MOSTRANDO A DIVERSIDADE CELULAR POR MEIO DE

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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
MOSTRANDO A DIVERSIDADE CELULAR POR MEIO DE MODELOS
DIDÁTICOS
Dillyane de Brito Oliveira Miotto (CEUNES/UFES – Bolsista PROEX)
Bruna Rodrigues Pianca (CEUNES/UFES)
Brunela Santana (CEUNES/UFES)
Priscila Martins Macieira (CEUNES/UFES)
Lais Corrêa de Lima (CEUNES/UFES)
Marcos Santos Bomfim (CEUNES/UFES)
Karina Carvalho Mancini (CEUNES/UFES)
Resumo
A dimensão das células e sua complexa organização fazem o ensino de Citologia complexo e
abstrato. Entender que as células têm diferentes funções e morfologias dificulta, ainda mais, o
processo de aprendizagem. Pensando nessa realidade, o presente estudo desenvolveu modelos
didáticos de células especializadas, em biscuit, e os aplicou aos alunos de turmas de Ensino
Fundamental I de uma escola do município de São Mateus/ES. Os alunos, ainda, visualizaram
lâminas histológicas com materiais biológicos correspondentes aos referidos modelos. A
atividade realizada em ambiente externo à escola e com diferentes métodos, correlacionando
fisiologia e o cotidiano dos alunos, foi uma experiência não usual, dinâmica, prazerosa e
participativa para todos os alunos envolvidos.
Palavras-chave: Citologia, Células especializadas, Ensino, Biscuit.
A Citologia é o ramo da Biologia que estuda a estrutura e o funcionamento das células
e é um conteúdo de grande relevância, tanto no ensino Fundamental e Médio, quanto no
Superior (OLIVEIRA et al., 2015) por ser considerada a unidade morfofuncional de todos os
seres vivos. Ela deixou de ser um ramo da Biologia exclusivamente acadêmico e passou a
atrair o interesse de vários ramos da sociedade. De acordo com Bertolli Filho (2007), temas
biológicos como DNA, genes, clonagem, produtos transgênicos, genoma humano e célulastronco foram popularizados devido à constante cobertura da mídia. Diante disso, é impossível
que os alunos permaneçam alheios a essas questões atuais, sendo fundamental que a escola
proporcione o conhecimento adequado e promova discussões sobre esse assunto presente no
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cotidiano de todos, a fim de que esses alunos saibam se posicionar criticamente diante de
questões cada vez mais polêmicas.
A célula é considerada a unidade morfofuncional de todos os seres vivos porque é
através dela que se formam os diferentes tecidos, órgãos e sistemas do corpo dos animais e
vegetais. Para isso, cada célula se especializa em uma determinada função, como é o caso das
células musculares especializadas na contração, dos neurônios na transmissão de impulsos
elétricos, das hemácias nas trocas gasosas, entre outras.
Por ter dimensões microscópicas, as células não são visíveis a olho nu e seu estudo se
torna bastante abstrato, dificultando a assimilação desse conteúdo pelos alunos (PALMERO;
MOREIRA, 1999). Se entender sobre o mundo microscópico das células já é difícil,
compreender essa diversidade de formas, componentes, organizações e funções é uma tarefa
ainda mais complexa para o professor. Com a utilização de microscópios, essa dificuldade
poderia ser minimizada, porém, a maioria das escolas não possui esse recurso e nas escolas
que o possui, em sua grande maioria, este se encontra quebrado ou sem uso por falta de
conhecimento de manuseio. Para complicar ainda mais a situação, as escolas não possuem
materiais biológicos (lâminas histológicas permanentes) para serem observados e explorados
nos microscópios.
O livro didático, único material de apoio da maioria das escolas, traz imagens que
causam certa distorção na aprendizagem. Por não ser tridimensional, é um recurso limitado e
suas imagens muitas vezes apresentam erros conceituais, como afirmam Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2002, p. 296):
A maioria das ilustrações que se encontram nos bons livros é pouco explicativa para
quem tem um primeiro contato com as informações a ser passadas. A utilização de
cortes, de projeções bidimensionais, de perspectivas distorcidas e de ampliações
tornam os objetos tridimensionais irreconhecíveis para a maioria dos sujeitos que os
vêem pela primeira vez. Mais do que isso, leva à construção errônea de conceitos,
relações e dimensões. Quem só conhece o fígado pelos desenhos de aparelho
digestivo dificilmente tem noção de seu tamanho e de sua posição no organismo.
