Associação Brasileira de Cristalografia A Indústria Brasileira de Medicamentos e a Associação Brasileira de Cristalografia: uma Proposta de Colaboração Maio de 2008 Diretoria da ABCr: Presidente: Nivaldo Lúcio Speziali. Vice-Presidente: Irineu Mazzaro. Secretário Geral: Márcia Carvalho de Abreu Fantini. Secretário: Luis Gallego Martinez. Tesoureiro: João Alexandre Ribeiro Gonçalves Barbosa. Secretário para Assuntos de Ensino: Javier Alcides Ellena. Colaboradores na elaboração da proposta Carlos de Oliveira Paiva Santos Fabio Furlan Ferreira Javier Alcides Ellena Nivaldo Lúcio Speziali 1. Introdução A Associação Brasileira de Cristalografia – ABCr – foi fundada em 1971 e tem por finalidade “promover o desenvolvimento da Cristalografia no Brasil nos seus diversos setores básicos, tecnológicos e na formação de recursos humanos em todos os níveis”. Desde a sua fundação, a ABCr tem contribuído, direta e indiretamente, para o desenvolvimento científico e social do país. A recente notícia do acordo entre os governos brasileiro e argentino para a criação de uma indústria farmacêutica que viesse abastecer a população mais carente, sensibilizou a comunidade dos cristalógrafos. Tal acordo abre a possibilidade de a Associação poder emprestar recursos humanos e laboratoriais para auxiliar o Governo Brasileiro na empreitada de melhoria da saúde pública e do bem estar da população. Também, a notícia de que o BNDES está articulando a criação de uma super-empresa brasileira de medicamentos, é mais uma motivação para se oferecer o conhecimento brasileiro de cristalografia nessa área de fármacos com o fim de permitir a obtenção de medicamentos de alta qualidade para nossa população. O presente texto tem o objetivo de apresentar algumas áreas onde a ABCr, através de seus associados, pode contribuir de maneira significativa nessa empreitada. São fornecidas algumas informações sobre a necessidade da caracterização de polimorfos de princípios ativos para desenvolvimento de medicamentos sólidos e controle da formulação dos comprimidos sólidos convencionais, assim como em medicamentos suportados em matrizes poliméricas que permitem a liberação controlada de drogas no organismo humano. É feita uma descrição sobre polimorfismo e como ele tem sido tratado no Brasil, assim como um exemplo para mostrar as alterações nas atividades dos medicamentos quando um polimorfo inadequado é usado. Comenta-se sobre as técnicas de caracterização e sobre como a difração de raios X e a cristalografia se encaixam como ferramentas complementares e fundamentais. No final apresentam-se formas pelas quais a comunidade de cristalógrafos brasileiros poderia contribuir com a indústria farmacêutica, tanto disponibilizando recursos físicos quanto humanos. 1.1 Sólidos farmacêuticos e o polimorfismo Medicamento genérico é aquele que contém o mesmo princípio ativo - na mesma dose e forma farmacêutica - de um medicamento de referência, é administrado pela mesma via e tem indicação idêntica. É tão seguro e eficaz quanto o medicamento de referência (também chamado 2 de medicamento original ou de marca), mas em geral tem um menor custo tendo em vista que a patente está em domínio público. A partir do dia 10 de fevereiro de 1999, (http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/legis/leis/9787.htm), com a Lei estabeleceram-se n° 9.787 as bases legais para os medicamentos genéricos e definiram-se as atribuições de poderes da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para regulamentação das condições de registro e controle de qualidade. Até então, não existiam medicamentos genéricos no país, só medicamentos de marca e os similares, sendo que estes últimos utilizavam a denominação genérica. Os genéricos devem possuir a mesma qualidade dos medicamentos de referência, visto que são realizados testes de equivalência farmacêutica e terapêutica, de biodisponibilidade e bioequivalência, previamente à concessão do registro pela ANVISA. O responsável pela garantia da qualidade do medicamento é o fabricante. Compete a ANVISA monitorar a qualidade assegurada pelo fabricante e as condições de bioequivalência, através de inspeções sanitárias sistemáticas. Compostos farmacêuticos podem existir em diferentes formas sólidas as quais podem apresentar diferentes propriedades físicas e químicas. Estas distintas formas sólidas incluem polimorfos, que são compostos com mesma fórmula química mas diferente estrutura cristalina. Surpreendentemente, um grande número de fármacos exibe o fenômeno do polimorfismo. Por exemplo, 70% dos barbituratos, 60% dos sulfonamidas e 23% dos esteróides apresentam polimorfismos [1]. Além das inúmeras propriedades físicas e químicas afetadas pelo polimorfismo nos sólidos, a possibilidade de manipulação da bioeficácia dos fármacos por meio do polimorfismo, oferece aos cientistas