A História do Kwanza

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A HISTÓRIA DO KWANZA E A
ESTABILIDADE DOS PREÇOS
Comemorações dos 40 anos da moeda nacional
Museu da Moeda - Banco Nacional de Angola
24 de Janeiro de 2017
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
2. O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
2.1. A taxa de câmbio como âncora da política monetária
2.2. Reflexão
2.3. Conclusão
3. O QUE APRENDEMOS COM A CRIAÇÃO DOS BANCOS UNIVERSAIS
4. O QUE APRENDEMOS COM O CRÉDITO EM MOEDA ESTRANGEIRA
5. UMA HISTÓRIA DE SUCESSO: A DESMATERIALIZAÇÃO DO KZ
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1| INTRODUÇÃO
Ouvida a história do nascimento do kwanza, importa agora recordar
factos da sua vida nestes 40 anos;
• Desde logo, importa salientar que nasceu:
a) Com o país destruído pela guerra de 1975-1976, dotado de
escassos recursos humanos qualificados, com escassez de
bens alimentares, um muito incipiente sistema de controlo
orçamental e um sistema financeiro débil;
b) Num ambiente em que era normal a não aceitação de moeda nas
trocas, praticando-se o escambo;
c) Onde a paz então vivida foi rapidamente quebrada, tendo
acabado por atingir a idade adulta sempre em guerra, embora
durante um muito curto espaço de tempo, fosse uma “guerra
fria”, para usar terminologia então muito em voga a nível
internacional.
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1| INTRODUÇÃO
• Isto para dizer que, embora muitos erros tenham sido cometidos,
nunca se poderá esquecer que, em certos períodos, nem sempre se
podia fazer o que se queria, apenas se podia fazer o possível;
• Que fazer em momentos críticos, como, por exemplo, em finais de
Agosto de 1981, se não subordinar tudo o mais à necessidade de
acudir à defesa do país que estava a ser invadido por uma potência
estrangeira?
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2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
2.1. A TAXA DE CÂMBIO COMO ÂNCORA DA POLÍTICA MONETÁRIA
•
A guerra condicionou sempre fortemente a economia e, como não podia
deixar de ser, a política monetária e cambial;
•
A quebra da produção interna e escassez de produtos levou a recorrer à
importação em escala alargada, especialmente de bens de primeira
necessidade;
•
Desde cedo, pois, o nível de preços passou a depender muito da taxa de
câmbio;
•
E se havia uma coisa sagrada eram os preços – lembro-me de em 1977 ou
1978, tendo-se verificado uma subida do preço do feijão no mercado
internacional, a pessoa então responsável pela economia, perante uma
proposta de subida do preço interno, ter dito : “os preços não se alteram”!
•
Assim, a política cambial ficou logo à partida muito condicionada pela
grande dependência de produtos importados e o espectro da inflação;
5
2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
•
E com os sucessivos fracassos das tentativas para controlar os preços pela
via repressiva, cada vez mais a política cambial ficava refém da inflação;
•
E a política monetária, durante largos anos praticamente um mero apêndice
da política orçamental, acabou por adoptar a taxa de câmbio como a âncora
salvadora para controlar a inflação;
•
Não era fácil fugir a esta realidade : emissão de moeda no vazio para acudir
aos défices do OGE e manutenção da taxa de câmbio para evitar a subida
dos preços;
•
Se ao nível do OGE a situação se alterou a partir de certo momento e foi
possível acabar com a emissão de moeda no vazio, já o mesmo não
aconteceu com a dependência do País de produtos de primeira necessidade
importados;
•
Até hoje, infelizmente, é esta a realidade, face ao fraco desempenho ao nível
da economia real, e a taxa de câmbio continua a ser a âncora da política
monetária para controlar os preços;
6
2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
•
Mas, para se analisar o fraco desempenho do sector produtivo, é preciso ter
em conta o impacto que sofreu/sofre com os elevados défices do OGE
verificados durante muitos anos e a taxa de câmbio do Kz sobrevalorizada;
•
Era difícil conciliar o financiamento do OGE com a concessão de crédito à
economia, saindo sempre esta a perder;
•
A dada altura (1996-1997), em nome do combate à inflação, foram fixados
aos bancos limites quantitativos de tal ordem reduzidos que nesses dois
anos praticamente não foi concedido crédito às empresas;
•
Mas como os défices do OGE eram muito elevados, mesmo com um baixo
nível de crédito à economia as taxas de inflação eram sempre muito
