101 Striker GAJ, Casanova LD, Dias ATN ARTIGO ORIGINAL Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a obesidade com base em fisiologia e evolução* Digestive adaptation: A new surgical proposal to treat obesity based on physiology and evolution Sérgio Santoro 1 , Manoel Carlos Prieto Velhote 2 , Carlos Eduardo Malzoni 3 , Alexandre Sérgio Gracia Mechenas 4 , Victor Strassmann 5 , Morton Scheinberg 6 ABSTRACT Objective: To report on a new surgical technique to treat obesity Digestive Adaptation - and to present its preliminary results. Method: The technique includes a vertical (sleeve) gastrectomy, omentectomy and enterectomy maintaining the initial 150-cmportion of the jejunum and the final 150-cm-portion of the ileum. The three first obese patients operated on are described. Results: With a minimum follow-up of 6 months, all patients refer early satiety, are free of symptoms and have a BMI <31 Kg/m 2 . Conclusions: This procedure does not use prostheses and does not cause exclusion of gastrointestinal segments. It does not create subocclusions neither malabsorption nor blind endoscopic areas and above all, it causes no harm to important digestive functions. Conversely, it aims at moderate restriction with early satiety by distension, and at interfering in the neuroendocrine profile, resulting in slow gastric emptying, early and prolonged satiety, as well as positive changes in the metabolic profile. Based on recent physiological data, the procedure aims at decreasing the production of ghrelin, plasminogen activator inhibitor-1 (PAI1) and resistin, and at raising the levels of glucagon-like peptide1 (GLP-1). The patients operated on do not need nutritional support or to take drugs because of the procedure, which is easy and safe to perform. Keywords: Obesity, morbid/surgery; Plasminogen activator inhibitor 1; Omentum/physiology; Adipose tissue/physiopathology; Gastrectomy/methods, Peptide hormones; Citokines/physiology RESUMO Objetivo: Esta é a comunicação preliminar, com resultados iniciais, de uma nova técnica cirúrgica para tratar a obesidade: Adaptação Digestiva. Método: A técnica inclui uma gastrectomia vertical, a omentectomia e enterectomia que mantém os primeiros 150 cm de jejuno e os últimos 150 cm de íleo. Os três primeiros pacientes obesos tratados por esta técnica são apresentados. Resultados: Com seguimento mínimo de seis meses, todos os pacientes estão livres de sintomas, referem saciedade mais precocemente e já estão com IMC menor que 31 Kg/m2. Conclusões: Este procedimento evita criar subestenoses, colocar próteses, excluir segmentos digestivos do trânsito de nutrientes, gerar malabsorção e fundamentalmente, evita prejudicar funções digestivas. O procedimento visa gerar uma restrição moderada, o que colabora para a saciedade precoce por distensão gástrica com menores volumes e visa também modificar as circunstâncias neuroendócrinas, retardando o esvaziamento gástrico, e gerando saciedade precoce e prolongada, paralelamente a mudanças positivas no perfil metabólico. Baseado em dados fisiológicos recentemente descobertos, o procedimento pretende diminuir a produção de grelina, do inibidor da ativação do plasminogênio 1 (PAI-1), da resistina e finalmente promover a secreção mais efetiva do glucagon-like peptide 1 (GLP-1). O paciente operado não necessita de suporte nutricional nem de uso crônico de medicações por causa do procedimento, que é simples e fácil de ser realizado. DESCRITORES: Obesidade mórbida/cirurgia; Inibidor 1 de ativador de plasminogênio; Omento/fisiologia; Tecido adiposo/fisiopatologia; Gastrectomia/métodos; Hormônios peptídicos; Citocinas/fisiologia INTRODUÇÃO No século XX, observamos um grande aumento na incidência de obesidade, hipertensão, diabetes, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e outras doenças associadas às modificações na dieta humana. * Estudo realizado no Hospital da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 1 Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. 