Interbio v.1 n.2 2007 - ISSN 1981-3775 4 CONHECIMENTO SOBRE UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS POR PACIENTES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DE FÁTIMA DO SUL – MS KNOWLEDGE ABOUT USE OF MEDICINAL PLANTS BY PATIENTS OF THE BRAZILIAN PUBLIC HEALTH CARE SYSTEM IN FÁTIMA DO SUL - MS BIN, Márcia Crestani 1; SILVA, Magaiver2; YUZURI, Adriana2; FRANCO, Márcia2 e BASSO, Sirley2 Resumo Este trabalho objetivou observar o conhecimento em relação às plantas medicinais e sua utilização em Fátima do Sul - MS, especificamente por pessoas que freqüentam as Unidades de Saúde Básica do município. 295 pessoas participaram da pesquisa e eram pacientes que freqüentavam os quatro locais onde foi realizada: Posto Central, Unidade do bairro Centro Educacional, Unidade do bairro Pioneiro e Posto de Atendimento Médico (PAM). A essas pessoas foi aplicada uma entrevista, após explicar-lhes os objetivos e obter delas a concordância em participar do estudo. Analisaram-se os resultados por cálculo de média, separados por local da pesquisa. Os resultados mais relevantes foram: a maioria dos entrevistados pertencia ao sexo feminino; de faixa etária acima de 55 anos; possuíam apenas 1° grau incompleto; dizem conhecer o assunto; utilizam as plantas por indicação de familiares e não procuram por informações com pessoas capacitadas. A maioria também relatou nunca ter sentido efeitos adversos, diz que a origem das plantas é o próprio quintal, acredita que as plantas só fazem bem para a saúde e observa a quantidade que utiliza. Houve diversidade nas respostas nos diferentes locais da pesquisa em relação à freqüência de utilização das plantas. É evidente a necessidade de uma efetiva regulamentação, fiscalização e maiores investimentos na pesquisa em relação ao emprego de plantas para fins terapêuticos. Os resultados reforçam a preocupação em relação à utilização incorreta de medicamentos fitoterápicos pela população, especialmente agora que está prevista a inserção da utilização desta terapia no Sistema Único de Saúde. Palavras-chave: planta medicinal, fitoterápico, terapêutica, conhecimento. Abstract The aim of this study was to observe the knowledge of people who frequent the Brazilian public health care system (Sistema Unico de Saúde – SUS) in Fátima do Sul - MS regarding to medicinal plants and their use. 295 people participated in the research. They were patients in the four primary health care facilities (PHCF) where the research was carried out: Central Unit, Unit of Centro Educacional, Unit Pioneiro and Posto de Atendimento Médico (PAM). An interview was applied, after explaining them the objectives of this research and after obtaining their consent to participate in the study. The results were evaluated by average calculations and organized by primary health care facility (PHCF). Results: the majority of the interviewed people were women over 55 with incomplete first degree, who say they know the subject (medicinal plants); moreover, they use the plants because of advice from relatives and they do not search for information from competent persons. The majority also related that they have never had adverse effects, that the plants are all from their own garden, as well that they believe the plants are good for health and that they observe the amount used. There was diversity in the answers in the different research places regarding to the frequency of use of the plants. It is evident the necessity of effective regulation, fiscalization and bigger investments in research about the use of plants for therapeutics purposes. The results strengthen the concern about the incorrect phytotherapics use, especially now that the insertion of this therapy in the Brazilian public health care system (SUS) is foreseen. Key-words: medicinal plant, phytotherapic, therapeutic, knowledge 1 Farmacêutica, Mestre em Bioquímica Toxicológica, Professora do Centro Universitário da Grande Dourados, Rua Balbina de Matos, 2121, CEP 79824-900, Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Acadêmicos, curso de Farmácia, Centro Universitário da Grande Dourados, Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 - ISSN 1981-3775 Introdução A utilização de plantas e substâncias com fins medicinais