elevadas;
•
Além disso, o sector produtivo sofria (sofre) com a concorrência dos
produtos importados a preço “subsidiado” devido a uma taxa de câmbio do
Kz sobrevalorizada;
7
2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
•
Tudo isto foi desde sempre equacionado;
•
E existem documentos que atestam que, logo nos primeiros anos, foi
apontado o caminho a percorrer – aumento da produção nacional,
especialmente de bens de primeira necessidade, controlo orçamental,
sistema de salários e preços verdadeiros, onde se incluía a taxa de câmbio;
•
Por exemplo, veja-se um documento de início de 1978 : “Directiva do
Bureau Político do CC do MPLA-Partido do Trabalho sobre o conjunto de
medidas a tomar urgentemente para o início do arranque económico de
Angola”, onde sobre a taxa de câmbio está claramente dito :“Estabelecer
uma taxa de câmbio correcta para o Kz e proceder à sua desvalorização
gradual”;
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2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
•
Num estudo de 1983, realizado por especialistas portugueses, um deles o
actual Secretário Geral da ONU (António Guterres), está dito que a diferença
de preços entre mercado formal e informal era de 1 para 20 e que era
necessária uma desvalorização do Kz em pelo menos 75%, reconhecendo
ser necessário ir mais longe, talvez chegar a 200%;
•
E ao longo destes 40 anos, reiteradamente, este caminho foi sendo
lembrado. Não faltam documentos a atestá-lo, em especial os produzidos no
âmbito do Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF), na
segunda metade dos anos oitenta;
•
O SEF preconizava uma série de medidas para a transição da economia
administrativa para uma economia de mercado e, como não podia deixar de
ser, dava grande importância à necessidade da instauração de um sistema
de preços em que estes passassem a desempenhar o seu papel no
equilíbrio entre oferta e procura;
•
Alguns dos planos aprovados pelo Governo depois do SEF também previam
as medidas correctoras adequadas, em que a questão dos preços, incluindo
a taxa de câmbio, era equacionada;
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2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
2.2.-REFLEXÃO FINAL
•
O que aconteceu então?
• Guerra? Sim, não poderemos nunca esquecer, mas temos que analisar
outras condicionantes;
• Receio? Quando chegava a hora de aplicar certas medidas tínhamos receio
do que poderia suceder ?
• Não creio que tenha sido receio, até porque em certos momentos foram
tomadas medidas de forte impacto:
a) Quem não se lembra da violência que foi a troca do Kwanza pelo Novo
Kwanza em Setembro de 1990?
b) E do “pacotão” de 21 de Maio de 1999, com o País ainda em guerra,
quando o BNA,
rompendo quase totalmente com as políticas
administrativas que vinha aplicando, passou a privilegiar os
instrumentos de mercado, conseguindo rapidamente a convergência
cambial?
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2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
2.2.-REFLEXÃO FINAL
• Julgo, pois, que a razão está no adormecimento proporcionado
pelos rendimentos do petróleo, que, mesmo nos piores momentos,
sempre permitiram manter um nível mínimo de importações de
bens de primeira necessidade e um razoável controlo dos preços
via manutenção da taxa de câmbio sobrevalorizada;
• E este adormecimento tem conduzido a algo que considero pior do
que o que aconteceu na holanda com a alta dos preços do gás e o
repentino aumento das receitas em moeda externa – a conhecida
“doença holandesa”;
• E digo pior porque os efeitos da nossa doença não se manifestam
apenas quando há muitas divisas - também na escassez provoca a
sobrevalorização do kwanza!
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2| O QUE APRENDEMOS COM A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL
2.3 - CONCLUSÃO
•
A taxa de câmbio sobrevalorizada é muitas vezes defendida como necessária
para apoiar a política monetária a controlar a inflação face à alta dependência
de produtos de primeira necessidade importados;
•
Mas o kwanza sobrevalorizado tem tido efeitos perversos e criou um
problema idêntico ao de um “cão com uma lata amarrada no rabo”;
•
Na verdade, ao manter-se os produtos importados baratos, está-se a dificultar
o crescimento da produção interna e mais dificilmente conseguiremos livrarnos da elevada correlação entre taxa de câmbio e taxa de inflação;
Como ficamos?
