de células que antes estavam inativas e o favorecimento do crescimento de novos vasos que serão redirecionados para dentro do microambiente do tumor em formação. A angiogênese foi inicialmente considerada maligna há, aproximadamente, 100 anos (GOLDMANN, 1907). Este processo facilita o crescimento e sobrevivência celular, demonstrado experimentalmente em células tumorais avasculares de córnea cultivadas de coelho, em que foi observada a atração de novos capilares e vascularização do tumor em expansão (GIMBRONE et al., 1972). Em 1978, Gullino mostrou que células pré-cancerosas adquirem capacidade angiogênica em uma 24 sequência, levando ao câncer (GULLINO, 1978), conduzindo a um conceito de "interruptor angiogênico" (KANDEL et al., 1991). Isto foi postulado como sendo crucial para a angiogênese, com o interruptor "off" quando as moléculas próangiogênicas são equilibradas por moléculas anti-angiogênicas, e "on" quando este equilíbrio é desfeito (HANAHAN & WEINBERG, 2000; BOUCK, STELLMACH, HSU, 1996). Estes gatilhos incluem baixa pO2 (TAHERGORABI, KHAZAEI; 2011), baixo pH, hiper / hipoglicemia ou hipertermia (VAN DER ZEE, 2002), estresse mecânico, resposta imune / inflamatória e mutagênicas (Figura 3) (KERBEL, 2000; CARMELIET, 1999). Figura 3 - Alterações bioquímicas que ativam o gatilho angiogênico, estimulando a progressão tumoral. VEGF – Fator de crescimento endotelial vascular; FGF – Fator de crescimento de fibroblastos; PDGF – Fator de crescimento derivado de plaquetas. A angiogênese é fortemente controlada por fatores pró-angiogênicos (VEGF, Ang1 e Tie2, FGF, HGF, MCP-1, NOS, COX-2, quimiocinas) e anti-angiogênicos (VEGFR, Ang2, TSP-1, angiostatina, endostatina, VEGI, IL-4, IL-12, IL-18, maspina) que são acionados por uma gama de fatores de crescimento e citocinas. O fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) é um dos fatores mais estudados, apresentando a capacidade de regular tanto angiogênese fisiológica quanto patológica (DELGADO et al, 2011; CARMELIET; JAIN, 2000), promovendo a proliferação celular endotelial, sobrevivência, migração celular, vasodilatação e 25 vasculogênese pelo recrutamento de células hematopoiéticas progenitoras derivadas da medula óssea (RAFII et al., 2002; LYDEN et al., 2001). VEGF é um polipeptídio dimérico que apresenta cinco diferentes isoformas, originárias de splicing alternativo. Estas isoformas diferem na sua massa molecular e propriedades biológicas, tais como a sua capacidade para se ligar a diferentes proteoglicanos da superfície celular (NEUFELD et al., 1999). Estudos mostraram que as isoformas VEGF165 e VEGF121 são predominantes no melanoma (XING; SAIDOU; WATABE, 2010). De acordo com os estágios de progressão do câncer, o tumor se torna um órgão anormal, incrivelmente adaptado ao crescimento e à invasão de tecidos adjacentes, processo denominado metástase. 1.1.1.2.3. Invasão de tecidos e metástases Um aspecto importante do câncer é a formação rápida de células incomuns que crescem longe de suas margens naturais. Elas podem, em seguida, atacar os componentes adjacentes do corpo e se espalhar para outros órgãos. Este processo é referido como a metástase que é a causa de 90% de todas as mortes por câncer e exibe uma situação extraordinariamente diferente de características clínicas (KHAN; MUKHTAR, 2010). A metástase no melanoma pode ocorrer tanto pela via linfática quanto pela via hematogênica. A apresentação inicial da disseminação acontece por três diferentes maneiras: metástase satélite e em trânsito (intralinfática), regional (linfonodal) ou à distância. Considera-se satélite a metástase que ocorre em um raio de até 2 cm da borda do tumor primário. Além deste limite até o primeiro linfonodo da cadeia linfática, a metástase é denominada em trânsito. Já a metástase regional é aquela que acomete a primeira cadeia de linfonodos da drenagem linfática do tumor. A metástase à distância acomete o restante dos tecidos e órgãos do corpo (MERVIC, 2012; MEIER et al., 2002). Para sair do tumor primário e se deslocar para órgãos distantes, células cancerosas metastáticas devem perder a capacidade de aderir a células tumorais adjacentes primeiro e expandir suas capacidades migratória e invasiva. Isto ocorre por diversas alterações na expressão de genes e funções, tais como uma diminuição nos marcadores epiteliais e um aumento em marcadores mesenquimais (THIERY; SLEEMAN, 2006). Sabe-se que grandes volumes de células tumorais entram na 26 circulação, porém apenas uma pequena parcela é capaz de desenvolver metástases. A maioria das células são apoptóticas e necróticas, incapazes de sobreviver em outros tecidos. Mais surpreendentes são as descobertas de que o sistema imunológico não consegue prevenir a formação de colônias secundárias pelas células eficientes, apenas daquelas células apoptóticas (IRELAND et al., 2011; BOCKHORN; JAIN; MUNN, 2007; NGUYEN; BOS; MASSAGUÉ, 2009). Alguns trabalhos mostram que as células são capazes de se agrupar em microêmbolos e se recobrir por plaquetas e leucócitos, desviando-se da detecção pelo sistema imunológico e permitindo longos períodos de sobrevivência na circulação (NGUYEN; BOS; MASSAGUÉ, 2009; PATERLINI-BRECHOT; BENALI, 2007). O estudo do processo metastático em âmbito genético, molecular, bioquímico e citológico é fundamental para a compreensão dos motivos pelos quais melanomas completamente excisados ou mesmo melanomas in situ são capazes de metastatizar. Além disso, permite a elaboração de métodos diagnósticos mais precisos e opções terapêuticas mais eficazes, capazes de aumentar a sobrevida dos doentes, como a indução de morte celular pela ação de moléculas de origem natural (IRELAND et al., 2011). 1.2. MECANISMOS DE MORTE CELULAR O câncer pode ser visto como o resultado de uma sucessão de alterações somáticas; dentre elas, destacam-se as alterações genéticas, bioquímicas e morfológicas, como por exemplo, a replicação ilimitada de células, a angiogênese continuada, sucessivas mutações nos genes relacionados ao controle de proliferação celular, evasão a mecanismos de morte celular, dentre outros (Figura 4) (GROSS; MCDONNELL; KORSMEYER, 1999). 27 Figura 4 - Mecanismos que contribuem para a carcinogênese (VIEIRA, 2013). Os processos de morte celular podem ser classificados de acordo com suas características morfológicas e bioquímicas em: apoptose, autofagia, necrose e cornificação, além dos tipos de morte celular atípicos, como a mitose catastrófica, anoikis, excitotoxicidade, degeneração Waleriana, paraptose, piroptose, pironecrose, partanatos e entose (GALLUZZI, 2012; OKADA; MAK, 2004; DIMRI, 2005; CASTEDO et al., 2004). Desde 1970, KERR e colaboradores tinham relacionado a apoptose como um mecanismo de eliminação de células potencialmente malignas, hiperplasia e progressão tumoral. 1.2.1. Apoptose KEER e colaboradores (1972), em um estudo pioneiro, observaram um novo tipo de morte celular, denominado “apoptose”, que parecia ser diferente da morte celular necrótica de hepatócitos induzida por toxinas. De fato, a apoptose pode ser vista como um processo que elimina células que sofreram mutações supérfluas, ectópicas ou com danos. Como mostrado por microscopia eletrônica, células apoptóticas formam pequenos corpos arredondados, cercados por membranas, contendo organelas citoplasmáticas intactas ou partes do núcleo. Estes corpos resultam da progressiva condensação celular, as quais são eventualmente 28 englobadas por células fagocíticas (Figura 5) (KROEMER; GALLUZZI; BRENNER, 2007). Figura 5 - Esquema mostrando as alterações progressivas na célula em apoptose. Fonte: Adaptado de: Robbins & Cotran Pathologic Basis of Desease (4 de Setembro de 2005). As mudanças morfológicas que caracterizam a morte celular por apoptose são a retração celular, formação de núcleos picnóticos (condensação da cromatina), cariorréxis (fragmentação nuclear), formação de “bolhas” e destruição da membrana, fagocitose por células vizinhas e formação de corpos apoptóticos (KROEMER; GALLUZZI; BRENNER, 2007; LIU et al., 2011). Além das mudanças morfológicas, mudanças bioquímicas das células destinadas à morte celular por apoptose são também observadas, como modificações no citoesqueleto e na membrana celular para a retração das células, alterações na distribuição dos carboidratos na superfície celular e a perda da simetria fosfolipídica, resultando na externalização de fosfatidilserina, facilitando o reconhecimento das células por macrófagos e 29 promovendo ligação diferencial dos macrófagos às células apoptóticas (HANAYAMA et al., 2004). Diversos fatores podem desencadear a apoptose, como a ligação de moléculas aos receptores de membrana, agentes quimioterápicos, radiação ionizante, danos no DNA, choque térmico, privação de fatores de crescimento, baixa quantidade de nutrientes e níveis aumentados de espécies reativas de oxigênio (EROS) (HENGARTNER, 2000). Após o estímulo inicial, uma intricada cascata de sinalização pode ativar várias vias para apoptose em células de mamíferos, destacando dentre estas vias duas principais, a via extrínseca e a intrínseca (Figura 6). Figura 6 - Ilustração esquemática das vias de morte celular por apoptose. (Figura adaptada de KROEMER, 2007). PMM – permeabilidade de membrana mitocondrial; Cit C – Citocromo C; dATP – deoxi-ATP; RE – Retícuo endoplasmático. Ambas as vias de morte apoptótica podem ser divididas em pelo menos três fases distintas: iniciação, integração/decisão e execução/degradação. A ativação de uma classe específica de proteases, as caspases (de cysteinyl aspartate-specific proteases), são requeridas para a execução da apoptose. Contudo, nem todas as caspases são requeridas para a apoptose e o processo geralmente resulta da ativação de um número limitado de caspases, particularmente as caspases-3, -6 e -7 (KROEMER, 2007). 30 Na via extrínseca, receptores de superfície formam um complexo de sinalização de morte induzida (DISC), resultando na ativação da procaspase-8. Em células tipo I, a caspase-8 ativa a procaspase-3, a qual cliva proteínas alvo, levando a apoptose. Em células tipo II, a caspase-8 cliva Bid, a qual induz a translocação, oligomerização e inserção de Bax e/ou Bak no interior da membrana externa mitocondrial. A partir desta translocação, há uma liberação de várias proteínas que pertencem ao espaço intermembranar da mitocôndria, especialmente o citocromo c, que, na presença de dATP, forma um complexo citosólico com Apaf-1 (fator de ativação para apoptose-1) e procaspase-9, denominado apoptossomo. Isto resulta na ativação da procaspase-9, e, por consequência, na ativação da procaspase-3. A caspase-3, assim produzida, age na cascata de sinalização da apoptose na via extrínseca. Na via intrínseca, os sinais de morte agem direta ou indiretamente na mitocôndria, causando a liberação de proteínas pró-apoptóticas em seu espaço intermembranar. Esta via de morte celular é controlada pela família de proteínas Bcl2 (regulação da liberação de citocromo c), proteínas inibidoras de apopotose (IAPs) (inibição de caspases), ativador secundário mitocondrial de caspases (Smac), e Omi (regulador negativo de IAPs). Bcl-2 é o protótipo da família de proteínas que contêm pelo menos um domínio de homologia Bcl-2 (BH). Por medidas de classificação, a família pode ser dividida em proteínas de multidomínio anti-apoptótico (protótipos: Bcl-2, Bcl-XL), as quais contêm quatro domínios BH (BH1, BH2, BH3 e BH4); proteínas multidomínio pró-apoptótico (protótipos: Bax, Bak), as quais contêm três domínios BH (BH1, BH2 e BH3); e proteínas pró-apoptóticas de apenas um domínio, BH3 (Bid, Bad) (LETAI et al., 2002). O sítio principal de ação das proteínas Bcl-2-like é provavelmente a membrana mitocondrial (KROEMER; REED, 2000). Como regra, as proteínas de multidomínio pró-apoptóticas ou contendo os domínios BH1, BH2, BH3 e BH4 ou Bcl-2 e Bcl-XL residem principalmente na membrana externa da mitocôndria, onde protegem a mitocôndria contra a permeabilização de membrana, presumivelmente por meio da ligação e neutralização de outras proteínas próapoptóticas da família Bcl-2, que, ao contrário, induzem a permeabilização da membrana da mitocôndria. Em inúmeros modelos, a mitocôndria é um ponto de checagem crucial para o controle da apoptose, devido a integração de vários sinais, incluindo fatores endógenos (concentrações de prótons do citosol e organelas, Ca 2+, Mg2+, K+ e Na+, 31 metabólitos como ATP, ADP, NAD(P), glutationa, segundos mensageiros lipídicos e múltiplas proteínas incluindo quinases e fosfatases) assim como fatores exógenos (proteínas específicas virais ou xenobióticos). As organelas mitocondriais reúnem os sinais que induzem e protegem de morte celular em nível de membrana e, a partir do momento em que os sinais de indução de morte superam os de sobrevivência, ocorre a permeabilização de membrana mitocondrial. Dentre os tipos de morte celulares descritos, a apoptose é o mecanismo melhor aplicado na prática clínica, sendo alvo para um potencial uso terapêutico ou para a compreensão dos mecanismos de resistência a radioterapia e a quimioterapia (NICHOLSON, 2000; KIM et al., 2003). A elucidação dos mecanismos moleculares da apoptose abrem perspectivas de modulação desses processos. As estratégias se baseiam na indução de morte em células tumorais por meio do bloqueio de genes com oligonucleotídeos antisense e fármacos convencionais, ou ainda a substituição de função desses genes com o uso de moléculas recombinantes (NICHOLSON, 2000). A determinação de vias de morte celular através da indução de biomoléculas como peptídeos (HSU et al., 2011), carboidratos (COSTA et al., 2011), lectinas (LIU et al., 2008) e inibidores de protease (VENTURA et al., 2013) têm sido pesquisada. Atualmente, desde a publicação de trabalhos a partir da década de 90, vem sendo constatado o valor de estudos dirigidos na investigação de compostos químicos de plantas com potencial atividade farmacológica, baseado no conhecimento acumulado de uma determinada cultura para a cura de doenças (ALBUQUERQUE, HANAZAKI; 2006). Desde então, a principal estratégia das grandes companhias farmacêuticas é incentivar pesquisas com o intuito de descobrir novas drogas a partir de produtos naturais utilizados em comunidades tradicionais (SEIDL; 2002). 1.3. BIOMA CAATINGA A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro, ocupando uma área de aproximadamente 844,453 km2, sendo o principal ecossistema da região nordeste (MMA, 2012a). O território brasileiro é recoberto por uma vegetação xerófila decídua na qual a produção de folhas e flores é dependente das chuvas que são muito mal distribuídas em termos de volume e distribuição ao longo do ano (ARAÚJO et al., 2007; ALBUQUERQUE et al., 2007; ARAÚJO et al., 2008). De acordo com o 32 Ministério do Meio Ambiente, a biodiversidade da Caatinga compreende 932 espécies de plantas, 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes e 221 de abelhas, sendo muitas espécies endêmicas. GIULIETTI e colaboradores (2004) demostraram que, dentre as 932 espécies de plantas vasculares presentes na Caatinga há endemismo de 18 gêneros e 318 espécies, o que chama atenção para a grande importância em se desenvolver estudos que ressaltem a vasta fonte de moléculas bioativas em plantas exclusivas do Brasil. O Laboratório de Química e Função de Proteínas Bioativas (LQFPB)/UFRN apresenta histórico em realizar prospecção de proteínas bioativas em sementes de plantas da Caatinga, além de avaliar atividades heterólogas destas proteínas em diversos modelos, relacionados tanto a atividade bioinseticida (AMORIM et al., 2008; MACEDO et al., 2008), como a atividades anti-inflamatória (FOOK et al., 2005), antinutricional (RIBEIRO et al., 2015), aglutinante de microrganismos (MEDEIROS et al., 2009) e antitumoral (RABELO et al., 2012). . 1.3.1. Juquiri (Mimosa regnellii Benth) Forma biológica: arbusto ou arvoreta perenifólia e inerme. As arvoretas maiores atingem dimensões próximas a 4 metros de altura e 10 cm de DAP (diâmetro à altura do peito, medido a 1,30 m do solo), na idade adulta. A maior altura conhecida é de 10 metros, obtida em plantios, em Colombo, PR. O tronco é tortuoso, às vezes com presença de multitroncos; a ramificação é racemosa, a copa é pequena, densa e irregular; as folhas são bipinadas, com seis a dez jugas, multifoliadas; os folíolos apresentam de 12 a 33 pares por pina, aproximados e lineares; a inflorescência ocorre em racemos apicais robustos, multicapitulados, medindo de 14 cm a 67 cm de comprimento e as flores se apresentam em capítulos globosos e ovoides, de coloração rósea ou lilás, medindo de 6 mm a 7 mm de diâmetro (sem os estames). O Juquiri é utilizado em recuperação de ecossistemas degradados para fins ambientais, principalmente em terrenos hidromórficos. Há restrições quanto ao seu uso como madeira, devido a sua pequena dimensão; Eventualmente pode ser utilizado em pequena escala como lenha, principalmente em uso doméstico e, além disso, apresenta potencial melífero, sendo suas flores atrativas e muito visitadas por 33 abelhas e outros insetos, produzindo pólen e néctar. Não há estudos suficientes sobre as atividades biológicas de compostos isolados/purificados de origem proteica a partir de sementes de Juquiri, destacando a importância deste trabalho na identificação de novas moléculas bioativas com potencial farmacológico oriundos de espécies nativas da Caatinga. 1.4. PROTEASES Proteases, também denominadas peptidases, são enzimas proteolíticas que catalisam a clivagem hidrolítica da ligação peptídica presentes em outras proteínas e polipeptídeos, resultando em peptídeos menores ou aminoácidos (NEURATH, 1993). Elas contabilizam cerca de 2% do genoma humano, e estão envolvidas em numerosos processos fisiológicos importantes, como por exemplo, a síntese de todas as proteínas, o controle do tamanho da proteína, liberação de hormônios precursores, translocação através de membranas, reaproveitamento de aminoácidos (turnover), digestão, sinalização celular, coagulação sanguínea, fertilização, diferenciação e crescimento celular, resposta imune e apoptose (POWERS, 2002; CHOU, 2006). As proteases são classificadas de acordo com a Enzyme Commission of International Union of Biochemistry and Molecular Biology - IUBMB - dentro do grupo 3 (hidrolases), subgrupo 4, sendo assim denominadas EC 3.4. Elas podem ser classificadas com base em três critérios: (1) tipo de reação catalisada, (2) natureza química do sítio catalítico e (3) relação evolutiva de acordo com a estrutura (BARRETT, 1994). De acordo com o mecanismo de catálise, similaridade na sequência de aminoácidos e análise dos resíduos de aminoácidos posicionados em torno do sítio ativo da molécula, as proteases são divididas em quatro classes principais: as proteinases aspárticas, proteinases serínicas, proteinases cisteínicas e metaloproteinases (Tabela 1) (RAWLINGS et al., 2006). As proteinases serínicas e cisteínicas possuem aminoácidos fortemente nucleofílicos em seu sítio catalítico (serina e cisteína, respectivamente). O mecanismo de ação destas enzimas é a catálise covalente, que envolve a formação de um intermediário covalente entre a enzima e o substrato (BARRETT et al., 2004; RAWLINGS et al., 2006). 34 As serinoproteases representam o grupo das enzimas proteolíticas mais bem caracterizadas (HEDSTROM, 2002; GETTINS, 2002). Devido ao fato das enzimas proteolíticas serem potencialmente perigosas para o ambiente onde estão inseridas, suas atividades devem ser muito bem controladas. Para isso os organismos utilizam inibidores de proteases como a principal ferramenta para controlar as atividades proteolíticas, complexando e bloqueando a ação dessas proteases (BODE & HUBER, 2000; BRANDEN & TOOZE, 1999). Tabela 1 - Classificação das principais classes de proteinases. Classe Proteinases serínicas (EC 3.4.21) Proteinases cisteínicas (EC 3.4.22) Proteinases aspárticas (EC 3.4.23) Metaloproteinases (EC 3.4.24) Proteinases Sítio ativo pH ótimo Ser, His, Asp 7-9 Cys 4–7 Pepsina, catepsinas D e E, renina Asp, Try Abaixo de 5 Carboxipeptidases A e B, aminopeptidases, termolisina Íons metálicos (geralmente Zn) 7-9 Tripsina, quimotripsina, elastase, trombina, catepsinas A e G Papaína, bromelaína, caspases, catepsinas B, C, H, K, L, O, S e W E.C., código dado às enzimas pelo Comitê de Nomenclatura da União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular. 3 representa a classe hidrolase; 4, a subclasse enzimas que hidrolisam ligações peptídicas; 21 representa a subclasse das proteases serínicas; 22 representa a subclasse das proteases cisteínicas; 23 representa a subclasse das proteases aspárticas; 24 representa a subclasse das metaloproteinases. (ADAPTADO de SANTOS et al., 2012). 