farmacêuticos oportunidades interessantes, principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento de novos fármacos. O polimorfismo tem contribuído significativamente para a variabilidade em produtos com desempenho na indústria farmacêutica, e ainda continua como um desafio para os cientistas da área em produzir medicamentos de qualidade consistente. Entretanto, é possível que um sólido farmacêutico responsável pela atividade desejada em sua forma polimórfica, quando cristalizado em outra forma polimórfica, apresente menor atividade, ou até mesmo ausência de atividade devido a sua menor solubilidade. Ou ainda possa ser tóxico, devido à solubilidade do polimorfo específico estar acima do especificado para o polimorfo adequado. No que diz respeito ao desenvolvimento de um novo fármaco (NDA – New Drug Application) e o seu lançamento no mercado, um aspecto fundamental é a aquisição de informações sobre a existência de formas sólidas e sua relevância para a qualidade e desempenho 3 do mesmo. As diferentes propriedades, particularmente a bioeficácia, e a concernência da qualidade do produto relativo à segurança humana, são princípios fundamentais a serem considerados de acordo com as diretrizes da ICH – Q6A (sigla inglesa para International Conference Harmonization) e da FDA (sigla inglesa para Food and Drug Administration – USA). Daí surge o interesse em regulamentar as etapas dos processos envolvidos no desenvolvimento e produção do fármaco para que o produto possa ser aprovado. Estas normas de procedimentos acenam para o controle da forma cristalina do fármaco, com ênfase significativa na caracterização e controle das formas sólidas em todo o processamento e na utilização do medicamento. A legislação brasileira segue as tendências internacionais, e de acordo com a Resolução RDC n° 135 (http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/2003/rdc/135_03rdc.htm), de 29 de maio de 2003, que regulariza aspectos relacionados aos medicamentos genéricos, a produção de medicamentos deve ser acompanhada por ensaios de bioequivalência farmacêutica e apresentar perfis de liberação dos fármacos compatíveis aos dos medicamentos de referência. Outra abordagem existente nesta normativa e que merece destaque é que devem existir dados relativos à existência de polimorfos e técnicas validadas para análise e detecção de diferentes formas cristalinas em sólidos destinados à formulação de um medicamento, o que exige das indústrias farmacêuticas investimentos em pesquisas abrangentes sobre os fármacos no estado sólido. A partir de 2007, os medicamentos genéricos [2] e os medicamentos similares [3], no momento do registro ou na renovação (pós-registro), ficam obrigados a informar se os fármacos apresentam polimorfos, descrever o método analítico adotado e resultados dos testes de determinação dos prováveis polimorfos. 1.2 Técnicas de caracterização de sólidos farmacêuticos Quanto à caracterização do polimorfismo em sólidos farmacêuticos existem alguns métodos que são freqüentemente empregados [4], como as técnicas de microscopia, de análises térmicas (DSC e TG), de espectroscopias (de infravermelho – IR–, Raman, e ressonância magnética nuclear – RNM) e difração de raios X (DRX). Uma das técnicas mais apropriadas para diferenciar formas polimórficas é a técnica de DRX por pó e monocristal. A análise dos difratogramas obtidos nos experimentos de DRX permite distinguir, com exatidão, os diferentes arranjos dos átomos nos sólidos. Por meio da DRX de monocristal é possível determinar a estrutura de pequenas moléculas em um cristal, fornecendo uma informação essencial sobre o sólido polimórfico, uma vez que o critério que define a existência do polimorfismo é a demonstração de estruturas não equivalentes nas redes cristalinas. Um fator limitante desta técnica é a necessidade de amostra em forma monocristalina adequada. A DRX por pó é outra poderosa técnica apropriada para distinguir fases cristalinas 4 com diferentes propriedades estruturais. Diferente da DRX por monocristal, a amostra se apresenta na forma de pó, o qual não passa de monocristais pulverizados. Em alguns casos é possível determinar parâmetros da cela unitária e grupo espacial bem como a estrutura molecular [5]. A DRX por pó também pode ser usada para determinação do grau de cristalinidade, análise quantitativa das fases nos sólidos polimórficos, determinação da forma e tamanho de cristalito e, com base nos resultados, estudar a cinética das reações no estado sólido, etc [6,7]. 