Adaptação-digestiva-Nova-proposta-cirúrgica-para-tratar-a

Propaganda
101
Striker GAJ, Casanova LD, Dias ATN
ARTIGO ORIGINAL
Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a
obesidade com base em fisiologia e evolução*
Digestive adaptation: A new surgical proposal to treat obesity based on physiology and
evolution
Sérgio Santoro 1 , Manoel Carlos Prieto Velhote 2 , Carlos Eduardo Malzoni 3 , Alexandre Sérgio Gracia
Mechenas 4 ,
Victor Strassmann 5 , Morton Scheinberg 6
ABSTRACT
Objective: To report on a new surgical technique to treat obesity Digestive Adaptation - and to present its preliminary results.
Method: The technique includes a vertical (sleeve) gastrectomy,
omentectomy and enterectomy maintaining the initial 150-cmportion of the jejunum and the final 150-cm-portion of the ileum.
The three first obese patients operated on are described. Results:
With a minimum follow-up of 6 months, all patients refer early
satiety, are free of symptoms and have a BMI <31 Kg/m 2 .
Conclusions: This procedure does not use prostheses and does
not cause exclusion of gastrointestinal segments. It does not
create subocclusions neither malabsorption nor blind endoscopic
areas and above all, it causes no harm to important digestive
functions. Conversely, it aims at moderate restriction with early
satiety by distension, and at interfering in the neuroendocrine
profile, resulting in slow gastric emptying, early and prolonged
satiety, as well as positive changes in the metabolic profile. Based
on recent physiological data, the procedure aims at decreasing
the production of ghrelin, plasminogen activator inhibitor-1 (PAI1) and resistin, and at raising the levels of glucagon-like peptide1 (GLP-1). The patients operated on do not need nutritional support
or to take drugs because of the procedure, which is easy and safe
to perform.
Keywords: Obesity, morbid/surgery; Plasminogen activator
inhibitor 1; Omentum/physiology; Adipose tissue/physiopathology;
Gastrectomy/methods, Peptide hormones; Citokines/physiology
RESUMO
Objetivo: Esta é a comunicação preliminar, com resultados iniciais,
de uma nova técnica cirúrgica para tratar a obesidade: Adaptação
Digestiva. Método: A técnica inclui uma gastrectomia vertical, a
omentectomia e enterectomia que mantém os primeiros 150 cm
de jejuno e os últimos 150 cm de íleo. Os três primeiros pacientes
obesos tratados por esta técnica são apresentados. Resultados:
Com seguimento mínimo de seis meses, todos os pacientes estão
livres de sintomas, referem saciedade mais precocemente e já
estão com IMC menor que 31 Kg/m2. Conclusões: Este procedimento evita criar subestenoses, colocar próteses, excluir
segmentos digestivos do trânsito de nutrientes, gerar malabsorção
e fundamentalmente, evita prejudicar funções digestivas. O
procedimento visa gerar uma restrição moderada, o que colabora
para a saciedade precoce por distensão gástrica com menores
volumes e visa também modificar as circunstâncias neuroendócrinas, retardando o esvaziamento gástrico, e gerando saciedade
precoce e prolongada, paralelamente a mudanças positivas no
perfil metabólico. Baseado em dados fisiológicos recentemente
descobertos, o procedimento pretende diminuir a produção de
grelina, do inibidor da ativação do plasminogênio 1 (PAI-1), da
resistina e finalmente promover a secreção mais efetiva do
glucagon-like peptide 1 (GLP-1). O paciente operado não necessita
de suporte nutricional nem de uso crônico de medicações por
causa do procedimento, que é simples e fácil de ser realizado.
DESCRITORES: Obesidade mórbida/cirurgia; Inibidor 1 de ativador
de plasminogênio; Omento/fisiologia; Tecido adiposo/fisiopatologia;
Gastrectomia/métodos; Hormônios peptídicos; Citocinas/fisiologia
INTRODUÇÃO
No século XX, observamos um grande aumento
na incidência de obesidade, hipertensão, diabetes,
hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e outras
doenças associadas às modificações na dieta humana.
