Cientistas capturam o fóton, a unidade mais elementar da luz Feito durou só 0,13 segundo, mas abre portas para o avanço da computação quântica Giovana Girardi escreve para “O Estado de SP” A última façanha de um laboratório francês de física foi tão rápida que alguém desavisado não deve nem ter percebido. Mas o fato literalmente joga luz na complicada Mecânica Quântica. Os pesquisadores conseguiram pela primeira vez “ver” nascimento, vida e morte de um fóton, a partícula elementar da luz. Todo o processo ocorreu em 0,13 segundo. Este foi o tempo em que o fóton ficou aprisionado em uma cavidade de dois espelhos . Pode parecer pouco, mas, considerando a velocidade da luz, seria suficiente para que ele viajasse 40 mil km. Com o uso de uma tecnologia engenhosa, os cientistas conseguiram monitorar o estado do fóton sem destruí-lo e observar algo até então previsto só na teoria. Já se sabia que no mundo microscópico as partículas podem mudar de estado. Por exemplo, um átomo pode sair de uma situação estável para uma excitada. Só que até hoje esse chamado “salto quântico” só tinha sido observado em matéria (como átomos, elétrons, íons). Sempre que se tentava observar um fóton (seu nascimento e morte, por exemplo), ele era destruído. Por ser um pontinho microscópico, claro que os pesquisadores não têm como exatamente ver o fóton, mas podem detectá-lo jogando matéria dentro da cavidade. Mas matéria, mesmo microscópica, também absorve energia, então os átomos que iam passar por ali tinham de ser transparentes para não destruir o fóton. “Essa foi a grande sacada da equipe”, comenta o físico brasileiro Paulo Nussenzveig, da USP, que fez doutorado com o grupo francês da Escola Normal Superior, que publica o estudo hoje no site da Nature. “Mas como é então que eles ‘enxergaram a luz’?”, continua. “O que acontece é igual quando a luz passa pela água. Ela perde velocidade e sofre uma refração. Quando o átomo transparente se depara com o fóton ele também perde velocidade e isso pode ser medido”, diz. Então, em um procedimento em que centenas de átomos eram disparados, os cientistas liderados por Sébastien Gleyzes conseguiam “ver” por quanto tempo existia um fóton na cavidade. Em suma, eles conseguiram observar o tal salto quântico do fóton. O gato e o computador A escala do experimento realmente o torna bastante difícil de compreender. A física quântica é assim tão cheia de esquisitices porque suas teorias até hoje só foram comprovadas no mundo microscópico. Como então compreendê-la no mundo real? Um dos melhores retratos que se tem desse estranho mundo é a história de um gatinho que pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. A brincadeira foi proposta pelo físico Erwin Schrödinger há mais de 70 anos. Ele imaginou um gato dentro de uma caixa com uma arma apontada para sua cabeça. Um fóton então seria disparado em direção a um espelho. Se ele passasse pelo espelho, a arma seria acionada, matando o gato. Se fosse refletido, ele seguiria vivo. O dilema é que no mundo quântico as duas coisas podem ocorrer simultaneamente, na chamada “superposição de estado”, e o bicho pode ficar vivo e morto. É em uma analogia com o gato de Schrödinger que o experimento do grupo francês pode fazer algum sentido prático. O aparato desenvolvido por eles permite que os átomos que passam pela cavidades possam estar ao mesmo tempo em dois estados: um afetado pelo fóton que estava lá dentro e outro, digamos, ileso (quando não havia fóton nenhum). Em linhas gerais, isso é a base para o desenvolvimento da computação quântica. Imagine o sistema binário de 0 e 1 da computação tradicional. “Na lógica clássica um bit só pode estar no 0 ou no 1. Isso significa um processamento de cada vez. Já no caso do bit quântico, é como se ele estivesse ao mesmo tempo em 0 e 1. Ou seja, é possível ter um processamento paralelo. Investigar mais de uma alternativa ao mesmo tempo”, explica Nussenzveig. (O Estado de SP, 15/3) Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=45324