2 Doutor em Medicina pela FMUSP, Assistente da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da FMUSP. 3 Mestre em Medicina pela FMUSP, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 4 Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica. 5 Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da FMUSP, Assistente de Cirurgia Digestiva da FMUSP. 6 Clínico, Pesquisador em Reumatologia-Imunologia, Doutor pela Boston University, Livre-docente pela USP. Endereço para correspondência: Sérgio Santoro - R. São Paulo Antigo, 500 - apto. 111 SD - São Paulo (SP) - CEP 05684-010 - e-mail: [email protected] Recebido em 4 de setembro de 2003 – Aceito em 14 de novembro de 2003 einstein 2003; 1:95-8 einstein 2003; 1:95-8 102 Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M A educação alimentar e os tratamentos clínicos não conseguiram evitar a obesidade. Muitas técnicas cirúrgicas para tratar a obesidade extrema já foram descritas, mas nenhuma foi satisfatória. O tratamento cirúrgico atual causa “outra doença” para compensar a obesidade. Algumas técnicas resultam em máabsorção inespecífica que pode acarretar perda de nutrientes não calóricos, como cálcio, ferro e ácido fólico, além de diarréia. Certos procedimentos colocam obstáculos à ingestão de alimentos, e outros utilizam próteses que podem causar suboclusões e, conseqüentemente, disfagia, vômitos e esofagite de estase. Atualmente, vários procedimentos envolvem exclusão de segmentos do sistema digestório, causando atrofia da mucosa, com proliferação bacteriana; esta, por sua vez, acarreta intensa flatulência e translocação bacteriana para o sistema porta, que pode estar relacionada à fibrose hepática. Além disso, a exclusão de segmentos dificulta a realização de endoscopia. Buscamos novas alternativas cirúrgicas que sejam fáceis de serem realizadas, que não requeiram exclusão de nenhum segmento, evitando assim áreas sem acesso endoscópico, que não causem suboclusões e nem utilizem próteses. Idealmente ainda, a técnica deve evitar má-absorção e, sobretudo, não alterar as principais funções digestivas. Buscamos, em resumo, procedimentos que possam interferir de forma positiva no controle neuroendócrino da fome e da saciedade e não que se utilize de mecanismos não-fisiológicos. Bases Fisiológicas GLP-1: O “glucagon-like peptide 1” (GLP-1) é um hormônio secretado pelas células enteroendócrinas L do intestino em resposta à ingestão de alimentos. O GLP-1 aumenta a secreção e a expressão gênica nas células produtoras de insulina, estimulando o crescimento das células beta pancreáticas. O GLP-1 é secretado principalmente no intestino distal e os nutrientes que atingem este ponto são um estímulo fundamental para sua liberação. O GLP-1 é um potente agente que pode melhorar, ou até mesmo curar, o diabetes tipo 2. Quando diabéticos obesos são submetidos à cirurgia de derivação biliopancreática (técnica de Scopinaro), a anastomose gastroentérica leva os alimentos diretamente para o íleo e, logo após a operação, ocorre melhora significativa ou cura do diabetes, antes mesmo de os pacientes apresentarem perda significativa de peso. Acredita-se que a produção eficiente deste hormônio traga este importante benefício. O GLP-1 também desempenha outras ações importantes, como inibir o esvaziamento gástrico e atravessar a barreira hematoencefálica, levando à saciedade. Em resumo, após uma grande refeição, einstein 2003; 1:99-104 quando os nutrientes atingem a porção distal do intestino, o GLP-1 é produzido, levando a um aumento na secreção de insulina, atraso no esvaziamento gástrico e saciedade central. Grelina: É um peptídeo com 28 aminoácidos, produzido principalmente pelo estômago e com intensa atividade relacionada à liberação do hormônio de crescimento (GH). Estimula também a secreção de ácido gástrico e pode induzir a formação excessiva de tecido adiposo, ao ativar um mecanismo central para aumentar a ingestão de alimentos e