1.4.1. Proteases serínicas A classe das serino proteases compreende duas famílias distintas, a família da quimotripsina, que inclui enzimas de mamíferos como tripsina, quimotripsina e elastase, e a família da subtilisina, que inclui enzimas bacterianas, como a subtilisina (Tabela 1). Embora as estruturas tridimensionais características dessas duas famílias sejam distintas, a geometria do sítio ativo de ambas é semelhante e a catálise ocorre por meio do mesmo mecanismo. Três resíduos de aminoácidos formam uma tríade catalítica essencial para a atividade da enzima: um resíduo de 35 serina (nucleófilo), um resíduo de histidina (base doadora de prótons) e um resíduo de ácido aspártico (orientador da histidina) (BARRETT et al., 2004). As massas moleculares das serinoproteases variam de 19 a 110 KDa, mas a maioria possui massa entre 60 e 80 KDa. Em geral, a atividade destas enzimas é otimizada em pH alcalino (7.0 – 11.0) e em temperaturas de 20 – 50 ºC. A base do mecanismo de ação das serinoproteases envolve a transferência de um grupo acil de um substrato para um grupo funcional da enzima (característica que é compartilhada com outras transferases). Os dois passos básicos de catálise por este grupo de enzimas incluem (a) a formação de um éster entre o átomo de oxigênio e o grupo acil do substrato, produzindo um intermediário tetraédrico e liberando a parte amino do substrato; (b) o ataque da água ao intermediário acil-enzima, que promove a quebra e liberação do produto acídico, retomando a forma original da enzima (ANTÃO & MALCATA, 2005). As proteases serínicas têm sido reconhecidas como as principais participantes de uma ampla gama de fatores biológicos, incluindo os processos de sinalização celular, progressão do ciclo celular, digestão, as respostas imunitárias, coagulação do sangue e a cicatrização de feridas. O seu papel na fisiologia de muitas doenças humanas, que vão desde o câncer e distúrbios inflamatórios até doenças degenerativas, representa um recurso cada vez mais importante desta família de enzimas. As proteases são firmemente controladas por meio de uma série de diferentes mecanismos, incluindo a regulação de expressão gênica, o reconhecimento do substrato pelo sítio ativo, por regulação da atividade de pequenas moléculas, alterações na localização celular, modificações póstraducionais, interação com outras proteínas e / ou por meio da inibição da proteólise por inibidores de protease (IP). Este último mecanismo geralmente envolve a competição com o substrato para o acesso ao sítio ativo da enzima e a formação de complexos inibitórios. Uma compreensão do papel desempenhado pelas serinoproteases e seus inibidores específicos em doenças humanas e oferece novas oportunidades desafiadoras para intervenção preventiva e / ou terapêutica. 1.4.2. Inibidores de proteinases Os principais inibidores naturais de proteases são proteínas, glicosiladas ou não (CAVALCANTI et al., 2002; AZARKAN et al., 2006), que ocorrem em todos os 36 seres vivos, como principal forma de controle dessas enzimas. (NEURATH, 1989; RYAN, 1990; BRZIN; KIDRIC, 1995). Em vegetais superiores, os inibidores de proteinases foram isolados e purificados de diferentes espécies de monocotiledôneas e dicotiledôneas. Entre as monocotiledôneas, as investigações foram dirigidas particularmente para os vegetais da família das gramíneas, atualmente denominada família Poaceae, tendo como principais representantes: arroz, cevada, milho, trigo, centeio e sorgo. Entre as dicotiledôneas, a família das solanáceas, representada pelo tomate, batata e tabaco, e a família das leguminosas (ou família Fabaceae), representada pelos feijões, soja e ervilha, têm recebido especial atenção. (BRZIN; KIDRIC, 1995; SCHULER et al., 1998; RICHARDSON, 1991). Em diferentes tecidos e órgãos vegetais foram detectados, isolados e purificados inibidores de proteinases, como em polpa de frutas (ARAÚJO et al., 2004), raízes, caules, folhas e, particularmente, em tubérculos e sementes (BRZIN; KIDRIC, 1995; GOMES et al., 2005; OLIVEIRA et al., 2003). Estes últimos tecidos são ricas fontes de inibidores, correspondendo de 1 a 10% do total de proteínas (USSUF; LAXMI; MITRA, 2001). Os níveis desses inibidores nos vegetais são variáveis e dependem do estágio de maturação, da sua localização nos tecidos, do tempo de colheita e de armazenamento, como, também, da variedade da planta, podendo coexistir diferentes classes de inibidores em um único tecido ou órgão (RYAN, 1990; RICHARDSON, 1991; BRZIN; KIDRIC, 1995). O alto teor dos inibidores de proteases nas sementes de muitas espécies de plantas tem despertado o interesse quanto à sua função fisiológica, sugerindo atuação no armazenamento de nutrientes, ação protetora contra o ataque de animais predadores, insetos e microrganismos (CARLINI, 2002; LOPES, 2006; LAWRENCE & KOUNDAL, 2002). Além de atuarem no mecanismo de defesa contra fungos, insetos e outros parasitas (BREITENEDER; RADAUER, 2004) e como proteínas de reserva, os inibidores podem ainda desempenhar funções fisiológicas no controle das enzimas proteolíticas durante a dormência e a germinação, prevenindo a hidrólise prematura do material de reserva, controlando assim, a mobilização de proteínas durante estes períodos (BRONSE, 1990; BROADWAY, 1995). Os inibidores de proteases de plantas são primeiramente classificados de acordo com a classe mecanística das enzimas que eles inibem. Dessa forma, quatro 37 classes de inibidores de proteinases foram estabelecidas: Inibidores de proteinases serínicas, cisteínicas, aspárticas e de metalo-proteinases, sendo os inibidores de proteinases serínicas os mais estudados (RICHARDSON, 1991; RYAN, 1990) (Tabela 2). 38 Tabela 2 - Família de inibidores de proteinases de plantas. Proteinases Classes de inibidores Famílias de inibidores Bowman-Birk Kunitz Batata I Serínicas Inibidores de proteases serínicas Batata II Superfamília de Cereais Taumatina Ragi I-2/milho Cisteínicas Inibidores de proteinases cisteínicas Fitocistatinas Aspárticas Inibidores de proteinases aspárticas Inibidores de proteinases aspárticas Metaloproteinases Inibidores de metaloproteinases Inibidores de carboxipeptidases AeB (FONTES: RYAN, 1990; RICHARDSON, 1991). 1.5. INIBIDORES DE PROTEASES SERÍNICAS Os inibidores de serino proteases apresentam uma inibição estritamente competitiva e de estequiometria 1:1 na formação do complexo enzima-inibidor. De forma contrária aos complexos enzima-substrato ou enzima-produto que se dissociam muito rapidamente, o complexo enzima-inibidor é altamente estável, com valores de KA entre 108 e 1013 M-1 (RICHARDSON, 1991). Muitos compostos inativam as serinoproteases pela formação de um intermediário acil-enzima estável. O mecanismo de ação de muitas classes de inibidores de proteases é formar um tetraedro estável que imita o complexo intermediário tetraédrico da reação das enzimas (HEDSTROM, 2002). O oxiânion do intermediário tetraédrico é frequentemente estabilizado pela interação com muitas pontes de hidrogênio. Baseado em sua sequência primária, estrutura tridimensional e mecanismo de inibição, os inibidores de protease são classificados em pelo menos 17 famílias (ZHAO et. al., 2005), reunidas na Figura 7 (LASKOWSKI Jr & QASIM, 2000). Em plantas, a distinção entre as famílias foi realizada com base na identidade da estrutura primária, na localização das ligações dissulfeto e na posição dos sítios reativos (RICHARDSON, 1991). 39 Figura 7 - FAMÍLIAS DE PROTEÍNAS INIBIDORAS DE SERINOPROTEASES. Modificado a partir de Laskowski Jr & Qasim, 2000. Apesar da grande variedade de famílias de inibidores de proteases serínicas, os mais estudados pertencem às famílias Kunitz e Bowman-Birk (ARAÚJO et al., 2004; BAUDYS et al., 1991; GOMES et al., 2005b; LAWRENCE, KOUNDAL, 2002; KOIWA, BRESSAN, HESEGAVA, 1997; USSUF; LAXMI; MITRA, 2001). Os estudos são, principalmente, direcionados para aqueles encontrados em sementes da família das fabáceas (NORIOKA et. al., 1988). Norioka e colaboradores (1988) sugeriram a existência de uma relação entre inibidores de proteinases serínicas de fabáceas e a evolução dessas plantas. Nesse estudo, foi investigada a presença de inibidores de proteinases serínicas da família Bowman-Birk e Kunitz em sementes de 34 espécies de leguminosas. Em sementes das subfamílias de leguminosas mais evoluídas (Caesalpinoideae e Mimosoideae), foram encontrados principalmente inibidores da família Kunitz, no entanto, na subfamília Papilionoideae, que é mais primitiva, foram encontrados apenas inibidores da família Bowman-Birk. A família Bowman-Birk é a segunda classe de inibidores de proteases serínicas mais estudadas e é comumente encontrada em sementes de leguminosas. Em geral, esses inibidores são moléculas de baixo peso molecular, entre 8 e 10 kDa, de cadeia única, com dois sítios reativos e apresentam um padrão característico de 14 resíduos de cisteína, todos formando ligações dissulfeto intracadeia 40 (CHAUDHARY et. al., 2008; PRAKASH et. al., 1996; RICHARDSON, 1991; SCARAFONI et. al., 2008). Esse arranjo conservado de sete ligações dissulfeto desempenha um papel importante na estabilização da estrutura tridimensional da molécula (QI; SONG; CHI, 2005; SCARAFONI et. al., 2008). Os inibidores Bowman-Birk inibem simultaneamente tripsina e quimotripsina (BIRK, 1985). Recentemente estudos têm demonstrado que esses inibidores podem desempenhar importantes papeis na cura e/ou prevenção de diversas doenças (SCRAFONI et al., 2008), podendo vir a ser ferramentas alternativas no tratamento de patologias humanas tais como hemorragia, inflamação e câncer (CHEN et al., 2005; FOOK et al., 2005; OLIVA et al., 2000). Os inibidores tipo Kunitz são proteínas com massa molecular que variam de 18 a 26 kDa, constituídos por uma ou duas cadeias polipeptídicas, 180 resíduos de aminoácidos, possuindo baixo conteúdo de ligações dissulfeto (BATISTA et al., 1996; PARK et al., 2005; LEDOIGT et al., 2006; JAMAL et al., 2013) e, em geral, contendo apenas um sítio reativo. Devido a este aspecto estrutural, eles são conhecidos como inibidores de uma cabeça (“single headed”) (RICHARDSON, 1991). A maioria dos inibidores tipo Kunitz têm quatro resíduos de Cys conservados que formam duas ligações dissulfeto em polipeptideos únicos ou de cadeia dupla. No que diz respeito ao teor de cisteína, os inibidores de protease tipo Kunitz de origem vegetal são divididos em quatro grupos: os desprovidos de resíduos de cisteína, pertencentes a (I03.16); um resíduo de cisteína (I03.12) (http: // merops . sanger.ac.uk), dois resíduos de cisteína (inibidores Bauhinia-tipo II) e mais de dois resíduos de cisteína (inibidores tipo-Bauhinia), envolvidos em ligações cisteínacisteína (OLIVA et. al., 2010). Em relação à especificidade, os membros da família Kunitz possuem maior atividade inibitória contra proteases serínicas, principalmente tripsina e quimotripsina. No entanto, eles também inibem outras proteases, incluindo a protease aspártica Catepsina D e a protease cisteínica papaína (HABIB; FAZILI, 2007; OLIVEIRA, 2001). Os inibidores do tipo Kunitz podem ser agrupados de acordo com o tipo de protease que inibem: inibidores de tripsina, inibidores de quimotripsina, inibidores de elastase pancreática e, mais recentemente, inibidores de elastase de neutrófilos (SIEDLE et. al., 2003). Apesar de detectada presença de inibidores protéicos de elastase em extratos de mais de 30 espécies de vegetais (HOJIMA, PISANO, 41 COCHRANE, 1983), a caracterização bioquímica desses inibidores ainda não foi bem elucidada, em comparação com inibidores proteicos de tripsina, que apresentam evidências sobre sua possível utilização como promissores agentes terapêuticos em diversas fisiopatologias de caráter inflamatório, coagulação, fibrinólise e câncer. 1.6. INIBIDORES DE PROTEASES E CÂNCER Os inibidores de proteases são considerados uma classe de proteínas altamente promissoras como agentes quimioterápicos. Existem evidências de que esses inibidores suprimem vários estágios da carcinogênese, incluindo iniciação, promoção e progressão. Embora muitos estudos tenham sido realizados para determinar as vias de ação que explicariam os efeitos anticarcinogênicos dos inibidores de proteases, mecanismos precisos pelos quais os inibidores de protease suprimem a carcinogênese são desconhecidos. Várias hipóteses sobre a atividade anticarcinogênica dos inibidores de protease são discutidas (KENNEDY ar. New York: Plenum Press, 1993) e diferentes mecanismos foram propostos. Muitas teorias para explicar os mecanismos de ação anticarcinogênica dos inibidores de proteases estão relacionadas ao fato desses agentes prevenirem o aumento de radicais superóxido e do peróxido de hidrogênio em leucócitos polimorfonucleares, que funcionam como agentes pró-tumorais. O excesso de radicais livres é uma das causas do câncer, sobretudo, na promoção e início do desenvolvimento do tumor. Alimentos antioxidantes são aqueles ricos em substâncias que podem eliminar os radicais livres, evitando danos à membrana celular, proteínas e o DNA da célula. Os inibidores de proteases funcionam como antioxidantes, prevenindo a produção de radicais livres nas células e, consequentemente, diminuindo o dano oxidativo. O crescimento de muitas células depende de sua ancoragem a proteínas da matriz extracelular que possuem o tripeptídeo arginina-glicina-ácido aspártico (RGD) como sítio de reconhecimento celular. Assim, esta sequência pode ser considerada uma potencial ferramenta no desenho de fármacos que inibem a interação célulamatriz, já que os IPs poderiam interagir nestas regiões de forma específica, impedindo a interação célula-célula (TEMMING et al, 2005; RUOSLAHTI, 2003). 42 As proteases também apresentam papel central na regulação da expressão gênica. Vários trabalhos têm indicado que inibidores de protease naturais interrompem o processo de transformação maligna revertendo a expressão dos proto-oncogenes c-myc e c-fos (DITTMANN; MAYER; RODEMANN, 2003). Estudos mostraram que os inibidores reduzem o nível de expressão de c-myc em células tratadas com carcinógenos (KENNEDY, 1993), além de normalizar níveis de c-myc elevado por carcinógenos. Acredita-se que os IPs afetam um ou mais pontos de checagem central envolvidos no processo de transformação maligna (KENNEDY, 1998a). A radiação e carcinógenos químicos induzem a atividade proteolítica envolvida na regulação do c-myc (BILLINGS et al., 1987; MESSADI et al., 1986). Neste caso, as proteases são capazes de destruir a proteína regulatória envolvida na regulação de c-myc que se ligaria à região promotora do gene. A hipótese é que tratamentos com carcinógenos aumentariam os níveis de proteases, que levaria à diminuição da proteína regulatória, culminando com o aumento de c-myc. Os IPs anticarcinogênicos atuariam inibindo as proteases que destroem a proteína regulatória, reduzindo os níveis elevados de c-myc, induzido pelos carcinógenos in vivo (MESSADI, et al., 1986) e in vitro (BILLINGS, et al., 1987). Dentre os inibidores de proteinases trabalhados no LQFPB/UFRN, destacam-se os inibidores de tripsina EvTIb (MACHADO et al., 2013), que apresentou atividade anticoagulante e atividade moduladora em sepse induzida por ligadura e perfuração cecal, não apresentando efeito citotóxico ou antimicrobiano; O inibidor de tripsina ITT (FOOK et al., 2005), que não apresentou toxicidade nem atividade hemolítica sobre células do sangue periférico humano, porém inibiu seletivamente a liberação de elastase neutrofílica humana após indução por PAF e/ou fMLP; O inibidor de tripsina SKTI (RIBEIRO et al., 2010), que foi capaz de inibir ambas as vias de liberação de elastase neutrofílica humana estimuladas por PAF e fMLP, atuando também de forma eficaz no processo de injúria pulmonar aguda induzida por LPS, diminuindo edema pulmonar, eventos hemorrágicos e níveis de atividade elastásica, não apresentando camundongos, dentre outros. efeitos tóxicos ou deletérios em Apesar do considerável número de inibidores purificados no nosso laboratório, nenhum estudo mais detalhado sobre efeitos antitumorais causados por ação de inibidores de proteinases foi realizado até o presente momento. 43 2. JUSTIFICATIVA Atualmente um dos mais promissores campos de bioprospecção envolve a busca de biomoléculas com potencial atividade farmacológica. Estudos com espécies endêmicas da Caatinga vêm sido desenvolvidos ao longo dos anos no Laboratório de Química e Função de Proteínas Bioativas (LQFPB), na UFRN, onde vários compostos proteicos foram purificados e suas atividades heterólogas foram avaliadas. No Nordeste brasileiro, à primeira vista, as vastas áreas do bioma caatinga parecem não apresentar uma grande biodiversidade, mas ao contrário, preserva e abriga uma grande fonte de espécies ainda não pesquisadas e investigadas quanto ao seu potencial biotecnológico. Junto ao bioma Caatinga, também outros como o bioma Mata Atlântica do Rio Grande do Norte, Bioma Dunas/Praias e bioma Mangue são ecossistemas com potenciais de interesse bioquímico. As investigações dos complexos mecanismos de defesa das plantas por vezes revelam a existência de biomoléculas que são singulares e que, mediante a utilização de técnicas apropriadas, podem ser transformados em produtos de interesse na área biotecnológica, abrangendo interesses botânicos, bioquímicos, genéticos e farmacêuticos. Alguns agentes químicos proteicos envolvidos nestes complexos mecanismos de defesa foram identificados e seus modos de ação caracterizados. Dentre eles se destacam os inibidores proteicos de enzimas serínicas (Kunitz e Bowman-Birk). A identificação, isolamento e caracterização destas biomoléculas têm se tornado um objetivo de vários grupos de pesquisa do Brasil e também de grupos espalhados por todo o planeta. Este trabalho é motivado principalmente pelo estudo desses inibidores purificados de fontes naturais como em sementes da leguminosa Juquiri e a (s) sua(s) ação(ões) como possíveis moléculas candidatas a fármacos no tratamento do câncer, tanto como agentes adjuvantes aos tratamentos convencionais, como atuando isoladamente, conferindo maior eficácia na regressão do tumor ou até em sua eliminação via mecanismos de morte celular. 44 3. OBJETIVOS 3.1. OBJETIVO GERAL Extrair, purificar e avaliar a ação de um inibidor de protease obtido de semente de leguminosa Juquiri (M. regnellii Benth) nos eventos celulares relacionados a apoptose em linhagem de células tumorais B16-F10. 3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Avaliar a presença de atividade inibitória das enzimas tripsina e quimotripsina nas frações proteicas da semente de M. regnellii. Purificar e caracterizar parcialmente um inibidor de protease serínica da leguminosa; Determinar a sequência parcial de aminoácidos do inibidor purificado; Avaliar efeito de ITJ sobre eritrócitos humanos; Avaliar o efeito de ITJ sobre a capacidade de influenciar a proliferação de diferentes linhagens de células tumorais; Analisar o processo de morte celular utilizando marcação com anticorpos Anexina V-FITC (marcador de fosfatidilserina externalizada) e iodeto de propídeo (marcador de DNA fragmentado); Analisar efeito de ITJ sobre a progressão do ciclo celular de B16-F10; Avaliar efeito de ITJ sobre a medição dos níveis de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio; Avaliar a alteração de liberação de Ca2+ citosólico pela ação de ITJ; Analisar o efeito de ITJ sobre a alteração de potencial de membrana mitocondrial em células de melanoma; Avaliação da inibição do efeito angiogênico e migratório in vitro pela incubação com ITJ; Analisar a influência de ITJ no padrão de expressão de componentes do citoesqueleto e MEC de B16-F10; Propor um mecanismo de ação de ITJ na indução de morte celular em linhagens de células B16-F10. 