* Estudo realizado no Hospital da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
1
Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva.
2
Doutor em Medicina pela FMUSP, Assistente da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da FMUSP.
3
Mestre em Medicina pela FMUSP, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
4
Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica.
5
Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da FMUSP, Assistente de Cirurgia Digestiva da FMUSP.
6
Clínico, Pesquisador em Reumatologia-Imunologia, Doutor pela Boston University, Livre-docente pela USP.
Endereço para correspondência: Sérgio Santoro - R. São Paulo Antigo, 500 - apto. 111 SD - São Paulo (SP) - CEP 05684-010 - e-mail: [email protected]
Recebido em 4 de setembro de 2003 – Aceito em 14 de novembro de 2003
einstein 2003; 1:95-8
einstein 2003; 1:95-8
102
Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M
A educação alimentar e os tratamentos clínicos não
conseguiram evitar a obesidade. Muitas técnicas
cirúrgicas para tratar a obesidade extrema já foram
descritas, mas nenhuma foi satisfatória. O tratamento
cirúrgico atual causa “outra doença” para compensar
a obesidade. Algumas técnicas resultam em máabsorção inespecífica que pode acarretar perda de
nutrientes não calóricos, como cálcio, ferro e ácido
fólico, além de diarréia. Certos procedimentos
colocam obstáculos à ingestão de alimentos, e outros
utilizam próteses que podem causar suboclusões e,
conseqüentemente, disfagia, vômitos e esofagite de
estase. Atualmente, vários procedimentos envolvem
exclusão de segmentos do sistema digestório, causando
atrofia da mucosa, com proliferação bacteriana; esta,
por sua vez, acarreta intensa flatulência e translocação
bacteriana para o sistema porta, que pode estar
relacionada à fibrose hepática. Além disso, a exclusão
de segmentos dificulta a realização de endoscopia.
Buscamos novas alternativas cirúrgicas que sejam
fáceis de serem realizadas, que não requeiram exclusão
de nenhum segmento, evitando assim áreas sem acesso
endoscópico, que não causem suboclusões e nem
utilizem próteses. Idealmente ainda, a técnica deve
evitar má-absorção e, sobretudo, não alterar as
principais funções digestivas. Buscamos, em resumo,
procedimentos que possam interferir de forma positiva
no controle neuroendócrino da fome e da saciedade e
não que se utilize de mecanismos não-fisiológicos.
Bases Fisiológicas
GLP-1: O “glucagon-like peptide 1” (GLP-1) é um
hormônio secretado pelas células enteroendócrinas L
do intestino em resposta à ingestão de alimentos. O
GLP-1 aumenta a secreção e a expressão gênica nas
células produtoras de insulina, estimulando o
crescimento das células beta pancreáticas. O GLP-1 é
secretado principalmente no intestino distal e os
nutrientes que atingem este ponto são um estímulo
fundamental para sua liberação.
O GLP-1 é um potente agente que pode melhorar,
ou até mesmo curar, o diabetes tipo 2. Quando
diabéticos obesos são submetidos à cirurgia de
derivação biliopancreática (técnica de Scopinaro), a
anastomose gastroentérica leva os alimentos diretamente para o íleo e, logo após a operação, ocorre
melhora significativa ou cura do diabetes, antes mesmo
de os pacientes apresentarem perda significativa de
peso. Acredita-se que a produção eficiente deste
hormônio traga este importante benefício.
O GLP-1 também desempenha outras ações
importantes, como inibir o esvaziamento gástrico e
atravessar a barreira hematoencefálica, levando à
saciedade. Em resumo, após uma grande refeição,
einstein 2003; 1:99-104
quando os nutrientes atingem a porção distal do
intestino, o GLP-1 é produzido, levando a um aumento
na secreção de insulina, atraso no esvaziamento
gástrico e saciedade central.