•
Por quantos mais anos vai o BNA ficar refém deste dilema?
•
É minha opinião que vale a pena revisitar a experiência do “pacotão” de
medidas que o BNA publicou em 21 de maio de 1999 – na altura, todos
acabaram por compreender que afinal as coisas correram bem e que muitos
dos receios que existiam eram infundados.
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3| O QUE APRENDEMOS COM A CRIAÇÃO DOS BANCOS UNIVERSAIS
•
Falar da história do Kz implica falar também da história das instituições que
o criam. E da sua solidez e capacidade para ajudarem na aplicação e sucesso
das políticas do BNA;
•
Ora, a certa altura deu-se uma alteração substancial no sistema bancário que
deve ser analisada, pelo impacto que teve na solidez dos bancos;
•
Até 1999 a Lei das Instituições Financeiras não permitia bancos universais.
Havia bancos comerciais e bancos de investimento;
•
Os bancos comerciais só estavam autorizados a conceder crédito a curto e
médio prazo;
•
E o Aviso do BNA nº 2/1998 estabelecia limites à actividade dos bancos de
investimento, que não podiam captar depósitos à ordem que excedessem
40% da sua carteira total de depósitos. E quanto ao crédito, a carteira de
curto prazo não podia exceder 30% do total do crédito concedido;
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3| O QUE APRENDEMOS COM A CRIAÇÃO DOS BANCOS UNIVERSAIS
•
A Lei nº 1/99 veio alterar a situação, acabando com a distinção entre bancos
comerciais e bancos de investimento. A partir desse momento, os bancos
existentes foram autorizados a exercer as actividades clássicas de banca de
depósitos (banco comercial) e a actividade de banca de investimento;
•
Estou convicto de que muitos dos nossos problemas no sistema financeiro
começaram aí, com a falta de gestores preparados para dirigirem bancos
universais e falta de regulamentação adequada a esta nova realidade, que não
deixasse a actividade dos bancos ao livre arbítrio dos seus gestores;
•
Houve aqui alguma precipitação, pois o próprio BNA não estava preparado
para regulamentar e controlar esta nova realidade;
•
E o resultado foi que permitiu a concessão descontrolada de crédito a muito
largo prazo, e que nem sequer foi para aumentar a capacidade produtiva do
País - a maioria está empatada em imóveis que hoje estão desocupados;
14
3| O QUE APRENDEMOS COM A CRIAÇÃO DOS BANCOS UNIVERSAIS
•
E a situação piorou anos depois, quando o BNA passou a permitir que fosse
generalizado o crédito em moeda estrangeira sem regras apertadas e
abrangendo a concessão deste tipo de crédito a particulares;
•
Mesmo em países com sistemas financeiros mais desenvolvidos questiona-se
se a permissão de bancos universais não estará na base da crise mundial
iniciada em 2008;
•
Muitos autores apontam a revogação, em Novembro de 1999, da Lei GlassSteagall, publicada nos EUA em 1933, como uma das causas da crise surgida
poucos anos depois, com a bancarrota das maiores instituições financeiras
americanas.
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4| O QUE APRENDEMOS COM O CRÉDITO EM MOEDA ESTRANGEIRA
•
Para agravar ainda mais a situação dos bancos, o BNA, no início do século,
começou a tolerar o crédito em moeda estrangeira a empresas não
exportadores, e mesmo a particulares, em violação ao que estava
regulamentado, não sancionando os prevaricadores;
•
A regulamentação então vigente era clara (Aviso nº 5/1999) : os bancos só
podiam realizar operações de crédito em moeda estrangeira com
exportadores, e até ao limite de 50% da sua carteira de depósitos na referida
moeda;
•
Depois, em Setembro de 2007, o BNA revogou este Aviso e deixou de colocar
limites de qualquer tipo à concessão de crédito em moeda estrangeira,
abrindo uma verdadeira caixa de pandora, com efeitos que ainda hoje
estamos a sofrer (Aviso nº 8/07).