45 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1. MATERIAL 4.1.1. Equipamentos Além dos aparelhos usuais do laboratório, pode-se destacar: Banho Maria (Tecnal – Te 056) Balança analítica eletrônica - BEL Engineering Balança eletrônica – Tecnal (mod. B-tec 2200) Centrífuga refrigerada HITACHI CR G Cuba de eletroforese BIORAD Espectrofotômetro Pharmacia Biotec (mod, ultrospec 2100 – pro) Purificador de água Milli-Q® Water System (Millipore Corp.) PowerPacTM Power Supply; MiniPROTEAN® Tetra Cell; Mini Trans-blot Cell® (BIORAD, mod. Power PAC 300) HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Eficiência) (GE Healthcare BioSciences Corp.) Bancada de Fluxo Laminar (PACHANE Pa300) Incubadora Thermoforma Serie II Water CO2 Incubator HEPA Filter Model 3110 Liofilizador TERRONI FAUVEL – LB 1500 TT Microcentrífuga para eppendorf 5410 Microcentrífuga para hematócrito (Modelo spin 1000) Microscópio invertido NIKON Eclipse TE300 Peagâmetro Analyser (pH 300) Citômetro de Fluxo modelo FACSCANTO, BD Bioscience Microscópio de Fluorescência OLYMPUS BX41 Leitor de microplacas Flex Station 3 46 4.1.2. Materiais Biológicos 4.1.2.1. Sementes A espécie Mimosa regnellii Benth (Figura 8), popularmente conhecida como Juquiri, está classificada cientificamente como (EMBRAPA): Divisão: Angiospermae Clado: Eurosídeas I Ordem: Fabales Família: Fabaceae Subfamília: Mimosoideae Gênero: Mimosa Espécie: Mimosa regnellii Benth Figura 8 - Juquiri (Mimosa regnellii Benth). A) Fruto de Juquiri; B) sementes da leguminosa Juquiri. As sementes da leguminosa Juquiri (Mimosa regnellii) foram fornecidas pela Divisão Técnica do banco de sementes da Floresta Nacional de Nísia Floresta, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio/MMA. 47 4.1.2.2. Sangue Os eritrócitos humanos foram obtidos através de doações de bolsas de sangue pelo HEMOCENTRO – RN. As bolsas fornecidas encontravam-se fora do prazo de validade para transfusões. 4.1.2.3. Linhagens Celulares B16-F10, uma linhagem celular de melanoma de camundongo (ATCC número CRL-6475) e 3T3, uma linhagem fibroblástica normal de camundongo (ATCC número CL-173) foram obtidas da American Type Culture Colletion (ATCC, Rockville, MD, USA). Outra linhagem celular utilizada nos experimentos, a Raec, composta por células endoteliais de aorta de coelho, foram gentilmente disponibilizadas pela profa. Doutora Helena Bonciani Nader, UNIFESP/SP. As linhagens B16-F10 e 3T3 foram cultivadas em meio DMEM (Dulbecco’s Modified Eagle’s Medium), suplementadas com 10% de soro fetal bovino. Ao meio DMEM foram adicionados estreptomicina (5000 µg/mL) / penicilina (5000 ui). As células foram mantidas em ambiente estéril com 5% de CO2, enquanto a linhagem Raec foi cultivada em meio F12 GIBCO (Grand Island, NY, EUA): mistura nutriente contendo L-glutamina 2 mm, bicarbonato de sódio 3,7 g.L-1, penicilina 10,000 u/L e estreptomicina 10 mg/L (Sigma Chemical CO. , St. Louis, MO, EUA). O meio de cultura F12 foi suplementado com 10% de soro fetal bovino (SFB) (Cultilab, Campinas, São Paulo, Brasil). As células foram mantidas em ambiente estéril com 2,5 % de CO2. 4.2. METODOLOGIA 4.2.1. Preparação dos extratos proteicos As sementes foram descascadas e os cotilédones triturados em um processador até a obtenção de uma farinha de granulação fina. Em seguida, a farinha foi homogeneizada em tampão Tris-HCl 0,05M, pH 7,5, na proporção 1:10 (p/v), sob agitação constante por 3 horas à temperatura ambiente. O homogenato foi 48 centrifugado a 8,000 x g por 30 min a 4 ºC. O sobrenadante resultante dessa centrifugação foi denominado Extrato Bruto (EB). 4.2.2. Fracionamento Proteico com Sulfato de Amônio O Extrato Bruto foi fracionado por precipitação em três faixas de concentração de sulfato de amônio: 0-30%, 30-60%, 60-90%, denominadas F1, F2 e F3, respectivamente. Após a adição de sal em cada etapa de precipitação, as suspensões permaneceram a 4 ºC por aproximadamente 20 horas e posteriormente foram centrifugadas a 8,000 x g por 30 minutos. Os precipitados obtidos foram dissolvidos em tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5. As soluções assim obtidas foram congeladas para posterior utilização e denominadas de acordo com a faixa de concentração de sal utilizada para sua obtenção (Figura 9). Farinha de sementes Extração: tampão Tris-HCl, 0,05 M, pH 7,5 - 3 horas. Precipitado Extrato bruto (EB) Precipitação proteica com sulfato de amônio nas concentrações de 030%, 30-60% e 60-90% Reservadas por cerca de 20 horas o Centrifugação: 8,000 x g – 4 C por 30 min Dissolvidas em tampão de extração F1 F2 F3 Figura 9 - Esquema de extração e fracionamento DE PROTEÍNAS DE SEMENTES DE JUQUIRI com sulfato de amônio. 4.2.3. Quantificação das proteínas 49 As proteínas foram quantificadas pelo método de BCA (ácido bicinconínico, Thermo Scientific) (SMITH, P.K., et al, 1985), utilizando albumina sérica bovina (BSA) como padrão, sendo as leituras das absorbâncias realizadas a 562 nm. 4.2.4. Ensaios de inibição de atividade enzimática 4.2.4.1. Atividade anti-tríptica A atividade anti-tríptica do extrato bruto e das frações obtidas pelo fracionamento com sulfato de amônio foi determinada utilizando uma solução de azocaseína 1% como substrato. Alíquotas de 10 µL de solução de tripsina bovina (0,3 mg/mL em tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5) foram pré-incubadas por 15 minutos a 37 ºC, com 120 µL de HCl 0,0025 M, 320 µL de tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5 e 50 µL do inibidor. Após esse período, a reação foi iniciada adicionando-se 200 µL de azocaseína 1%. A reação prosseguiu por mais 30 minutos nas mesmas condições de incubação, sendo interrompida adicionando-se 300 µL de ácido acético 20%. A formação de p-nitroanilina foi monitorada em espectrofotômetro a 440 nm. Provas em branco foram realizadas e os ensaios foram feitos em triplicata e repetidos três vezes. Os resultados foram expressos em UI (unidade de inibição) /mg de proteína ou em percentual de inibição. A atividade anti-tríptica das frações provenientes de passos finais de purificação foi determinada utilizando BApNA como substrato (KAKADE et al, 1969). Alíquotas de 10 L de solução de tripsina bovina (0,3 mg/mL em tampão Tris-HCl 0,05 M pH 7,5) foi pré-incubadas por 10 minutos a 37 ºC, com 120 L de HCl 0,0025 M, 270 L de tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5 e 100 L do inibidor. Após esse período a reação foi iniciada adicionando-se 500 L de BapNA. A reação prosseguiu por mais 15 minutos nas mesmas condições de incubação, sendo interrompida adicionando-se 120 L de ácido acético 30%. A formação de p-nitroanilina foi monitorada em espectrofotômetro a 410 nm. Provas em branco foram realizadas e os ensaios foram feitos em triplicata e repetidos três vezes. Os resultados foram expressos em UI/mg de proteína. 50 4.2.4.2. Atividade anti-quimotríptica A atividade inibitória do extrato bruto e das frações obtidas pelo fracionamento com sulfato de amônio sobre a quimotripsina foi determinada utilizando 10 µL de solução de quimotripsina bovina (0,2 mg/mL em tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5, contendo CaCl 0,02 M) que foi pré-incubada com tampão Tris-HCl 0,05 M, pH 7,5, contendo CaCl 0,02 M e 500 µL do inibidor por 15 minutos a 37 ºC. Após esse período a reação foi iniciada adicionando-se 200 µL de azocaseína 1%. Decorridos 30 minutos, a reação foi interrompida adicionando-se 300 µL de solução de TCA 20%. A mistura de reação foi centrifugada a 12,000 x g por 10 minutos e o sobrenadante alcalinizado com NaOH 2N na proporção de 1:1, e a absorbância foi medida em espectrofotômetro a 440 nm. Provas em branco foram realizadas e os ensaios foram feitos em triplicata e repetidos três vezes (XAVIER-FILHO et al., 1989). Os resultados foram expressos em UI/mg de proteína ou em percentual de inibição. 4.2.4.3. Propriedades inibitórias e determinação da constante de inibição 4.2.4.3.1. Determinação da IC50 para tripsina bovina A concentração do inibidor que inibe 50% da atividade (IC 50) da tripsina bovina foi determinada pela construção de uma curva de inibição, que relaciona o percentual de inibição da tripsina e concentração de inibidor. Para a construção dessa curva, concentrações crescentes de inibidor (0,04, 0,08, 0,16, 0,33, 0,65, 1,3, 2,6, 10,5 e 21 µM) foram incubadas com alíquotas de 25 µL e 35 µL de tripsina, as quais interagem com uma respectiva concentração de substrato (1,25mM e 0,625mM). O ensaio foi realizado como descrito no item 4.2.4.1, utilizando o BApNa como substrato específico para a reação. O percentual de inibição da atividade da Tripsina bovina para cada concentração de inibidor foi utilizado na construção de uma curva de titulação e determinação da IC50; a curva foi construída utilizando o software Microsoft Excel 2010, e o valor exato correspondente ao IC 50 foi calculado por meio do software IBM SPSS Statistics 20. 51 4.2.4.3.2. Determinação da constante de inibição e do mecanismo de inibição para tripsina bovina Para determinar o mecanismo de inibição e a constante de inibição (Ki) foi construído o gráfico de acordo com DIXON et al., 1979, onde o eixo das abscissas (X) corresponde às concentrações crescentes de inibidor e o eixo das ordenadas (Y) corresponde ao inverso dos valores da velocidade máxima. O ensaio enzimático com tripsina para a determinação da Ki foi realizado na presença de duas concentrações de BApNa (0,0025 e 0,00625 M). Os ensaios foram realizados como descritos no item 4.2.4.1. O valor de Ki foi obtido da intersecção das duas linhas correspondentes às concentrações dos substratos. 4.2.5. Cromatografias 4.2.5.1. Cromatografia líquida de afinidade CNBr-ativada Sepharose 4B A fração proteica F2 apresentou o maior potencial de inibição para tripsina e foi aplicada numa coluna de afinidade de Tripsina-Sepharose CNBr-ativada 4B. O material não-retido da coluna foi eluído com o tampão Bórax 0,02 M, pH 7,5. Já as proteínas retidas na matriz foram eluídas com HCl 0,1 M com um volume de fracionamento de 4 mL a um fluxo de 2 mL/min. O perfil proteico foi acompanhado por espectrofotometria com leitura a 280 nm. As frações da cromatografia foram submetidas a diálise contra tampão (Bórax 0,02 M, pH 7,5) e realizados os ensaios de inibição para tripsina utilizando substrato inespecífico (Azocaseína 1%). 4.2.5.2. Cromatografia líquida de troca-iônica (DEAE-Sephadex) O eluato obtido da cromatografia de afinidade Tripsina-Sepharose dialisado contra Bórax 0,02 M, pH 7,5 com atividade inibitória para tripsina foi aplicado na coluna de troca-iônica DEAE-Sephadex. O material não-retido da coluna foi eluído com o tampão Bórax 0,02 M, pH 7,5. Já as proteínas retidas na matriz, por sua vez, foram eluídas com um gradiente linear de NaCl (0-1 M de NaCl) com um volume de fracionamento de 4 mL a um fluxo de 2 mL/min. O perfil proteico foi acompanhado 52 por espectrofotometria com leitura a 280 nm. As frações da cromatografia foram submetidas a ensaio de inibição contra tripsina utilizando substrato inespecífico (Azocaseína 1%). Após a obtenção do perfil cromatográfico, foi realizada uma nova cromatografia em Stepwise, onde faixas de NaCl (0,1 M, 0,2 M, 0,3 M, 0,4 M, 1M) foram determinadas para a eluição das proteínas retidas na matriz. O material com atividade inibitória para tripsina e quimotripsina foi dialisado contra água destilada, concentrado com sulfato de amônio em uma faixa de saturação de 90%, novamente dialisado contra água destilada, quantificado e liofilizado para experimentos posteriores. 4.2.5.3. Cromatografia Líquida de fase reversa de alta eficiência em Sistema HPLC C8 O material adsorvido nas cromatografias de afinidade foi submetido à cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) de fase reversa (C8) para purificação do inibidor. A coluna foi previamente equilibrada com ácido trifluoracético (TFA) 0,1% em água. A fase líquida foi formada por dois solventes aquosos, denominados solução A (TFA 0,1%) e solução B (80% de acetonitrila em TFA 0,1%). O inibidor purificado, denominado ITJ, foi eluído em um gradiente contínuo de 0-100% da solução B, submetido à liofilização e utilizado em ensaios posteriores para avaliação de potencial citotóxico contra linhagens celulares. 4.2.6. Eletroforese em gel de poliacrilamida Com o intuito de avaliar o grau de pureza das amostras proteicas, as mesmas foram submetidas à eletroforese em gel de poliacrilamida a 15% em presença de SDS, de acordo com a metodologia descrita por LAEMMLI (1970). O gel de separação foi preparado com 7,5 mL de acrilamida-bisacrilamida 30%; 3,8 mL de tampão Tris-HCl 1,5 M, pH 8,8; 3,5 mL de água destilada; 150 µL de SDS 10%; 6 µL de TEMED concentrado e 150 µL de persulfato de amônio 10%. O gel de concentração continha 0,67 mL de acrilamida-bisacrilamida 30%; 1 mL de tampão Tris-HCl 0,5 M, pH 6,8; 2,2 mL de água destilada; 40 µL de SDS 10%; 4 µL de TEMED e 40 µL de persulfato de amônio 10%. O tampão de corrida consistia de Tris 0,025 M; glicina 0,192 M e SDS 10%. Uma vez diluída em tampão de amostra Tris- 53 HCl 0,0625 M, SDS 2%, glicerol 10% (v/v) e 0,01% de azul de bromofenol, num volume de 20 µL, a alíquota foi aplicada no gel (10 x 14 cm, com espaçadores de 0,75 mm), o qual foi submetido a uma corrente constante de 20 mA por, aproximadamente, 2 horas. O gel foi corado em solução de Coomassie Blue R 250 a 1%, etanol 40% e ácido acético 10% em água. As bandas proteicas foram descoradas após a imersão do gel em solução descorante (etanol 30% e ácido acético 10%). Para determinar a massa molecular da proteína isolada, foram utilizados marcadores padrão de proteínas e análise através de cálculos de regressão linear. Após a eletroforese, o gel foi desidratado gradativamente, por três lavagens consecutivas com a solução de etanol 50%, tendo cada lavagem a duração de 20 minutos. Uma solução de tiossulfato de sódio (0,2 mg/mL) foi adicionada em seguida e mantida sob agitação por 1 minuto. Posteriormente, foram feitas três lavagens rápidas com água destilada, adicionando, logo em seguida, uma solução de nitrato de prata (200 mg de nitrato de prata + 74 µL de formaldeído em 100 mL de água destilada), mantendo sob agitação por 20 minutos. O gel foi lavado rapidamente em água destilada (três vezes), e imerso em solução reveladora (6 g de carbonato de sódio + 50 µL de formaldeído + 2 mL de tiossulfato de sódio 0,2 mg/mL para um total de 100 mL de água destilada). Para cessar a revelação foi utilizado ácido acético 13%, logo após o aparecimento das bandas proteicas. 4.2.7. Estabilidade estrutural na presença de agentes desnaturante e redutor Para avaliar a estabilidade do inibidor de tripsina de sementes de M. regnellii (ITJ) na presença do agente desnaturante SDS (dodecil sulfato de sódio) e do agente redutor DTT (25 mM), seguiu-se a metodologia descrita por CRUZ (2008), com modificações. Amostras do inibidor (1 mL) foram incubadas em banho-maria, separadamente, com SDS 10% e DTT 25mM por 30 minutos, à 100 ºC. Após resfriamento das amostras a 4 ºC uma eletroforese em gel de poliacrilamida a 15% foi realizada para análise do padrão de bandeamento proteico. 4.2.8. Determinação da sequência de aminoácidos 54 A obtenção da sequência de aminoácidos de ITJ por espectrometria de massas foi realizada por meio de processos de redução e alquilação seguidas de processamento por tratamento enzimático. Para isso, foi realizada tripsinização em gel de ITJ em um gel de poliacrilamida de acordo com SHEVCHENKO (1996). A banda proteica do gel contendo o inibidor foi excisada, cortada em quatro pedaços e transferida para tubos de microcentrífuga. O corante Coomassie Blue foi retirado do gel com três lavagens feitas com solução aquosa de etanol 30% (em volume) no agitador por 20 minutos até descorar completamente. Em seguida o gel foi lavado por 15 minutos em 400 µL de ACN 50% e NH4CO3 25 mM no agitador. Logo após adicionar 200 µL de ACN 100% e deixar entre 5 a 10 minutos sob agitação até ficar opaco, retirou-se o excesso de ACN e o gel foi seco por 20 minutos. A digestão de tripsina foi realizada adicionando 15 µL de solução de tripsina, deixando no gelo por 30 minutos, após adicionar 40 µL de NH4CO3 e incubar overnight. Em seguida as amostras foram levadas ao espectrômetro de massas. Estas sequências foram determinadas em um sequenciador automático PPSQ-23 Sequencer da Shimadzu Co, que foram realizadas no Instituto de Ciências Biológicas (ICB-BSB/GO), sob orientação do Dr. Marcelo Bemquerer. As sequências foram comparadas com banco de dados non redundant (NR), de sequência de aminoácidos, disponível no site do GenBank (National Center for Biotechnology Information) usando a ferramenta BLAST (BLASTP e tBLASTn; Altschul et al., 1997; 2005). 4.2.9. Ensaios em cultura de células 4.2.9.1. Avaliação da atividade citotóxica de ITJ 4.2.9.1.1. Atividade hemolítica A avaliação de atividade hemolítica foi realizada de acordo com JOHANSSON (2002). Hemácias humanas foram separadas do plasma por sedimentação e lavadas três vezes com tampão PBS 0,150 M, pH 7,4. O mesmo tampão foi utilizado para preparar uma suspensão 1% (v/v) de hemácias e solubilizar as amostras. Em tubos de 1,5 mL, 100 µL da suspensão de hemácias foram incubadas com 100 µL do inibidor em diferentes concentrações por 60 minutos à temperatura ambiente. Foi também incubado com 100 µL da suspensão de 55 hemácias e 100 µL Triton X-100 1% (v/v), constituindo a referência de 100% de hemólise e 100 µL do tampão PBS, referência para 0%. Após a incubação, os tubos foram centrifugados a 8000 x g por 3 minutos e alíquotas de 100 µL dos sobrenadantes foram transferidas para placas de microtitulação de 96 poços e analisadas a 405 nm em leitor de ELISA. 4.2.9.1.2. Avaliação da atividade antiproliferativa in vitro – ensaio MTT As linhagens celulares foram tratadas com diferentes concentrações do inibidor de protease purificado e avaliado pelo método colorimétrico de MTT ([brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio]) (MOSMANN, 1983). 5 X 103 células foram cultivadas em placas de Elisa estéril de 96 poços para um volume final de 100 μL de meio DMEM 10% de soro fetal bovino. Posteriormente, as células foram incubadas com diferentes concentrações do inibidor purificado. Após 24, 48 e 72 horas, o reagente MTT (1 mg/mL) foi adicionado às células, e incubado por mais 4 horas. Após este período, o meio foi aspirado e foram adicionados 100 μL de dimetilsulfóxido P.A. para dissolução dos cristais de formazan precipitados. A quantificação da absorbância foi realizada em leitor de microplacas, em um comprimento de onda de 570 nm. O cálculo de inibição da proliferação celular foi realizado em comparação com o controle contendo células não tratadas com o inibidor de protease, conforme a fórmula a seguir: I% = A570C - A570A x 100 A570C Onde: I%, percentual de inibição; A570C, absorbância a 570 nm do controle e A570A, absorbância a 570 nm da amostra. 4.2.9.1.3. Ensaio de viabilidade celular – Alamar Blue Para a realização deste ensaio de viabilidade celular a linhagem endotelial aórtica de coelho (Raec) foi utilizada. As células foram cultivadas (104 células/poço) em placas de 96 poços e, após sincronização e aplicação do inibidor (0,325, 0,65 e 1,3 µM) por 24, 48 e 72 horas de exposição, o sal de resazurina (44 µm) foi então 56 aplicado e incubado por 2-4 horas para posterior análise em leitor de fluorescência a 590 nm. 4.2.9.1.4. Incorporação de bromo-desóxi-uridina (BrdU) Para o monitoramento da síntese de DNA e da proliferação celular, as células foram marcadas com o BrdU. Aproximadamente 1 x 10 4 células foram colocadas em placa estéril de 96 poços para um volume final de 100 µL de meio F12K suplementado com 10% de soro fetal bovino. Após 24 horas, o meio foi removido e as células foram carenciadas por 24 horas com meio sem soro. Posteriormente, o meio foi aspirado e as células foram estimuladas a sair de G 0 pelo acréscimo de meio com SFB 10% na ausência (controle) e na presença de ITJ. Após 72 horas de tratamento foi adicionada às células uma solução de BrdU 10µM e, em seguida, as células permaneceram em contato por 6h com essa solução para incorporação do mesmo. Após esse período, a incorporação do BrdU foi determinada como recomendada pelo fabricante, utilizando leitor de microplacas Flex Station 3. Para análise dos dados, o software Softmax Pro 5.3 (Roche Applied Science) foi utilizado. 