diminuir o uso de gorduras. A produção de grelina diminui após uma refeição e aumenta posteriormente, e assim faz parte do processo de controle da fome. Entretanto, altos níveis de grelina não são uma causa freqüente de obesidade, pois a maioria dos indivíduos obesos apresentam baixa concentração deste hormônio. Entretanto, em casos de perda significativa de peso, os níveis de grelina aumentam, o que acarreta fome e, provavelmente, contribui para um novo ganho de peso. PAI-1: O inibidor do ativador de plasminogênio 1 (PAI-1) é o principal inibidor fisiológico da ativação de plasminogênio e atua na coagulação. Os níveis circulantes de PAI-1 estão aumentados em pacientes com doença coronariana, e têm um papel importante no desenvolvimento de trombose arterial ao diminuir a degradação de fibrina. O PAI-1 é produzido pelo tecido adiposo, principalmente no omento e na gordura mesentérica (gordura visceral). Já se demonstrou que os procedimentos que levam a uma redução nos níveis de PAI-1 melhoram o perfil metabólico e reduzem o risco cardiovascular. Resistina: Atualmente sabemos que o tecido adiposo é uma glândula endócrina e produz muitas substâncias que agem como hormônios, como resistina, leptina, interleucina-6, adiponectina (também chamada ACRP30 ou adipoQ) e angiotensina II. A resistina atua nas células dos músculos esqueléticos (miócitos), nos hepatócitos e adipócitos e reduz sua sensibilidade à insulina; portanto, este hormônio está relacionado ao diabetes. A gordura visceral é também a principal fonte de resistina. Obesidade visceral: O tecido adiposo abdominal está relacionado à doença conhecida como síndrome plurimetabólica. A relação cintura/quadril vem sido utilizada para quantificar o risco cardiovascular e vários estudos epidemiológicos mostraram sua associação com hipertensão, hipertrigliceridemia, resistência à insulina e trombose arterial. A gordura visceral é resistente à insulina e, portanto, libera ácidos graxos livres (AGL) para o sistema porta. Acredita-se que a resistência à insulina pelo fígado decorra de um aumento relativo na liberação de AGL do depósito Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a obesidade de gordura do omento para o fígado (pela veia porta). Muitos pacientes extremamente obesos apresentam um perfil metabólico muito bom, pois têm predomínio de gordura subcutânea. A maioria das complicações da obesidade está associada à gordura visceral; são exceção as complicações ortopédicas, respiratórias e o refluxo. Bases Evolutivas A dieta primitiva era crua, rica em fibras pouco digeríveis e bem pouco calórica. O estômago precisava ser grande o suficiente para armazenar uma maior quantidade de alimentos e lidar com períodos de jejum prolongado. Assim, o volume de alimentos ingeridos tinha que ser grande, e o intestino precisava ser muito longo para receber e processar mais alimentos, ser eficiente e não perder os nutrientes. Porém, a dieta humana mudou radicalmente em poucos séculos. O domínio do fogo tornou os alimentos mais digeríveis. A agricultura proporcionou mais abundância e aumentou a quantidade de carboidratos disponíveis. O açúcar refinado está agora disponível em grande quantidade, ao passo que na natureza ocorria apenas em porções mínimas. A gordura saturada e os alimentos industrializados tornaram este quadro ainda pior. O desenvolvimento da eletricidade possibilitounos fazer refeições à noite. A propaganda, os restaurantes, os doces e outras guloseimas da civilização moderna representaram uma mudança muito rápida que nosso sistema digestório e nossos instintos alimentares não conseguiram acompanhar. A dieta moderna é hipercalórica, pobre em fibras e fácil de ser absorvida. Após uma refeição com tais características, ocorre um pico de absorção nas porções proximais do intestino. O intestino distal tende a absorver menos nutrientes, reduzindo a produção de GLP-1. Já foi descrito que diabéticos e obesos apresentam produção pós-prandial de GLP-1 reduzida. Demonstrou-se