2 Seleção natural ou sexual, qual mecanismo é responsável pela diversificação e evolução genial? Bruno Genevcius Devido a sua rápida taxa de evolução, caracteres de genitália vêm tendo grande importância taxonômica e filogenética em diversos grupos de metazoários. Essa rápida taxa implica em padrões morfológicos únicos e bastante distintos, mesmo em linhagens de divergência recente. Algumas hipóteses foram propostas para explicar quais mecanismos são responsáveis pela diversificação e evolução destes caracteres. A idéia mais defendida atualmente é de que esta rápida evolução ocorre unicamente como resultado de seleção sexual (Eberhard 2009). No entanto, há evidências de que a seleção natural também pode ter papel importante. Para compreender quais destes mecanismos evolutivos exercem maior influência sobre os traços genitais, aspectos ecológicos também devem ser considerados. Segundo a principal hipótese de seleção natural, a chave-fechadura, a seleção leva a fêmea a desenvolver estruturas reprodutivas que se encaixam somente nas dos machos da mesma espécie (Eberhard 1985). A seleção age fortemente sobre os caracteres genitais favorecendo o cruzamento intraespecífico e desfavorecendo hibridização. Apesar de corroborada em alguns estudos, tal hipótese é constantemente refutada por diversos tipos de evidências, dentre elas estudos de associação entre as genitálias durante a cópula e a frequente variação intraespecífica de morfologia genital (Hosken & Stockley 2003). Além disso, há muitas evidências de que a hibridização possui papel importante no processo de especiação (e.g. Rheindt & Edwards 2011), portanto não se espera que seja desfavorecida por seleção natural. 3 Em contrapartida, muitos estudos têm indicado que a seleção sexual é quem possui papel mais importante na evolução dos traços genitais. Há duas hipóteses controversas sobre este tipo de seleção. A escolha críptica das fêmeas propõe que a seleção por parte das fêmeas, cujos critérios de escolha não são óbvios, ocorre durante a cópula. A genitália masculina atua como um dispositivo de cortejo que estimula a fêmea em seu trato reprodutivo (Hoken & Stockley 2003). Assim, as estruturas masculinas seriam selecionadas de acordo com a eficiência na estimulação das fêmeas. Já a hipótese de coevolução sexual antagonística sugere que estruturas genitais complexas surgem como resultado de uma “corrida armamentista evolutiva” entre machos e fêmeas pelo controle da reprodução. Em outras palavras, a seleção sexual tende a favorecer traços exagerados que aumentam a adaptabilidade de um só sexo, mesmo que isto se torne custoso para o outro. Existem evidências para as duas hipóteses, no entanto, a coevolução sexual antagonística parece menos plausível, pois implica que a evolução acarretaria diferenças na adaptabilidade entre indivíduos de sexos diferentes de uma mesma espécie. Esta diferença entre os sexos tende a reduzir a adaptabilidade total da espécie, reduzindo sua capacidade de reprodução e persistência no habitat. O estudo da evolução da genitália é complicado não somente porque pode haver influência tanto de seleção natural quanto sexual, mas também de fatores ecológicos (Soto et al. 2007). Existem dois casos em que a evolução genital pode ser associada a fatores ecológicos (Bonduriansky 2011). No primeiro caso, uma mudança numa condição ambiental pode levar a uma circunstância em que, um traço genital já existente pode começar a se modificar e se tornar mais viável e adaptativo (pré-adaptação). Em um segundo caso, a evolução de um traço genital pode levar alguns indivíduos a explorar um novo nicho ecológico. 4 No contexto da evolução genital, determinados processos ecológicos bióticos são essenciais principalmente ao alterar a densidade populacional ou o fluxo gênico entre populações (i.e. migração e mortalidade). Em um habitat em que um recurso fundamental se torna escasso ou a taxa de predação aumenta, uma forte redução na densidade populacional pode aumentar a probabilidade da fixação de um fenótipo extremo. Tal fato pode explicar o aumento de determinadas estruturas genitais como mostrado por Andrade et al. (2005). Além disso, fatores ecológicos abióticos, como temperatura e altitude, possuem forte correlação com aspectos comportamentais que estão sobre pressão de seleção sexual. Comportamentos sexuais como a cópula e a escolha de parceiros, em função dos fatores ecológicos abióticos, podem acarretar diversas alterações morfológicas, inclusive genitais, tanto num tempo ecológico como evolutivo (Eberhard 2009). Alguns estudos empíricos tem mostrado forte correlação entre evolução genital e mudanças na composição de habitat (e.g. Soto et al. 2007), plasticidade fenotípica genital e mudanças de temperatura no habitat (e.g. Andrade et al. 2005), e estrutura genital e sazonalidade (e.g. Kobayashi 1998). Tais estudos indicam que os processos ecológicos influenciam tanto a seleção sexual quanto a natural, podendo ter papel importante na diversificação e evolução genital. Apesar de sua importância taxonômica e filogenética, os caracteres de genitália são pouco compreendidos em um contexto evolutivo e ecológico. Há uma discussão constante na literatura sobre qual mecanismo é mais importante na evolução destes traços, a seleção natural ou a seleção sexual. A princípio, a resposta para esta pergunta é a seleção sexual, com base na quantidade de evidências. No entanto também existem evidências concretas a favor da seleção natural, mesmo que em menor quantidade (seja por chave-fechadura ou pleiotropia). É muito provável que a falta de conhecimento 5 sobre como evoluem os caracteres de genitália passa pela escassez de dados ecológicos das espécies, visto que estes estão intimamente ligados aos processos evolutivos. Referências Bibliográficas Andrade, C.A.C., Hatadani, L.M. & Klaczko, L.B. (2005) Phenotypic plasticity of the aedeagus of Drosophila mediopunctata: Effect of the temperature. Journal of Thermal Biology, 30, 518-523. Bonduriansky, R. (2011) Sexual Selection and Conflict as Engines of Ecological Diversification. The American Naturalist, 178(6). Eberhard, W.G. (1985) Sexual Selection and Animal Genitalia. Harvard University Press. Eberhard, W.G. (2009) Evolution of genitalia: theories, evidence, and new directions. Genetica, 138, 5-18. Hosken, D.J. & Stockley, P. (2003) Sexual selection and genital evolution. Trends in Ecology and Evolution, 19(2), 87-93. Kobayashi, T., (1998) Seasonal changes in body size and male genital structures of Procladius choreus (Diptera:Chironomidae:Tanypodinae). Aquatic Insects, 20, 165–172. Rheindt, F.E. & Edwards, S.V. (2011) Genetic introGression: an integral but neglected component of speciation in birds. The Auk, 128(4), 620-632. Soto, I.M, Carreira, V.P., Fanara, J.J. & Hasson, E. (2007) Evolution of male genitalia: environmental and genetic factors affect genital morphology in two Drosophila sibling species and their hybrids. BMC Evolutionary Biology, 7(77).