Gestão do Risco dos Medicamentos - Dronedarona Introdução Dadas as conhecidas limitações dos antiarrítmicos, nomeadamente a sua eficácia limitada e deficiente tolerância, têm-se procurado novos fármacos, de acordo com diversas linhas de investigação. Dentro destas, uma que registou avanços foi a procura de análogos de fármacos já utilizados, com melhor relação risco-eficácia. Sendo a amiodarona o antiarrítmico disponível mais potente, apresentando no entanto um perfil negativo a nível de toxicidade, era seguramente a molécula mais indicada para a partir dela se pesquizarem novos fármacos. Procurou-se assim modificar a estrutura molecular da amiodarona de modo a serem minimizados os seus inconvenientes, nomeadamente a sua complexa farmacocinética e os seus efeitos tóxicos sistémicos. Pretendia-se essencialmente manter o perfil farmacodinâmico favorável da amiodarona – inibição de múltiplos canais iónicos, reduzidos efeitos inotrópicos negativos e escassa tendência próarritmia, procurando-se melhorar os aspectos negativos da sua farmacocinética, nomeadamente a obtenção de um efeito mais curto, assim como uma menor deposição nos tecidos, daí resultando uma potencial redução da toxicidade sistémica. Das várias moléculas testadas, a dronedarona foi a primeira a ser desenvolvida, parecendo cumprir o perfil desejado. Assim, mantendo-se o núcleo benzofurânico da amiodarona, procedeu-se à remoção dos seus radicais iodados, procurando-se evitar a interferência com a função tiroideia, e adicionou-se um radical metano-sulfonil, o que condicionava uma redução da lipofilia da molécula, com consequente redução da semi-vida (para cerca de 24 horas) e uma menor acumulação nos tecidos(1). Procurava-se assim reduzir a toxicidade sistémica, nomeadamente a nível tiroideu e pulmonar. Daniel Bonhorst Consultor de Cardiologia Perfil de segurança da dronedarona Os estudos básicos confirmaram que este fármaco bloqueava múltiplos canais iónicos, de que resultavam acções antiarrítmicas das quatro classes de Vaughan-Williams. Mostrou ainda um baixo perfil pró-arrítmico, um efeito depressor sobre a função ventricular esquerda pouco significativo e ainda efeitos anti-isquémicos e anti-fibrilhatórios, comprovados por ensaios animais(2). Numa série inicial de ensaios clínicos em doentes com fibrilhação auricular (FA) - estudos DAFNE(3), EURIDIS(4), ADONIS(4) e ERATO(5) - a dronedarona revelou-se um antiarrítmico eficaz na prevenção das recidivas, seguro e bem tolerado. Os efeitos secundários encontrados foram pouco frequentes e dose-dependentes, estando descritos sobretudo secundarismos gastrointestinais, sendo os mais frequentes as náuseas (5,3%) e a diarreia (9,7%), menos prevalentes a dor abdominal, a dispepsia, a astenia e os efeitos cutâneos (rash, prurido, eczema, dermatites)(1); não causando toxicidade tiroideia dispensa a respectiva monitorização laboratorial. Relativamente aos efeitos da dronedarona sobre o coração, verificou-se que reduz a frequência cardíaca, podendo originar bradicardia sintomática e prolonga a condução a nível do nódulo aurículo-ventricular, levando em indivíduos susceptíveis ao aparecimento de diversos graus de bloqueio. Prolonga moderadamente o intervalo QT, sendo no entanto muito baixa a ocorrência 50 Recebido para publicação: Maio de 2012 Aceite para publicação: Maio de 2012 Revista Factores de Risco, Nº27 OUT-DEZ 2012 Pág. 50-52 «Os efeitos colaterais mais comuns foram bradicardia excessiva, prolongamento do intervalo QT, diarreias, náuseas, rash» pos de doentes, podia apresentar problemas sérios a nível da segurança. Assim, esse estudo, que englobou 627 doentes com insuficiência cardíaca (sem FA) teve de ser interrompido prematuramente devido a uma duplicação da mortalidade no grupo que estava medicado com a dronedarona (25 doentes contra 12 no grupo placebo, HE 2,13 CI 1,07-4,25, p=0,03). Mais recentemente, o estudo PALLAS(11) veio confirmar estes receios e a necessidade de não se utilizar este antiarrítmico indiscriminadamente. Este estudo incluiu apenas doentes com FA permanente, sendo excluídos aqueles que tinham insuficiência cardíaca descompensada. O estudo PALLAS que incluiu 3236 doentes, teve também de ser interrompido ao fim de uma mediana de 3,5 meses, por um aumento de duas vezes do seu endpoint primário, um compósito de acidente vascular cerebral, embolia