4.2.9.2. Quantificação de indicadores de morte celular por análise com Citômetro de Fluxo 4.2.9.2.1. Quantificação dos indicadores de morte celular por incubação com Anexina V-FITC/ Iodeto de Propídeo Para a avaliação dos efeitos do inibidor purificado sobre a morte celular, foi utilizado o kit FITC/Annexin V Dead Cell Apoptosis Kit with FITC Annexin and PI, for Flow Cytometry (Invitrogen, Catalog no V13242). As células foram cultivadas em placas de 6 poços até atingirem a confluência de 2 x 105 células/mL, carenciadas com meio sem soro e estimuladas a sair de G0 na presença do inibidor purificado. As células foram expostas à IC50 do inibidor (0,65 µM) purificado por 72 horas e, após este período, elas foram tripsinizadas, coletadas e lavadas com tampão PBS gelado. O sobrenadante foi descartado e as células ressuspendidas em 200 µL de Tampão de Ligação 1X. Foram adicionados 5 µL de Anexina V – FITC e 1 µL da solução de 57 PI a 100 µg/mL a cada 100 µL de suspensão celular. As células ficaram sob incubação por 20 min, à temperatura ambiente e mantidas sob proteção de luz. Após o período de incubação, foram adicionados 250 µL de tampão de ligação para Anexina V 1X e as células foram analisadas em citômetro de fluxo (FACSCANTO, BD Bioscience), medindo a emissão de fluorescência para Anexina V (530/575 nm) e PI (630/22 nm). A população foi separada em 4 grupos: células viáveis (baixos níveis de fluorescência), células em estágio inicial de apoptose (fluorescência verde), células em estágio final de apoptose (fluorescência em verde e vermelho) e células em necrose (fluorescência vermelha). A porcentagem de células em apoptose foi determinada a cada 20 mil eventos e os gráficos obtidos no experimento representaram dados oriundos de três experimentos independentes. Para análise dos dados, o software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc., CA, USA) foi utilizado. 4.2.9.2.2. Avaliação do potencial de membrana mitocondrial (ΔΨm) As mudanças no potencial de membrana interna mitocondrial (ΔΨ m) nas células testadas após incubação com o inibidor purificado, utilizando a IC50, foram analisadas por citometria de fluxo, de acordo com método descrito por SUN et al (2006). Após tripsinização, as células foram coletadas e lavadas duas vezes com PBS e então a concentração da suspensão celular foi ajustada para 1 x 106 células/mL. 100 µL de solução de Rodamina 123 (Rh123) (505/535 nm) (20 µg/mL) foram adicionados às células coletadas e incubadas a 37 ºC no escuro, por 30 minutos. Posteriormente as células foram lavadas com PBS novamente e coradas com solução de Iodeto de Propídeo (PI) (100 µg/mL), lavadas com tampão fosfato salino duas vezes e dispostas para análise em citômetro de fluxo (FACSCANTO, BD Bioscience). Todos os dados foram coletados, armazenados e analisados com o software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc., CA, USA). 4.2.9.2.3. Análise do Ciclo Celular Para a avaliação dos efeitos do inibidor sobre o ciclo celular, as células foram lavadas com tampão PBS gelado e o sobrenadante foi descartado. As células 58 foram então incubadas com paraformaldeído 2% por meia hora, lavadas com PBS gelado e permeabilizadas com saponina 0,01% por 15 minutos. Após este procedimento, as células foram incubadas com 10 µL de RNAse (4 mg/mL) a 37ºC por 30 min. Foram adicionados 5 µL de Iodeto de Propídeo (25 mg/mL), juntamente com 200 µL de PBS gelado às células e levadas ao citômetro de fluxo (FACSCANTO, BD Bioscience) para análise de parada de ciclo celular (630/22 nm). A porcentagem de células em morte celular foi determinada a cada 20 mil eventos. Para análise dos dados, o software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc.) foi utilizado. 4.2.9.3. Imunofluorescência Para detecções citoquímicas, as células tumorais B16-F10 foram cultivadas sobre lamínula circular de 12 mm de diâmetro a uma concentração de 10 4 células/lamínula e mantidas em placa de 24 poços. Os experimentos foram realizados com células cultivadas por 3 dias. Em seguida o meio foi removido e as células foram incubadas com novo meio na presença ou ausência de 0,65 µM de ITJ. Após o período necessário, o meio foi removido, as células lavadas 5 vezes em PBS (0,1 M, pH 7,4) a 4 ºC e então realizado o ensaio. As células foram incubadas com diversos marcadores: Lectina WGA conjugada com FITC (5mg/ml) (W11262- Lot 997854); Faloidina (A12379) COX – 4 (48505) Β-actina Β-tubulina VEGF Vimentina (SC-73259) Fibronectina (SC-6953) Caspase-3 (#9664S) Versican (SC-25831) Condroitim (370615) IL-6 (SC-130326) Mitotracker Red (M22425) 59 Estes marcadores foram aplicados nas células em PBS por 1 hora a 4 ºC. A seguir, as células foram lavadas 5 vezes com PBS, e fixadas com formaldeído 2% em PBS, por 30 min à 25 ºC. Posteriormente, as células foram sequencialmente lavadas 2 vezes em PBS, 1 vez em PBS contendo glicina 0,1M e 2 vezes em PBS. 4.2.9.3.1. Coloração do núcleo, montagem e visualização das lâminas. Após as devidas marcações as células foram permeabilizadas utilizando uma solução de PBS contendo 0,01% de saponina. Em seguida as lamínulas foram lavadas por 5 vezes em PBS, novamente lavadas utilizando água bidestilada e montadas em lâminas histológicas utilizando meio de montagem Prolong gold antifade contendo DAPI, o que propiciou a coloração do núcleo. As imagens foram obtidas em um microscópio confocal Leica SP8. 4.2.9.4. Avaliação da indução e produção de espécies reativas de nitrogênio (ERNs) e espécies reativas de oxigênio (ROS) A linhagem de células de melanoma (B16-F10, ATCC) foram cultivadas em placas de petri descartáveis estéreis (35 x 10 mm), sobre lamínulas de vidro a uma proporção de 3 x 104 células/lamínula, utilizando meio DMEM suplementado com 10% de soro fetal bovino a 37 ºC, sob atmosfera úmida de 5% de CO 2. Após sincronização e incubação com o inibidor de tripsina (0,65 µM), as células foram analisadas e o efeito do inibidor na liberação de óxido nítrico e radicais livres totais foi avaliada nos tempos de 30 min, 6 horas e 72 horas de exposição através de microscopia de fluorescência (Leica CTR HS – TIRF). Para o ensaio de liberação e quantificação de óxido nítrico, o reagente DAFFM-diacetato (4-amino-5-metilamino-2’,7-difluoresceína diacetato) (Invitrogen, Life Technologies), na concentração de 10 µM, foi utilizado em meio HBSS (Solução balanceada de Hank’s). A sonda foi incubada por 30 min em incubadora a 37 ºC, em atmosfera úmida de 5% de CO2 e, após o tempo de incubação, as células foram observadas em microscópio de fluorescência. Para o ensaio de quantificação de espécies reativas de oxigênio (ROS), a sonda H2DCFDA (Invitrogen, Life Technologies) na concentração de 5 µM foi utilizada em HBSS. A sonda foi incubada 60 por meia hora em incubadora a 37 ºC, em atmosfera úmida de CO2 5% e, após o tempo de incubação, as células foram observadas em microscópio de fluorescência. 4.2.9.5. Avaliação de liberação de Ca2+ As células de melanoma foram cultivadas em placas de 96 poços (1 x 104 células por poço) por três dias e o cálcio citoplasmático foi, então, determinado utilizando o kit Fluo4 Direct™ (MEDEIROS et al., 2012b). Para isso as placas contendo as células e meio de cultura foram incubadas por 60 min a 37 °C com uma solução de Fluo4 Direct. Uma solução de ITJ foi adicionada à placa na concentração final de 0,65 µM, no tempo de 20 segundos e a fluorescência foi acompanhada por no mínimo 300 segundos. O experimento foi realizado em um leitor de microplacas na temperatura de 37 °C. 4.2.9.6. Western Blotting As células em cultura foram plaqueadas numa concentração de 9,6 x 10 5 células/garrafa e incubadas por 24 horas para adesão. Após esse período, o meio foi removido e as células foram carenciadas por mais 24 horas com meio sem soro. Posteriormente, esse meio foi removido e as células estimuladas a sair do estado G 0 pela adição de meio suplementado com 10% SFB na ausência (controle) ou presença da IC50 do inibidor purificado, em tempos diferentes de incubação. As células foram lavadas em gelo com PBS e removidas com 200 µL de tampão de lise [Tris-HCl 0,05 M (pH 7,4); Tween 20 1%; desoxicolato de sódio 0,25%; NaCl 0,15 M; EGTA 1 mM; Na3VO4 1 mM; NaF 1 mM e inibidores de proteases: 1 µg/mL de aprotinina, 10 µg/mL de leupeptina e fluoreto de fenilmetanosulfonila 1 mM] por 2 horas em gelo. Os extratos proteicos totais foram obtidos por centrifugação e sonicação, onde a concentração de proteínas foi determinada usando o método de BCA (1985). Alíquotas equivalentes (20 µg) dos extratos proteicos dos diferentes tratamentos foram adicionadas separadamente a um volume igual de tampão de amostra concentrado 2x com SDS (Tris-HCl 0,1 M, pH 6,8, DTT 0,2 M, SDS 4%, azul de bromofenol 0,1% e glicerol 20%) que foram, em seguida, fervidas por cerca de 5 min. O gel de poliacrilamida, na presença de SDS, foi produzido seguindo metodologia já estabelecida (LAEMMLI, 1970). O gel de separação foi preparado a 61 12%, enquanto que o gel de concentração a 4% de acrilamida. A eletroforese foi processada em uma amperagem constante de 30 mA durante 1 hora e 30 min. Os extratos proteicos resolvidos eletroforeticamente foram transferidos para uma membrana de PVDF (Millipore, Bedford, MA, USA) (PLUSKAL et al., 1986). Após a transferência, as membranas foram submetidas a bloqueio de seus sítios inespecíficos com Tampão de Bloqueio [1% de leite desnatado ou 2% de soro fetal bovino (BSA) em tampão salino Tris (TBS) com Tween 20 0,05% (TBST)], permanecendo nesta solução por uma hora; e então, foram incubados por cerca de 12 horas a 4 ºC com apropriado anticorpo primário diluído em tampão bloqueador na proporção de 1:1000. Após lavagem em TBST, as membranas foram incubadas com anticorpo secundário, em tampão de bloqueio por 1 hora. A detecção foi realizada usando quimioluminescência (FERREIRA, C. V. et al., 2004). Para construção do gráfico da expressão relativa, as bandas obtidas foram quantificadas por densitometria e posteriormente foi calculada a razão entre o valor obtido no tempo zero (controle) para todas as proteínas e o valor obtido para a βactina também no tempo zero. Este cálculo foi feito sucessivamente para todos os tempos. Para a construção do gráfico, cada valor encontrado entre a razão proteína/β-actina foi dividido por sua razão no tempo de 0 horas (controle). 4.2.9.7. Análise de morte celular utilizando técnicas de microscopia 4.2.9.7.1. Ensaio de Migração celular Para avaliação da estimulação da migração celular devido à ação de ITJ, foi realizado o ensaio de migração celular. As células tumorais B16-F10 foram cultivadas em placas de 24 poços (Corning Inc.). Após a adesão e proliferação celular até o estado de confluência monocamada favorável ao desenvolvimento do ensaio, o meio de cultura foi substituído por DMEM sem suplementação com soro fetal bovino e um risco diametral foi feito utilizando uma ponteira esterilizada p-1000 (Axygen) em cada poço. As placas foram lavadas para remoção de possíveis células soltas e então as diferentes concentrações de ITJ foram aplicadas às células (0,325, 0,65 e 1,3 µM), onde o efeito do inibidor foi avaliado nos seguintes tempos de exposição: 0, 3, 6, 18 e 24 horas. Células sem o tratamento com o inibidor foram utilizadas como controle para avaliação do potencial de migração celular. Após cada tempo de exposição, as células foram observadas em microscópio de contraste de 62 fase e fotografadas utilizando uma câmera (Sony Cyber-Shot). A distância da migração celular foi determinada através da medição da largura da “ferida”, subtraindo metade deste valor do valor inicial da largura a meia altura inicial da ferida. A largura média da ferida pode ser obtida a partir da área da ferida pela divisão da área pelo comprimento da região analisada. As larguras das feridas obtidas foram representadas graficamente contra o tempo utilizando o software Microsoft Excel (Redmond, WA) e um ajuste linear foi gerado para cada conjunto de dados. A inclinação do ajuste linear foi utilizada como uma medida da migração celular. Cada experiência foi realizada em triplicata. 4.2.9.7.2. Ensaio de formação de estruturas tipo capilar em membrana basal reconstituída (matrigel) Placas de 96 poços foram previamente incubadas com 50 µL de lâmina basal reconstituída (10-15 mg/mL de proteína) a 37 ºC em ambiente de CO2 a 2,5%, por 3 horas. Após este período, 5 x 104 células/poço foram plaqueadas em presença de 200 µL de meio F12 contendo 10% de SFB e incubadas por 12 horas a 37 ºC com CO2 2,5%. As células foram observadas e analisadas em microscópio óptico invertido de contraste de fase. Os resultados foram expressos com base na quantificação do número de vasos formados e no comprimento dos mesmos. O matrigel utilizado neste experimento foi produzido pelo laboratório e a purificação das proteínas de matriz do tumor EHS (Engelbreth-Holm-Swarm) para a preparação do matrigel foi realizada de acordo com o método de KLEINMAN (2001). 4.2.9.8. Análise Estatística Todos os dados representam, pelo menos, três experimentos independentes e foram expressos com média ± DP (Desvio Padrão). Foram consideradas diferenças significativas quando o valor de p foi inferior a 0,05 e 0,01. Foi utilizado o teste de análise paramétrica de análise de variância (ANOVA) seguido do teste de Tukey (Nível de significância de p < 0,05) no software. 63 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. ISOLAMENTO, PURIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO INIBIDOR DE TRIPSINA DAS SEMENTES DE Mimosa regnellii Benth (ITJ) No presente estudo, foi possível investigar os efeitos de ITJ, um inibidor de tripsina purificado a partir das sementes de Juquiri (Mimosa regnellii Benth) em células de melanoma de camundongo. O inibidor de tripsina ITJ foi purificado a partir de extratos totais de sementes, por meio de precipitação com sulfato de amônio e cromatografias de afinidade, troca-iônica e fase reversa em sistema HPLC (RICHARDSON, 1991). Estas técnicas são amplamente utilizadas no processo de purificação de inibidores, como, por exemplo: o inibidor de tripsina e quimotripsina de Caesalpinia bonduc (BHATTACHARYYA; BABU, 2009), e Solanum tuberosum (KIM et al., 2005), o inibidor do tipo Kunitz de Archidendron ellipticum (BHATTACHARYYA et al., 2006), Tamarindus indica (ARAÚJO, et al., 2005), Erythrina velutina (MACHADO, J.A. et al., 2013) dentre outros. 5.1.1. Determinação da atividade inibitória sobre proteases serínicas em frações proteicas de M. regnellii Apesar das frações F1 (35,9% contra tripsina e 77,9% contra quimotripsina) e F3 (nenhuma inibição contra tripsina e 30,7% de inibição contra quimotripsina) apresentarem atividade inibitória contra tripsina e quimotripsina, a fração proteica F2 foi a fração com maior atividade inibitória contra tripsina, apresentando um percentual de inibição de 82,41% ± 1,17 (Figura 10-A). Além de apresentar atividade para tripsina, também foi capaz de inibir quimotripsina, apresentando um percentual de inibição de 87,80% ± 3,27 (Figura 10-B). A partir da detecção da presença de inibidor, a F2 foi submetida às demais etapas de purificação, por apresentar maior percentual de inibição e maior quantidade de proteínas solúveis, o que já era esperado, pois os inibidores são uma classe de proteínas estruturalmente semelhante às albuminas e que são solúveis nesta faixa de concentração do sal. 64 Figura 10 – Ensaio inibitório de ITJ contra proteinases serínicas (tripsina e quimotripsina). A) Ensaio de inibição de tripsina x azocaseína 1%; B) Ensaio de inibição de quimotripsina x azocaseína 1%. 5.1.2. Processos cromatográficos Para isolamento e purificação do inibidor de M. regnellii Benth, a F2 foi submetida a vários passos cromatográficos. O monitoramento das etapas cromatográficas foi realizado após cada etapa através de eletroforese em gel de poliacrilamida, bem como ensaios de inibição para tripsina e, eventualmente, quimotripsina, foram realizados após cada etapa cromatográfica para monitorar o inibidor que, ao final da purificação, foi denominado ITJ. 5.1.2.1. Cromatografia líquida de afinidade CNBR – ativada Sepharose 4B A fração proteica F2, que apresentou maior atividade inibitória contra enzimas serínicas foi então aplicada em uma cromatografia líquida de afinidade Tripsina-Sepharose CNBr-ativada 4B. Para determinar a capacidade da coluna, foi feita uma calibração aplicando diferentes quantidades de F2. O material não-retido na coluna foi eluído com tampão Bórax 0,02 M, pH 7,5 e o retido foi eluído com HCl 0,1 M. Após a cromatografia de afinidade, para avaliar a presença do inibidor de tripsina no eluato da coluna, foi realizado o ensaio de inibição para tripsina, com 65 atividade específica de 33 UI/mg. Também foi realizado o ensaio de inibição da quimotripsina no eluato. A quantidade de proteínas escolhida para aplicação em coluna de afinidade foi 5 mg de fração proteica – F2, com um volume de fracionamento de 4 mL a um fluxo de 2 mL/min. Esse passo da purificação teve como objetivo excluir os inibidores de quimotripsina presentes na fração F2 que poderiam inibir também tripsina. O perfil proteico foi acompanhado por espectrofotometria com leitura a 280 nm (Figura 11), em que as frações retidas na coluna foram coletadas, dialisadas contra Bórax 0,02 M, pH 7,5 e submetidas a ensaio de inibição da tripsina. Figura 11 - Perfil de Eluição de F2 em cromatografia líquida de afinidade em TripsinaSepharose 4B. A coluna foi previamente equilibrada com tampão Bórax 0,02 M, pH 7,5. Proteínas adsorvidas foram eluídas com HCl 0,1 M e as frações proteicas (4 mL/tubo) foram monitoradas a 280 nm. Diversos relatos na literatura mostram que outros inibidores de proteases também foram isolados por técnicas de cromatografia de afinidade semelhantes, como o inibidor de tripsina purificado de sementes de Crotalaria pallida CpaTI (GOMES et al., 2005); o inibidor de tripsina purificado de sementes de Albizia kalkora AKTI (ZHOU et al., 2008); o inibidor bifuncional do tipo Bowman-Birk purificado a partir de sementes de Vigna mungo BgPI (PRASAD et al., 2010); o inibidor de tripsina purificado a partir de sementes de Tamarindus indica L. ITT (RIBEIRO et al., 2015), dentre outros. 66 5.1.2.2. Cromatografia líquida de Troca-iônica DEAE-Sephadex O eluato obtido na cromatografia de afinidade foi submetido à diálise contra tampão Bórax 0,02 M, pH 7,5 e aplicado em cromatografia de troca-iônica, utilizando a resina DEAE-Sephadex. O material não-retido na matriz foi eluído com o tampão de lavagem Bórax 0,02 M, pH 7,5 com um volume de fracionamento de 1 mL a um fluxo de 1 mL/min, enquanto o material aderido à matriz foi eluído em sistema de gradiente linear de NaCl 0-1 M. A concentração ideal de NaCl (0,3 M) utilizada para eluir o inibidor da matriz foi determinada por ensaios de inibição da atividade enzimática. Após a determinação da faixa de eluição ideal para a separação do inibidor de tripsina, foi realizada a cromatografia de troca iônica em sistema Stepwise para obtenção de grande quantidade de inibidor para posteriores passos de purificação. O eluato foi submetido a ensaios de inibição para tripsina e, posteriormente, foi reunido e submetido à diálise contra água destilada e liofilizado. O perfil proteico foi acompanhado por espectrofotometria com leitura a 280 nm (Figura 12). Figura 12 - Perfil de eluição em cromatografia líquida de troca-iônica. A amostra (9 mg de proteína) foi aplicada numa DEAE-Sephadex e eluída com um gradiente linear de 0-1 M de NaCl. 67 Ao final da cromatografia líquida de troca-iônica, as amostras foram analisadas por eletroforese em gel de poliacrilamida na concentração de 15% para avaliação dos passos de purificação alcançados (Figura 13). Figura 13 – Perfil eletroforético das frações proteicas de juquiri. Eletroforese desnaturante (SDS) em gel de poliacrilamida a 15%, revelada com nitrato de prata. M – marcador de peso molecular [PageRuler Prestained Protein Ladder (10 – 170 kDa) Cat# SM0671]; EB – Extrato Bruto; F2 – Fração 2; Af – Retido Tripsina-Sepharose; DEAE – Retido 0,3 M DEAE-Sephadex. 