PRODUÇÃO DE SISTEMAS DE LIBERAÇÃO CONTROLADA COM MICROESFERAS DE ÁCIDO AMINOCAPRÓICO/GOMA ARÁBICA PARA O TRATAMENTO DE SANGRAMENTO NASAL G. MAESTRI1, R. VENTURELLI2, R. L. BOEMO3, M. MARQUES1, A. A. U.de SOUZA2, A. P. S. IMMICH1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Blumenau Universidade Federal de Santa Catarina, Depto de Engenharia Química 3 Universidade Federal de Santa Catarina, Serviço de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia E-mail para contato: [email protected] 2 RESUMO – Nos sistemas de liberação controlada o agente ativo pode ser incorporado por microcápsulas, cuja casca pode ser de origem sintética ou natural, como o complexo de gelatina (aminoácido) e goma arábica (polissacarídeo). O objetivo deste trabalho é propor a substituição da gelatina deste complexo, por um fármaco antifibrinolítico para formação de uma microesfera oca, cujo agente ativo encontra-se na casca, facilitando, assim, a sua liberação. Estas microesferas serão incorporadas à um não tecido eletrofiado de Poli(L-ácido láctico) para produção de tampões nasais para o tratamento de epistaxe. As microcápsulas foram obtidas por coacervação em meio ácido e por coagulação em meio salino. Dentre as técnicas apresentada, a mais promissora encontrada foi via eletroaspersão de uma solução de alginato e fármaco em uma meio salino coagulante, que produziu microcápsulas de diâmetros compatíveis à aplicação em não tecidos. Com este método evitar procedimentos cirúrgicos para tratar epistaxe. 1. INTRODUÇÃO Os polímeros aparecem com frequência na rotina diária do ser humano de diversas formas, mostrando-se um material multifuncional, útil em diversas áreas, dentre elas, a área farmacêutica e da saúde, bem como na preparação de medicamentos e cosméticos. Polímeros geralmente utilizados em aplicações farmacêuticas podem ser de origem natural (quitosana, albumina, polissacarídeos em geral e proteínas) ou sintética (poliacrilatos, polimetacrilatos). Os polímeros sintéticos são produzidos em laboratórios e de forma artificial, mesmo que sejam de origem natural, como por exemplo o PLA (poli(ácido láctico)). Polímeros naturais são aqueles que encontramos na natureza, por exemplo, celulose, proteínas, polissacarídeos, entre outros. Estes polímeros tendem a serem menos prejudiciais aos seres humanos, e, portanto, são preferíveis em aplicações médicas e farmacêuticas, como mostram estudos de Way (2013). Segundo Villanova (2010), medicamentos convencionais (comprimidos) são aqueles que apresentam liberação direta do fármaco, e são produzidos de maneira considerada fácil, já que não se necessita de aparelhos modernos para sua produção. Como alternativa aos medicamentos convencionais, os sistemas de administração controlada de fármacos são aqueles que aumentam o tempo de liberação do fármaco no organismo, sustentam a concentração plasmática e possuem vantagens como: diminuição de toxicidade e do número de doses administradas diariamente e omissão de reações adversas. O direcionamento exato do medicamento proporciona seletividade e aumento da eficácia terapêutica, de acordo com estudos de Villanova (2010). Uma das aplicações de polímeros como sólidos orais são as cápsulas, ou ainda, microcápsulas, produzidas de polímeros naturais ou sintéticos, como por exemplo, o complexo de goma arábica (polissacarídeo) com gelatina (aminoácido). O polissacarídeo goma arábica é o mais antigo dentre as gomas naturais, oriundo da região subsaariana, é normalmente usado na fabricação de colas, tintas e como laxante e é constituído de arabina entre outros açúcares, conforme estudos de Veiga (2014). A goma arábica se dissolve imediatamente em meio aquoso, produzindo soluções de cores claras com pH em torno de 4,5. Como sua estrutura possui diversas ramificações, originam-se moléculas compactas, o que torna as soluções da goma viscosas quando em altas concentrações. De acordo com Veiga (2014), a gelatina é uma proteína (polímero natural) não tóxica, de baixo custo, biocompatível, de cadeia linear produzida a partir de hidrolisados de colágeno ou da fração polissacarídica de algas marinhas e que são constituídas com cerca de 85 a 92% de proteína e o restante é composto de sais minerais, umidade entre outros. Este material