nasceu com a humanidade e foi se transformando com o passar dos anos. Segundo relatos (RODRIGUES; CARVALHO, 2001), há mais de 3000 anos a.C. já havia o cultivo e uso de plantas medicinais que hoje ainda são utilizadas com eficácia na medicina popular e por laboratórios farmacêuticos. Mel, raízes, uma profusão de ervas, larvas, sem falar de saliva, há anos atrás, foram a única chance de cura para muitos pacientes necessitados (FARMACOLOGIA, 2002). O uso popular foi crescendo de geração em geração e, a partir do desenvolvimento da química orgânica, tornou-se possível isolar os princípios ativos das plantas, obtendo substâncias como a digoxina e a morfina (TUROLLA; NASCIMENTO, 2006). Mesmo com os grandes avanços que ocorreram na medicina nas últimas décadas, as plantas ainda apresentam uma grande contribuição para a manutenção da saúde. Muitas comunidades utilizam a vegetação nativa no combate a enfermidades (SOUZA; FELFILLI, 2006). Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 65 a 80% da população dos países em desenvolvimento depende das plantas medicinais para os cuidados primários com a saúde, devido às condições de pobreza e falta de acesso aos medicamentos (CALIXTO, 2000). O problema está no fato de que essas plantas, na maioria das vezes, são utilizadas para uso medicinal por pessoas que não possuem o necessário conhecimento de suas propriedades farmacológicas e toxicológicas (ALICE et al., 1995). Maciel et al. (2002) alerta para o fato de que nas regiões mais pobres do país e mesmo nos grandes centros brasileiros, a comercialização de plantas medicinais é feita sem regulamentação em feiras livres e mercados populares, além de serem encontradas em muitos quintais residenciais. Segundo Turolla e Nascimento (2006), mesmo com o aumento da importância dos 5 fitoterápicos, estudos ainda são insuficientes para comprovação da eficácia e segurança da utilização dessas plantas como medicamento, e muitas continuam a ser utilizadas apenas com base no conhecimento do seu uso popular. Bugno et al. (2006) adverte sobre a importância da qualidade dos fitoterápicos adquiridos, em função dos riscos de contaminação por fungos e da presença de micotoxinas. Há um crescente interesse mundial por produtos derivados da biodiversidade e, nesse aspecto, o Brasil é privilegiado, mas ainda há muito a ser explorado. A população brasileira vem conseguindo importantes avanços em relação à pesquisa e à utilização de fitoterápicos. A fitoterapia é uma das novas práticas que pode ser implementada nas unidades de saúde do Sistema Único de Saúde desde o anúncio, pelo Ministério da Saúde, da Portaria 971, de 4 de maio de 2006 (BRASIL, 2006a), dentro da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Com essa portaria, o governo visa a garantir o acesso a terapias alternativas aos seus usuários, como a fitoterapia. Em 22 de junho de 2006, houve outro grande avanço nessa área, ao ser anunciado pelo Governo Federal, o Decreto n. 5.813 (BRASIL, 2006b), que aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). Esse decreto objetiva, de um modo geral, garantir à população o acesso mais seguro e o uso racional de plantas medicinais e de fitoterápicos, promovendo um maior desenvolvimento em pesquisa e produção. Esta política abrange desde o cultivo da planta medicinal, a pesquisa farmacológica, a produção do fitoterápico, esclarecimentos à população, desenvolvimento tecnológico e, inclusive, exportação desses produtos. Em função desses novos avanços, percebe-se a necessidade de alertar as pessoas para o correto uso dessa terapia. Assim, a pesquisa realizada teve como objetivo observar o perfil dos usuários de plantas para fins medicinais, especificamente o das pessoas que BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 freqüentam as Unidades de Saúde Básica no município de Fátima do Sul - MS, investigando, também, o nível de conhecimento desses moradores a respeito do uso correto das plantas medicinais, assim como a forma de utilização por eles empregada. Material e Métodos Fátima do Sul é um município do estado de Mato Grosso do Sul. O objeto deste estudo foram os pacientes que freqüentam os postos de saúde municipais, escolhidos aleatoriamente nos dias em que se realizou a pesquisa. O estudo foi realizado