REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA Caso Clínico Clinical Case INTUSSEPÇÃO INTESTINAL POR TUMOR DO ESTROMA GASTROINTESTINAL – GIST Resumo H. CRISTINO P. CORREIA SILVA L. MALHEIRO F. MONTEIRO A. CARLOS SARAIVA A. PIMENTA O caso clínico descrito refere-se a uma oclusão do intestino delgado por um tumor do estroma gastrointestinal (GIST) do jejuno. A ocorrência de intussepção precipitou um quadro de oclusão completa com o aparecimento de vómitos mas que, devido à sua localização alta no intestino, é pouco exuberante ao exame físico. Está descrito que o tratamento por laparoscopia das oclusões intestinais do delgado é possível e conseguem-se taxas de sucesso superiores a 60%. Neste caso, foi decidido tratamento cirúrgico por técnica minimamente invasiva, realizando uma enterectomia segmentar. Abstract Serviço de Cirurgia Geral,Hospital de São João – E.P.E.,Porto,Portugal. The clinical case reports an intestinal bowel occlusion by a jejunal gastrointestinal stromal tumor (GIST). The episode of intussusception precipitated a complete occlusion with the appearance of vomits but, due to its high location, is shortly exuberant to the physical examination. It is documented that the laparoscopic approach of small-bowel occlusions is possible, and the success rates are over 60%. Therefore, in this case the elected surgical treatment was the minimal invasive surgery carrying out a segmental enterectomy. Introdução Correspondência: Ana Caldeira Hospital Amato Lusitano Av Pedro Álvares Cabral 6000-085 Castelo Branco Telemóvel: 966279419 Fax: 272000199 e-mail: [email protected] 28 A oclusão intestinal do intestino delgado é a causa mais frequente de intervenção cirúrgica do intestino delgado. Existe, todavia, um variado número de etiologias que podem causar este quadro oclusivo, sendo 75% dos casos devido a bridas abdominais causadas por cirurgias abdominais prévias e apenas 3% dos casos se devem a neoplasias primárias do intestino delgado, contrariamente às oclusões do cólon (1). Os tumores do estroma gastrointestinal (GIST), são tumores mesenquimatosos que se originam predominantemente a nível da parede gastrointestinal, podendo todavia surgir no retroperitoneu, mesentério e epiplon. São um tipo de tumor raro, representando aproximadamente 1% de todas as neoplasias malignas gastrointestinais (2,3). Imunohistoquimicamente apresentam positividade para o antigénio CD117 / c - Kit. A proteína c - Kit é um receptor de membrana com actividade tirosina cinase e está presente em 80 a 100% dos GIST.Destes tumores 60 a 70 % mostram positividade também para o CD34. As células intersticiais de Cajal são a sua origem celular (4). REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA Figura 2 Figura 1 Caso Clínico Doente do sexo feminino, 44 anos, raça caucasiana, com queixas de náuseas e dor abdominal pós prandiais desde há dois meses. Refere agravamento dos sintomas na última semana e, nos dois dias anteriores, intolerância alimentar e vómitos. Sem antecedentes patológicos de relevo, sem antecedentes cirúrgicos abdominais, nega medicação habitual. Ao exame físico apresentava abdómen discretamente distendido, algo doloroso à palpação do epigastro contudo, sem defesa à palpação. Analiticamente, sem leucocitose, proteína C reactiva aumentada 57.3 mg/L.Realizou Rx abdominal simples,de pé,que revela discreta dilatação de ansa de delgado (Figura 1). A ecografia abdominal comprovou espessamento de ansa jejunal tendo-se realizado TAC abdomino-pélvico para melhor esclarecimento do achado ecográfico, revelando este, imagem de intussepção de ansa jejunal (Figura 2). A doente foi submetida a laparoscopia exploradora tendo-se verificado a existência de uma intussepção jejunal com ponto de partida em tumor do jejuno, a cerca de 50 cm do ângulo de Treitz, condicionando distensão das ansas jejunais a montante; as ansas intestinais estavam viáveis, sem sinais de necrose, sem outros achados intra-operatórios (Figura 3). Procedeu-se assim a enterectomia segmentar assistida por laparoscopia (Figura 4). O pós-operatório decorreu sem intercorrências, tendo alta para ambulatório ao 4º dia pós-operatório. A análise anatomo-patológica da peça revelou lesão nodular bem delimitada da parede jejunal com 4 cm de maior diâmetro. Ao exame histológico observa-se neoplasia fusocelular bem delimitada, que empurra e ulcera a mucosa, ocupa toda a espessura da parede intestinal não rompendo a serosa. Não se observa atipia celular significativa, identificandose apenas 1 mitoses / 50HPF. O estudo imuno-histoquimico (I08/18) mostra imunorreactivadade para CD117 e Figura 3 29 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA Figura 4 Figura 5 Figura 6 CD34 na ausência de alfa-actina e proteína S100 (Figura 5). O índice proliferativo (Ki 67) é baixo, inferior a 5%. Podese, desta forma, concluir que se trata de um GIST de baixo grau de malignidade. O supracitado caso clínico foi apresentado em consulta de grupo oncológico decidindo-se vigilância clínica e realização de PET/TC aos 3 meses de pós-operatório. Aos 3 meses a doente estava clinicamente bem, e sem evidencia imagiológica de recidiva tumoral. Discussão As oclusões do intestino delgado por doença neoplásica são, a maioria das vezes, originadas por compressão extrínseca ou invasão devida a doença maligna avançada de órgãos que não o intestino delgado e, apenas 3% dos casos, se devem a neoplasia primária do delgado (5). As neoplasias malignas primárias do intestino delgado são raras, sendo o adenocarcinoma responsável por 35 50 % dos casos, os tumores carcinoides correspondem a cerca de 20 – 40%, os linfomas 10 a 15% tal como os GIST que representam 10 a 15% dos casos de neoplasias malignas do delgado (6). 30 No presente caso, a imagem de Tomografia Computorizada evidenciava a ansa invaginada com o duplo contorno da parede permitindo mesmo a visualização da cabeça da intussepção (Figura 6). Este auxílio da imagiologia foi precioso no diagnóstico pré operatório. No trato gastro intestinal os GIST são mais frequentemente encontrados no estômago 50%, seguido do intestino delgado 25%, cólon 10% epiplon e mesentério 7% e 5% no esófago (2). Na maioria dos estudos não se encontra diferença na distribuição por sexo, encontrando-se a maioria dos doentes entre a 5ª e a 7ª década de vida (7). Os GIST podem apresentar-se de várias formas, dependendo da sua localização e tamanho, no entanto, cerca de 10 a 30 % dos doentes com GIST são assintomáticos. As metástases hepáticas e/ ou a sua disseminação na cavidade abdominal são as manifestações clínicas mais frequentes de malignidade. As metástases ganglionares são extremamente raras nos GIST (8). A malignidade destes tumores está associada ao seu tamanho (maiores de 5cm), alta celularidade, pleomorfismo nuclear proeminente, necrose, índice mitótico maior que 5/10 HPF (high power field) e invasão de estruturas adjacentes (4). Um outro factor importante de prognóstico é uma mutação do gene c-kit no exon 11, que se verificou estar presente em cerca de 57% dos GIST malignos. Os doentes com tumores, portadores desta mutação, têm maior taxa de recorrências e mortalidade que os não portadores desta mutação (9). A ressecção cirúrgica é o tratamento mais efectivo para o GIST. Contudo, foi a introdução do imatinibe que, de forma relevante, aumentou a sobrevida destes doentes. A ressecção completa com margens negativas, mesmo nos tumores localmente avançados, está associada a uma significativa melhoria da sobrevida destes doentes. A taxa de sobrevida aos 5 anos de todos os doentes com GIST é de 20 a 40% e superior a 75% nos casos de estadios mais precoces (10). A ressecção cirúrgica é a principal terapêutica para doentes com GIST que não tem evidência de metástases e deve ser a terapêutica inicial nos tumores tecnicamente ressecáveis e com um risco aceitável de morbilidade. O uso da laparoscopia no tratamento dos GIST está em expansão. Devem aplicar-se os mesmos princípios da cirurgia aberta que são a ressecção R0 e evitar a ruptura do tumor (11). Existem dois estudos ( Novitsky et al. e Otani et al) que demonstram que a ressecção destes tumores por cirurgia minimamente invasiva, não só é possível, como está associada a uma menor taxa de recorrência (12,13). REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA Conclusão A intussepção é a principal causa de oclusão intestinal na criança, podendo ser idiopática entre os 6 e 24 meses de idade. Quando esta surge em idades superiores aos 24 meses, deve considerar-se a possibilidade de se tratar de uma alteração patológica como um tumor ou divertículo de Meckel. Nos quadros oclusivos a imagiologia e em particular o TAC, pode dar uma ajuda preciosa no diagnóstico préoperatório destas apresentações, exibindo sinais radiológicos típicos que é importante pesquisar. A ressecção cirúrgica é a principal terapêutica para doentes com GIST e é possível realizar esta ressecção, com intenção curativa, por laparoscopia. A oclusão intestinal do delgado pode ser abordada por laparoscopia, estando descrito na literatura uma taxa de sucesso terapêutico superior a 60%. Bibliografia 1. Ray NF, Denton WG, Thamer M, et al. Abdominal adhesiolysis: Inpatient care and expenditures in the United States in 1994. 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