reflexões sobre o ensino de filosofia com crianças

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REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA COM CRIANÇAS
NA ABORDAGEM FREIREANA DE EDUCAÇÃO
Mestranda. Lyandra Lareza da Silva Matos; Profª. Drª. Ivanilde Apoluceno de Oliveira
Programa de Pós-graduação em
Educação/Mestrado - Universidade do Estado do Pará
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RESUMO
Este artigo intitulado “Reflexões sobre o Ensino de Filosofia Com Crianças na Abordagem Freireana
de Educação” é recorte de uma Pesquisa de Campo de enfoque qualitativo. O estudo tem como
objetivo geral evidenciar as atividades socioeducativas desenvolvidas pelo Grupo de Estudo e
Trabalho do Ensino de Filosofia Com Crianças do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire. A
filosofia se configura como uma atividade humana envolvendo o exercício teórico e prático que parte
da relação do ser humano no mundo, na medida em que oferece subsídios para questionar e buscar
soluções para os problemas da realidade social. Por isso a importância de se realizar um trabalho de
iniciação filosófica com crianças, justamente por se encontrarem no período onde se inicia a fase das
perguntas e da curiosidade. Desse modo, se fortalece a ideia de que a filosofia não é uma atividade
exclusiva dos sujeitos adultos. Ao concebermos o pensamento educacional de Freire articulado ao
ensino de filosofia, estaremos definindo como eixos pedagógicos dois conceitos basilares: o perguntar
e o diálogo. Para esta pesquisa realizamos como estratégias metodológicas o levantamento
bibliográfico, entre os quais de: Charlot (2000); Oliveira (2006), Freire (1993-1996) e Tiriba (2005);
Observação Participante e Entrevistas Semiestruturadas com a docente da turma, um educador popular
do GETEF-NEP e 09 crianças. Os resultados alcançados revelam que o trabalho do NEP se
desenvolvendo a partir de uma perspectiva crítica que se constitui num processo de construção do
conhecimento tendo em vista o caráter humanizador-libertador de educação.
Palavras-Chave: Educação, Ensino de Filosofia Com Crianças, Abordagem Freireana.
INTRODUÇÃO:
O contexto escolar é um complexo sistema que vivencia um cenário de relações
conflituosas referentes às fragilidades no processo educacional. Entre essas fragilidades,
percebemos a insuficiência ou ausência, de espaço para se trabalhar a educação a partir da
perspectiva dialógica como forma (re) construção de novas mentalidades. Entender a
pluralidade de ideias é uma alternativa de contraposição aos ideais que bloqueiam e negam a
formação da consciência crítica em detrimento da unilateralização do pensamento.
Torna-se necessário esclarecer que alguns profissionais da educação, em especial os
docentes que vivenciam a realidade das salas de aula, atentam-se unicamente para uma
formação técnica, contribuindo para uma educação de cunho mercadológico - inconsciente ou
conscientemente - não com os sujeitos no seu existir histórico, social, cultural e político,
fortalecendo, desta maneira, os fundamentos teórico-metodológicos convencionais.
Segundo Oliveira (2006) os padrões de ensino são por diversas vezes moldados em
pressupostos individualistas e manipuladores. Os estudantes são sujeitados aos padrões
hegemônicos de ensino reconhecidos como epistemologicamente “legítimos”. Considera
ainda, que é desta forma que o pensamento ocidental dominante se materializa no currículo
escolar, em que o desenvolvimento dos educandos é prescrito sobre a perspectiva das
habilidades e não das capacidades – privilegiando o desenvolvimento racional, dicotomizado
do sentir.
Isto significa dizer que, os educadores necessitam ser, não apenas referências de
ensinamentos técnico-metodológicos, mas, sobretudo, sensíveis diante do processo
educacional e da pessoa humana. Devem, portanto, adotar um posicionamento político de
resistência e não de adaptação ou reprodução do status quo (OLIVEIRA, 2006).
Tiriba (2005) julga que a lógica perversa do capital não prioriza a reprodução da vida da
criança, mas o princípio de produção de mercadorias, ou seja, a Coisificação dela. É também
vítima dos processos sociais excludentes; integrada economicamente, ao mesmo tempo
excluída social, moral e politicamente.