em quatro unidades de saúde municipais: Unidade de Saúde Básica do centro (Posto Central), Unidade do bairro Centro Educacional, Unidade do bairro Pioneiro e no Posto de Atendimento Médico (PAM). Estas são as unidades de saúde de grande procura pela população para atendimento médico no município. O estudo fez parte de um projeto de extensão, envolvendo alguns alunos do curso de Farmácia do Centro Universitário da Grande Dourados, de Dourados/MS. Procurou-se selecionar para as entrevistas pacientes de faixas etárias diferentes, de ambos os sexos. Os entrevistados totalizaram 295 pessoas, incluindo os quatro postos municipais (Posto Central = 89; Unidade do bairro Centro Educacional = 52; Unidade do bairro Pioneiro= 56; PAM = 98), dependendo do maior ou menor atendimento em cada local. A pesquisa foi realizada durante um mês, procurando abordar pacientes em dias distintos da semana, em semanas e períodos do dia diferentes. Os alunos abordavam cerca de dez pacientes em cada dia da pesquisa nos locais de menor atendimento (Unidade do bairro Centro Educacional e Unidade do bairro Pioneiro) e vinte pacientes nos locais de maior atendimento (Posto Central e PAM), sendo as pessoas esclarecidas sobre a pesquisa e convidadas a responder o formulário de perguntas. As pessoas eram escolhidas em relação àquelas que estavam na fila de espera para consulta 6 médica. Algumas pessoas se recusavam a participar e seu direito era acatado. Após a análise dos formulários, aqueles que apresentavam incoerência nas respostas, foram descartados, resultando no número amostral. Os pacientes escolhidos eram convidados a participar da pesquisa através de uma entrevista padronizada, a qual continha perguntas referentes ao seu perfil, utilização e conhecimento a respeito de plantas medicinais. A pesquisa foi realizada antes que a Portaria 971 do Ministério da Saúde tivesse sido anunciada. Os dados obtidos foram analisados por meio de cálculo de média e porcentagem entre os diferentes locais da pesquisa. Os gráficos foram elaborados com o suporte do programa Microsoft Office Excel 2003. Resultados e Discussão Pode-se observar na tabela 1 que a maioria das pessoas entrevistadas foi do sexo feminino, o que representa maior freqüência de mulheres nos postos de saúde do município de Fátima do Sul, uma vez que as pessoas foram escolhidas aleatoriamente para a entrevista. A maioria das pessoas pesquisadas pertencia à faixa etária acima de 55 anos de idade, com exceção da Unidade de Saúde Central do município, onde a maioria pertencia à faixa etária entre 15 e 25 anos (27%). As pessoas idosas são os maiores freqüentadores dos postos de saúde, provavelmente por serem mais suscetíveis a problemas de saúde. A maior parte das pessoas entrevistadas, em todas as unidades de saúde pesquisadas, possui apenas 1° grau incompleto ou são analfabetas. A rede municipal de saúde pública é a principal forma de acesso às pessoas de baixa renda a consultas e exames médicos. Ainda que a qualidade de atendimento nos locais públicos seja considerada abaixo do adequado por muitas pessoas, observa-se que algumas, com nível de escolaridade superior, procuram por atendimento nesses locais, como pode ser verificado na tabela 1, em que houve um pequeno número de universitários participantes da pesquisa no BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 PAM (3%), na Unidade de Saúde Central (9%) e na Unidade do bairro Pioneiro (5%). Resultado semelhante foi encontrado por 7 Bieski (2005) num estudo realizado em Cuiabá/MT. Tabela 1 - Perfil dos pacientes pesquisados nas Unidades de Saúde Básica municipais de Fátima do Sul/MS em relação ao sexo, idade, escolaridade e se já ouviu falar sobre plantas medicinais: LOCAIS ONDE A PESQUISA FOI REALIZADA PAM CENTRAL PIONEIRO CENTRO EDUCACIONAL SEXO (%) Masculino Feminino IDADE (%) 15 – 25 anos 26 – 35 anos 36 – 45 anos 46 – 55 anos Mais de 56 anos ESCOLARIDADE (%) Analfabeto 1° grau incompleto 1° grau completo 2° grau incompleto 2° grau completo 3° grau CONHECIMENTO (%) Não Sim 25,5 74,5 23 77 28 72 29,5 70,5 14 14 16 22 34 27 21 23 09 20 20 11 18 16 35 05 6,5 13 23 52,5 21 37 13 14 12 03 08 43 18 06 16 09 29 43 11 04 08 05 39 46 11 02 02 00 05 95 05 95 15 85 00 100 Podemos observar, ainda na tabela 