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4| O QUE APRENDEMOS COM O CRÉDITO EM MOEDA ESTRANGEIRA
•
Resultado - os bancos acabaram por utilizar uma percentagem elevada das
divisas dos clientes (alguns até a totalidade) e, quando o preço do petróleo
baixou e o BNA deixou de poder vender divisas para compensar, a crise de
liquidez em moeda estrangeira instalou-se;
•
O alarme soou forte em finais de 2008, quando da queda do preço do petróleo,
mas, mesmo assim, o BNA nada fez;
•
Só passados mais de 3 anos, em Março de 2012, é publicado o Aviso 3/12 que
impõe alguns limites ao crédito em moeda estrangeira, só permitindo:
a) operações com empresas superiores a um ano;
b) operações de crédito a particulares para compra de habitação.
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4| O QUE APRENDEMOS COM O CRÉDITO EM MOEDA ESTRANGEIRA
•
Este Aviso foi revogado apenas em Janeiro de 2015, quando entrou em vigor
o Aviso nº 11/14;
•
Este novo Aviso retoma o Aviso 5/99, só permitindo crédito em moeda
estrangeira aos exportadores e ao Estado. Porém, não coloca qualquer limite,
pelo que o único limite é a obrigatoriedade de manter 15% dos depósitos em
moeda estrangeira numa conta junto do BNA;
•
Mas estas medidas foram tardias, havendo ainda um longo caminho a
percorrer até se sanar a situação criada;
•
E, neste momento, o risco de liquidez em moeda estrangeira é, claramente,
um dos problemas graves que os bancos enfrentam;
•
E é uma das questões que mais mal estar cria no relacionamento entre os
bancos e os seus clientes detentores de depósitos em moeda estrangeira.
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5| UMA HISTÓRIA DE SUCESSO: A DESMATERIALIZAÇÃO DO KWANZA
•
Também não se pode falar da história do kwanza sem falar da sua gradual
desmaterialização;
•
Vão longe os tempos em que praticamente só se utilizavam notas nas
transacções e, por vezes, durante um certo período, nem mesmo as notas
eram aceites, praticando-se o escambo;
•
Tempos, recorde-se, em que se ia a um restaurante e, no fim, pedia-se a
conta e tínhamos que sair e ir ao porta bagagens do carro buscar um saco
de notas para pagar a refeição!
•
E, ironia, isto sucedeu mesmo no período em que muitos milhares de
angolanos eram milionários, exibindo notas de Kz 5.000.000!
•
Porém, um longo caminho, de sucesso, foi percorrido e há já vários anos
que o País conta com um moderno sistema de pagamentos que permitiu a
expansão da moeda bancária;
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5| UMA HISTÓRIA DE SUCESSO: A DESMATERIALIZAÇÃO DO KWANZA
•
Hoje, embora a circulação monetária ainda seja significativa, em razão da
fraca taxa de bancarização e da existência de uma forte economia informal, já
é a moeda bancária que impera;
•
A desmaterialização do Kz avança a passos largos, com todos os benefícios
que daí resultam, e não só económicos – as notas de banco, ao andarem de
mão em mão, são um veículo de transmissão de doenças;
•
Momentos importantes neste processo são a publicação do Aviso do BNA nº
1/2000, que instituiu o Sistema de Pagamentos de Angola e da Lei nº 5/2005,
Lei do Sistema de Pagamentos;
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5| UMA HISTÓRIA DE SUCESSO: A DESMATERIALIZAÇÃO DO KWANZA
•
Outro marco nesta caminhada para reduzir a utilização de notas é a criação
da EMIS em 2000, cuja actividade teve início em 2003;
•
Tornou possível que hoje largas camadas da população possuam cartão e
utilizem regularmente as máquinas disponibilizadas pela rede Multicaixa;
•
É um sistema barato, porque de regime cooperativo, e muito facilitador, pois
os cartões estão todos na mesma rede, evitando perdas de tempo para os
utilizadores;
•
Uma nota de tristeza : infelizmente, a aceitação dos cartões VISA nos
estabelecimentos comerciais não obedece a este paradigma, não se podendo
utilizar os cartões em qualquer POS. É uma história que um dia poderei
contar !
•
Finalmente, não se pode omitir o importante contributo dos bancos para esta
realidade, com a modernização dos seus serviços e alargamento da rede de
agências e de máquinas automáticas, bem como a introdução da banca
electrónica.
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MUITO OBRIGADO
MÁRIO NELSON MAXIMINO
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