Para Amador (2007), no ensino tradicional, a Filosofia não é compreendida como parte
das diretrizes curriculares, o que consequentemente gera o fortalecimento de uma educação
que prepara o (a) educando (a) somente para o mercado, deixando de estimular a capacidade
crítica deles e delas.
A educação popular freireana, por sua vez, possibilita repensar as práticas educativas, nela
o conhecimento popular passa a fazer parte do processo de escolarização reforçando a
necessidade de se trabalhar com os saberes populares e com os saberes científicos,
vislumbrando um diálogo entre eles.
A Pedagogia Humanista-Libertadora de Paulo Freire por seu caráter democrático de
conceber todos os sujeitos como participantes do processo educacional torna-se relevante para
o ensino de Filosofia, na medida em que estabelece uma relação horizontal onde todos atuam,
pensam e são ouvidos, viabilizando a construção de um ambiente transformador em que são
considerados sujeitos de práxis que refletem e agem com o mundo e com os outros.
Refletindo sobre as práticas pedagógicas de educação popular, apontamos a experiência
educativa do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP) da Universidade do Estado do
Pará (UEPA), localizado no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE). Este Núcleo é
um espaço que desenvolve ações socioeducativas com crianças, jovens, adultos e idosos,
atuando com o ensino, a pesquisa e a extensão no contexto da Educação Popular.
Objetiva-se neste estudo: (1) Evidenciar como são realizadas as atividades do Ensino de
Filosofia desenvolvidas pelo NEP (2) Analisar como o pensamento educacional freireano se
relaciona com o ensino de filosofia (3) Identificar que contribuições o ensino de filosofia do
NEP pode desempenhar no processo educativo.
METODOLOGIA
O estudo trata de uma pesquisa de campo e participante sobre a prática de ensino de
filosofia do GET pesquisado. Este tipo de pesquisa conforme Minayo (1994), se configura na
escolha em que o pesquisador faz para desenvolver o seu trabalho tendo em vista os aportes
teóricos que fundamentarão o objeto de estudo. É a observação dos fatos que se manifestam
naturalmente. Este tipo de pesquisa permite ao pesquisador ter uma aproximação mais efetiva
com os fenômenos investigados.
O trabalho contou com um levantamento bibliográfico, com intuito de analisar obras
sobre as temáticas já desempenhadas anteriormente. Como procedimentos adotamos a
entrevista semiestruturada e observação participante.
De acordo com Szymanski (2004), a entrevista se configura numa ferramenta
flexível que envolve uma preparação por parte do pesquisador que deve atentar para os fatores
que possam surgir no decorrer da entrevista, que não foram previamente elaborados.
Quanto ao sentido da observação para a pesquisa, é importante porque “utiliza os
sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e
ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar” (MARCONI;
LAKATOS, 2010, p. 173).
A coleta de dados foi realizada em uma escola na qual o Grupo de Estudo e Trabalho de
Filosofia do NEP-UEPA desenvolveu atividades de ensino com crianças numa turma do 3º
ano do ensino fundamental, constituída por 27 crianças (19 meninos e 08 meninas).
Os sujeitos da pesquisa foram a professora da turma; um educador popular do GETEF,
ambos educadores do Núcleo, e 09 crianças. Os nove educandos na faixa etária de 08 e 09
anos de idade. Na escola pesquisada foram desenvolvidas as propostas de iniciação filosofia
na perspectiva freireana que auxiliaram no processo de interrelação, evidenciando a
importância que o diálogo e a pergunta possuem nas atividades socioeducativas. Assim, neste
estudo o foco é para os encontros socioeducativos com crianças realizados pelo NEP. A coleta
de dados ocorreu de acordo com o calendário letivo das escolas públicas de Belém do Pará.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O ensino de filosofia com crianças ocorrem em turmas das séries iniciais do Ensino
Fundamental. Nesses espaços são realizadas atividades educativas de filosofia por meio do
círculo cultural dialógico e problematizador envolvendo debates sobre temas do cotidiano
sócio-cultural dos educandos (as) e da filosofia como, a Axiologia; Antropologia e Lógica. As
atividades filosóficas voltadas com o público de crianças buscam possibilitar uma educação
humanizadora.