sistémica, enfarte do miocárdio e morte cardiovascular (HR-2.29, C.I-134-3.94, p=0.002), assim do endpoint secundário, um compósito de hospitalização não planeada por uma causa cardiovascular ou morte (HR-1.95, C.I= 1.45-2.64, p <0.001). A ocorrência de morte por todas as causas, morte arrítmica, acidente vascular cerebral, hospitalização cardiovascular, hospitalização por insuficiência cardíaca foram em todos os casos significativamente mais elevadas nos doentes tratados com dronedarona do que no grupo de controlo com placebo. A droga foi também mal tolerada neste grupo de doentes, traduzindo-se por uma interrupção do estudo em 21% dos pacientes contra 11% no grupo placebo. Os resultados do estudo PALLAS dificilmente podem ser explicados pelo facto da FA ser permanente, relacionando-se mais provavelmente com a presença de factores de risco para eventos cardiovasculares, que era um dos critérios de inclusão. Não são claras as razões para uma tão grande diferença de comportamentos entre estes dois estudos. No entanto, observando-se as populações incluídas verifica-se que os doentes do PALLAS eram mais idosos, a ocorrência de insuficiência cardíaca era maior (2,6 vezes), tinham antecedentes mais frequentes de doença coronária e de acidente vascular cerebral e um número maior de doentes tomava digoxina e/ou anticoagulantes. Era portanto uma população de maior risco cardiovascular. Por outro lado, os resultados do PALLAS não diferem muito dos do ANDROMEDA, verificando-se ser comum aos dois ensaios, a elevada presença de doentes com insuficiência cardíaca e o maior uso de digoxina. Apesar de não estar completamente definido o que é que leva os doentes com insuficiência cardíaca a serem tão susceptíveis à utilização de dronedarona, este comportamento não é muito diferente da experiência com praticamente todos os anti-arrítmicos anteriormente utilizados na clínica. de torsades de pointes, o que permite o início da terapêutica em meio extra-hospitalar. Não deve no entanto ser usada em indivíduos com QTc prolongado (> 500 ms) nem em conjunto com drogas que prolonguem esse intervalo(1). Um estudo comparativo - DIONYSOS(6) - assim como uma metanálise combinando os dados de quatro ensaios clínicos(7), mostraram que a dronedarona era menos eficaz do que a amiodarona, sendo no entanto melhor tolerada e condicionando menor toxicidade. Assim, a necessidade de interromper o tratamento por efeitos colaterais foi significativamente maior com a amiodarona (OR: 1,81; MCI 1,33 a 2,46; p <0,001)(7). Foi ainda descrita uma subida dos valores plasmáticos da creatinina logo após o início da terapêutica com dronedarona(8), atingindo um planalto uma semana após o início do tratamento, a qual ocorre também em indivíduos saudáveis, sendo semelhante ao que sucede com a amiodarona. A dronedarona foi avaliada em três grandes estudos de fase III - ATHENA(9), ANDROMEDA(10) e PALLAS(11) que vieram fornecer informações contraditórias relativamente à segurança deste fármaco. O estudo ATHENA(9), o maior até hoje realizado em doentes com FA, incluiu 4629 doentes com formas paroxísticas ou persistentes. Os critérios de inclusão foram a existência de antecedentes de FA ou flutter auricular paroxísticos/persistentes e a presença de factores de risco para mortalidade cardiovascular. O endpoint primário era um compósito de primeira hospitalização por eventos cardiovasculares ou morte por todas as causas; os endpoints secundários eram a morte por todas as causas, a morte de causa cardiovascular e a hospitalização por eventos cardiovasculares. Relativamente ao placebo, a dronedarona mostrou uma redução de 24% das hospitalizações e morte por todas as causas (p <0,001), de 29% da morte cardiovascular (p=0,03) e de 45% da morte arrítmica (p=0,01). A mortalidade total reduziu-se de 16%, valor que não alcançou a significância estatística. Efeitos secundários: Neste estudo a dronedarona foi interrompida em 12,7% dos doentes por efeitos adversos contra 8,1% no grupo com placebo. Os efeitos colaterais mais comuns foram bradicardia excessiva, prolongamento do intervalo QT, diarreias, náuseas, rash e aumento da creatinina sérica; pelo contrário não foram mais comuns do que no grupo placebo os sintomas respiratórios, doença intersticial pulmonar e alterações da função tiroideia. Foi documentado apenas um caso de taquicardia ventricular do