Grelina: É um peptídeo com 28 aminoácidos,
produzido principalmente pelo estômago e com
intensa atividade relacionada à liberação do hormônio
de crescimento (GH). Estimula também a secreção de
ácido gástrico e pode induzir a formação excessiva de
tecido adiposo, ao ativar um mecanismo central para
aumentar a ingestão de alimentos e diminuir o uso de
gorduras. A produção de grelina diminui após uma
refeição e aumenta posteriormente, e assim faz parte
do processo de controle da fome. Entretanto, altos
níveis de grelina não são uma causa freqüente de
obesidade, pois a maioria dos indivíduos obesos
apresentam baixa concentração deste hormônio.
Entretanto, em casos de perda significativa de peso,
os níveis de grelina aumentam, o que acarreta fome e,
provavelmente, contribui para um novo ganho de peso.
PAI-1: O inibidor do ativador de plasminogênio 1
(PAI-1) é o principal inibidor fisiológico da ativação
de plasminogênio e atua na coagulação. Os níveis
circulantes de PAI-1 estão aumentados em pacientes
com doença coronariana, e têm um papel importante
no desenvolvimento de trombose arterial ao diminuir
a degradação de fibrina. O PAI-1 é produzido pelo
tecido adiposo, principalmente no omento e na
gordura mesentérica (gordura visceral). Já se
demonstrou que os procedimentos que levam a uma
redução nos níveis de PAI-1 melhoram o perfil
metabólico e reduzem o risco cardiovascular.
Resistina: Atualmente sabemos que o tecido
adiposo é uma glândula endócrina e produz muitas
substâncias que agem como hormônios, como resistina,
leptina, interleucina-6, adiponectina (também
chamada ACRP30 ou adipoQ) e angiotensina II. A
resistina atua nas células dos músculos esqueléticos
(miócitos), nos hepatócitos e adipócitos e reduz sua
sensibilidade à insulina; portanto, este hormônio está
relacionado ao diabetes. A gordura visceral é também
a principal fonte de resistina.
Obesidade visceral: O tecido adiposo abdominal
está relacionado à doença conhecida como síndrome
plurimetabólica. A relação cintura/quadril vem sido
utilizada para quantificar o risco cardiovascular e vários
estudos epidemiológicos mostraram sua associação
com hipertensão, hipertrigliceridemia, resistência à
insulina e trombose arterial. A gordura visceral é
resistente à insulina e, portanto, libera ácidos graxos
livres (AGL) para o sistema porta. Acredita-se que a
resistência à insulina pelo fígado decorra de um
aumento relativo na liberação de AGL do depósito
Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a obesidade
de gordura do omento para o fígado (pela veia porta).
Muitos pacientes extremamente obesos apresentam
um perfil metabólico muito bom, pois têm predomínio
de gordura subcutânea. A maioria das complicações
da obesidade está associada à gordura visceral; são
exceção as complicações ortopédicas, respiratórias e o
refluxo.
Bases Evolutivas
A dieta primitiva era crua, rica em fibras pouco
digeríveis e bem pouco calórica. O estômago precisava
ser grande o suficiente para armazenar uma maior
quantidade de alimentos e lidar com períodos de jejum
prolongado. Assim, o volume de alimentos ingeridos
tinha que ser grande, e o intestino precisava ser muito
longo para receber e processar mais alimentos, ser
eficiente e não perder os nutrientes. Porém, a dieta
humana mudou radicalmente em poucos séculos. O
domínio do fogo tornou os alimentos mais digeríveis.
A agricultura proporcionou mais abundância e
aumentou a quantidade de carboidratos disponíveis.
O açúcar refinado está agora disponível em grande
quantidade, ao passo que na natureza ocorria apenas
em porções mínimas. A gordura saturada e os
alimentos industrializados tornaram este quadro ainda
pior. O desenvolvimento da eletricidade possibilitounos fazer refeições à noite. A propaganda, os
restaurantes, os doces e outras guloseimas da
civilização moderna representaram uma mudança
muito rápida que nosso sistema digestório e nossos
instintos alimentares não conseguiram acompanhar.