também que os indivíduos obesos tendem a ter um intestino delgado mais longo do que as pessoas magras (o tamanho do intestino delgado associa-se ao peso e não à estatura). Isso provavelmente contribui para que nos obesos pequenas quantidades de nutrientes cheguem ao intestino distal, levando a uma menor quantidade de GLP-1. A natureza agora está fazendo o que sabe fazer melhor, ou seja, seleção. Os indivíduos com instintos alimentares fortes estão morrendo por falta de adaptação de seu sistema digestório e de seu sistema de sinalização neuroendócrina. Uma nova proposta para tratar a obesidade Temos procurado uma maneira de adaptar o sistema digestório e os instintos alimentares à abundância, sem causar dano às principais funções digestivas, 103 desempenhadas pelo estômago, piloro, duodeno, íleo e cólon. O duodeno e o intestino proximal têm funções diferentes daquelas do intestino distal. Algumas técnicas atuais para tratar a obesidade fazem uma ressecção ou exclusão do piloro (derivação biliopancreática de Scopinaro, técnica de Fobi, bypass gástrico com Y de Roux, cirurgia de Capella). Na derivação biliopancreática com a técnica de Scopinaro, ou com a técnica de “duodenal switch”, todo o intestino proximal é excluso e os procedimentos costumam causar má-absorção inespecífica, com conseqüente deficiência nutricional. No bypass gástrico, faz-se a exclusão da maior parte do estômago; já em outras técnicas, não há exclusão, mas há suboclusão, como na banda gástrica. As diversas funções digestivas são importantes, mesmo em pacientes obesos. Contudo, a capacidade gástrica é maior do que as necessidades da dieta moderna, e os intestinos são muito longos diante da dieta moderna. Portanto, propomos uma ressecção gástrica vertical (semelhante à técnica, muito usada, de “duodenal switch”), associada à omentectomia e enterectomia da parte média do intestino. Assim, 150 centímetros da porção proximal do intestino delgado e 150 cm da porção distal são mantidos, no total de 3 metros de intestino delgado, o que é ainda considerado um comprimento normal. O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da Polícia Militar do Estado de São Paulo aprovou o protocolo de pesquisa. Um consentimento informado detalhado foi assinado pelos pacientes, e constava no documento que não era possível prever a perda de peso devido à falta de experiência. MÉTODO Técnica: O procedimento pode ser realizado através de uma incisão supra-umbilical na linha média, ou por laparoscopia. Descrevemos a técnica a céu aberto, onde o primeiro passo é separar o grande omento do cólon. O fundo do estômago é liberado ao se cortar os pequenos vasos gástricos com uma tesoura ultra-sônica. Posteriormente, a arcada gastroepiplóica é seccionada a 6 cm do piloro. Os vasos gastroepiplóicos permanecem intactos no antro. Passa-se uma sonda de Fouchet de 12 mm do esôfago até o duodeno, pela grande curvatura. Um grampeador linear é utilizado para fazer a ressecção do fundo e da maior parte do corpo gástrico, deixando um tubo gástrico de 3 a 4 cm de diâmetro na pequena curvatura (figura 1). Fazse a ressecção do segmento gástrico e omento maior, como mostra a figura 2. einstein 2003; 1:99-104 104 Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M Figura 1. Diagrama de ressecção gástrica parcial Figura 2. Espécime - ressecção gastroepiplóica Figura 3. Espécime - enterectomia. Intestino delgado com 150 cm de comprimento (paciente MZF) einstein 2003; 1:99-104 Paciente 1: MZF, sexo feminino, 39 anos, peso=104 kg, estatura=169 cm, IMC=36,4 kg/m 2, colesterol total=210 mg/dl, triglicérides=200 mg/dl. A paciente fez tratamento clínico por dez anos e utilizou sibutramina e outras drogas. Quando a cirurgia foi indicada, estava em uso de orlistat. Não conseguia perder peso e queixava-se de dor devido à hérnia de disco. Foi operada em outubro de 2002. Em agosto de 2003, o peso era 69 kg, IMC=24,1 kg/m 2, colesterol=174 mg/dl, triglicérides=161 mg/dl. Não tomou