é utilizado na fabricação de microesferas, adesivos de tecido e apresenta um alto potencial para emprego em sistemas de liberação controlada de fármacos, conforme Way (2013). O objetivo deste estudo é propor a substituição do aminoácido gelatina do complexo goma arábica/gelatina pelo fármaco antifibrinolítico ácido aminocapróico (aminoácido de nome comercial Ipsilon) para a formação de uma microesfera oca, em que o agente ativo se encontra na casca da microesfera e não no núcleo, facilitando, assim, a sua liberação. Muito similares às cápsulas, as microesferas dispõem de características como a biodistribuição das moléculas transportadas, o que influencia para sua aplicação na área de sistemas de distribuição controlada de fármacos, conforme afirma Mena (2003). Ao substituir a gelatina pelo ácido aminocapróico, evita-se a necessidade de encapsular o fármaco, pois este já se encontra na casca da microesfera. O fármaco ácido aminocapróico é destinado ao controle e prevenção de hemorragias em geral, como sangramentos nasais intensos, urinários, ginecológicos, sangramentos após cirurgias e etc. O fármaco atua mantendo a estabilidade dos coágulos sanguíneos evitando que eles se dissolvam, reduzindo os sangramentos, de acordo com Nikkho (2013). Portanto, pretende-se produzir microesferas ocas de fármaco ácido aminocapróico com goma arábica, para serem incorporadas por eletroaspersão a um tampão feito de um nãotecido eletrofiado de Poli (L-ácido láctico), para ser usado em episódios de epistaxe (hemorragia nasal), obstruindo a saída do sangue de forma fácil e rápida, evitando que o paciente necessite de um procedimento cirúrgico, como a cauterização, processo que apresenta desvantagens como dor, desconforto, e reações adversas ao paciente. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Todos os experimentos foram realizados no Laboratório de Transferência de Massa (LABMASSA) do departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina. 2.1 Materiais O polímero utilizado neste trabalho foi o Poli (L-ácido láctico) (PLLA), fornecido pela PURAC. Os solventes utilizados foram clorofórmio, marca VETEC, com grau de pureza de 99,8%, dimetilformamida, marca SIGMA-ALDRICH, com grau de pureza de 99% e ácido acético glacial, marca VETEC. Os materiais sólidos utilizados foram gelatina, alginato e goma arábica, marca VETEC. O fármaco antifibrinolítico utilizado foi Ipsilon (ácido -aminocapróico), adquirido em farmácia. Os materiais foram utilizados sem tratamentos prévios. 2.2 Produção do tecido não tecido por eletrofiação O polímero foi solubilizado em clorofórmio sob agitação magnética constante em temperatura ambiente overnight. Após a completa solubilização do polímero, adicionou-se 10% (v/v) de dimetilformamida para melhor da condutividade da solução. As condições de trabalho para o processo de eletrofiação foram: 12 cm de distância entre a placa coletora e o capilar, voltagem de 23 kV, vazão de infusão de 2 mL/h, concentração da solução polimérica de 1,2% (m/m), placa coletora metálica girando a 33 rpm. A umidade relativa do ar foi de 56% e temperatura média de 23C. Após a completa solubilização do polímero, adicionou-se 10% (v/v) de dimetilformamida. 2.3 Produção das microesferas de goma arábica e gelatina Gelatina e goma arábica foram solubilizadas separadamente em água destilada, com concentração de 10% (m/m) cada, a 40C e sob agitação magnética constante. Após a completa dissolução dos materiais, estas soluções foram misturadas, acrescentando-se o dobro do volume desta solução de água destilada. Para atingir pH de coacervação, este foi reduzido a 3, com adição de ácido acético glacial. Ao final, a solução foi agitada por 45 minutos e, então, mantida em repouso para a formação e decantação das microesferas. 2.4 Produção das cápsulas de gelatina e goma arábica funcionalizadas Estas cápsulas foram obtidas como descrito no item 2.3, com uma etapa a mais, a adição de 10% de fármaco à solução de gelatina antes da mistura com a goma arábica. O restante do processo é idêntico ao descrito no item anterior. 