Amador (2007) afirma que a Filosofia é favorável ao desenvolvimento das crianças para
que construam juízos logicamente corretos, que gerem atitudes éticas e o pensamento
reflexivo crítico, afirmando a condição da criança enquanto sujeito plural, pensante e
protagonista da história
Para Freire (1996) quando inseridos numa experiência formadora, é essencial que se
respeite a identidade cultural dos sujeitos e, como educadores devemos construir uma prática
coerente com este saber. “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?”
(FREIRE, 1996, p.30).
O trabalho do grupo de filosofia com crianças tem como princípios e diretrizes do
pensamento freireano: o diálogo (como condição humana e interação entre os sujeitos); a
oralidade (forma que o sujeito tem para demonstrar o seu existir); a pergunta (como incentivo
de conhecimento); a criticidade (meio de problematizar a realidade); a autonomia (como
subsídio de participação na construção do conhecimento); a práxis (processo de aliança entre
teoria e prática); a rigorosidade (compromisso ético, político e pedagógico) e, uma educação
ético política (ação abrangente que envolve a convivência democrática e compreende os
sujeitos como participantes da dinâmica social). (NEP, 2002)
O trabalho de filosofia é uma prática que busca estimular capacidades das crianças que
possam favorecer a construção de pessoas menos competitivos, uma prática que tenha como
diretriz o fortalecimento das ações coletivas buscando construir sujeitos melhores. “Esta
busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na
comunhão, na solidariedade dos existires [...]” (FREIRE, 1993, p. 43).
O trabalho desenvolvido pelo NEP utiliza os pressupostos teórico-metodológicos da
filosofia e do pensamento educacional freireano. Nos espaços são realizadas atividades com a
Axiologia, Antropologia e Lógica.
O ensino de filosofia com crianças pressupõe a relação da filosofia com a educação
freireana, cujos pressupostos epistemológicos estimula o ato de perguntar - a pergunta como
uma ação humana, não apenas usada na prática pedagógica, mas como hábito natural para a
vida, como forma de conhecimento e de problematização.
As ações socioeducativas do Grupo de Estudo e Trabalho do Ensino de Filosofia do NEP
Ensino esse que congregue a iniciação filosófica de crianças e jovens, a educação
para o pensar e a preparação para uma cidadania responsável, compreendendo-se
que a formação da criança é integral e que a Filosofia não pode ser apenas dirigida à
razão, deve ter origem na afetividade e na estética (AMADOR, 2007, p. 68).
Os encontros filosóficos ocorrem durante o período de uma hora semanal. A cada ação
realizada é elaborado um planejamento no qual é indispensável a participação de todos (as)
integrantes do GET. e, posteriormente são construídos relatórios sobre as atividades
desenvolvidas.
No primeiro encontro ocorreu uma espécie de apresentação das propostas do grupo e sua
intenção do que seria o ensino de filosofia. Para tanto, utilizou-se de uma dinâmica
pedagógica que possibilitasse a apresentação das crianças. A ação adotou caráter lúdico,
despertando a manifestação dos (as) educandas (as) os mobilizados a participar e colaborar
com o trabalho.
[...] Aprender, é exercer uma atividade em situação em um local, em um momento da sua
história e em condições de tempo diversas, com ajuda de pessoas que ajudam a aprender. A
relação com o saber é relação com mundo, em um sentido geral, mas é, também, relação com
esses mundos particulares (meios, espaços...) nos quais a criança vive e aprende [...] (
CHARLOT, 2000, p. 67).
Neste mesmo encontro utilizamos outra atividade que nos possibilitou conhecer mais
sobre os sujeitos. Esta ação tinha por finalidade verificar o que era significativo para eles (as)
naquele momento. Foi então que algumas crianças registraram o carinho e respeito que
sentiam pela professora. No desfecho da atividade, novamente a relação amorosa com a
professora ganhou destaque.