A dieta moderna é hipercalórica, pobre em fibras
e fácil de ser absorvida. Após uma refeição com tais
características, ocorre um pico de absorção nas porções
proximais do intestino. O intestino distal tende a
absorver menos nutrientes, reduzindo a produção de
GLP-1. Já foi descrito que diabéticos e obesos
apresentam produção pós-prandial de GLP-1 reduzida.
Demonstrou-se também que os indivíduos obesos
tendem a ter um intestino delgado mais longo do que
as pessoas magras (o tamanho do intestino delgado
associa-se ao peso e não à estatura). Isso provavelmente
contribui para que nos obesos pequenas quantidades
de nutrientes cheguem ao intestino distal, levando a
uma menor quantidade de GLP-1.
A natureza agora está fazendo o que sabe fazer
melhor, ou seja, seleção. Os indivíduos com instintos
alimentares fortes estão morrendo por falta de
adaptação de seu sistema digestório e de seu sistema
de sinalização neuroendócrina.
Uma nova proposta para tratar a obesidade
Temos procurado uma maneira de adaptar o sistema
digestório e os instintos alimentares à abundância,
sem causar dano às principais funções digestivas,
103
desempenhadas pelo estômago, piloro, duodeno, íleo
e cólon. O duodeno e o intestino proximal têm funções
diferentes daquelas do intestino distal. Algumas
técnicas atuais para tratar a obesidade fazem uma
ressecção ou exclusão do piloro (derivação biliopancreática de Scopinaro, técnica de Fobi, bypass
gástrico com Y de Roux, cirurgia de Capella).
Na derivação biliopancreática com a técnica de
Scopinaro, ou com a técnica de “duodenal switch”,
todo o intestino proximal é excluso e os procedimentos
costumam causar má-absorção inespecífica, com
conseqüente deficiência nutricional. No bypass
gástrico, faz-se a exclusão da maior parte do estômago;
já em outras técnicas, não há exclusão, mas há
suboclusão, como na banda gástrica.
As diversas funções digestivas são importantes,
mesmo em pacientes obesos. Contudo, a capacidade
gástrica é maior do que as necessidades da dieta
moderna, e os intestinos são muito longos diante da
dieta moderna. Portanto, propomos uma ressecção
gástrica vertical (semelhante à técnica, muito usada,
de “duodenal switch”), associada à omentectomia e
enterectomia da parte média do intestino. Assim, 150
centímetros da porção proximal do intestino delgado
e 150 cm da porção distal são mantidos, no total de 3
metros de intestino delgado, o que é ainda considerado
um comprimento normal.
O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da
Polícia Militar do Estado de São Paulo aprovou o
protocolo de pesquisa. Um consentimento informado
detalhado foi assinado pelos pacientes, e constava no
documento que não era possível prever a perda de peso
devido à falta de experiência.
MÉTODO
Técnica: O procedimento pode ser realizado através
de uma incisão supra-umbilical na linha média, ou por
laparoscopia. Descrevemos a técnica a céu aberto, onde
o primeiro passo é separar o grande omento do cólon.
O fundo do estômago é liberado ao se cortar os
pequenos vasos gástricos com uma tesoura ultra-sônica.
Posteriormente, a arcada gastroepiplóica é seccionada
a 6 cm do piloro. Os vasos gastroepiplóicos permanecem intactos no antro. Passa-se uma sonda de
Fouchet de 12 mm do esôfago até o duodeno, pela
grande curvatura. Um grampeador linear é utilizado
para fazer a ressecção do fundo e da maior parte do
corpo gástrico, deixando um tubo gástrico de 3 a 4
cm de diâmetro na pequena curvatura (figura 1). Fazse a ressecção do segmento gástrico e omento maior,
como mostra a figura 2.