2.5 Produção das microesferas de alginato e fármaco Foi preparada uma solução de alginato em água destilada com concentração de 2% (m/m) a 40C. Separadamente, uma solução salina foi preparada em banho de gelo contendo cloreto de cálcio e água destilada, com concentrações variando de 2 a 5%. As soluções foram mantidas em agitação magnética constante até a completa solubilização do material. Na solução contendo alginato já solubilizada, adicionou-se 1 g de fármaco. As microesferas foram obtidas de duas formas, com uso de seringas convencionais e por eletrofiação. Obtenção das microesferas com o uso de seringas convencional: A solução contendo alginato e fármaco foi gotejada lentamente na solução de CaCl2 com auxílio de uma seringa comum (agulha gauge 22), obtendo-se, assim, a imediata formação das microesferas. Após a produção das microesferas, estas foram filtradas em papel filtro e reservadas para análise de liberação de fármaco. Obtenção das microesferas por eletroaspersão em meio aquoso: Nesta técnica, o esquema de eletrofiação foi adaptado para posição vertical e a solução de alginato com fármaco foi eletroaspergida (aspersão através de uma diferença de potencial elétrico) em uma solução com CaCl2 acondicionada em um coletor metálico aterrado. As condições de eletrofiação foram: distância de coletor e agulha de 8 cm, taxa de infusão de 5 mL/h, tensão aplicada de 23 kV, umidade relativa do ar de 57%. Nesta técnica, a gota formada na ponta da agulha é atraída pela placa coletora, formando microesferas imediatas na solução salina. Por fim, estas foram filtradas em papel filtro e reservadas para teste de liberação de fármaco. 2.6 Teste de liberação controlada das microesferas Para o teste de liberação de fármaco, as microesferas foram imersas em um banho com água destilada à 37C, para simular a temperatura corporal. Esta temperatura foi mantida até o fim da análise. As alíquotas foram retiradas em intervalos de 5 minutos por 45 minutos. A análise foi feita em espectrofotômetro UV-vis da marca Shimadzu, modelo UV-1240 no comprimento de onda do fármaco de 298 nm. 2.7 Análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV) A análise morfológica do nãotecido foi realizada por microscopia eletrônica de varredura em um microscópio da marca JEOL, modelo JSM-6390LV. 2.8 Análise do diâmetro médio das fibras de PLLA O diâmetro médio das fibras foi medido no programa ImageJ versão 1.48v. Para o cálculo do diâmetro médio, foram realizadas 60 medidas de diâmetro. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Produção dos não tecidos de PLLA O processo de eletrofiação mostrou-se viável para a produção de não tecidos de PLLA, as amostras foram analisadas por MEV e apresentam fibras regulares com diâmetros submicrométricos de aproximadamente 618 nm e baixa porosidade, como segue na Figura 1a. Figura 1 – MEV do nãotecido de PLLA; a) com ampliação de 5000 vezes; b) com ampliação de 2000 vezes. No entanto, notou-se a presença de contas (Figura 1b.), gotículas de polímeros que não foram estiradas durante o processo de eletrofiação. Este inconveniente pode ser melhorado com ajuste das condições da técnica de eletrofiação, como por exemplo, a distância entre a agulha e o coletor metálico, bem como viscosidade da solução polimérica. Todavia, não há estudos que apontam a real interferência destas contas no desempenho dos não tecidos em aplicações que não envolvam a degradação do material. 3.2 Produção das microcápsulas O objetivo deste trabalho era substituir a gelatina do complexo gelatina/goma arábica pelo fármaco para a formação de microesferas funcionais, com liberação controlada facilitada do fármaco. Entretanto, a troca da gelatina pelo ácido aminocapróico não viabilizou a formação de microesferas, tampouco de microcápsulas. Dessa forma, tentou-se retornar ao método original para produção de microcápsulas a partir do complexo goma arábica/gelatina, com adição do fármaco, mas, a presença do fármaco inviabilizou o processo de formação de cápsulas. Como alternativa, buscou-se produzir as cápsulas de fármaco através da solução de alginato em meio aquoso salino com auxílio de uma seringa convencional. Esta técnica viabilizou perfeitamente a produção das cápsulas. No entanto, estas apresentaram diâmetros muito grandes e incompatíveis com o processo de eletrofiação, incapacitando sua aplicação. Devido à elevada tensão superficial do alginato em meio aquoso, a gota formada no