Percebendo a importância que as crianças deram ao mencionar a docente, perguntamos:
“Por que a professora foi a escolhida?”, alguns responderam: “porque ela é a melhor”,
“porque ela é carinhosa” e outros “porque ela é boa”. Estas falas nos permitem dizer que
existe a relação de amorosidade e afetividade na prática pedagógica da professora. Este tipo
de educação amorosa está ligado ao afeto, diálogo e amizade.
Os professores necessitam fortalecer em suas aulas esse tipo de prática educativa que
assume um caráter libertador favorecendo aos educandos participarem ativamente do processo
com satisfação e alegria. Para Freire (1996) o professor deve querer bem seus alunos,
entretanto, seu afeto não pode interferir no cumprimento do seu dever como educador, a
afetividade a qual ele se refere está na prática educativa, no compromisso e com o processo de
formação.
Nesse sentido, o mesmo autor destaca (1996, p. 142):
A atividade docente de que a discente não se separa. É uma experiência alegre por
natureza. É falso também tomar como inconciliáveis seriedade docente e alegria,
como se a alegria fosse inimiga da rigorosidade. Pelo contrário, quanto mais
metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais
alegre me sinto e esperançoso também.
Assim, percebeu-se neste primeiro encontro, a relação de respeito e afeto que os
educandos estabelecem entre si, com a professora e com os educadores do NEP. Contudo, este
primeiro contato possibilitou uma maior proximidade entre educadores e educandos, além de
evidenciar o diálogo, a afetividade e o respeito como elementos fundamentais das atividades
sociopedagógicas.
Neste primeiro contato, observamos que as crianças apresentavam atitudes solidárias entre
si, o que nos levou a elaborar um planejamento para o segundo encontro que correspondesse a
este aspecto. Logo, diante do que foi extraído do primeiro dia de atividades o tema-problema
construído foi: “a solidariedade nas relações humanas”. Esse tema tinha como objetivo refletir
sobre a problemática das relações éticas humanas. Assim, empregou-se como pressuposto as
áreas filosóficas baseadas na Axiologia (valores) e Antropologia filosófica (ser humanomundo).
Com isso, a segunda experiência se deu por meio de uma proposta pedagógica lúdica, uma
atividade de contação de estória. Os educadores organizaram a turma em semi-círculo onde
necessitaram o recurso didático data show para o trabalho. A metodologia se deu da seguinte
forma: no primeiro momento foi realizada a Contação de fábulas: A descoberta da Joaninha,
da autora Bellah Leite Cordeiro; em seguida, a turma foi dividida em 06 grupos de acordo
com as falas de cada personagem da fábula, sendo que os grupos tiveram auxílio dos slides
para lerem os trechos correspondentes aos seus personagens.
No desenvolvimento dessa atividade as educadoras observaram que as crianças
compreenderam a tarefa de forma positiva, interagindo significativamente. Esta atividade
propiciou às educadoras analisar o nível de leitura dos educandos – uma parcela significativa
apresentava facilidade para ler. A proposta de contação contribuiu para estimular a leitura- o
que certamente ajudou a desenvolver a capacidade de compreensão das crianças- pois
entenderam o começo, meio e fim do conto. Fato que propicia o estímulo do senso crítico e
criativo.
Ainda no segundo encontro, foi realizado o círculo cultural, constituído pela roda de
conversa, no qual mediaram da discussão do tema se deu por meio do diálogo e da pergunta.
Iniciamos a conversa abordando aspectos do próprio conto: “Quantos animais tinham na
estória?”, “A Joaninha fez os outros bichinhos felizes?”, “Os animais falam?” E
posteriormente passando para o contexto da realidade concreta, trabalhando a abordagem do
conto e relacionando com atitudes reais. Perguntamos se eles (as) costumam praticar ações
solidárias como forma de estimular a problematização do real, despertando a consciência
reflexiva e crítica das crianças.