Diante do exposto, é fundamental que o professor busque materiais didáticos que
sejam facilitadores no processo de ensino-aprendizagem. Mais do que isso, é importante a
criação de mecanismos didáticos que facilitem a ampliação da visão do aluno (MANZKE,
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2013). Entretanto, a maioria dos professores, por causa da exaustiva carga horária de trabalho
e desvalorização da profissão, acaba não tendo tempo e motivação para elaboração de novas
práticas e estratégias de ensino que promovam uma aprendizagem significativa. Segundo essa
teoria de aprendizagem, o conhecimento prévio dos alunos deve ser valorizado e estimulado
para que se construam estruturas e mapas mentais que permitam redescobrir outros
conhecimentos, caracterizando, assim, uma aprendizagem prazerosa e eficaz (PELIZZARI,
2002; AUSUBEL, 2003). Quando se têm aulas mais dinâmicas, como práticas laboratoriais,
teatros, jogos e modelos, nota-se que o aluno se mostra mais interessado e participativo e isso
é essencial para um sólido aprendizado.
Os modelos didáticos, além de trazerem interação às aulas, também são excelentes
mediadores na construção do conhecimento, como afirmam Setúval e Brejano (2009, p. 08):
Outra evidência é o dinamismo que os modelos didáticos poderão propiciar na
fixação dos conteúdos, assim como na resolução dos problemas evidenciados no
modo como os professores desenvolverão na execução da sua prática. Sob esta ótica,
é imperativo que os docentes possam promover a articulação entre a teoria e a
prática de maneira dialógica e afetiva, partindo do princípio da autonomia do
estudante em questionar sobre o que ele realiza e observa diante de um fenômeno ou
processo estudado.
Outro benefício do uso de modelos didáticos é que o aluno consegue materializar os
conceitos abordados em sala de aula e torná-los assim mais assimiláveis. Eles reproduzem
uma realidade esquematizada e simbolizam um conjunto de fatos através de uma estrutura
explicativa que pode ser confrontada com a realidade (JUSTINA et al., 2003).
Desta forma, observando as dificuldades no ensino de citologia nas escolas e
considerando a importância desse conteúdo não somente no âmbito escolar como também no
dia a dia do aluno para o entendimento de seu próprio corpo, o presente trabalho teve como
objetivo a confecção de modelos didáticos de células especializadas e sua aplicação no ensino
fundamental I.
Confecção dos modelos didáticos
Os modelos foram confeccionados como parte do projeto de extensão “A Biologia
Celular na Prática”, que vem sendo desenvolvido desde 2009, no Centro Universitário Norte
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do Espírito Santo (CEUNES) da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) por
estudantes do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.
Ao iniciar a produção de cada modelo foi realizado um levantamento bibliográfico de
imagens e conteúdo específico. Cada modelo teve duração de cerca de um mês para sua
confecção. Todos os modelos foram confeccionados em biscuit, que é um material de alta
durabilidade, fácil manutenção e manuseio. Para a confecção dos modelos foram utilizados:
massa de biscuit, cola de biscuit, creme para biscuit, tinta de tecido, cola de isopor, papelão,
lixa, bola de isopor, folha de isopor, verniz, EVA e placa acrílica.
Primeiramente, foi feito um molde em isopor e papelão para cada modelo. Em
seguida, o modelo foi totalmente revestido por uma camada de biscuit, previamente preparada
(com creme e tinta) e esticada. Todas as organelas celulares internas foram modeladas
separadamente e coladas no modelo. Após a secagem de todos os componentes internos e
externos, o modelo foi então lixado e finalmente envernizado para melhor acabamento e
durabilidade.
Foram confeccionados 12 modelos didáticos tridimensionais de células (Figura 01), a
saber:
Célula Procarionte: A estrutura do modelo foi feita com isopor e garrafa pet, revestida
com uma camada de biscuit vermelho queimado. Suas estruturas citoplasmáticas foram
representadas com biscuit colorido, modelado de diferentes formas.
Célula Eucarionte Animal: A estrutura do modelo foi feita com uma bola de isopor
grande e revestida com uma camada de biscuit amarelo. Suas estruturas citoplasmáticas foram
representadas com biscuit colorido, modelado de diferentes formas.
Célula Eucarionte Vegetal: A estrutura do modelo foi feita com recortes de folha de
isopor e revestida com uma camada de biscuit laranja. Suas estruturas citoplasmáticas foram
representadas com biscuit colorido, modelado de diferentes formas.