5.1.2.3. Cromatografia líquida de alta eficiência de fase reversa (HPLC-RP) em coluna C8 O eluato obtido na cromatografia de troca-iônica foi submetido à diálise contra água destilada, liofilizado e 50 µg do inibidor isolado foi aplicado em cromatografia líquida de fase reversa de alta eficiência (HPLC-RP) em coluna C8. A corrida cromatográfica foi desenvolvida em um sistema de gradiente linear 0-100% de acetonitrila em que foram detectados, em 280 nm, picos referentes a proteínas com tempos de retenção de 32, 35, 37 e 87 minutos, correspondendo a cada pico obtido, respectivamente na HPLC (Figura 14). Foi realizado um ensaio de inibição para determinação da presença do inibidor purificado com os picos obtidos e o pico 3 (P3 – 37 minutos) mostrou um percentual de 100% de inibição para tripsina. Além disso, foi realizada uma eletroforese em gel de poliacrilamida a 15% para verificação 68 da pureza do material obtido em sistema HPLC, confirmando a presença de apenas um componente proteico, que passou a ser denominado ITJ (Inibidor de Tripsina de Juquiri) (Figura 15). Este material foi liofilizado e armazenado para realização das etapas de caracterização estrutural e funcional do inibidor. 500 UV LucianaITJuquiri21429112012 LucianaITJuquiri21429112012.dat 1000 450 900 400 800 700 350 600 300 250 bar mAU 500 400 200 300 200 150 100 100 0 50 -100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 0 120 Minutes Figura 14 - Perfil cromatográfico de ITJ em cromatografia líquida de alta eficiência de fase reversa (HPLC-RP) C8. Eluição em gradiente linear crescente (0-100% de acetonitrila). Figura 15 - Eletroforese desnaturante das frações provenientes da HPLC-RP. Gel (15% de poliacrilamida em SDS) revelado utilizando protocolo para marcação com solução de nitrato de prata. Marcador de peso molecular [PageRuler Prestained Protein Ladder (10 – 170 kDa) Cat# SM0671]; P1 – pico 1, tempo de retenção de 3 seg.; P2 – pico 2, tempo de retenção de 12 seg.; P3 – pico 3, tempo de retenção de 22 seg.; P4 – pico 4, tempo de retenção de 24 seg. 69 A partir dos volumes das frações obtidas em cada passo de purificação e de suas respectivas quantificações de proteína e unidades inibitórias (UI) foi construída uma tabela de purificação de ITJ (Tabela 3). O extrato bruto (EB), obtido na primeira etapa do processo de purificação, foi utilizado como referência para as demais frações proteicas. O valor de purificação 1 e o rendimento de 100% foram atribuídos a essa fração. O grau de purificação das demais frações foi calculado como sendo a razão entre sua atividade específica e a do extrato bruto. E a percentagem de rendimento das demais frações foi calculada com base na razão entre a sua atividade inibitória e a atividade inibitória do extrato bruto. A atividade específica foi calculada como a razão entre a atividade inibitória da fração e o valor da proteína total dessa fração. A Tabela 3 mostra que o grau de purificação de ITJ foi de 623,8 vezes, com uma recuperação de 10,8% no penúltimo passo de purificação que, devido ao seu grau de isolamento, foi utilizado na análise dos efeitos de ITJ nas linhagens de células tumorais. Tabela 3 - Tabela de purificação do inibidor de tripsina de juquiri (ITJ). TABELA DE PURIFICAÇÃO - ITJ Vol. (mL) EB F2 A D 62 Proteína (mg/mL) 1,9627 Prot. Total (mg) 121,685 Ativ. (UI/mL) 11,9 AEsp (UI/mg) 0,1 Ativ. total (UI) 737,8 Purific. (x) 1,0 18 1,2053 21,696 12,8 0,6 230,4 6,0 31,2 26 0,0093 0,242 8 33,1 208,0 338,5 28,2 Rend.(%) 100,0 8 0,0021 0,016 10 609,4 80,0 623,8 10,8 EB: Extrato Bruto; F2: Fração 2; A: Afinidade; D: DEAE-Sephadex; Vol.: Volume; Prot.: Proteina; Ativ.: Atividade; AEsp.: Atividade específica; Ativ. Total: atividade total; Purific.: Purificação; Rend.: Rendimento. 5.1.3. Caracterização estrutural e funcional do inibidor de tripsina purificado de Mimosa regnellii Benth (ITJ) 5.1.3.1. Determinação da massa molecular e estabilidade estrutural na presença de agentes redutores e desnaturantes A massa molecular aparente de ITJ foi calculada a partir da corrida eletroforética. Por SDS-PAGE foi possível observar uma banda proteica que apresentou uma massa molecular de aproximadamente 10 kDa, calculada por regressão linear (Figura 16), tendo por base proteínas com padrão de massas moleculares conhecidas. 70 Para avaliar a estabilidade química de ITJ, amostras do inibidor foram adicionadas a soluções distintas contendo os agentes desnaturante (SDS 10%) e redutor (DTT 25 mM). A análise eletroforética em gel de poliacrilamida a 15% das amostras tratadas mostrou que os agentes químicos não promoveram o surgimento de novas bandas proteicas, indicando que ITJ não apresenta estrutura composta por subunidades unidas por pontes dissulfeto ou interações hidrofóbicas (Figura 17). Figura 16 - Determinação da massa molecular aparente do inibidor de tripsina de Juquiri (ITJ) por eletroforese. A massa molecular de ITJ (10,23 kDa) foi determinada por eletroforese em gel de poliacrilamida em SDS O marcador de peso molecular utilizado foi o PageRuler Prestained Protein Ladder (10170 kDa, Cat# SM0671). As proteínas foram reveladas com Nitrato de Prata. Log Mr – logaritmo da massa molecular. Figura 17 - Eletroforese de ITJ em condições desnaturante e redutora. 71 Gel submetido a tratamento com 10% de SDS; B) Gel submetido a tratamento com 25 mM de DTT. Gel corado utilizando protocolo para marcação com solução de coomassie blue. Marcador de peso molecular [PageRuler Prestained Protein Ladder (10 – 170 kDa) Cat# SM0671]; ITJ – Inibidor de Tripsina de Juquiri. 5.1.3.2. Determinação das propriedades inibitórias e constante de inibição (Ki) de ITJ 5.1.3.2.1. Determinação de IC50 de ITJ A concentração de ITJ que inibe 50% da atividade da tripsina (IC 50) foi determinada pela construção de uma curva de titulação que relaciona percentual de inibição da tripsina e concentração de ITJ (Figura 18). Na construção dessa curva, alíquotas com concentrações crescentes de inibidor (0,00004, 0,00008, 0,00016, 0,00033, 0,00065, 0,0013 µM) foram incubadas com alíquotas de 35 μL de tripsina e o ensaio procedeu como descrito no item 4.2.4.1. Foi determinado o percentual de inibição da atividade da tripsina para cada concentração de inibidor utilizada e construída a curva de titulação, onde o valor da IC50 foi determinado como sendo 2 x 10-4 mM. 120 Percentual de Inibição (%) 100 80 60 1,25 mM BapNa 40 0,625 mM BapNa 20 0 -20 0 0,0002 0,0004 0,0006 0,0008 0,001 0,0012 0,0014 Concentração de proteína ( µM) Figura 18 - Determinação da IC50 de ITJ. Curva de titulação utilizando concentrações crescentes de ITJ: 0,00004, 0,00008, 0,00016, 0,00033, 0,00065, 0,0013 µM e concentração fixa de tripsina. Linha vermelha – BapNa 0,625 mM; Linha azul - BapNa 1,25 mM. 72 5.2. DETERMINAÇÃO DA CONSTANTE DE INIBIÇÃO E DO MECANISMO DE INIBIÇÃO DE ITJ Para a determinação do mecanismo de inibição de ITJ sobre a enzima tripsina foi construído um gráfico duplo recíproco de Lineweaver-Burk, onde foram realizados ensaios com concentrações variáveis de inibidor e substrato (0,625 mM e 1,25 mM). ITJ inibiu a tripsina de modo competitivo. Este tipo de inibição é caracterizado pela inalteração da velocidade máxima (dada pela intersecção da reta com o eixo Y) e mudança no valor de Km (Constante de Michaelis-Menten), dada pela intersecção da reta acima do eixo X. Para a determinação do valor da constante de inibição (Ki), foi construído um gráfico de Dixon (DIXON et al., 1979). Na figura 19 está representada a curva de inibição da tripsina por ITJ (concentrações crescentes) em ensaios utilizando BapNa com concentrações de 0,625 nM e 1,25 mM, respectivamente. A análise do gráfico confirma que ITJ é capaz de inibir a tripsina de modo competitivo e com um valor de Ki de 1,7 x 10-6M. 70,000 1/[Velocidade] 60,000 50,000 40,000 30,000 20,000 Ki 10,000 0,000 0 0,5 1 -10,000 1,5 2 2,5 3 [ITJ] µM 1/V [1,25 mM] 1/V [0,625 mM] Figura 19 - Determinação do valor da Ki de ITJ. A constante de inibição de ITJ é de 1,7 x 10-6M; Linha vermelha – BapNa 0,625 mM; Linha azul - BapNa 1,25 mM. 5.3. DETERMINAÇÃO DA SEQUÊNCIA AMINOACÍDICA DO INIBIDOR 73 A identificação da estrutura primária de ITJ foi realizada por meio das técnicas de espectrometria de massas como sequenciamento de peptídeos gerados por tratamento enzimático, em que a sequência de peptídeos que compõem o inibidor foi analisada (Figura 20), indicando que ITJ apresenta sequência aminoacídica homóloga a inibidores tipo Kunitz. Os inibidores que apresentaram maior grau de identidade foram: PjTI (Inibidor de tripsina tipo Kunitz de Prosopis juliflora), com 73% de identidade e e-value de 4e-07; DE5 (Isoinibidor de tripsina tipo Kunitz majoritário de Adenanthera pavonina L.), com 68% de similaridade e e-value de 3e-06; EcTI (Inibidor de tripsina tipo Kunitz de Enterolobium contortisiliquum), com 77% de identidade e e-value de 9e-09; e ECI (Inibidor de quimotripsina de Erythrina variegata), com 67% de identidade e e-value de 6e-06. O e-value representa a probabilidade de que o alinhamento da sequência de interesse e as outras sequências alinhadas encontradas tenham sido ao acaso. Um e-value igual ou próximo a zero significa que essa possibilidade é nula (ou muito perto disso). ITJ PjTI DE5 EcTI ECI GGGLEVAKQTGTETGPLSVVQA GGGLELAK-TEGETCPLTVVQA GGGLELAR-TGSETCPRTVVQA GGGLELAK-TGDETCPLNVVQA GGGIEAAR-TGKETCPLTVVQ Figura 20 - Sequência N-terminal parcial de ITJ e Alinhamento Múltiplo. Após o sequenciamento de ITJ por espectrometria de massa, foi realizado o alinhamento utilizando a ferramenta BLASTP, disponível no site NCBI (http://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi?PROGRAM=blastp&PAGE_TYPE=BlastSearch&LINK_LO C=blasthome). ITJ: Inibidor de tripsina de Juquiri; PjTI: Inibidor de tripsina tipo Kunitz de Prosopis juliflora; DE5: Isoinibidor de tripsina tipo Kunitz majoritário de Adenanthera pavonina L.; EcTI: Inibidor de tripsina tipo Kunitz de Enterolobium contortisiliquum; ECI: Inibidor de quimotripsina de Erythrina variegata. Letras em vermelho: aminoácidos que apresentam identidade entre sequências; traços horizontais: representação gráfica de “gaps” nas sequências. 5.4. ENSAIOS DE AVALIAÇÃO DE EVENTOS CELULARES Uma varredura foi realizada no intuito de determinar possíveis atividades farmacológicas com o material purificado. O inibidor de tripsina isolado foi testado para avaliação de suas atividades citotóxicas em cultura de células, sendo seu efeito avaliado tanto contra células tumorais quanto células de linhagens normais. Ensaios para avaliação de liberação de ROS, inibição de processo de angiogênese em 74 matrigel, migração celular, determinação de mecanismos de morte celular através de ensaios em citômetro de fluxo, alterações no metabolismo mitocondrial e ciclo celular e análise dos marcadores de morte celular por imunohistoquímica e microscopia confocal foram realizados. 5.4.1. Ensaios colorimétricos de viabilidade celular Após sua purificação e caracterização, o inibidor de tripsina de sementes de Juquiri (ITJ) foi avaliado quanto à capacidade de induzir morte celular em linhagens de células tumorais in vitro. Uma varredura com as linhagens celulares tumorais HeLa, HepG2 e B16-F10, além de células não transformadas 3T3 e Raec, foi realizada com intuito de avaliar a toxicidade induzida pela incubação com ITJ. Após este procedimento, foi possível observar que ITJ atua de maneira tóxica e específica para uma determinada linhagem de células tumorais, a B16-F10, uma linhagem de melanoma de camundongo, não apresentando toxicidade quando incubado juntamente com linhagens de células normais, como hemácias, células fibroblásticas (3T3) e células endoteliais (Raec). 5.4.1.1. Avaliação da atividade hemolítica e da citotoxicidade de ITJ sobre linhagens de células não transformadas (3T3 e Raec) A toxicidade de ITJ isolado foi avaliada contra eritrócitos humanos, nas concentrações de 0,1, 0,5, 1, 1,5, 2 e 2,5 µM, através do ensaio de atividade hemolítica. ITJ não apresentou toxicidade contra as células do sangue humano quando avaliadas em ensaio colorimétrico, analisado em espectrofotômetro a 405 nm (Figura 21). Resultados semelhantes foram encontrados para os inibidores de tripsina de Coccinia grandis (SATHEESH, L.S.; MURUGAN, K. 2010), EvTI purificado a partir de sementes de Erythrina velutina (MACHADO, R.J.A. et al., 2013) e xb-KTI de Xanthosoma blandum (LIMA, T. B. et al., 2011), indicando uma baixa toxicidade destes inibidores contra células do sangue periférico humano, o que é bastante promissor quando se pensa na utilização de ITJ como uma forma de tratamento adjuvante contra melanoma, porém estudos adicionais, incluindo estudos de mutagênese e alergenicidade, dentre outros, são necessários para confirmar a segurança do uso deste inibidor como agente farmacológico. 75 Figura 21 - Avaliação da atividade hemolítica de ITJ. ITJ foi testado nas concentrações de 0,1-2,5 µM; Triton-x 100 a 1% foi utilizado como controle positivo (100% de hemólise), enquanto a solução salina a 0,9% foi utilizada como controle negativo (sem hemólise) do experimento. (*) P < 0,001. Os valores são expressos como a média ± desvio padrão (n = 3) quando comparados ao controle positivo. A viabilidade de células 3T3 foi analisada após incubação por 72 horas com concentrações crescentes de ITJ (0,003 a 1 μM), através do ensaio de MTT (MOSMANN, T.; 1983). Após este período foi possível observar que ITJ não apresentou toxicidade em nenhuma das concentrações testadas em fibroblastos de camundongo (Figura 22). Resultados semelhantes utilizando a mesma linhagem celular foram observados com o inibidor do tipo Kunitz purificado de sementes de E. contortisiliquum (PAULA, C. A. et al., 2012). Além de avaliar a ação do inibidor contra células 3T3, outro ensaio de viabilidade celular foi realizado através do teste Alamar Blue, utilizando a linhagem de células endoteliais derivadas de aorta de coelho (RAEC), em que ITJ foi aplicado nas concentrações de 0,325 µM, 0,65 µM e 1,3 µM, que corresponde à metade da IC50, à IC50 e o dobro da IC50, respectivamente (Figura 23). A viabilidade das células endoteliais não foi afetada pela incubação de ITJ nas concentrações testadas. Outros inibidores do tipo Kunitz apresentaram resultados semelhantes quando testados contra linhagens de células endoteliais, como o inibidor PIVL (MORJEN, M. et al., 2014), que não apresentou toxicidade após 72 horas de incubação em células HMEC-1 (linhagem celular de endotélio microvascular dérmico humano – ATCC® CRL-3243™) com várias concentrações diferentes (0-1000 nM); e o inibidor BmTI-A, 76 purificado do carrapato Rhipicephalus microplus, que também não apresentou toxicidade contra células HUVEC (linhagem celular umbilical endotelial humana ATCC® CRL -1730™) após 24 horas de exposição, nas concentrações de 0,1 µM 10 µM (SOARES, T. S. et al., 2016). Figura 22 - Avaliação da citotoxicidade de ITJ contra linhagem de fibroblastos murinos. ITJ testado nas concentrações de 0,003-1 µM; Células sem a presença do inibidor foram utilizadas como controle negativo do experimento. (*) P < 0,001. Os valores são expressos como a média ± desvio padrão (n = 3) quando comparados ao controle (sem tratamento). Estes resultados são importantes, já que muitos dos agentes quimioterápicos tradicionais exibem toxicidade severa contra células normais, causando efeitos colaterais indesejáveis e dessa forma limitando sua aplicação no campo clínico. Além disso, muitos dos agentes terapêuticos administrados na prática clínica ou não conduzem à cura ou possibilitam a sobrevivência, em longo prazo, de muitos tipos de câncer, o que provavelmente permite o desenvolvimento de mecanismos de resistência pelas células tumorais à doença. Por essa razão, fica clara a necessidade de novos agentes com diferentes mecanismos de ação que possam ser utilizados no tratamento direto dessas doenças e/ou como adjuvantes no aperfeiçoamento da terapia do câncer (CRAGG et al., 2006; REN, 2005). 77 Figura 23 - Avaliação da viabilidade celular de RAEC após incubação com ITJ. Células endoteliais de aorta de coelho (RAEC) foram expostas ao ITJ nas concentrações de 0,325, 0,65 e 1,3 µM, e avaliada a viabilidade celular por Alamar Blue nos tempos de: A) 24 horas; B) 48 horas e C) 72 horas de exposição. 78 5.4.1.2. Avaliação da toxicidade de ITJ sobre linhagens de células tumorais O inibidor ITJ foi avaliado pelo ensaio de MTT (MOSMANN, T.) contra células tumorais HeLa (adenocarcinoma cervical humano, ATCC CCL-2TM), HepG2 (Hepatoma humano ATCC HB-8065TM) e B16-F10 (melanoma derivado de camundongo CRL-6475TM), apresentando toxicidade apenas contra células de melanoma, com um IC50 de 0,65 µM (Figura 24). Figura 24 - Avaliação da citotoxicidade de ITJ contra células B16-F10. Células de melanoma de camundongo (B16-F10) foram expostas por diferentes tempos (24, 48 e 72 horas) ao ITJ e avaliadas pelo ensaio de MTT. Este resultado mostra que ITJ é muito superior em toxicidade quando comparado a outros inibidores purificados de sementes de leguminosas, como por exemplo, os inibidores de quimotripsina de Acacia confusa (LAM, Ng; 2010) e o de tripsina purificado de sementes de Vigna unguiculata, denominado BTCI (JOANITTI, G.A.; AZEVEDO, R. B.; FREITAS, S. M.; 2010), que foram citotóxicos contra células tumorais MCF-7 com um IC50 de 10,7 ± 4,2 µM e 200 µM, respectivamente; o inibidor de tripsina purificado de sementes de Nephelium lappaceum (FANG, E.F.; NG,T.B.,2015), que apresentou toxicidade frente a uma variedade de linhagens tumorais, como MCF-7 (IC50 = 130,7 µM), HepG2 (IC50 = 215,3 µM ) CNE-1 (IC50 = 277,0 µM) e CNE-2 (IC50 = 30,0 µM); e o inibidor de tripsina purificado de um cultivar de Phaseolus vulgaris (CHAN, Y.S. et al.; 2014) que apresentou toxicidade contra células MCF-7 e HepG2 numa concentração de 125 µM. 79 Devido à alta incidência de melanoma na população brasileira, a toxicidade específica de ITJ sobre este tipo de células e a redução significativa da proliferação celular, a linhagem B16F10 foi utilizada para ensaios posteriores. 5.4.2. Efeito de ITJ na proliferação de células de melanoma (B16-F10) através da avaliação da incorporação de bromo-desoxi-uridina (BrdU) Para verificar uma possível ação antiproliferativa decorrente da incubação com o inibidor, utilizou-se o BrdU como marcador proliferativo (Figura 25) em células de melanoma de camundongo. ITJ foi capaz de inibir a proliferação das células tumorais de forma significativa na concentração de IC50 (0,65 µM). ITJ apresentou ação muito mais efetiva em inibir a proliferação celular que outros inibidores, como o EcTI, que apresentou efeito significativo na viabilidade de células tumorais gástricas (Hs746T), com redução de viabilidade em até 37% nas concentrações testadas (0150 µM), porém não influenciou na proliferação de nenhuma das células testadas quando incubadas por 24 e 48 horas (PAULA, C. A. et al., 2012). Figura 25 - Incorporação de BrdU em células de melanoma (B16-F10) tratadas com ITJ. As células foram tratadas por 72 h, utilizando o IC50 do inibidor para avaliação da inibição e analisadas por meio do método de incorporação de BrdU. (*) P < 0,001. Os valores são expressos como a média ± desvio padrão (n = 3). 