capilar da seringa concentrava grande quantidade de material antes de gotejar, formando assim, cápsulas de diâmetro maior. Estas microcápsulas de fármaco deveriam ser incorporadas ao não tecido eletrofiado de PLLA via eletroaspersão para produção do tampão nasal, mas para isso seria necessário a passagem destas microesferas através de uma agulha de seringa convencional, fato este que não foi possível tendo em vista o tamanho final das cápsulas produzidas. Para a redução do diâmetro das cápsulas, foi utilizado o método de eletroaspersão da solução de alginato e fármaco em meio salino. Esta técnica viabilizou a produção de cápsulas de diâmetro menor, bem como automatizou o processo, considerando que a eletroaspersão funcionou através de uma bomba infusora programável. Uma possível justificativa para a redução dos diâmetros das microcápsulas é a diferença de potencial elétrico (ddp) aplicado entre a solução de alginato/fármaco e a solução salina. Esta diferença de potencial força a gota de alginato/fármaco a se desprender mais rapidamente do capilar metálico da seringa e gotejar na solução salina antes que haja um acúmulo de material, produzindo assim, cápsulas menores. Estas cápsulas têm diâmetros compatíveis com os diâmetros das fibras do não tecido de PLLA, podendo assim, serem incorporadas ao não tecido para formação do tampão nasal funcional. 3.3 Teste de liberação controlada do fármaco As microesferas produzidas foram analisadas quanto à cinética liberação do fármaco em meio aquoso. Porém, após 45 minutos de liberação não foi possível identificar nenhuma quantidade de fármaco liberado, o que inviabiliza a funcionalidade final do produto estudado. O teste foi finalizado após 45 minutos, pois entende-se que um tampão nasal, cuja funcionalidade é estancar um sangramento, deve ter atividade imediata. Uma liberação lenta não seria utilizada em eventos de epistaxe intensa. Este comportamento pode ser justificado pela alta dureza das microesferas, que não se romperam em meio aquoso, e podem ter aprisionado o fármaco. Como alternativa, tentou-se reduzir a concentração de sal da solução de coagulação do alginato, bem como se aumentou a concentração de fármaco, mas nenhuma melhora foi observada nos testes de liberação. 4. CONCLUSÃO Este estudo teve como objetivo produzir microesferas de ácido aminocapróico e goma arábica, para serem introduzidas em um não tecido eletrofiado de PLLA. O trabalho mostrou várias técnicas para encapsulação do ácido aminocapróico. A técnica mais promissora encontrada foi via eletroaspersão de uma solução de alginato e fármaco em uma meio salino coagulante, que produziu microcáspulas de diâmetros compatíveis à aplicação em não tecidos. No entanto, os testes de liberação do fármaco encapsulados não obtiveram êxito. Estudos focados na dureza das cápsulas e interação do fármaco com os materiais de encapsulação são necessários para o melhor entendimento de todo o processo e para que a funcionalidade esperada para o não tecido seja obtida. 5. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao PIBIC/CNPq pelo incentivo financeiro e ao Laboratório de Transferência de Massa (Labmassa) do Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina por ceder espaço para realização dos experimentos. Pela matéria-prima, gentilmente fornecida, agradecemos a empresa Purac. 6. REFERÊNCIAS MENA, D.F.; CARRIL, M. G.; FUENTE, L. N.; PICOS, D.R.; MIRABAL, A. M.; VALDÉS, A. C. Características físico-químicas de las microesferas obtenidas com diferentes polímeros y la liberación del principio activo. Revista Cubana de Farmácia, vol 37 n1, 2003. VEIGA, C. C.; LEIMANN, F. V. Encapsulamento de óleo de café em microcápsulas de gelatina/goma arábica reticuladas por transglutaminase. Trabalho de conclusão de curso, Campo Mourão, 2014. VILLANOVA, J. C. O.; ORÉFICE, R. L.; CUNHA, A. S. Aplicações farmacêuticas de polímeros. Rev. Polímeros: Ciência e Tecnologia, vol. 20, n1, p. 51-64, 2010. WAY, D. V.; PINTO, J. C. C. S.; SOUZA, M. N.; Estudo da reação de produção de partículas de gelatina para aplicação na liberação controlada de doxiciclina. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, 2013. ZYDUS NIKKHO FARMACÊUTICA LTDA. Bula do paciente: Ípsilon Ácido épsilonaminocapróico, 2013.