O educador progressista precisa estar convencido como de suas consequências é o de ser o
seu trabalho uma especificidade humana. Já vimos que a condição humana fundante da
educação é precisamente a inconclusão de nosso ser histórico de que nos tornamos
inconscientes. Nada que diga respeito ao ser humano, à possibilidade de seu aperfeiçoamento
físico e moral, de sua inteligência sendo produzida e desafiada, os obstáculos a seu
crescimento, o que possa fazer em favor da boniteza do mundo como de seu enfiamento, a
dominação a que esteja sujeito, a liberdade por que deve lutar, nada que diga respeito aos
homens e às mulheres pode passar despercebido pelo educador ou educadora. O nosso é um
trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de
busca (FREIRE, 1996, p. 143 e 144).
Outra atividade interessante de ser relatada foi acerca dos valores nas relações humanas e que nos levou a trabalhar com a área filosófica da axiologia. O objetivo inicial era promover
a discussão e a reflexão no tocante as atitudes boas e ruins. Para tanto, utilizamos como
recurso metodológico a construção de fanzines pedagógicos1. Vale destacar que a maioria das
produções era referente à família, porém emergiram outras temáticas como amizades,
brincadeiras, amor, escola entre outras. Em decorrência do tempo, o plano de aula foi dividido
em duas etapas: construção do fanzine e Círculo Cultural Dialógico e Problematizador2, este
último passando para semana seguinte.
No primeiro momento da roda de conversa as crianças se organizaram no centro da sala,
assim puderam expor os fanzines construídos no encontro anterior, onde todos ficaram
vislumbrados com as produções. Todos (as) tiveram a oportunidade de observar os demais
trabalhos tecendo opiniões positivas e chacotas aos desenhos produzidos por eles. Dentre os
diálogos, consideramos como o mais representativo a abordagem sobre a escola, com isso
percebemos que as crianças trazem percepções construíram em suas vivências sócio-culturais.
1
Espécie de revistinha simples, que exige: Tema, personagens e criatividade. Devendo conter figuras, desenhos
e textos na sua elaboração.
2
Este círculo foi criado no NEP, é nesse espaço que se configuram os diálogos, as questões a serem debatidas e
problematizadas por todos (as) inseridos nesse processo.
Foto: NEP
Educadora: Não ir para a escola é ruim?
Criança: É, porque fica burro.
Educadora: O que é ser burro?
Criança: Quer dizer uma pessoa que nunca estudou, pessoas burras
puxam carroça.
Criança: Você tá muito enganado, tem pessoas que puxam carroça e
são educadas e tem outras que vão à escola e tratam a pessoas mal.
Educadora: O que é um burro?
Criança: É um animal
Criança: A pessoa que não estudou é burro e nunca foi na faculdade,
nunca vai trabalhar
Educadora: Por que você acha isso?
Criança: A vizinha de casa disse que é burro porque não teve
alfabetização
Criança: Vocês concordam com isso?
Crianças: Não
Criança: Elas vão trabalhar sim, mas não é trabalho comum, vão
trabalhar de pedreiro.
Criança: Eles tem que aceitar e fazer o que os outros falam
Criança: Lá na minha rua tem isso e isso é ruim.
Criança:Tem gente que trabalha para uns homens, que não faz o
trabalho apanha.
Educadora: Tem pessoas que tem oportunidade de não ir à escola?
Criança: Tem muitas que tem oportunidade, mas não aproveitam a
escola
Criança: Puxar carroça é trabalho escravo
Criança: Tem uns que estudaram mas hoje estão puxando carroça
Educador: Se você encontrar uma pessoa puxando carroça, você
tratará bem ou mal?
Crianças: Bem!
O mais interessante é que não se mantiveram somente nos aspectos aparentes, mas
também em relação a importância da educação, do trabalho e, principalmente no tocante aos
valores e atitudes humanas. Desse modo, portanto, nos possibilita compreender o nível de
criticidade dos educandos. Isto fica evidente na fala de uma das crianças: “Você tá muito
enganado, tem pessoas que puxam carroça e são educadas e tem outras que vão à escola e
tratam as pessoas mal”.
Certamente isto nos dá subsídios para afirmar que as crianças tem capacidade para
debater diversos assuntos com seriedade e condições de pensar além da superficialidade.