1, que a maioria das pessoas pesquisadas conhece o assunto “uso de plantas para fins medicinais”, embora uma pequena parcela dos entrevistados mostrasse desconhecê-lo em três dos quatro locais da pesquisa. Esse maior conhecimento das pessoas sobre o assunto pode estar relacionado ao aumento observado no consumo dessas plantas nas últimas décadas, como formas alternativas de prevenção e cura de doenças. No entanto, devido a maioria das pessoas entrevistadas possuir apenas 1° grau incompleto ou serem analfabetas, supõe-se que esse conhecimento alegado por elas seja advindo da cultura popular, ou seja, de conhecimentos herdados de gerações passadas, ou por indicação de amigos, familiares, conhecidos, e raramente por pessoas capacitadas ou adquirido na escola ou universidade. A cultura popular já consagrou o uso de várias plantas, principalmente em forma de chás, como a erva cidreira, que é digestiva; a hortelã, para gripe; a camomila, que é calmante, entre tantas outras. Portanto, supõe-se que o conhecimento que as pessoas alegam possuir a respeito do assunto seja tanto devido ao aumento no consumo, como também por meio de informações obtidas de suas gerações passadas e da cultura popular. No entanto, a utilização de plantas medicinais precisa ser feita com controle, pois pode ter efeitos contrários e prejudiciais à saúde. Turolla e Nascimento (2006) realizaram um estudo bibliográfico em relação aos aspectos toxicológicos para avaliar dez tipos de plantas bastante utilizadas mundialmente, e encontraram muitos efeitos colaterais relacionados com a utilização desses fitoterápicos, como problemas cardiovasculares, gastrintestinais, BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 8 utilizam as plantas medicinais como forma alternativa e complementar ao seu tratamento convencional, sem informar ao seu médico este fato. Vickers et al. (2006) discutem os motivos pelos quais as pessoas não relatam aos seus médicos que estão fazendo uso de fitoterápicos. Esses pesquisadores realizaram um estudo com mulheres, no qual a maioria citou não relatar ao médico tal utilização porque ele não perguntou a respeito, enquanto outras citaram motivos como: acharam não ter importância, ou acreditaram que a planta junto com o tratamento convencional não seria perigoso, ou por medo da resposta do médico. Os autores colocam sobre o perigo de interações na utilização simultânea de fitoterápicos e medicamentos alopáticos. aumento no tempo de sangramento, entre outros. Portanto, somente com testes clínicos confiáveis pode-se garantir a segurança na utilização de qualquer planta para uso medicinal. Em relação à freqüência com que as pessoas utilizam as plantas medicinais, as respostas apresentaram certa variação entre os locais (dados não mostrados). Em dois dos locais pesquisados, 35% das pessoas relataram que utilizam as plantas “com freqüência” e apenas a minoria utiliza “sempre”. Já no posto Central e no posto do Centro Educacional, a maioria (47% e 36%, respectivamente) alegou que utiliza apenas “algumas vezes” as plantas para uso medicinal. As outras respostas variaram entre aqueles que as utilizam “nunca”, “raramente” e “sempre”. Muitas pessoas Tabela 2 - Perfil dos pacientes pesquisados nas Unidades de Saúde Básica municipais de Fátima do Sul/MS em relação à indicação do uso da planta, se a pessoa “procura por informações” e se “já foi observado algum sintoma decorrente da utilização de plantas para fins medicinais”. PAM QUEM INDICA A PLANTA (%) Não utilizo Indicação própria Médico Farmacêutico Amigos Posto de saúde Familiares PROCURA POR INFORMAÇÕES (%) Não Raramente Às vezes Com freqüência Sempre JÁ OBSERVOU PROBLEMAS (%) Nunca Algumas vezes Com freqüência LOCAIS ONDE A PESQUISA FOI REALIZADA CENTRAL PIONEIRO CENTRO EDUCACIONAL 00 20 02 01 45 00 32 00 16 02 00 35 00 47 00 22 00 06 16 00 56 00 27 08 00 26 00 39 32 10 13 06 39 48 02 08 00 42 38 03 12 09 38 19 05 25 05 46 95 05 00 95 05 00 100 00 00 96 04 00 Em relação à indicação para uso das plantas para fins terapêuticos (tabela 2), o item mais respondido pelos entrevistados foi que “procuram indicação de familiares”, seguido por “indicação de amigos”. Apenas no PAM, a indicação por amigos prevaleceu BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 