Células especializadas:
Neurônio: A estrutura do modelo foi feita com papelão e isopor e revestida com uma
camada de biscuit lilás. Suas estruturas citoplasmáticas foram representadas com biscuit
colorido, modelado em diferentes formas. Ao final, o modelo foi fixado a uma placa de
acrílico transparente como suporte.
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Adipócito unilocular e adipócito multilocular: As estruturas dos modelos foram feitas
com bola de isopor e revestidas com uma camada de biscuit rosa chá. Suas estruturas
citoplasmáticas foram representadas com biscuit colorido, modelado em diferentes formas.
Células sanguíneas – Glóbulos vermelhos (Hemácia) e glóbulos brancos (Neutrófilo,
Eosinófilo, Basófilo, Linfócito e Monócito): As bases dos modelos foram feitas com bola de
isopor e revestidas com uma camada de biscuit lilás (glóbulos brancos) e vermelho (glóbulos
vermelhos). Suas estruturas citoplasmáticas foram representadas com biscuit colorido,
modelado em diferentes formas.
Figura 01: Modelos didáticos. (A) célula procarionte; (B) célula eucarionte animal; (C)
célula eucarionte vegetal; (D) neurônio; (E) células sanguíneas e (F) células adiposas.
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Todos os modelos ficam lotados no Laboratório de Microscopia do CEUNES/UFES e
disponíveis para serem aplicados em escolas do município de São Mateus/ES e para visitação
de escolas ao laboratório.
Aplicação dos modelos didáticos
A aplicação foi realizada com alunos do Centro Educacional Castelinho Encantado
localizado no município de São Mateus/ES. Participaram da atividade seis turmas de Ensino
Fundamental I, totalizando 120 alunos, que foram ao CEUNES/UFES para visitação ao
laboratório de Microscopia. O laboratório foi organizado com modelos sob as bancadas e
lâminas histológicas em microscópio, correspondentes aos modelos confeccionados, ou seja,
esfregaço de sangue humano, corte de tecido adiposo e corte de tecido nervoso.Para cada um
dos seis grupos a atividade durou entre 20 e 30 minutos, sendo que enquanto um grupo estava
no Laboratório de Microscopia os outros cinco grupos conheciam outros laboratórios da
universidade. Os alunos já haviam estudado o conteúdo de Citologia em sala de aula.
Para cada um dos seis grupos o início da atividade foi conduzido com diálogo entre
monitores e alunos, buscando o senso comum que esses alunos possuíam acerca de citologia.
Nessa etapa foram usados os modelos de células procariontes e eucariontes (animal e vegetal).
A partir do retorno dos alunos, os monitores discutiam sobre esses tipos celulares básicos e as
funções atribuídas às diferentes organelas. Após a discussão sobre esses tipos celulares
básicos iniciou-se a discussão de cada tipo celular especializado. Cada monitor apresentou um
modelo didático onde eram abordadas a localização, a morfologia e o funcionamento de cada
célula e de suas estruturas citoplasmáticas Da mesma forma, os monitores procuraram extrair
informações do senso comum dos alunos para o desenvolvimento da atividade. Como ressalta
Santos (2007), o papel principal do educador, para promover a aprendizagem significativa, é
desafiar os conceitos já aprendidos, para que os mesmos se reconstruam mais abrangentes e
consistentes, tornando-se, assim, mais inclusivos com relação a novos conceitos.
Os alunos se mostraram bastante curiosos e interessados, fazendo perguntas e
inúmeras associações com o cotidiano. Um exemplo disso foi a relação entre a velocidade da
transmissão de informação de um neurônio com a internet 4G, feita por um dos alunos. Além
disso, exemplos usando exame de sangue, machucados e infecções foram usados para
trabalhar o tecido sanguíneo. Da mesma forma, atividades físicas, obesidade, alimentação e
energia foram os assuntos abordados para a discussão sobre o tecido adiposo. De acordo com
Caurio (2011), um dos fatores que mais dificulta o entendimento da Citologia é a ausência de
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uma ligação entre os conceitos científicos e sua aplicação no cotidiano. Esse tipo de atividade
interativa é comprovadamente muito eficiente no âmbito da aprendizagem, pois os alunos
conhecem uma forma participante e ativa de entender o conteúdo. É assim que se busca uma
aprendizagem significativa, onde o aluno constrói, junto com o professor, o conhecimento
(AUSUBEL, 1982).