Obviamente é necessário que sejam estimulados para o diálogo, não do diálogo
descompromissado, mas de um diálogo crítico reflexivo. Observamos ainda, que muitos
divergem no pensamento, porém é isso que torna a discussão mais significativa, pois como foi
apontado por Freire em suas obras, o diálogo ocorre nas diferenças tendo em vista o respeito
com o Outro.
O trabalho de filosofia com crianças na abordagem freireana desenvolvido pelo NEP
consiste em um processo pautado no diálogo, em que é proporcionado às crianças uma
ambiente acolhedor que os permitam terem liberdade para perguntar e discutir, onde estes se
percebam como sujeitos. Acrescentamos ainda, que o trabalho de filosofia com crianças na
perspectiva freireana de educação caracteriza-se por desenvolver o estímulo a capacidade
cognitiva, afetiva e crítica das crianças.
CONCLUSÕES
Esta pesquisa investigou uma turma de filosofia com crianças do Núcleo de Educação
Popular Paulo Freire da Universidade do Estado do Pará, no qual observamos que as práticas
socioeducativas deste espaço seguem os princípios freireanos. Percebemos que as atividades
são sempre efetuadas atendendo as diretrizes da educação participativa e libertadora de Paulo
Freire, no qual os (as) educandos (as) são permanentemente estimulados para atuarem como
sujeitos ativos no processo de construção coletiva do conhecimento. Com base no estudo,
compreendemos que as ações desenvolvidas pelo NEP, promovem um ensino de caráter
humanizador de comprometimento, que prima, sobretudo, pelo desenvolvimento dos sujeitos
na sua plenitude.
Um dos momentos mais ricos para a efetivação da pesquisa foi em relação à análise das
entrevistas dos sujeitos, o que certamente fez com que o estudo se tornasse mais desafiante,
haja vista que durante esse processo, os professores tiveram oportunidade de discorrer sobre
suas práticas diárias com suas dificuldades e conquistas e, as crianças sobre suas percepções
sobre o ensino de filosofia de uma forma geral.
As percepções dos pesquisados foram fatores de grande relevância para a consistência do
trabalho. Evidenciamos que ambos entenderam as atividades do NEP como importantes para
o fortalecimento de uma cultura humana, onde o diálogo, a pergunta e a problematização são
diretrizes das suas atividades socioeducativas no seu sentido ético-político.
Contudo, vale enfatizar que a pesquisa indubitavelmente foi um grande desafio, pois
tivemos um contato real com o que seria um completo desnudamente das práticas de educação
tradicional no qual historicamente fomos vitimados/oprimidos entre estas práticas, a
pedagogia da resposta.
Esta experiência, de fato, nos mostrou o quanto é interessante o
trabalho com crianças, especialmente quando os aproximamos da filosofia. Com esta pesquisa
entendemos que é possível desenvolver uma prática com a participação efetiva das crianças.
Certamente, o mais desafiador neste processo de iniciação filosófica não são as respostas, o
que é mais provocador são os momentos da elaboração das perguntas - hábito pouco
trabalhado em diversas realidades educacionais. Sendo assim reconhecemos que a prática
educativa do NEP em associação com às intenções filosóficas, permite a participação crítica
dos sujeitos, fomentando dessa maneira, uma educação libertadora-humanizadora.
REFERÊNCIAS B I B L I O G R Á F I C A S
AMADOR, Afonso Araújo. Filosofia Com Crianças e Adolescentes em Práticas
Educativas Populares: Uma Abordagem Freireana. Belém, 2007.
CHALOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:
ArTmed, 2000.
FREIRE, Paulo. Professora sim tia não: Cartas a quem ousa ensinar. – São Paulo: Olho
d’Água, 1993.
------------1996. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. – São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
NEP. Projeto: Núcleo de Educação Popular Paulo Freire. UEPA: CCSE - Belém-Pará, 2002.
OLIVEIRA, Ivanilde. Filosofia da Educação: Reflexões e Debates. – Vozes, 2006.
TIRIBA, Léa. Crianças, natureza e educação infantil. – Rio de Janeiro: PUC-Rio,
Departamento de Educação, 2005.
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