nenhum medicamento e a dor nas costas desapareceu. Paciente 2: RJSB, sexo masculino, 40 anos, peso=143 kg, estatura=182 cm, IMC=43,1 kg/m 2, colesterol total=247 mg/dl, triglicérides=295 mg/dl. Fez tratamento clínico por dez anos e estava tomando femproporex. Queixava-se de dor nos joelhos e na região lombar, e foi operado em janeiro de 2003. Em agosto de 2003 pesava 100 kg, IMC=30,1 kg/m 2 , coles-terol=197 mg/dl, triglicérides=102. Ainda estava perdendo peso quando este artigo foi enviado para publicação. Paciente 3: WVBG, sexo masculino, 44 anos, peso=123 kg, estatura=178 cm, IMC=38,6 kg/m 2, colesterol total=247 mg/dl, triglicérides=295 mg/dl. Esteve em tratamento clínico por dez anos e recentemente usou orlistat, femproporex e anfetamina. Queixava-se de dor nos joelhos e na região lombar e foi operado em fevereiro de 2003. No 23o dia de pós-operatório voltou ao hospital por causa de um abscesso, que foi drenado. Em agosto de 2003 seu peso era 99 kg, IMC=31,2 kg/m 2, colesterol=142 mg/dl, triglicérides= 67 mg/dl. Foi prescrita cefazolina profilática por 24 horas a todos os pacientes, que receberam alta no 3 o dia de pós-operatório. Foram orientados a ingerir apenas líquidos, tomando o volume máximo de 150 ml de cada vez, durante uma semana. Depois, poderiam ingerir alimentos sólidos. Nesta fase, foi também recomendado iniciar as refeições com uma porção de salada e incluir frutas, vegetais, peixes e frango na dieta. Nenhum paciente apresentou diarréia e dois tiveram constipação intestinal leve (provavelmente por estarem comendo menos). Todos os pacientes descrevem saciedade precoce, e estão muito satisfeitos. DISCUSSÃO O procedimento oferece muitas vantagens e acreditamos que possa adaptar o sistema digestório à dieta moderna. Como os alimentos atuais são muito mais calóricos do que a dieta primitiva, a capacidade Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a obesidade gástrica pode ser reduzida em 1 a 1,8 litros. Esta técnica, porém, não causa suboclusão ou estenose, nem requer uso de prótese. O estômago fica proporcionalmente reduzido, mas mantém sua estrutura geral (cárdia, corpo, antro e piloro) e a inervação intacta na pequena curvatura. Os pacientes tendem a apresentar saciedade precoce por distensão gástrica. Quando ocorre perda significativa de peso, não se espera aumento na produção de grelina, pois sua maior fonte secretória foi retirada. A enterectomia realizada não tem por objetivo causar má-absorção. Não há relato de insuficiência intestinal com 300 cm de intestino com segmentos proporcionais (duodeno, jejuno, íleo, válvula ileocecal e cólon). Na verdade, algumas pessoas normais têm apenas três metros de intestino delgado (em humanos, o comprimento do intestino delgado varia de 3 a 8 metros). O propósito deste procedimento é criar um intestino proporcionalmente menor, mas que ainda seja normal em dimensões; além disso, esta redução leva os nutrientes para o íleo, resultando em uma secreção mais eficiente de GLP-1. Este hormônio, por sua vez, reduz a velocidade de esvaziamento gástrico, aumenta a secreção de insulina e promove saciedade central. Em geral, os níveis de triglicérides e colesterol diminuem com as ressecções intestinais. Quando se realiza a enterectomia, faz-se a excisão do mesentério e a gordura visceral é retirada. A omentectomia promove uma retirada adicional da gordura visceral e redução de uma fonte de PAI-1, reduzindo assim o risco de trombose arterial. Além disso, proporciona uma redução na fonte de resistina e de ácidos graxos livres para a veia porta. Acredita-se que os dois eventos reduzam o hiperinsulinismo e a resistência à insulina. Como os segmentos retirados são volumosos, a pressão intra-abdominal (PIA) diminui. Altos níveis pressóricos no abdome estão relacionados a problemas respiratórios e hemodinâmicos e refluxo. Estes resultados preliminares são muito motivadores, porque os pacientes apresentaram a perda de peso esperada, sem ocorrência de suboclusões ou máabsorção. Precisamos ainda avaliar a redução nos níveis de grelina, resistina e PAI-1, e o aumento precoce na concentração de GLP-1. Além dos benefícios da perda de peso, houve redução nos níveis de colesterol e triglicérides, como esperado. Contudo, a melhora no perfil metabólico deve ser avaliada em uma amostra maior e por um período mais longo. Os pacientes muito obesos podem não perder a quantidade de peso necessária com este procedimento, por este não alterar tanto as funções digestivas; porém, a maioria das técnicas já mencionadas pode ainda ser utilizada após esta cirurgia. 