Depois de apresentado e discutido cada tipo celular os alunos visualizaram as células
nos microscópios com a supervisão constante dos monitores. A utilização dos microscópios
foi de grande importância, pois além de trazer mais dinâmica para a atividade também
possibilitou que os alunos manipulassem esse recurso desconhecido, observassem pela
primeira vez as células e comparassem com os modelos didáticos. À medida que os alunos
olhavam no microscópio, os monitores reforçavam as informações acerca da estrutura celular
e de suas funções, sempre correlacionando com o modelo. Ao mesmo tempo, os monitores
alertavam para as estruturas celulares que podiam ser vistas no microscópio, como é o caso
dos núcleos, dendritos e corpo celular dos neurônios, dos núcleos e gotículas de gordura das
células adiposas e dos núcleos das células do sangue.
Apesar de serem alunos do ensino fundamental I e apresentarem restrito conhecimento
em citologia, eles conseguiram interagir com os monitores, modelos e microscópios, fazendo
perguntas e respondendo as indagações com exemplos do cotidiano. Atividades que fogem da
rotina sempre trazem uma memória duradoura. Neste caso, a visita à universidade, a
visualização de modelos tridimensionais grandes e coloridos e a manipulação de um
microscópio, provavelmente, resignificaram os conceitos de citologia vistos em sala de aula.
Esse tipo de atividade também foi uma forma de apresentar aos alunos do ensino
básico o espaço universitário de seu município, para que desperte neles a vontade de fazer
parte desse ambiente, estimulando assim a continuação e aprimoramento dos estudos. Além
disso, a intervenção mostrou aos professores do ensino básico, regentes das turmas
participantes, que é possível fazer uso da estrutura da universidade como fonte de materiais
didáticos e para diversificar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
É da universidade a função de gerar um saber comprometido com a transformação da
sociedade. Mendes (2008, p.2) salienta que:
A universidade tem então como função não só formar mestres e doutores, isto é,
construir conhecimentos científicos, contribuindo para o desenvolvimento da
ciência, por meio da pesquisa, mas desenvolver atividades de ensino e extensão,
contribuindo com a avaliação e a implantação de políticas públicas, atendendo às
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necessidades de
diferentes
responsabilidade
de
setores da
veicular
esses
sociedade. É
conhecimentos
da
universidade
a
disponibilizando-os
a
comunidade, e a forma de fazê-lo seria por meio de atividades de parcerias com a
rede pública de ensino.
Para os alunos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas do CEUNES/UFES,
participantes do projeto, esse tipo de atividade traz à tona a necessidade urgente de mudança
na atuação docente, fazendo do aluno agente atuante de seu próprio processo de aprendizagem
e tornando o papel do professor como mero mediador do conhecimento. Segundo Silva e
Vasconcelos (2006, p.121):
A formação do aluno vai além da aquisição de conhecimentos técnico-científicos,
até porque esses se esvaziam quando não integrados à realidade. Para uma
abordagem inovadora, a aprendizagem deve ir além da aplicação imediata,
impulsionando o sujeito a criar e responder a desafios, a ser capaz de gerar
tecnologias e de manter a habilidade de aprender e recriar permanentemente; ou seja,
a graduação deve se transformar no locus de construção/produção do conhecimento,
em que o aluno atue como sujeito da aprendizagem.
Atividades como a desenvolvida no presente relato, proporcionadas pela universidade
em parceria com as escolas, mostram a possibilidade de se ter uma abordagem educacional
diferenciada que trás benefícios para alunos, licenciandos e professores. A disponibilidade dos
modelos celulares mostra ao professor que é possível fazer uso deles na escola e na
universidade e ainda abre caminhos para o planejamento de oficinas de construção pelos
próprios alunos.
Essa intervenção em ambiente externo à escola (no caso a universidade), somada à
discussão de tipos celulares, através de modelos didáticos e microscopia e, ainda, suas
relações com a fisiologia do corpo e o cotidiano dos alunos, foi uma experiência não usual,
dinâmica, prazerosa e participativa para todos os alunos envolvidos. Isso confirma que é
importante que o professor busque alternativas para auxiliar no processo de ensino
aprendizagem, tornando-o mais leve, motivador e significativo. Por meio dessa intervenção,
nota-se a importância da interação e parceria da universidade com a sociedade na criação de
uma nova educação dinâmica e atuante.
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