80 5.4.3. Quantificação de marcadores para morte celular utilizando técnicas de citometria de fluxo, microscopia de fluorescência e Western Blotting A morte de células por apoptose pode ser desencadeada por uma grande variedade de condições de estresses intracelulares, incluindo danos no DNA, o estresse oxidativo, sobrecarga de Ca2+ citosólico, excitotoxicidade leve (que seria a neurotoxicidade associada a altas concentrações de glutamato exógeno ou de agonistas de receptores glutamatérgicos), a acumulação de proteínas desdobradas no retículo endoplasmático (RE) e muitos outros. Especificamente, características morfológicas de apoptose incluem encolhimento citoplasmático, condensação nuclear e formação de bolhas de membrana (EARNSHAW, 1995; MARTINS e EARNSHAW, 1997); os eventos bioquímicos envolvem o influxo de cálcio, a exposição de fosfatidilserina, e ativação de proteases específicas e fragmentação do DNA, primeiramente, a fragmentos de cerca de 50 kb e, em seguida, a fragmentos nucleossômicos menores. Embora as cascatas de sinalização que desencadeiam a apoptose intrínseca sejam altamente heterogêneas, eles estão todos ligados a um mecanismo de controle centrado na mitocôndria. Após comprovar a toxicidade e atividade antiproliferativa de ITJ em células de melanoma de camundongo, o mecanismo pelo qual o inibidor é capaz de induzir a morte dessas células foi analisado. Experimentos utilizando técnicas de citometria de fluxo foram realizados, com intuito de determinar o mecanismo de morte celular ativado após a incubação com o inibidor. Pôde-se concluir que ITJ estimulou a ativação da via apoptótica em B16-F10 após um período de 72 horas de incubação, com dupla marcação para os fluoróforos Anexina V-FITC/PI, permeabilização de membrana mitocondrial, com liberação de ROS e íons Ca2+, aprisionamento das células em um estágio específico do ciclo celular (G0/G1) e análise da expressão das proteínas relacionadas ao controle do ciclo celular e ativação dos mecanismos apoptóticos. Todos estes indícios são importantes na formulação de um possível mecanismo de ação do inibidor para a redução da quantidade de células de melanoma. 81 5.4.3.1. Indução de morte celular por ITJ em células B16-F10 por incubação com Anexina-V/FITC e Iodeto de Propídeo Apoptose é um processo de morte celular altamente regulado, ocorrendo normalmente como um componente normal do desenvolvimento. A distinção entre apoptose e necrose está relacionada a mudanças morfológicas e bioquímicas, incluindo a compactação e fragmentação nuclear da cromatina, retraimento do citoplasma e perda da assimetria da membrana. Em células viáveis, a fosfatidilserina está localizada na superfície citoplasmática da membrana celular. Contudo, em células apoptóticas, ela é translocada para a folha externa da membrana plasmática, ficando exposta para o ambiente externo da célula. A anexina V é uma proteína de 35-36 kDa, dependente de Ca2+, capaz de se ligar com alta especificidade à fosfatidilserina. Marcada com um fluoróforo ou biotina ela pode identificar células apoptóticas pela ligação à fosfatidilserina exposta na membrana externa. O iodeto de propídeo é um marcador nuclear que penetra exclusivamente em células que apresentam a membrana celular danificada, permitindo a identificação de células em estágio final de apoptose/necrose. A capacidade de ITJ em induzir a apoptose foi visualizada através de citometria de fluxo, com marcação para anexina V-FITC/PI. As células de melanoma foram expostas ao ITJ a 0,65 µM e, em seguida, marcadas com os fluoróforos Anexina V-FITC/PI para indicação do possível mecanismo de ação pelo qual o inibidor estaria induzindo as células à morte celular (Figura 26). Pelos dados da citometria de fluxo, pôde-se perceber que não há diferença significativa no padrão de marcação das células controle ou tratadas com ITJ durante 24 e 48 horas. Porém, no tempo de 72 horas, o inibidor apresentou forte indicativo de induzir a morte celular em linhagem de células B16-F10, com marcação dupla positiva para Anexina V-FITC/PI de, aproximadamente, 34%, sendo observadas células tanto em estágio inicial de morte celular por apoptose (marcação positiva para Anexina V-FITC) como também em estágio de apoptose tardia (positiva para Iodeto de Propídeo). Aproximadamente 10% das células tumorais submetidas à ação de ITJ foram marcadas positivamente para Anexina V-FITC, indicando que estas se encontravam em estágio inicial de apoptose, ou seja, comparando as células controle com as submetidas ao inibidor, cerca de 50% das células de alguma forma estavam ativando seu mecanismo de morte celular por apoptose. 82 Figura 26 - Marcação de células de melanoma por Anexina V e iodeto de propídeo sob ação de ITJ. A) Células controle 24 horas; B) células tratadas com 0,65 µM de ITJ por 24 horas; C) Células controle 48 horas; D) células tratadas com 0,65 µM de ITJ por 48 horas; E) Células controle 72 horas; F) células tratadas com 0,65 µM de ITJ por 72 horas. FL2H- Filtro referente ao Iodeto de Propídeo. FL1H- Filtro referente à Anexina V-FITC. Os resultados representam a 83 média de três experimentos realizados em separado. Q1 – Anexina V-FITC -/PI +; Q2 – Anexina V-FITC +/PI +; Q3 - Anexina V-FITC +/PI -; Q4 - Anexina V-FITC -/PI-. BPLTI, um inibidor purificado de sementes de Bauhinia purpúrea L. foi capaz de induzir morte celular por apoptose em linhagem de células hepáticas HepG2 (FANG et al., 2011) quando incubadas em uma variedade de concentrações (0 – 150 µM); VFTI-G1, um inibidor isolado de Vicia faba cv. Giza 843, também foi capaz de induzir células da linhagem tumoral HepG2 à morte celular por apoptose, em várias dosagens (7,5 - 90 µM), após um período de 24 horas de exposição; já o inibidor BCTI induziu morte celular com marcação para Anexina V-FITC, após 72 horas de incubação e utilizando uma concentração de 200 µM em células MCF-7 (JOANITTI, AZEVEDO, FREITAS, 2010), porém ITJ se mostrou muito mais eficaz em induzir apoptose na concentração testada (0,65 µM). Um inibidor de serino protease tipo Kunitz, Amblyomin-X (TAVASSI et al., 2010), apresentou resultados semelhantes ao encontrado neste trabalho, após incubação (0,5 – 1 µM) por 24 e 48 horas de exposição a linhagens de células de melanoma e adenocarcinoma de pâncreas; os tempos de respostas diferentes dos inibidores sobre as células tumorais pode ser explicado por possíveis diferenças em seus mecanismos de ação, o que explicaria o rápido efeito de Amblyomin-X em comparação ao efeito tardio de ITJ na indução de morte celular por apoptose em células B16-F10. 5.4.3.2. Efeito de ITJ sobre o curso do ciclo celular e da expressão de proteínas relacionadas ao ciclo celular de células de melanoma A homeostase tecidual é dependente do perfeito balanço entre proliferação e morte celular, que são eventos intimamente acoplados. Alguns reguladores do ciclo celular participam em ambos os processos, morte celular programada e divisão celular. A relação entre ciclo celular e morte celular é reconhecida pelos genes que codificam as proteínas c-Myc, p53, pRb, Ras, PKA, PKC, Bcl-2, NF-κB, CDK, ciclinas e CKI. Após estimulação, estas proteínas podem induzir proliferação celular, parada do ciclo ou morte celular. A parada do ciclo celular pode ser promovida a partir do momento em que surgem possíveis situações fisiológicas estressantes à célula; portanto, foi analisado o efeito do inibidor sobre a distribuição das células nos diferentes estágios do ciclo celular. 84 Após a incubação por 72 horas com ITJ, numa concentração final de 0,65 µM, observou-se o acúmulo de células aprisionadas na fase G1 do ciclo celular (85,41%), característica que indica o direcionamento das células tumorais a iniciarem o processo de morte celular por apoptose (Tabela 4). Tabela 4 - Avaliação de parada de ciclo celular das células de melanoma após exposição a ITJ. Após 72 horas de tratamento com a ITJ, as células B16-F10 foram fixadas, tratadas com RNAse, coradas com Iodeto de Propídeo e analisadas em citometria de fluxo para avaliação da distribição do ciclo celular. A análise dos dados para parada de ciclo celular foram realizados utilizando o software FlowJo v. 7.6.3. Existem alguns inibidores de tripsina que são capazes de induzir morte celular por apoptose sem necessariamente influenciar na regulação do ciclo celular; é o que acontece com os inibidores PDTI e SBTI quando testadas em células Jukart (células do sangue periférico humano, ATCC® TIB-152™) por um período máximo de 24 horas de incubação, utilizando 25 µM de cada inibidor (TRONCOSO et al., 2007). O inibidor do tipo Kunitz Amblyomin-X, (nas concentrações de 0,5-1 µM), diferentemente dos inibidores PDTI e SBTI, inibiu a progressão do ciclo celular em linhagens de células SKMel-28 ( células de melanoma humano, ATCC® HTB-72™) e Mia-PaCa-2 (carcinoma de pâncreas humano, ATCC® CRL-1420™). O teor de DNA avaliado por incubação com iodeto de propídeo revelou aumento do percentual de células em G0/G1 e diminuição percentual nas fases S ou G2/M após tratamento Amblyomin-X por 24 e 48 horas, em comparação com o controle não tratado (TAVASSI et al., 2010). 85 Li e colaboradores (2014), utilizando técnicas de citometria de fluxo para análise do ciclo celular, observaram que o número de células em fase G1/G0 foi aumentado, ao passo que as células em fase G2/M diminuíram após tratamento GBP-TI (proteína de fusão contendo o péptido de ligação WIFPWIQL GRP78 e o inibidor de tripsina de feijão Mungo) durante 12 e 24 horas com até 20 µM, indicando que o inibidor é capaz de aprisionar as células DLD1 na fase G0/G1 do ciclo celular, porém de forma menos efetiva que ITJ na concentração testada. Os resultados obtidos para os ensaios de viabilidade celular, citometria de fluxo e análise da parada de ciclo celular sugerem morte celular por apoptose. A técnica de Western Blotting foi utilizada para analisar a expressão de proteínas relacionadas ao ciclo celular (expressão de ciclinas B1, D1, D3, E e p21) sob ação de ITJ. Uma concentração final de ITJ (0,65 µM) foi incubada juntamente com as células B16-F10 (Figura 27), em diferentes tempos de exposição (controle, 24, 36, 48, 60 e 72 horas). 2 1,8 Densidade Relativa 1,6 1,4 Controle 1,2 24h 1 36h 0,8 48h 0,6 60h 0,4 72h 0,2 0 Ciclina B1 Ciclina D1 Ciclina D3 Ciclina E (He12) p21 p53 Figura 27 – Expressão de proteínas envolvidas na parada de ciclo celular de células B16-F10 sob ação de ITJ. Dados obtidos a partir da densitometria do Western Blotting com as proteínas Ciclina B1, Ciclina D1, Ciclina D3, Ciclina E, p21 e p53 em células de melanoma (B16- f10) após exposição a ITJ nos tempos de 24, 36, 48, 60 e 72 horas. O controle do ciclo celular é realizado, principalmente, por proteínas que apresentam a capacidade de fosforilar outras proteínas, inibindo-as; as ciclinas são um grupo de proteínas relacionadas que contêm uma região homóloga conservada 86 (CLURMAN & ROBERTS, 1998), enquanto as CDKs são proteínas de 30 a 40 kDa que possuem mais de 40% de identidade de sequência, além de grandes similaridades funcionais e regulatórias (PERRY & LEVINE, 1993). Existem quatro tipos de CDKs ativadas: a CDK G1/S, que permite que o DNA se duplique, a CDK S, que também é importante para a duplicação do DNA, a CDK M, que promove vários eventos da mitose e a CDK G1, que promove a passagem da célula pela fase G1 sem que esta entre em quiescência. A CDK G1/S precisa da Ciclina E para ser ativada, a CDK S precisa da Ciclina A, a CDK M necessita da Ciclina B e por fim a CDK G1 precisa da Ciclina D (ALBERTS et al., 2002). Em situações metabólicas normais, a ciclina D1, em associação com a quinase dependente de ciclina (CDK) fosforila a proteína retinoblastoma (RB), bloqueando a sua atividade inibidora do crescimento, promovendo a liberação fator de transcrição E2F (OLASHAW, PLEDGER, 2002; SHERR, ROBERTS, 1999). Estes eventos facilitam a ativação da ciclina E-CDK2 e ciclina A-CDK2, moléculas necessárias para a entrada e conclusão da fase S (GIRARD et al., 1991). Após a incubação com ITJ, as ciclinas D1, D3 e E tiveram sua expressão reduzida, porém, estranhamente, a Ciclina B1 teve sua expressão aumentada, principalmente no último tempo avaliado. A redução da expressão das ciclinas D e E causada pelo inibidor deve ter induzido a parada das células de melanoma na fase G1 do ciclo celular, corroborando a teoria de apoptose sugerida neste trabalho. Além de alterar de forma significativa a expressão das ciclinas, ITJ também foi eficiente em aumentar a expressão das proteínas p21 e p53, relacionadas à inibição da proliferação celular em resposta a danos no DNA. p53, ao ser ativada no tempo de 36 horas, induz a expressão da proteína p21, que se liga e inibe a atividade de quinase dependente de ciclina, impedindo a fosforilação de substratos de quinases dependentes de ciclinas críticos, bloqueando a progressão do ciclo celular (Figura 27). Apesar de aumentar sua expressão no tempo de 36 horas, a proteína p53 tem sua expressão reduzida nos tempos subsequentes, indicando que, possivelmente, esta teve participação na ativação de p21, porém não foi determinante para que a expressão de p21 perdurasse. Devido à alta expressão, p21 inibe a atividade da quinase do complexo Ciclina D-CDK4, corroborando o resultado obtido no Western Blotting (Figura 28). 87 Figura 28 - Possível mecanismo de ação de ITJ na ativação de proteínas relacionadas à parada de ciclo celular em células de melanoma B16-F10. RB – Proteína Retinoblastoma; P http://p53.free.fr/p53_info/p53_Pathways.html). 5.4.3.3. Avaliação da – alteração fosfato. do (Figura potencial modificada de de: membrana mitocondrial (ΔΨm) induzido por ITJ O efeito de ITJ sobre a alteração no potencial de membrana mitocondrial foi avaliado através de técnica citométrica (utilizando a sonda Rodamina 123) ou por microscopia confocal (empregando a sonda Mito Tracker Red). O fluorocromo Rodamina 123 é um fluorocromo verde permeável às células, catiônico, que é sequestrado por células que apresentam as mitocôndrias viáveis, sem causar toxicidade. Levando em consideração que a cadeia respiratória está localizada nas membranas mitocondriais, e sendo as membranas celulares importantes alvos da lesão por radicais livres, é natural supor que a destruição das membranas celulares resultará no impedimento da fosforilação oxidativa, portanto a técnica de análise da sonda Rodamina 123 por citometria de fluxo permite analisar a viabilidade ou atividade metabólica de mitocôndrias, fornecendo parâmetros como viáveis (ativas metabolicamente) e inviáveis (inativas metabolicamente), em que as células permanecem preservadas ou sofrem alterações que levam à morte por apoptose ou necrose. 88 As células B16-F10 foram separadas em dois grupos: um grupo submetido ao tratamento com ITJ na concentração de 0,65 µM e outro sem tratamento, o qual foi utilizado como controle negativo. Após a incubação com Rodamina 123 pôde-se observar que ITJ foi capaz de reduzir significativamente o potencial elétrico mitocondrial, mesmo após 72 horas de tratamento, revelando a toxicidade do inibidor para essas células (Figura 29). A sobreposição dos histogramas obtidos por meio do software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc., CA, USA) foi utilizado para demonstrar a eficácia do tratamento com o inibidor na concentração de IC 50 em relação ao grupo controle. Para a segunda metodologia foi utilizada a sonda MitoTracker Red como indicador de alteração do potencial de membrana mitocondrial, visualizado em microscópio confocal Leica SP8. Para a marcação das mitocôndrias, as células são simplesmente incubadas com sondas MitoTracker®, que se difundem passivamente por meio da membrana plasmática e se acumulam nas mitocôndrias ativas. A partir do momento em que ocorre uma alteração neste potencial de membrana, a sonda não é capaz de marcar as mitocôndrias, ou seja, não há detecção de fluorescência. Dessa forma, as células B16-F10 foram incubadas com a sonda MitoTracker Red após tratamento (ou não) com ITJ (na concentração da IC50) e analisadas por microscopia confocal. A análise mostrou que o potencial de membrana mitocondrial das células tumorais foi perdido após 72 h de exposição ao inibidor (Figura 30). Figura 29 - Análise citométrica do efeito de ITJ no potencial de membrana mitocondrial das células B16-F10. Histograma representativo das populações celulares adquiridas pelo software FlowJo v. 7.6.3 (Tree Star, Inc., CA, USA) da linhagem de células tumorais B16-F10 marcadas com a sonda de fluorescência Rodamina 123. Linha vermelha – grupo controle, sem tratamento com ITJ; Linha azul – grupo tratado com ITJ na concentração de 0,65 µM, correspondente à IC50. 89 Figura 30 – Análise microscópica confocal do efeito de ITJ no potencial de membrana mitocondrial das células B16-F10. A e C: Células não tratadas (Controle); B e D: Células tratadas por 72 horas com ITJ 0,65 µM; C e D: Zoom de 1.5x; Vermelho – Mitocôndria tratada com Mito Tracker Red; Azul – núcleo corado com DAPI. Comparativamente ao tratamento com ITJ, 200 µM de BCTI foi utilizado para os ensaios de avaliação do potencial de membrana mitocondrial em células MCF-7; após incubação com o fluoróforo Rodamina 123, BCTI foi capaz de induzir a despolarização da membrana mitocondrial de células tumorais MCF-7, após 72 horas de incubação (JOANITTI, AZEVEDO, FREITAS, 2010); outro inibidor testado quanto à influência na despolarização da membrana mitocondrial foi o GBP-TI, que foi capaz de causar alterações no potencial de membrana mitocondrial após 24 horas de exposição com uma concentração de 20 µM de inibidor (LI et al., 2014); estes resultados foram bem menos efetivos que o encontrado para ITJ, afirmando a alta toxicidade e efetividade deste inibidor quando ministrado em baixas dosagens (0,65 µM) na alteração do potencial de membrana mitocondrial (ΔΨm) em células de melanoma de camundongo. ITJ manifesta a capacidade de induzir a perda de ΔΨm 90 concomitante ao elevado número de células apoptóticas, revelando a importância da despolarização mitocondrial por ITJ na mediação da apoptose. 5.4.3.4. Influência de ITJ na liberação de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) e Nitrogênio (ERNs) Espécies Reativas de Oxigênio (EROS) são essenciais para a vida devido ao seu papel em muitos processos vitais, como a transdução de sinal e a capacidade dos fagócitos em desempenhar sua atividade bactericida. EROS incluem os radicais livres, tais como radicais hidroxila e superóxido, que são substâncias com um ou mais elétrons com estados desemparelhados de rotação, e outros radicais, incluindo peróxido de hidrogênio e oxigênio atômico. Embora os processos de produção de EROS sejam controlados, muitas atividades celulares resultam na geração de espécies reativas. Um local importante desta geração não essencial de EROS, que constitui o estresse oxidativo, é o sistema de transporte de elétrons, que ocorre dentro da membrana interna das mitocôndrias (CONKLIN, 2004). Todos os agentes antineoplásicos geram EROs, uma vez que induzem apoptose em células tumorais. Isto ocorre porque uma das vias de apoptose induzida por fármacos envolve a liberação do citocromo c da mitocôndria. Quando isso ocorre, os elétrons são desviados da cadeia respiratória para o oxigênio, através da NADH desidrogenase e coenzima Q reduzida, resultando na formação de radicais superóxido (CONKLIN, 2004). A formação de EROs não é o único evento responsável pela toxicidade de muitos fármacos contra células tumorais. A alteração do estado redox pela depleção de substâncias redutoras, a inibição dos sequestradores de EROs ou a ação direta de espécies produtoras de EROs também contribuem para citotoxicidade dos fármacos. Assim sendo, a manipulação do estado redox celular pode proporcionar uma melhor eficácia quimioterapêutica (JING et al., 2006). A produção intracelular de EROs pelo inibidor de protease foi avaliada pelo método de acetato de diclorofluoresceína (H2DCFDA), que é transformada em diclorofluoresceína reduzida (DCFH) no citoplasma e é oxidada pelas EROs a diclorofluoresceína (DCF), a qual emite fluorescência. ITJ apresentou um potente efeito pró-oxidante nas células B16-F10 após 30 minutos, 2 horas e 72 horas de exposição a uma concentração de 0,65 µM (Figura 91 31), sendo o efeito mais efetivo no primeiro tempo avaliado; O inibidor recombinante de trigo rBTI também foi examinado por WANG et al (2015) quanto a capacidade de induzir a liberação de EROs, utilizando a sonda H2DCFDA para a análise em microscopia. 