sobre a dos familiares. O terceiro item mais respondido foi que “utilizam por orientação própria”, ou seja, não consultam ninguém sobre a planta que vão utilizar. Para completar esse resultado preocupante, poucos citaram que procuram para esclarecimentos, o médico ou o farmacêutico, que são profissionais capacitados para fornecer as informações corretas. Isso pode levar a sérias conseqüências, uma vez que faltam ainda evidências laboratoriais e clínicas sobre a eficácia e a segurança da maioria das plantas utilizadas para fins medicinais (CAPASSO et al., 2000; TUROLLA; NASCIMENTO, 2006; VEIGA JUNIOR et al., 2005). A falta de consulta a farmacêuticos sobre a utilização das plantas medicinais pode ser devida à ausência do profissional, o que ainda é uma realidade na maioria das Unidades de Saúde Básica municipais. Ainda na tabela 2, em relação à procura por informações, pode-se observar que houve certo equilíbrio nas respostas dos participantes entre o "não" e o "sempre", o que demonstra meio-termo entre as pessoas que não procuram por informações e aquelas que se preocupam em se informar sobre a planta que vão utilizar. Atualmente o mercado mundial de fitoterápicos gira em torno de aproximadamente 22 bilhões de dólares, indicando seu crescimento nos últimos anos (YUNES et al., 2001). Apesar do grande aumento na utilização de plantas medicinais, e do significativo uso dessas plantas pelas pessoas participantes da pesquisa, no presente trabalho houve poucas declarações sobre problemas já observados em decorrência do uso de alguma planta para fins medicinais. Acima de 95% das pessoas entrevistadas de todas as Unidades de Saúde pesquisadas relataram nunca ter sentido efeitos adversos em decorrência do uso das plantas. Isso, no entanto, não pode ser conclusivo, uma vez que podem ocorrer efeitos prejudiciais sem sintomas, sintomas não-percebidos, sintomas que foram relacionados a outra causa e/ou problemas cumulativos decorrentes do uso contínuo da planta. 9 A grande maioria (entre 76 a 89%) das pessoas pesquisadas utiliza as plantas coletadas do próprio quintal (dados não mostrados). Esses locais podem estar contaminados, afetando a qualidade da planta, sem levar em consideração o fato, já apontado anteriormente, de as pessoas utilizarem as plantas sem procurar por informações de pessoas capacitadas para esclarecê-las. A maioria das pessoas (50%) do estudo de Bieski (2005) também utilizava plantas medicinais provenientes do quintal de suas casas. Já foram relatados casos de acidentes pelo uso de farmacógenos com identificação incorreta ou de intoxicações pela contaminação dos mesmos com bactérias e fungos patogênicos (ALICE, 1995; BUGNO et al., 2006). Bugno et al. (2006) avaliaram 91 amostras de plantas medicinais em relação à contaminação por fungos e observaram contaminação em 54,9 % das amostras de plantas analisadas, sendo que a microflora mais encontrada foi dos gêneros Aspergillus e Penicillium, ambas com grande capacidade de produzir toxinas. Além disto, como colocam Turolla e Nascimento (2006), é necessário um rigoroso controle de qualidade desde o cultivo e coleta da planta, na extração de seus constituintes, até a elaboração do medicamento final, uma vez que reações adversas podem ser causadas, seja pelos próprios componentes da planta, ou pela presença de contaminantes ou adulterantes presentes nas preparações fitoterápicas. Outro fator agravante é a escassa fiscalização, por órgãos oficiais, existente em locais de comercialização de plantas medicinais, como feiras livres, mercados públicos e lojas de produtos naturais (VEIGA JUNIOR et al., 2005). O resultado apresentado na figura 1 demonstra que apesar do aumento na utilização das plantas para fins medicinais, as pessoas continuam desinformadas sobre o assunto, e a maioria respondeu acreditar que as plantas só fazem bem para a saúde. Isso ajuda a explicar o fato de que elas não procuram por orientação de pessoas mais bem informadas para saber como utilizar as BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 Número de pessoas (%) 100 80 60 40 20 0 Sim PAM CENTRAL Não PIONEIRO CENTRO EDUCACIONAL Figura 1 - Resultado em relação a pergunta: “Você acredita que o uso das plantas medicinais somente faz bem à saúde?” nos