105 Os procedimentos cirúrgicos atuais para obesidade são muitos invasivos e não devem ser recomendados para pacientes que não sejam extremamente obesos. Quando se realizam tais procedimentos, os indivíduos já apresentam lesões arteriais e articulares e complicações de diabetes, hipertensão, dislipidemia, refluxo gastroesofágico e outras doenças associadas à obesidade, além de problemas psicológicos e sociais. O risco cirúrgico é alto. Como a técnica proposta é simples e segura, preserva a estrutura geral dos órgãos e as principais funções digestivas e não requer suporte nutricional, pode ser indicada a pacientes que não sejam extremamente obesos, reduzindo o risco cirúrgico. O procedimento em si não apresenta muitos riscos. A obesidade extrema é uma doença grave, que causa alguns danos físicos e psicológicos irreversíveis com o passar dos anos. Os tratamentos atuais envolvem cirurgias agressivas do ponto de vista fisiológico. A técnica descrita pode ser um procedimento fisiologicamente aceitável para tratar a obesidade extrema; pode também ser utilizada para evitar tal situação, quando eminente, em pacientes que já apresentam outras co-morbidades. Este é o primeiro procedimento cirúrgico que não visa curar um órgão comprometido ou deficiente, mas que tem por objetivo adaptar um sistema às circunstâncias modernas, em caso de insucesso no tratamento clínico e dietético. Na verdade, esta é uma cirurgia evolutiva e adaptativa, que não seria necessária se não tivéssemos modificado nossa dieta primitiva. Pode se tornar um procedimento muito importante, já que previne precocemente o desenvolvimento de obesidade, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, diabetes tipo 2, hipertensão, trombose arterial e outras doenças características da vida moderna. CONCLUSÃO O procedimento descrito é a associação de três técnicas bem conhecidas: gastrectomia vertical, omentectomia e enterectomia. São técnicas muito simples e seguras, e, juntas, produzem um sistema digestório proporcionalmente menor, sem alterar sua estrutura geral, como observado em outros procedimentos cirúrgicos para tratar obesidade. Não há estenose, suboclusão, má-absorção; não houve exclusão de segmentos, não foram criadas áreas sem acesso endoscópico, nem foi necessário usar próteses. Ademais, as principais funções digestivas não sofreram alteração. O paciente submetido à cirurgia não necessita de suporte nutricional, nem de uso crônico einstein 2003; 1:99-104 106 Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M de medicamentos por causa do procedimento. Os resultados preliminares são muito estimulantes. AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer à U.S. Surgical pela doação dos instrumentos cirúrgicos descartáveis utilizados nos procedimentos realizados no Hospital da Polícia Militar de São Paulo. 16. Juhan-Vague I, Alessi MC, Morange PE. Hypofibrinolysis and increased PAI-1 are linked to atherothrombosis via insulin resistance and obesity. Ann Med 2000;32(Suppl 1):78-84. 17. van Hinsbergh VW, Kooistra T, Scheffer MA, Hajo van Bockel J, van Muijen GN. Characterization and fibrinolytic properties of human omental tissue mesothelial cells. Comparison with endothelial cells. Blood 1990;75:1490-7. 18. Juhan-Vague I, Alessi MC. PAI-1, obesity, insulin resistance and risk of cardiovascular events. 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