50 µg/mL de inibidor foram utilizados no ensaio, havendo um aumento na produção de EROs após o tratamento com RBTI por apenas meia hora; os níveis de ROS aumentaram continuamente durante 2 h depois exposição; ROS aumentou acentuadamente entre 2 e 4 h e atingiu um nível máximo em 18 horas. Os níveis de ROS, em seguida, caíram após 24h, mas ainda assim eram superiores aos níveis do controle, onde os tempos avaliados foram os mesmos. Comparando a ação de rBTI com a ação de ITJ, nota-se que este foi muito mais eficaz em induzir o estresse oxidativo por liberação de espécies reativas de oxigênio que o rBTI. Outro composto capaz de induzir a produção de EROs é a estaurosporina, um indutor de apoptose de origem alcaloide originalmente isolado de Streptomyces staurosporeus, que há tempos vem sendo usada in vitro como iniciador de apoptose em diversas linhagens celulares (ZHANG et al., 2016). Este composto, na concentração de 1 µM, foi capaz de induzir a produção de espécies reativas de oxigênio, avaliado pelo mesmo método que o utilizado para ITJ, porém o inibidor de tripsina foi bem mais efetivo e gerar EROs que a estaurosporina, ressaltando sua potência e eficiência em induzir danos por estresse oxidativo a células de melanoma. 92 Figura 31 – Efeito de ITJ sobre a liberação de EROs por células de melanoma. A liberação de EROs por células B16-F10, sob ação de ITJ, foi determinada por método de H2DCFDA. A) Células tratadas com ITJ por 30 min; B) Células tratadas com ITJ por 2h; C) Células tratadas com ITJ por 72 horas de exposição. ****P < 0,0001; **P < 0,05. ITJ não foi capaz de alterar a expressão de ERNs, em nenhum tempo avaliado, como observado (difluorofluoresceína) (Figura 32). após incubação com a sonda DAF-FM 93 Figura 32 - Efeito de ITJ sobre a liberação de ERNs por células de melanoma. A liberação de ERNs por células B16-F10, sob ação de ITJ, foi determinada por método de DAF-FM. A) Células tratadas com ITJ por 30 min; B) Células tratadas com ITJ por 2h; C) Células tratadas com ITJ por 72 horas de exposição.****P < 0,0001; **P < 0,05. 5.4.3.5. ITJ influencia no aumento dos níveis de Cálcio em células B6-f10 Muitas funções celulares dependem do cálcio, mas em concentrações adequadas. Graças à toxicidade de elevadas concentrações citosólicas de Ca2+, basta uma sutil alteração nas vias sinalizadoras para provocar consequências devastadoras nas funções celulares: o excesso ou deficiência de Ca 2+ no local errado podem levar à morte celular por necrose ou à indução da morte celular programada; contudo, o mecanismo preciso que leva à resposta apoptótica ainda não é bem conhecido. Apenas se sabe que concentrações de cálcio intracelular ([Ca2+]i) muito elevadas são pró-apoptóticas, enquanto que [Ca2+]i moderadas parecem ser anti-apoptóticas. As células B16-F10 foram incubadas com o reagente Fluo-4 Direct™ por 1h a 37ºC para incorporação e, em seguida, foi realizada a leitura da fluorescência no 94 leitor de microplacas a cada 2 segundos, por no mínimo 300 segundos. Foi feita uma injeção da amostra (ITJ) para que a mesma normalizasse sua concentração no tempo de 20 segundos, onde foi possível observar que, na concentração de 0,65 µM, houve um aumento mais expressivo no conteúdo de Ca2+ citosólico quando comparado às outras concentrações testadas (0,325 e 1,3 µM) (Figura 33), o que possivelmente está relacionado ao início do processo de morte celular das células B16-F10 através de mecanismos de sinalização, juntamente com a liberação de EROs. Após 72 horas de exposição ao inibidor, não houve alteração nos níveis de Ca2+ citosólico. Figura 33 - Influência de ITJ nos níveis de Ca 2+ citosólico. Ensaio realizado utilizando o Fluo-4 Direct™ Calcium Assay Kits (F10471, Invitrogen, UK). P < 0,0001. Outros inibidores de proteases também foram capazes de influenciar nos níveis de cálcio citosólico, como o BbCI (inibidor do tipo Kunitz purificado de Bauhinia bauhinioides), que na concentração de 100 µM causou um aumento significativo dos níveis de cálcio citosólico após 30 min de incubação em células HUVEC (BILGIN et al., 2010), sendo bem menos efetivo que ITJ; resultados semelhantes ao alcançado com o inibidor de tripsina de Mimosa regnellii foram obtidos pela incubação de Amblyomin-X a 0,5 µM, nos tempos de 5 e 24 horas em células RENCA (adenocarcinoma renal de camundongo, ATCC® CRL-2947™) (MARIA et al., 2013). 95 As alterações mitocondriais que levam à liberação de fatores apoptóticos podem incluir inibição respiratória, formação de EROS e transição de permeabilidade de membrana (GUNTER et al., 1994; PASTORINO et al., 1995; NIEMINEN et al., 1995; KROEMER et al., 1997). Proteínas da família Bcl-2 também estão inteiramente relacionadas ao processo de morte. Estas proteínas causam poros na membrana mais externa da mitocôndria e induzem a liberação de moléculas pró-apoptóticas para o citoplasma, como citocromo c, AIF (fator indutor de apoptose), endonucleases e a proteína Smac/Diablo (NUTT et al., 2002). A liberação destes fatores pode ativar as vias das caspases, resultando no processo de morte (JEONG; SEOL, 2008). Os gatilhos para tais alterações mitocondriais não foram estabelecidos, mas podem incluir continuadas elevações de [Ca+2]i (HENNET et al., 1993; BINDOKAS et al., 1996). O desacoplamento de transporte de elétrons dependente de cálcio a partir da produção de trifosfato de adenosina (ATP) em mitocôndrias isoladas pode resultar em formação substancial de radicais livres (CHACON e ACOSTA, 1991; DYKENS, 1994) e pode estar associado com a fixação do cálcio (MURPHY et al., 1996). Curiosamente, o bloqueio da absorção de cálcio mitocondrial diminui a apoptose induzida por TNFα (HENNET et al., 1993), sugerindo ligações importantes entre o cálcio, EROS mitocondrial e a apoptose. 5.4.3.6. Ação de ITJ na modulação de proteínas indutoras de morte celular por apoptose em células de melanoma Uma das proteínas relacionadas à promoção da morte celular é a p53, que atua como um supressor tumoral em muitos tipos de tumores; induzindo a parada do crescimento ou a apoptose, dependendo das circunstâncias fisiológicas e tipo de célula em que está sendo expressa. Está envolvida na regulação do ciclo celular como um transativador, atuando na regulação negativa da divisão celular por meio do controle de um conjunto de genes necessários para este processo. Uma função importante da p53 é atuar como um fator de transcrição que se liga a uma sequência consenso de DNA específica em genes responsivos (ZAMBETTI & LEVINE, 1993), aumentando a síntese de p21 ou Bax (EL-DIERY et al., 1994; MIYASHITA & REED, 1995). A superregulação de p21 resulta na inibição da progressão do ciclo celular de G1 para a fase S do ciclo celular. Por outro lado, a superregulação de Bax altera a relação de Bcl-2 / Bax no microambiente celular e provoca a liberação do citocromo 96 c das mitocôndrias para o citosol. Citocromo c, em seguida, liga-se a Apaf-1 e ativa a caspase-3 por meio de caspase-9, que é responsável pelo último processo de apoptose. Após a exposição ao inibidor de tripsina, p53 é estimulada, induzindo as células B16-F10 a pararem de se proliferar e a iniciar o processo de morte celular por apoptose, porém nos últimos tempos de exposição, sua expressão sofre uma pequena diminuição (Figura 34). 2,0 1,8 Densidade relativa 1,6 1,4 Controle 1,2 24h 1,0 36h 0,8 48h 0,6 60h 0,4 72h 0,2 0,0 p21 p53 p-Erk 44 p-Erk 42 Figura 34 - Immunoblotting de proteínas envolvidas na morte celular por apoptose (p21, p53, pErk) em células B16-F10 expostas a ITJ. Dados densitométricos do Western Blotting das proteínas p21, p53, p-Erk expressas em células de melanoma (B16- F10) após exposição a ITJ nos tempos de 24, 36, 48, 60 e 72 horas. Além de alterar a expressão de p53 nas céulas tumorais, ITJ reduziu a expressão de Erk, influenciando na indução de morte das células B16-F10 testadas após 72 horas de exposição (Figura 34). Há uma evidência crescente que sugere que a ativação da via de sinalização de Ras-Raf-MEK-ERK é importante na patogênese do melanoma. A inibição da via de sinalização de Ras-Raf-MEK-ERK no melanoma ocorre através de múltiplos mecanismos. Um deles seria a inibição de ERK1 / 2, que atuaria na indução de apoptose no melanoma; esta indução é facilitada através da promoção mudanças de conformação de Bax e sua transferência para mitocôndrias (ZHAN G et al., 2003). Outra forma de sinalização para apoptose seria a interação de TRAIL com os seus dois receptores de morte, DR4 (TRAIL-R1) e DR5 (TRAIL-R2) é o passo inicial para apoptose induzida por 97 TRAIL (PAN et al., 1997; WALCZAK et al., 1997). A ligação de TRAIL leva a trimerização dos receptores de morte e a ativação de via de morte mediada por receptor. Os receptores de morte ativados recrutam e ativam uma proteína adaptadora chamada domínio de morte por Fas associado (FADD) através de interações entre o domínio de morte (DD) sobre os receptores de morte e FADD. O domínio efetor de morte (DED) de Fadd recruta e ativa caspase-8, levando à formação do complexo de indução de sinalização de morte (DISC). Em células do tipo I, a presença de caspase-8 ativada é suficiente para induzir a ativação de um ou mais caspases efetoras (por exemplo, caspase-3 ou -7), que, em seguida, atuam sobre os substratos de morte finais para apoptose (7EGGERT et al., 2001; DANIEL et al., 2001). No entanto, nas células do tipo II, mesmo uma pequena quantidade de caspase-8 ativada, embora não seja suficiente para ativar as caspases efetoras, é suficiente para desencadear uma amplificação apoptótica dependente de mitocôndrias ativando Bid, o que induz a acumulação de Bax nas mitocôndrias, a liberação de citocromo c, a ativação de caspase-9, caspase-3, e caspase-7, e, finalmente, a morte celular programada. O padrão de alterações morfológicas e bioquímicas celulares associadas à morte celular por apoptose devido à indução de um determinado composto ou estímulo físico inclui a formação de vacúolos citoplasmáticos, encolhimento e diminuição do contato entre células vizinhas, fragmentação da membrana nuclear e condensação da cromatina (WYLLIE; KERR; CURRIE, 1980; MCCONKEY, 1998; MELO et al., 2000), despolarização de membrana mitocondrial, fragmentação internucleossomal do DNA e alterações na assimetria de fosfolipídios de membrana plasmática (CURTIN; DONOVAN; COTTER, 2002). A maioria destas alterações morfológicas é causada por uma série de cisteíno proteases, chamadas caspases, que são ativadas especificamente em células em apoptose (COHEN, 1997; MINKO; KOPECKOVÁ; KOPECEK, 2001). Estas enzimas possuem um resíduo de cisteína no sítio ativo e clivam substratos que possuem resíduos de ácido aspártico em sequências específicas. A especificidade pelos seus respectivos substratos é determinada por quatro resíduos amino-terminais no sítio de clivagem (JACOBSON; EVAN, 1994; STENNICKE; SALVESEN, 1998; THORNBERRY; LAZEBNIK, 1998; HENGARTNER, 2000). A ativação das caspases promove o aparecimento das alterações celulares que caracterizam a apoptose, como desmontagem da membrana nuclear e do arcabouço de lâminas, hipercondensação da cromatina e 98 degradação proteolítica das estruturas nucleares e citoplasmáticas. Estas alterações são comuns a todas as células em apoptose explícita, independentemente do agente indutor do processo. Isso significa que a ação dessas caspases representa uma via final comum que opera em todas as células programadas para morrer (THORNBERRY; LAZEBNIK, 1998; HENGARTNER, 2000). O inibidor de protease ITJ foi capaz de induzir de forma significativa a ativação da caspase efetora 3, após um período de 72h de exposição (Figura 35). Figura 35 – Expressão de caspase 3 em células B16-F10 após tratamento com ITJ. As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação de caspase-3 foi obtida utilizando o anticorpo Cleaved Caspase-3 (Asp175) (5A1E) (#9664) Rabbit mAb. As imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), caspase-3 (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; 5.4.3.7. Análise dos efeitos de ITJ na migração celular de B16-F10 e na angiogênese 5.4.3.7.1. Efeito de ITJ sobre a migração de células B16-F10 A migração celular possui papel fundamental em vários processos biológicos e patológicos, tais como embriogênese, resposta inflamatória, reparo e regeneração tecidual, câncer e defeitos congênitos. A migração pode ser entendida como um ciclo de vários passos, que são: extensão de uma protusão, formação de adesão estável na borda mais avançada da protusão – realizada por receptores de adesão -, 99 translocação do corpo celular para frente, soltura da adesão e retração da parte posterior da célula (WEBB, PARSONS e HORWITZ, 2002; ROSE, ALON e GINSBERG, 2007). A Figura 36 ilustra o percentual de migração das células B16-F10 com diferentes concentrações de ITJ (0,325, 0,65 e 1,3 µM) nos diferentes tempos de exposição (0, 3, 6 e 18 horas). Tanto a IC50 quanto o dobro da IC50 apresentaram efeito significativo nos processos de migração celular quando comparados aos seus respectivos controles, porém foram inferiores ao resultado obtido com 0,325 µM de ITJ. A pré-incubação de 0,65 µM de ITJ foi muito mais efetiva em retardar o processo de migração celular que outros inibidores de protease, como o EcTI (inibidor de tripsina de Enterolobium contortisiliquum) que, numa concentração de 100 µM, foi capaz de reduzir em aproximadamente 30% o percentual de migração de células Hs746T de câncer gástrico (DE PAULA et al., 2012). A eficiência de ITJ em inibir o processo de migração de células de melanoma também foi comprovada quando comparada a alguns inibidores de compostos proteicos conhecidos em promover angiogênese, diferenciação celular e migração. De acordo com SAUNDERS et al (2008), a autotaxina (ATX) é uma enzima prometastática inicialmente isolada a partir do meio condicionado de células de melanoma humano que estimulam uma miríade de atividades biológicas, incluindo a angiogênese e a promoção do crescimento celular, a sobrevivência e a diferenciação através da produção de ácido lisofosfatídico (LPA). Inibidores de ATX como o hexaclorofeno (10 µM), bitionol (10 µM), merbromina (10 µM) e NSC48300 (0,1 µM) foram incubados isoladamente e combinados com ácido lisofosfatídico (LPA) para avaliação da atividade migratória de diversas linhagens de melanoma. ITJ, na concentração de IC50, apresentou maior eficácia em inibir o processo migratório de células de melanoma, numa concentração bem inferior à utilizada pelos inibidores de ATX, com exceção de NSC48300, que se mostrou mais eficiente que ITJ em inibir a migração celular. 100 101 Figura 36 (página anterior) - Efeito de ITJ no processo de migração celular de B16-F10. Uma cultura em monocamada de B16-F10 foi estabelecida, onde uma injúria foi feita e posteriormente tratada com ITJ numa concentração fixa de 0,65 µM, em várias faixas de tempos de exposição (0, 3, 6 e 18 horas). A injúria foi medida e comparada entre os vários tratamentos e tempos de exposição ao inibidor. (A) Representação gráfica (quantitativa) dos dados. (B) Imagens das culturas. 5.4.3.7.2. Efeito de ITJ na angiogênese e análise da expressão de VEGF em B16-F10 Para que uma célula modifique seu funcionamento normal e se torne uma célula neoplásica é necessária a ocorrência de uma série de mutações, as quais envolvam genes que expressem proteínas que estejam relacionadas ao controle do ciclo celular. Porém, apenas a alteração de genes normais à oncogenes nas células não é suficiente para a formação de um tumor capaz de ameaçar a vida de um indivíduo. Para que um determinado aglomerado de células consiga manter um desenvolvimento sustentado é necessário um suprimento constante de sangue, promovido por processos de vascularização do tumor, o que caracteriza o processo angiogênico. Foi feita a análise da influência de ITJ na formação de novos vasos em linhagem de células RAEC. Foi comprovado que ITJ inibe a angiogênese nas concentrações equivalentes ao IC50 (0,65 µM) e a metade da IC50 (0,325 µM), não havendo diferença estatística entre estas dosagens, porém, a partir do momento em que foi aplicada uma concentração equivalente ao dobro da IC50 foi possível observar um efeito estimulador de formação de novos vasos nas células testadas, o que indica que o efeito inibidor de angiogênese, verificado pela utilização do inibidor, atua de forma dose ideal (Figura 37-A). Nos últimos anos, uma quantidade significativa de evidências tem demonstrado que o fator tecidual (TF) e o complexo TF/FVIIa podem promover o crescimento tumoral, metástase e angiogênese (BROZE, GJ Jr, 1995). TF é superregulado em células endoteliais dentro do câncer de mama e seus níveis elevados estão relacionados com um fenótipo de carcinoma invasivo. O principal inibidor fisiológico do complexo TF/FVIIa é o inibidor da via do fator tecidual (TFPI). TFPI é uma proteína de múltiplos domínios que consiste em três inibidores de proteinase tipo Kunitz independentemente dobrados (KPI), além de apresentar uma extremidade carbóxi-terminal altamente básica. TFPIc23 inibiu o 102 crescimento de vasos sanguíneos de uma forma dose dependente, com uma inibição superior a 90% a 10 ug/disco , que foi a dose mais elevada testada (1 µg – 5 µg – 10 µg/disco). Inibição semelhante foi observada no ensaio de plug de Matrigel em ratos após 6 dias de tratamento com 100 ou 500 ug/disco TFPIc23. Como em todos os ensaios anteriores, TFPIc23 mostrou uma resposta dose dependente, com uma inibição máxima de 65% a uma dose diária de 500ug (P < 0,05) (HEMBROUGH et al., 2004). Apesar de apresentar uma resposta antiangiogênica efetiva, TFPIc23 foi menos eficaz em reduzir o processo angiogênico que ITJ, comprovando a potência deste inibidor em reduzir a formação de vasos sanguíneos para nutrição de tumores. Vixapatin (VP12), uma lectina do tipo-C purificada a partir de veneno de Vipera xantina palestinae (MOMIC, et al., 2012) obteve resultados semelhantes ao encontrado por ITJ, porém, utilizando uma dosagem um pouco superior; 1 µM de Vixapatin foi capaz de causar uma redução no processo de formação de vasos em quase 70%, enquanto ITJ apresentou uma redução de quase 50% na concentração de IC50. VEGF é um fator de crescimento ativo na angiogênese, na vasculogênese e no crescimento de células endoteliais. Induz a proliferação de células endoteliais, promove a migração celular, inibe a apoptose e induz a permeabilização de vasos sanguíneos. Após 72 horas de exposição ao inibidor (0,65 µM), foi possível observar uma queda na expressão de VEGF, que, juntamente com o ensaio de inibição de formação de estruturas tipo capilar em matrigel indicam uma redução no processo angiogênico em células de melanoma (Figura 37 A-B). Alguns polifenóis, como o resveratrol (TRAPP et al., 2010), também apresentam a capacidade de reduzir os níveis de expressão de VEGF em culturas de células, porém, numa dosagem bem superior (50 µM) à utilizada por ITJ; o inibidor de protease que apresenta um potente efeito em reduzir os níveis do fator de crescimento VEGF seria o inibidor do tipoKunitz Amblyomin-X (DREWES et al., 2012) que, após 72h de tratamento e numa dosagem de 10 ng/µL é capaz de reduzir em quase 50% a formação de vasos. 