einstein 2003; 1:99-104
104
Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M
Figura 1. Diagrama de ressecção gástrica parcial
Figura 2. Espécime - ressecção gastroepiplóica
Figura 3. Espécime - enterectomia. Intestino delgado com 150 cm de
comprimento (paciente MZF)
einstein 2003; 1:99-104
Paciente 1: MZF, sexo feminino, 39 anos, peso=104
kg, estatura=169 cm, IMC=36,4 kg/m 2, colesterol
total=210 mg/dl, triglicérides=200 mg/dl. A paciente
fez tratamento clínico por dez anos e utilizou
sibutramina e outras drogas. Quando a cirurgia foi
indicada, estava em uso de orlistat. Não conseguia
perder peso e queixava-se de dor devido à hérnia de
disco. Foi operada em outubro de 2002. Em agosto
de 2003, o peso era 69 kg, IMC=24,1 kg/m 2,
colesterol=174 mg/dl, triglicérides=161 mg/dl. Não
tomou nenhum medicamento e a dor nas costas
desapareceu.
Paciente 2: RJSB, sexo masculino, 40 anos,
peso=143 kg, estatura=182 cm, IMC=43,1 kg/m 2,
colesterol total=247 mg/dl, triglicérides=295 mg/dl.
Fez tratamento clínico por dez anos e estava tomando
femproporex. Queixava-se de dor nos joelhos e na
região lombar, e foi operado em janeiro de 2003. Em
agosto de 2003 pesava 100 kg, IMC=30,1 kg/m 2 ,
coles-terol=197 mg/dl, triglicérides=102. Ainda estava
perdendo peso quando este artigo foi enviado para
publicação.
Paciente 3: WVBG, sexo masculino, 44 anos,
peso=123 kg, estatura=178 cm, IMC=38,6 kg/m 2,
colesterol total=247 mg/dl, triglicérides=295 mg/dl.
Esteve em tratamento clínico por dez anos e
recentemente usou orlistat, femproporex e anfetamina. Queixava-se de dor nos joelhos e na região
lombar e foi operado em fevereiro de 2003. No 23o dia
de pós-operatório voltou ao hospital por causa de um
abscesso, que foi drenado. Em agosto de 2003 seu peso
era 99 kg, IMC=31,2 kg/m 2, colesterol=142 mg/dl,
triglicérides= 67 mg/dl.
Foi prescrita cefazolina profilática por 24 horas a
todos os pacientes, que receberam alta no 3 o dia de
pós-operatório. Foram orientados a ingerir apenas
líquidos, tomando o volume máximo de 150 ml de
cada vez, durante uma semana. Depois, poderiam
ingerir alimentos sólidos. Nesta fase, foi também
recomendado iniciar as refeições com uma porção de
salada e incluir frutas, vegetais, peixes e frango na
dieta. Nenhum paciente apresentou diarréia e dois
tiveram constipação intestinal leve (provavelmente por
estarem comendo menos). Todos os pacientes
descrevem saciedade precoce, e estão muito satisfeitos.
DISCUSSÃO
O procedimento oferece muitas vantagens e
acreditamos que possa adaptar o sistema digestório à
dieta moderna. Como os alimentos atuais são muito
mais calóricos do que a dieta primitiva, a capacidade
Adaptação digestiva: Uma nova proposta cirúrgica para tratar a obesidade
gástrica pode ser reduzida em 1 a 1,8 litros. Esta técnica,
porém, não causa suboclusão ou estenose, nem requer
uso de prótese. O estômago fica proporcionalmente
reduzido, mas mantém sua estrutura geral (cárdia,
corpo, antro e piloro) e a inervação intacta na pequena
curvatura. Os pacientes tendem a apresentar saciedade
precoce por distensão gástrica. Quando ocorre perda
significativa de peso, não se espera aumento na
produção de grelina, pois sua maior fonte secretória
foi retirada.
A enterectomia realizada não tem por objetivo
causar má-absorção. Não há relato de insuficiência
intestinal com 300 cm de intestino com segmentos
proporcionais (duodeno, jejuno, íleo, válvula ileocecal
e cólon). Na verdade, algumas pessoas normais têm
apenas três metros de intestino delgado (em humanos,
o comprimento do intestino delgado varia de 3 a 8
metros). O propósito deste procedimento é criar um
intestino proporcionalmente menor, mas que ainda seja
normal em dimensões; além disso, esta redução leva os
nutrientes para o íleo, resultando em uma secreção mais
eficiente de GLP-1. Este hormônio, por sua vez, reduz
a velocidade de esvaziamento gástrico, aumenta a
secreção de insulina e promove saciedade central.