tipo torsades de pointes. O ATHENA sugeria ser a dronedarona um antiarrítmico promissor no tratamento da FA, sendo uma alternativa à amiodarona, menos eficaz mas melhor tolerada e com menor toxicidade sistémica; o estudo foi essencial para a aprovação da droga pelas agências internacionais e pelo início da sua comercialização em diversos países. No entanto o estudo ANDROMEDA(10) publicado anteriormente, tinha já mostrado que a dronedarona, usada em determinados gru- 51 Gestão do Risco dos Medicamentos - Dronedarona Recomendações esta terapêutica que reportem imediatamente quaisquer sintomas que sugiram lesão hepática (anorexia, náuseas, vómitos, febre, mal-estar, fadiga, dor no quadrante superior direito do abdómen, icterícia, prurido ou urina escura), para além da determinação basal e periódica das enzimas hepáticas (após uma semana de tratamento, após um mês, mensalmente até aos seis meses, no mês 9, no mês 12 e depois periodicamente)(1). Os resultados dos estudos ANDROMEDA e PALLAS levaram a US Federal Drug Administration(12) e a European Medicines Agency(13) a publicar em 2011 recomendações específicas relativas ao uso da dronedarona: • O seu uso está contra-indicado em doentes com: • FA permanente, definida como de duração ≥ 6 meses ou desconhecida • Sintomas actuais ou passados de insuficiência cardíaca • Disfunção ventricular esquerda (fracção de ejecção inferior a 35%) • Doentes com condições hemodinâmicas instáveis • Toxicidade hepática ou pulmonar prévia pela amiodarona • Considerar a dronedarona como uma alternativa para o tratamento dos doentes com FA paroxística ou persistente, que se apresentam em ritmo sinusal e estejam clinicamente estáveis que estejam propostos para serem cardiovertidos. Monitorização renal Como referimos, durante o desenvolvimento clínico da dronedarona, observou-se uma subida de 10 a 15% da creatinina sérica(8). Os estudos que avaliaram a repercussão renal deste fármaco concluíram que não havia evidência de um verdadeiro efeito no índice de filtração glomerular, no fluxo plasmático renal ou nas trocas iónicas; sugerem uma inibição específica dos transportadores orgânicos tubulares dos catiões. Uma subida limitada da creatinina sérica será pois de se esperar mas não significa declínio da função renal. Assim, a creatinina plasmática deverá ser determinada antes do tratamento e ao fim de uma semana após o seu início, devendo a função renal ser monitorizada periodicamente a partir de então. Será prudente a interrupção da dronedarona se houver elevação da creatinina relativamente aos valores obtidos do final da primeira semana. Outras contra-indicações: Para além destas recomendações, considera-se prudente, com base nos estudos disponíveis, restringir o uso da dronedarona noutras situações, que têm a ver com o seu efeito depressor sobre a condução cardíaca, o seu efeito bradicardizante, o prolongamento do intervalo QT e a sua metabolização hepática pelo citocromo P450 (CYP) 3A4(14), que determina algumas interacções medicamentosas: • Bloqueio aurículo-ventricular de segundo ou terceiro grau, disfunção do nódulo sinusal, ou síndrome do nódulo sinusal (excepto quando utilizado conjuntamente com um pacemaker) • Bradicardia <50 batimentos por minuto • A administração concomitante com inibidores potentes do citocromo P 450 (CYP) 3A4 (cetoconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol, telitromicina, claritromicina, nefazodona e ritonavir) • Medicamentos indutores de torsades de pointes como as fenotiazinas, cisaprida, bepridil, antidepressivos tricíclicos, terfenadina e alguns macrólidos orais para além dos antiarrítmicos da Classe I e III, que devem ser interrompidos antes de se iniciar a dronedarona. • Afecção hepática ou renal graves (ClrCr <30 ml/min) Por outro lado, recomenda-se que os doentes a tomarem dronedarona deverão ser sujeitos a uma monitorização apertada: Monitorização pulmonar Tendo sido descritos um pequeno número de casos de doença pulmonar intersticial na fase pós-marketing, incluindo pneumonite e fibrose pulmonar, os doentes que tomam esta droga deverão reportar sintomas como dispneia ou tosse não produtiva, o que deverá levar aos exames pulmonares necessários e se se confirmar efeitos tóxicos ao medicamento, deverá ser imediatamente Daniel Bonhorst Bibliografia 1. 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