103 Figura 37 – Efeito de ITJ sobre a angiogênese. A) Células endoteliais (RAEC) foram cultivadas sobre matrigel polimerizado na presença de meio F12 contendo 10% de SFB por 72 horas na presença de diferentes concentrações de ITJ. A formação dos tubos foi examinada em microscópio de luz invertida utilizando objetiva de 5X. B) Inibição da expressão de VEGF após 72 horas de incubação com ITJ na concentração de IC50; ensaio realizado utilizando a técnica de Western Blotting, onde a análise da proteína foi normalizada pela β-tubulina em células B16-F10. Foi realizada a densitometria da proteína expressa através do software ImageJ. O processo angiogênico é altamente controlado por uma diversidade de reguladores positivos e/ou negativos, que são compostos por fatores de crescimento, citocinas, metabólitos lipídicos e fragmentos críticos de proteínas 104 hemostáticas, e vários desses fatores são inicialmente caracterizados para outras atividades biológicas. Níveis alterados de fatores pró-inflamatórios e próangiogênicos podem ser observados em vários tipos de tumor, incluindo o melanoma (SUNILA, E.S.; KUTTAN, G., 2006). Dentre os fatores pró-inflamatórios, destaca-se a citocina IL-6, que pode contribuir de várias maneiras para a transformação maligna e progressão do câncer. A IL- 6 tem sido encontrada desempenhando um papel importante em vários comportamentos tumorais, incluindo a proliferação e diferenciação de células tumorais, a apoptose, invasão e crescimento de tumores malignos, a migração de células e a ligação que conduz a metástase. Além disso, a IL - 6 é um potente modulador do sistema imunitário, o que aumenta o crescimento do tumor, bloqueando os mecanismos mediados por células responsáveis por identificar e destruir o tumor. A IL- 6 tem também sido associada à resistência a drogas antitumorais. Esta citocina serve como um fator de multiresistência a drogas que combatem diversos tipos de células tumorais (KACHOIE, POURGHOLAMI, MORRIS; 2013). O tratamento com o inibidor ITJ foi capaz de reduzir a expressão de IL-6 de maneira significativa em células de melanoma após 72h de tratamento (Figura 38). Este resultado, juntamente com a redução da formação de capilares em matrigel, pode indicar a participação de ITJ na inibição do processo angiogênico, de forma direta ou indireta, através da redução da expressão da citocina pró-inflamatória IL-6. Pode-se observar a inibição de IL-6 em células PC-3 tratadas com extrato metanólico de Salvia triloba (STE), numa concentração de 287 µg/mL após 72 horas de exposição, influenciando no avanço do processo angiogênico nesta linhagem celular (ATMACA, BOZKURT; 2016); O extrato etanólico de Aerva Ianata foi capaz de inibir a expressão de várias citocinas pró-inflamatórias, dentre elas a IL-6, numa concentração de 25 µg/mL após 48 horas de exposição (SIVEEN, KUTTAN; 2013), dosagem essa bem superior à utilizada por ITJ. 105 1 1 Figura 38 – Efeito de ITJ sobre a expressão de IL-6 em células B16-F10. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação da interleucina-6 foi obtida utilizando o anticorpo IL-6 (SC-130326) e as imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), IL-6 (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. 5.4.3.8. ITJ altera a expressão dos filamentos intermediários que compõem a MEC das células de melanoma A maioria das células de um organismo multicelular está organizada em grupos cooperativos. Além dos filamentos do citoesqueleto presente nestas células existe outra estrutura chamada de matriz extracelular, que é secretada ao redor das células, dando força e sustentação aos tecidos. A matriz extracelular é dividida em dois tipos: a matriz celular fibrilar, formada pelas fibras de colágeno e do sistema elástico; e a matriz não fibrilar, composta por glicosaminoglicanos livres, proteoglicanos, glicoproteínas, fatores solúveis, água, gases e nutrientes. Os filamentos intermediários presentes no citoesqueleto constituem um grupo de proteínas que são expressos de maneira tecido-específica. Um tipo de filamento intermediário, a vimentina, é um marcador generalista de células formadas no mesênquima. A vimentina é co-expressa juntamente com outros membros da família dos filamentos intermediários em neoplasmas como o melanoma ou o carcinoma de mama. 106 Após um período de 72h de exposição foi possível observar que ITJ, na concentração de 0,65 µM, foi capaz de inibir a expressão de vimentina de maneira significativa (Figura 39), sugerindo sua atuação como inibidor da progressão do melanoma em células B16-F10. O condroitim sulfato é sintetizado como um glicosaminoglicano que compõe a cadeia lateral de proteoglicanos. Ele é sintetizado numa região tetrassacarídica comum (GlcA-Gal-Gal-Xil-), chamada de região de ligação GAG-proteína, a qual se prende a resíduos específicos serínicos no núcleo da proteína, porém esta estrutura se diferencia em cadeias maduras com estruturas e funções distintas após vários mecanismos de ação. Várias evidências sugerem a participação do condroitim sulfato, assim como o heparan sulfato no desenvolvimento do sistema nervoso central, no reparo de feridas, em processos infecciosos, sinalização de fatores de crescimento, morfogênese e processos de divisão celular (SUGAHARA, K. et al., 2003). Figura 39 – Expressão de vimentina em células B16-F10 expostas a ITJ. As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias (ver Métodos), sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação do filamento intermediário vimentina foi obtida utilizando o anticorpo Vimentin (sc-73259) conjugado com Alexafluor® 594 e as imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), vimentina (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. A) Controle; B) Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; Após um período de 72h de exposição, foi possível observar uma redução na expressão de condroitim sulfato nas células de melanoma, acompanhado de uma alteração no padrão de expressão ao longo da estrutura das células, onde inicialmente notava-se uma distribuição mais arredondada e, após o contato com o 107 inibidor, as células assumiram um arranjo alongado, semelhante a agulhas (Figura 40). Versican é um proteoglicano presente na matriz extracelular envolvido nos processos de crescimento e diferenciação das células. É importante como uma molécula estrutural, criando matrizes frouxas e hidratadas durante eventos chave no desenvolvimento do indivíduo, como na regulação da sobrevivência e adesão celular, proliferação e migração celular e na montagem da matriz extracelular, assim como em doenças. O versican é expresso de forma diferenciada nos melanomas, desenvolvendo um papel crucial no desenvolvimento do tumor e pode servir como um valioso marcador para diagnose clínica. Figura 40 – Efeito de ITJ sobre a expressão de condroitim sulfato em células B16-F10 ITJ. Após 72h de tratamento, o padrão de organização dos filamentos intermediários das células de melanoma é alterado, modificando a morfologia celular. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação do filamento intermediário condroitim sulfato foi obtida utilizando o anticorpo condroitin (370615) conjugado com Alexafluor® 594 e as imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), condroitim sulfato (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. ITJ, após 72h de exposição, e na concentração de 0,65 µM, foi capaz de reduzir o grau de expressão do proteoglicano versican (Figura 41), quando comparado ao controle. De acordo com TOUAB e colaboradores (TOUAB, M. et al, 2002), o versican expresso pela maioria dos melanomas indiferenciados pode facilitar o desprendimento do tumor e promover o crescimento do mesmo, 108 contribuindo para o comportamento agressivo biológico dos melanomas indiferenciados. Portanto pode-se sugerir que o inibidor, por reduzir a quantidade de versican presente nas células B16-F10, também atue de forma indireta reduzindo o processo de formação de matriz extracelular, influenciando na progressão e migração tumoral. A WGA (Wheat Germ Agglutinin) é um tipo de lectina normalmente utilizada para detecção de glicoconjugados, devido ao fato desta proteína se ligar de forma reversível a resíduos de N-acetil-glicosamina e ácido N-acetilneuramínico. O inibidor de protease, na concentração de IC50, foi capaz de alterar os padrões de glicosilação de N-acetil-glicosamina e/ou ácido N-acetilneuramínico expostos na superfície celular de forma significativa, como indicado na Figura 42. Figura 41 – Expressão de versican em células B16-F10 após tratamento com ITJ. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação do versican foi obtida utilizando o anticorpo versican (SC-25831) conjugado com Alexafluor® 594 e as imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), versican (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. 109 Figura 42 – Expressão de N-acetil-glicosamina e de ácido N-acetilneuramínico em células B16F10 após tratamento com ITJ. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. A marcação de WGA foi obtida utilizando o anticorpo WGA conjugada com FITC (5mg/ml) (W11262) e as imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), versican (verde). Imagens representativas de 3 ensaios separados. Actinas são componentes essenciais na formação do citoesqueleto, tendo participação chave numa diversidade de processos celulares, incluindo migração celular, divisão celular e regulação da expressão gênica (BUNNELL et al., 2011). A alteração na intensidade de expressão de β-actina juntamente com a análise da alteração morfológica da disposição da actina nas células de melanoma (Figura 43) corroboram o resultado obtido ao se averiguar a influência do inibidor de protease no processo de migração celular (Figura 36), ou seja, quando há uma alteração no padrão de expressão da actina é provável que também exista uma alteração no padrão de migração celular. 110 A B _ ____ _ ____ Figura 43 – Padrão de expressão de Faloidina e COX IV em células B16-F10 após tratamento com ITJ. A – Controle; B – Tratamento com ITJ (0,65 µM) em 72h de exposição; As células foram plaqueadas sobre lamínulas (13 mm de diâmetro) e cultivadas por três dias como descrito em métodos, sendo posteriormente incubadas na presença ou ausência de ITJ. As marcações de faloidina e COX IV foram obtidas utilizando os anticorpos Faloidina conjugada com Alexa Fluor® 488 (A12379) e COX – IV (48505). As imagens foram capturadas em um microscópio confocal Leica SP8. Núcleo corado com DAPI (azul), faloidina (verde) e COX IV (vermelho). Imagens representativas de 3 ensaios separados. A faloidina é um peptídeo bicíclico pertencente à família das toxinas isoladas do cogumelo Amanita phalloides e é comumente utilizada para marcação de imagens, devido ao fato de se ligar de forma seletiva à F-actina. Este anticorpo fluorescente tem vantagens sobre os marcadores usuais de actina, apresentando fotoestabilidade e alta sensibilidade. É possível observar que, após um período de 72h de incubação com ITJ na concentração de 0,65 µM, houve uma mudança no arranjo das fibras de actina nas células de melanoma; nas células controle, a actina encontra-se presente disposta em fibras, porém, após a exposição ao inibidor, ocorre uma mudança na organização destas proteínas, inibindo a organização destas, fazendo com que as moléculas de actina se organizem de forma dispersa, influenciando diretamente na morfologia das células B16-F10. O citocromo c oxidase ou COX IV catalisa o estágio final do processo de transferência de elétrons mitocondrial, sendo considerado um dos mais importantes sítios reguladores da fosforilação oxidativa. Esta enzima é codificada tanto pelos 111 genomas mitocondriais como nucleares. A expressão suprimida de COX IV revela uma perda de montagem do complexo citocromo c oxidase e, correspondentemente, uma redução da respiração dependente do citocromo c oxidase e uma redução na respiração total. Além disso, o citocromo c oxidase disfuncional nas células conduz a um potencial de membrana mitocondrial comprometido, um nível diminuído de ATP e incapacidade de crescer em meio de galactose. Curiosamente, supressão da expressão de COX IV também sensibiliza as células para apoptose. Na Figura 43 foi possível observar uma leve redução na expressão de COX IV, corroborando com os dados obtidos na alteração de potencial mitocondrial, levando a crer que as células B16-F10 estão realmente sendo induzidas à morte celular devido à ação de ITJ. Os filamentos de actina, os filamentos intermediários e microtúbulos são os principais componentes do citoesqueleto em células eucarióticas. As funções destas proteínas do citoesqueleto incluem a manutenção da morfologia, motilidade celular, fagocitose, transporte intracelular, localização de organelas citoplasmáticas e formação do fuso mitótico durante a divisão celular (ALBERTS et al., 1989). O citoesqueleto desempenha também um importante papel nos processos de crescimento e diferenciação e pode estar envolvido na modulação da transdução de sinal. Além disso, alterações na interação entre diferentes proteínas do citoesqueleto podem ocorrer durante a maturação (LEUNG, et al., 1992). A actina, um dos principais constituintes do citoesqueleto em células eucarióticas, está envolvida na locomoção de células, alterações na forma da célula, enrugamento da membrana e formação de lamelipódios (ABERCROMBIE, 1980). Os componentes do citoesqueleto, em particular, os microtúbulos estão envolvidos na organização e distribuição do retículo endoplasmático e outras organelas dentro a célula (WATERMAN-STORER, SANGER, SANGER; 1993). Os filamentos de vimentina e microtúbulos são intimamente associados e a perturbação de microtúbulos pode também afetar a organização dos filamentos intermediários (GRZANKA, GRZANKA, ORLIKOWSKA; 2003). A clivagem de proteínas do citoesqueleto, tais como a gelsolina, fodrina, lamina, e quinectina tem sido encontrada em células apoptóticas, porém o mecanismo pelo qual a degradação destas proteínas leva à fragmentação celular ainda não está claro. Não é razoável considerar que apenas uma degradação é necessária para a fragmentação, uma vez que a inibição da polimerização da actina por citocalasinas suprime a formação de corpos apoptóticos em células que sofrem 112 apoptose. Esse fato implica que o citoesqueleto sofre uma reorganização durante a apoptose. Por outro lado, danos ao citoesqueleto por agentes químicos muitas vezes induz apoptose em várias células, como exemplificado pela ruptura da actina e desmontagem de microtúbulos. Deve haver estreitas relações entre o estado do citoesqueleto e o progresso do processo apoptótico. Yamazaki e colaboradores (YAMAZAKI et al., 2000) confirmaram que a supressão contínua da polimerização da tubulina pelo colcemida (CL) e polimerização de actina por ação da citocalasina D (CD) acelerou grandemente a ativação de caspase-3 mediante indução por AD e que a interferência na estrutura do citoesqueleto composto por tubulina e actina causa diferentes alterações ultraestruturais antes da formação de corpos apoptóticos. Portanto, a incubação com o inibidor de protease purificado de sementes de Juquiri causa uma perturbação na configuração original dos microtúbulos, filamentos intermediários e componentes da matriz extracelular, o que converge para a ativação da morte celular por apoptose em células de melanoma. De acordo com os dados obtidos, é possível sugerir que ITJ induz morte celular por apoptose em células de melanoma, por meio de via dependente de caspases, onde a indução de apoptose se daria inicialmente por meio de aumento nos níveis de cálcio citosólico; este aumento influencia diretamente no aumento da produção de ROS após 30 minutos de exposição ao ITJ; Os níveis de cálcio e ROS alterados atuam de forma conjunta com ITJ para influenciar na alteração dos níveis de p53 em 36 horas, que funcionará como gatilho de ativação para aumento de expressão de p21, após 48 horas de exposição ao inibidor. Esta proteína superexpressa, juntamente com a inibição da expressão de ciclinas relacionadas à progressão de ciclo celular no intervalo G1 irão causar um aprisionamento das células de melanoma, um processo associado à indução de morte celular programada. Concomitante a isto, ITJ também promove alteração do potencial de membrana mitocondrial, liberação de fatores apoptóticos como o citocromo c, que, ao se complexar com Apaf-1 e a prócaspase-9, formando o apoptossomo, ativa caspases efetoras que induzem as células tumorais à morte. Além de influenciar na ativação de p53, a liberação de EROS e o desbalanço nos níveis de cálcio citosólico favorecem essa alteração do potencial de membrana mitocondrial; Em conjunto, ITJ inibe processos migratórios de células de melanoma nas primeiras 18 horas de exposição, e, de forma tardia, após 72 horas, inibe processos angiogênicos, reduzindo os níveis de VEGF e IL-6, e, além de induzir alterações na morfologia 113 celular de B16-F10, características presentes nos processos de apoptose (Figura 44). Figura 44 - Possível mecanismo de ação de ITJ na indução de apoptose em células de melanoma. Experimentos complementares são necessários para determinar com precisão a via de apoptose ativada por ITJ, porém pode-se sugerir uma participação tanto na via intrínseca, com participação da formação do complexo apoptossomo, por meio da liberação de citocromo c e montagem de complexo com Apaf-1 e procaspase-9, ativando as caspases efetoras, como na via extrínseca, onde as células B16-F10 se comportariam como células do tipo II, na indução de apoptose em células de melanoma. 114 6. CONCLUSÃO Um inibidor de tripsina (ITJ) foi purificado de sementes da leguminosa Mimosa regnellii Benth, utilizando uma metodologia baseada em extração com sulfato de amônia e cromatografias líquidas seriadas, além de ser parcialmente caracterizado; ITJ apresentou potencial antiproliferativo frente à linhagem de células tumoral B16-F10, agindo de forma dose e tempo dependente, não apresentando atividade hemolítica ou toxicidade contra células normais, em várias concentrações testadas; ITJ induz a morte celular de linhagem de células B16-F10 via apoptose, ativando tanto apoptose em estágio inicial quanto em estágio tardio em células de melanoma; A via de ativação apoptótica envolve a participação de caspases, onde a mitocôndria tem papel fundamental na indução de morte celular, por meio da despolarização de membrana mitocondrial; A liberação de EROS, juntamente com o desbalanço nos níveis de cálcio citosólico contribuem para a ativação da via apoptótica em células B16-F10; ITJ apresentou efeito anti-angiogênico, com redução nos cíveis de VEGF e IL6, além de retardar a migração celular após 72 horas de exposição, numa concentração de 0,65 µM; ITJ provocou alterações na morfologia celular de linhagem de células B16F10, observadas por meio de microscopia confocal, analisando as expressões de marcadores de matriz extracelular e filamentos intermediários; ITJ pode atuar tanto na via intrínseca, com participação da formação do complexo apoptossomo e das caspases efetoras, como na via extrínseca, onde as células B16-F10 se comportariam como células do tipo II, com ativação da caspase-8, Bid e coomplexo apoptossomo na indução de apoptose em células de melanoma; Estudos mais aprofundados para a identificação dos componentes das vias de apoptose induzidas por ITJ são necessários futuramente. 115 7. 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[a.u.] Co. x104 1328.8 P 8 Y Y I/L I/L P V H 18.14 R 508.3 27.98 27.98 27.96 473.3 6 H V P 17.02 I/L I/L 17.03 Y 17.02 17.04 Y P G G G D 17.05 17.01 17.00 16.91 175.1 1443.9 295.2 4 710.3 2 318.2 547.2 823.4 682.3 621.4 110.1 252.2 70.1 86.1 155.1 233.2 211.2 1399.9 595.3 334.2 734.5 424.2 384.2 466.3 567.3 795.4 897.5 1157.6 936.4 651.3 987.5 1214.7 1271.7 1060.6 1114.5 1354.8 1370.8 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 m/z Intens. [a.u.] 134 x104 2331.0 175.0 G G G I/L E 27.99 28.00 869.1 K V A 27.99 T G T GP I/L 2295.3 2.0 A 17.01 Q V 17.01 V S 17.01 17.02 I/L P G T 17.0417.01 17.04 E T G 17.13 T K A V 17.07 17.05 E I/L G G G F G 926.2 1.5 205.0 1027.2 2288.4 1.0 2251.0 572.0 112.0 0.5 70.0 473.0 413.9 1314.2 659.0 373.9 246.0 441.9 211.0 299.9 825.1 717.0 513.0 1713.5 1156.2 689.0 1415.2 788.0 983.2 972.1 2243.2 1614.4 1257.2 1073.2 1527.3 2126.9 2195.3 2012.8 1842.7 1202.1 0.0 Intens. [a.u.] 250 500 750 1000 1250 1500 1750 2000 2250 m/z x104 869.5 5 A 17.11 Q V 17.01 V 17.03 S I/L 17.08 P C 17.03 T 17.02 E 17.07 T G T K A V E I/L G G G 16.93 4 3 2 175.1 1 2378.5 1073.5 2334.9 972.4 112.1 246.1 374.1 572.3 473.2 442.2 513.2 1360.6 1202.5 659.3 788.3 926.4 1017.4 1303.5 1759.9 1461.6 1660.8 1889.0 2059.3 2173.3 2288.6 0 250 500 750 1000 1250 1500 1750 2000 2250 m/z