diferentes locais da pesquisa. Na presente pesquisa, a maioria dos entrevistados apresenta essa preocupação, observando a quantidade que utilizam das plantas (Figura 2). No entanto, uma parcela representativa dos entrevistados não se preocupa com a dose utilizada, o que pode propiciar problemas à saúde, devido ao consumo excessivo, além de, possivelmente, estarem utilizando uma planta não indicada para suas necessidades. No nosso país, que tem a maior biodiversidade do planeta, com ecossistemas ameaçados dia após dia, e em vista do grande uso de plantas medicinais pela população brasileira, as pesquisas envolvendo esses vegetais devem ser incentivadas e, sobretudo, devem envolver aspectos como a química, a botânica e a farmacologia. Segundo Guarim Neto e Morais (2003), ainda há no Brasil muitas espécies de plantas nativas com propriedades farmacológicas não pesquisadas e que correm o risco de desaparecerem da vegetação. Número de pessoas (%) plantas corretamente. Um problema decorrente desse resultado é que pode levar essas pessoas a utilizarem quantidades exageradas da planta, acreditando que não lhes fará nenhum mal, o que agravaria os possíveis efeitos prejudiciais ou até tóxicos, observados com a utilização de algumas plantas. A mídia pode ter uma forte influência nesse aspecto, uma vez que ajuda a divulgar a idéia de que as plantas trazem benefícios seguros à saúde por serem fontes naturais. Muitas vezes a planta até possui o efeito conferido a ela, mas sua ação pode estar associada a efeitos colaterais que não justificam seu uso. Negri (2005) faz uma extensa revisão bibliográfica sobre plantas utilizadas como hipoglicemiantes para uso no tratamento do Diabetes e chama a atenção para o fato de que muitas dessas plantas realmente possuem ação hipoglicemiante, mas podem produzir hipoglicemia como um efeito colateral devido à sua toxicidade, especialmente hepatotoxicidade, além da possibilidade de serem tóxicas. 10 70 60 50 40 30 20 10 0 Sim PAM CENTRAL Não PIONEIRO Às vezes CENTRO EDUC Figura 2 - Resultado em relação à pergunta: “Você observa a quantidade de plantas medicinais que utiliza?” nos diferentes locais de pesquisa. Nos últimos anos, tem ocorrido uma maior preocupação dos governos em regulamentar a utilização de medicamentos fitoterápicos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) vem apresentando regulamentos sobre estes medicamentos. Atualmente, em 2006, o governo brasileiro anunciou a Portaria 971, que institui a fitoterapia como uma prática a ser implantada no Sistema Único de Saúde e o Decreto 5.813, que diz respeito ao uso racional desses produtos, sua pesquisa, produção, entre outros aspectos (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b). Essas normas devem facilitar o controle em relação à eficácia e segurança na utilização de plantas para fins terapêuticos. No entanto, como lembra Bieski (2005), a implantação da utilização de fitoterápicos no SUS envolveria diferentes profissionais como o agrônomo, para cultivar as plantas; o farmacêutico, para manipular o medicamento; o médico, para prescrever, entre outros, e, sempre lembrando da necessidade de conhecimentos técnicos BIN; et al. Interbio v.1 n.2 2007 sobre os efeitos terapêuticos e tóxicos dessas plantas. Cabe ao Ministério da Saúde coordenar a implantação desses programas e fiscalizar a produção, comercialização, manipulação e distribuição desses produtos, assim como já possui a função de conceder registro para novos fitoterápicos. Não basta facilitar o acesso da população a essa terapia, mas é preciso garantir informações imprescindíveis para assegurar sua utilização de forma correta. Conclusões 11 http://dtr2004.saude.gov.br/dab/legislacao/portaria97 1_03_05_06.pdf. Acesso em 23 dez. 2006. BRASIL. Diário Oficial da União. Decreto 5.813, de 22 de junho de 2006. 2006b. Disponível em http://elegis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=22 681&word=. Acesso em 30 jan. 2007. BUGNO, A. et al Occurrence of toxigenic fungi in herbal drugs. Brazilian Journal of Microbiology. v. 37, n. 1, p. 47-51, 2006. CALIXTO, J.B. Efficacy, safety, quality control, marketing and regulatory guidelines for herbal medicines (phytotherapeutic agents). 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