Em geral, os níveis de triglicérides e colesterol
diminuem com as ressecções intestinais. Quando se
realiza a enterectomia, faz-se a excisão do mesentério
e a gordura visceral é retirada. A omentectomia
promove uma retirada adicional da gordura visceral e
redução de uma fonte de PAI-1, reduzindo assim o
risco de trombose arterial. Além disso, proporciona
uma redução na fonte de resistina e de ácidos graxos
livres para a veia porta. Acredita-se que os dois eventos
reduzam o hiperinsulinismo e a resistência à insulina.
Como os segmentos retirados são volumosos, a pressão
intra-abdominal (PIA) diminui. Altos níveis pressóricos
no abdome estão relacionados a problemas respiratórios e hemodinâmicos e refluxo.
Estes resultados preliminares são muito motivadores, porque os pacientes apresentaram a perda de
peso esperada, sem ocorrência de suboclusões ou máabsorção. Precisamos ainda avaliar a redução nos níveis
de grelina, resistina e PAI-1, e o aumento precoce na
concentração de GLP-1. Além dos benefícios da perda
de peso, houve redução nos níveis de colesterol e
triglicérides, como esperado. Contudo, a melhora no
perfil metabólico deve ser avaliada em uma amostra
maior e por um período mais longo.
Os pacientes muito obesos podem não perder a
quantidade de peso necessária com este procedimento,
por este não alterar tanto as funções digestivas; porém,
a maioria das técnicas já mencionadas pode ainda ser
utilizada após esta cirurgia.
105
Os procedimentos cirúrgicos atuais para obesidade
são muitos invasivos e não devem ser recomendados
para pacientes que não sejam extremamente obesos.
Quando se realizam tais procedimentos, os indivíduos
já apresentam lesões arteriais e articulares e
complicações de diabetes, hipertensão, dislipidemia,
refluxo gastroesofágico e outras doenças associadas à
obesidade, além de problemas psicológicos e sociais.
O risco cirúrgico é alto.
Como a técnica proposta é simples e segura, preserva
a estrutura geral dos órgãos e as principais funções
digestivas e não requer suporte nutricional, pode ser
indicada a pacientes que não sejam extremamente
obesos, reduzindo o risco cirúrgico. O procedimento
em si não apresenta muitos riscos.
A obesidade extrema é uma doença grave, que causa
alguns danos físicos e psicológicos irreversíveis com o
passar dos anos. Os tratamentos atuais envolvem
cirurgias agressivas do ponto de vista fisiológico. A
técnica descrita pode ser um procedimento fisiologicamente aceitável para tratar a obesidade extrema;
pode também ser utilizada para evitar tal situação,
quando eminente, em pacientes que já apresentam
outras co-morbidades.
Este é o primeiro procedimento cirúrgico que não
visa curar um órgão comprometido ou deficiente, mas
que tem por objetivo adaptar um sistema às
circunstâncias modernas, em caso de insucesso no
tratamento clínico e dietético. Na verdade, esta é uma
cirurgia evolutiva e adaptativa, que não seria necessária
se não tivéssemos modificado nossa dieta primitiva.
Pode se tornar um procedimento muito importante,
já que previne precocemente o desenvolvimento de
obesidade, hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia,
diabetes tipo 2, hipertensão, trombose arterial e outras
doenças características da vida moderna.
CONCLUSÃO
O procedimento descrito é a associação de três
técnicas bem conhecidas: gastrectomia vertical,
omentectomia e enterectomia. São técnicas muito
simples e seguras, e, juntas, produzem um sistema
digestório proporcionalmente menor, sem alterar sua
estrutura geral, como observado em outros procedimentos cirúrgicos para tratar obesidade. Não há
estenose, suboclusão, má-absorção; não houve exclusão
de segmentos, não foram criadas áreas sem acesso
endoscópico, nem foi necessário usar próteses.
Ademais, as principais funções digestivas não sofreram
alteração. O paciente submetido à cirurgia não
necessita de suporte nutricional, nem de uso crônico
einstein 2003; 1:99-104
106
Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas ASG, Strassmann V, Scheinberg M
de medicamentos por causa do procedimento. Os
resultados preliminares são muito estimulantes.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer à U.S. Surgical pela
doação dos instrumentos cirúrgicos descartáveis
utilizados nos procedimentos realizados no Hospital
da Polícia Militar de São Paulo.
16. Juhan-Vague I, Alessi MC, Morange PE. Hypofibrinolysis and increased PAI-1
are linked to atherothrombosis via insulin resistance and obesity. Ann Med
2000;32(Suppl 1):78-84.
17. van Hinsbergh VW, Kooistra T, Scheffer MA, Hajo van Bockel J, van Muijen
GN. Characterization and fibrinolytic properties of human omental tissue
mesothelial cells. Comparison with endothelial cells. Blood 1990;75:1490-7.
18. Juhan-Vague I, Alessi MC. PAI-1, obesity, insulin resistance and risk of
cardiovascular events. Thromb Haemost 1997;78:656-60.
19. Carmichael AR, Tate G, King RF, Sue-Ling HM, Johnston D. Effects of the
Magenstrasse and Mill operation for obesity on plasma plasminogen activator
inhibitor type 1, tissue plasminogen activator, fibrinogen and insulin.
Pathophysiol Haemost Thromb 2002;32:40-3.
20. Thorne A, Lonnqvist F, Apelman J, Hellers G, Arner P. A pilot study of long-term
effects of a novel obesity treatment: omentectomy in connection with
adjustable gastric banding. Int J Obes Relat Metab Disord 2002;26:193-9.
21. Shojima N, Sakoda H, Ogihara T, Fujishiro M, Katagiri H, Anai M et al.
REFERÊNCIAS
1. Byrne TK. Complications of surgery for obesity. Surg Clin North Am
2001;81:1181-93.
2. Belva P, Takieddine M, Lefebvre JC, Vaneukem P. Laparoscopic gastric banding
with Lap Band: results and complications. Obes Surg 1997;7:299.
3. Castillo J, Fabrega E, Escalante CF, Sanjuan JC, Herrera L, Hernanz F et al.
Liver transplantation in a case of steatohepatitis and subacute hepatic failure
after biliopancreatic diversion for morbid obesity. Obes Surg 2001;11:640-2.
4. Lam NT, Kieffer TJ. The multifaceted potential of glucagon-like peptide-1 as
a therapeutic agent. Minerva Endocrinol 2002;27:79-93.
5. Kemp DM, Habener JF. Synergistic effect of dimethyl sulfoxide on glucagonlike peptide 1 (GLP-1)-stimulated insulin secretion and gene transcription in
INS-1 cells: characterization and implications. Biochem Pharmacol
2002;64:689-97.
6. Doyle ME, Egan JM. Glucagon-like peptide-1. Recent Prog Horm Res
2001;56:377-99.
7. Layer P, Holst JJ, Grandt D, Goebell H. Ileal release of glucagon-like peptide1 (GLP-1). Association with inhibition of gastric acid secretion in humans. Dig
Dis Sci 1995;40:1074-82.
8. Vella A, Shah P, Basu R, Basu A, Holst JJ, Rizza RA. Effect of glucagon-like
peptide 1(7-36) amide on glucose effectiveness and insulin action in people
with type 2 diabetes. Diabetes 2000;49:611-7.
9. Scopinaro N, Gianetta E, Civalleri D, Bonalumi U, Bachi V. Bilio-pancreatic
bypass for obesity: II. Initial experience in man. Br J Surg 1979;66:618-20.
10. Kastin AJ, Akerstrom V, Pan W. Interactions of glucagon-like peptide-1 (GLP1) with the blood-brain barrier. J Mol Neurosci 2002;18:7-14.
11. Muccioli G, Tschop M, Papotti M, Deghenghi R, Heiman M, Ghigo E.
Neuroendocrine and peripheral activities of ghrelin: implications in metabolism
and obesity. Eur J Pharmacol 2002;440:235-54.
Humoral regulation of resistin expression in 3T3-L1 and mouse adipose cells.
Diabetes 2002;51:1737-44.
22. McTernan PG, McTernan CL, Chetty R, Jenner K, Fisher FM, Lauer MN et al.
Increased resistin gene and protein expression in human abdominal adipose
tissue. J Clin Endocrinol Metab 2002;87:2407.
23. McTernan CL, McTernan PG, Harte AL, Levick PL, Barnett AH, Kumar S.
Resistin, central obesity, and type 2 diabetes. Lancet 2002;359:46-7.
24. Bergman RN, Van Citters GW, Mittelman SD, Dea MK, Hamilton-Wessler M,
Kim SP et al. Central role of the adipocyte in the metabolic syndrome. J
Investig Med 2001;49:119-26.
25. Lugari R, Dei Cas A, Ugolotti D, Finardi L, Barilli AL, Ognibene C et al. Evidence for
early impairment of glucagon-like peptide 1-induced insulin secretion in human
type 2 (non insulin-dependent) diabetes. Horm Metab Res 2002;34:150-4.
26. Ranganath LR, Beety JM, Morgan LM, Wright JW, Howland R, Marks V. Attenuated
GLP-1 secretion in obesity: cause or consequence? Gut 1996;38:916-9.
27. Hounnou G, Destrieux C, Desme J, Bertrand P, Velut S. Anatomical study of
the length of the human intestine. Surg Radiol Anat, 2002;24:290-4.
28. Fobi MA, Lee H, Holness R, Cabinda D . Gastric bypass operation for obesity.
World J Surg 1998;22:925-35.
29. Capella RF, Capella JF, MAndac H. Vertical banded gastroplasty – gastric
bypass: preliminary report. Obes Surg 1991;1:389-95.
30. Baltasar M, Bou R; Cipagauta LA, Marcote E, Herrera GR, Chisbert JJ.
‘Hybrid’ bariatric surgery: bilio-pancreatic diversion and duodenal SwitchPreliminary experience. Obes Surg 1995;5:419-23.
31. Santoro S, Velhote MC, Mechenas ASG, Malzoni AE, Strassmann V.
Laparoscopic adaptive gastro-omentectomy as an early procedure to treat
and prevent the progress of obesity. Rev Bras Videocir 2003;1:96-102.
32. Santoro S. Relações entre o comprimento do intestino e a obesidade. Hipótese:
a síndrome do intestino longo. Einstein 2003;1:63-4.
12. Penalva A, Baldelli R, Camina JP, Cerro AL, Micic D, Tamburrano G et al.
Physiology and possible pathology of growth hormone secretagogues. J Pediatr
Endocrinol Metab 2001;14(Suppl 5):1207-12; discussion 1261-2.
33. Baltasar A, Bou R, Bengochea M, Arlandis F, Escriva C, Miro J et al. Duodenal
switch: an effective therapy for morbid obesity—intermediate results. Obes
Surg 2001;11:54-8.
13. Pinkney J, Williams G. Ghrelin gets hungry. Lancet 2002;359:1360-1.
14. Lustig RH. The neuroendocrinology of obesity. Endocrinol Metab Clin North
Am 2001;30:765-85.
34. Gardner E. O abdomen. In: Gardner E, Gray DS, Rahylly R, editores. Anatomia.
Estudo regional do corpo humano. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1967.
p. 407-84.
15. Cummings DE, Weigle DS, Frayo RS, Breen PA, Mamk Na, MK, Dellinger EP
et al. Plasma ghrelin levels after diet-induced weight loss or gastric bypass
surgery. N Engl J Med 2002;346:1623-30.
35. Dachtler J, Johnston D, Halstead JC, King RF. Partial ileal resection for
hypercholesterolaemia in patients undergoing surgery for obesity Br J Surg
1999;86:1256-8.
einstein 2003; 1:99-104
Download