1.3 Polimorfismo em sólidos farmacêuticos: exemplos clássicos O palmitato de cloranfenicol (PCA) e o ritonavir são exemplos clássicos de como o polimorfismo pode influenciar nas propriedades do medicamento. A forma metaestável do PCA, forma polimórfica B, tem uma bioatividade oito vezes maior que a forma polimórfica A, e se administrada em humanos pode causar efeitos adversos como aplasia medular [8]. O ritonavir, durante o seu desenvolvimento e a prematura fabricação, parecia existir somente em uma fase monoclínica [9]. Esta forma, conhecida agora como forma I, não foi suficientemente bioeficaz quando administrada oralmente na forma sólida, requerendo que o produto (Norvir ®) fosse formulado em uma cápsula contendo o fármaco dissolvido em uma solução hidro-alcoólica. Dois anos após o lançamento, vários lotes de cápsulas de Norvir ® começaram a falhar nas especificações de dissolução. A avaliação dos lotes que apresentavam falhas revelou que uma segunda forma cristalina do ritonavir (forma II) havia precipitado. Após todo o esforço e tempo gastos para identificar o problema, este lote, contendo a forma II, 50% menos solúvel que a forma I, foi afastada do mercado. Esse exemplo mostra bem como uma inadvertida produção de uma forma polimórfica inadequada formada tanto no estágio de cristalização quanto por meio de qualquer transformação de uma forma numa outra, durante o processamento (secagem, moagem, granulação, compressão, secagem por pulverização, solidificação por resfriamento, etc.) [10] e estocagem, pode resultar em dosagens farmacêuticas que são ineficazes ou mesmo tóxicas. Uma vez conhecidas as diferentes formas que um fármaco pode apresentar, eventuais casos de ineficiência terapêutica, como ocorrido com o ritonavir, certamente seriam evitados ou facilmente reconhecidos. 1.4 Propriedade Intelectual e o Polimorfismo Uma nova forma polimórfica pode ser considerada uma invenção, e se tiver uma significativa aplicabilidade industrial poderá ser patenteada, a exemplo do que ocorreu com a ranitidina, ritonavir, ampicilina, palmitato de cloranfenicol, celecoxib, novobiocina, 5 griseofulvina, indometacina, etc. As formas sólidas que mostram vantagens adicionais, em termos das propriedades físico-técnicas e físico-químicas, e apresentem realce na bioeficácia, podem ser entendidas como um novo fármaco. As pesquisas envolvendo a descoberta de novas formas cristalinas de fármacos são importantes para o processo de patentes, ajudando companhias inovadoras a manter a propriedade intelectual de uma substância. Existem numerosos exemplos onde companhias inovadoras adquiriram patentes sobre uma particular forma polimórfica, que se estenderam além da expiração da patente da molécula básica. Em detrimento disto, há uma grande preocupação da indústria farmacêutica em exaurir todas as possibilidades de polimorfos de uma dada substância e, assim, patentear todos os polimorfos possíveis de maneira a proteger o seu produto. Sabe-se que, pelas leis de patentes atuais, é considerado como nova patente qualquer fármaco que apresente uma nova forma polimórfica ou esteja co-cristalizado com outra substância. Para a indústria farmacêutica detentora da patente de um princípio ativo, isso pode significar um prejuízo enorme caso o novo polimorfo mostre biodisponibilidade equivalente ao(s) polimorfo(s) original(is) de sua patente. Portanto, isso abre uma nova vertente para os pesquisadores da área farmacêutica: a busca por um polimorfo ou co-cristal de fármacos já conhecidos, apresentando bioequivalência farmacêutica ou até mesmo promovendo as características farmacocinéticas em relação aos polimorfos conhecidos. 2. JUSTIFICATIVAS Atualmente, o polimorfismo em fármacos é, sem dúvida, uma das linhas de pesquisa mais contempladas da área de ciências farmacêuticas, devido à relevância não apenas econômica, mas, principalmente, farmacológica e toxicológica. No Brasil, o problema do polimorfismo ganha um novo contexto devido às políticas que o governo brasileiro tem adotado com relação aos medicamentos genéricos e a quebra das patentes dos medicamentos antiretrovirais para o tratamento da AIDS. Uma das preocupações mais importantes dos últimos anos das autoridades sanitárias brasileiras tem sido o controle dos medicamentos genéricos principalmente relacionados à sua bioequivalência relativamente ao produto de referência que permita assegurar a qualidade do mesmo. O país apresenta uma problemática com relação ao controle de qualidade das matériasprimas e insumos importados; uma vez que, apesar de sua pureza química ser aceitável, freqüentemente apresentam alta variabilidade em suas características de estado sólido (polimorfismos, tamanho de partículas, hábitos cristalinos, entre outros). Estes fatores, por sua vez, afetam principalmente as drogas pouco solúveis que, submetidas a formulações 6 farmacêuticas sólidas, apresentam diferentes velocidades de solubilização in vivo, o que, conseqüentemente, afeta sua biodisponibilidade e bioequivalência. Devido a estes fatores, podese concluir que as características estruturais e morfológicas de estado sólido dos fármacos pouco solúveis e de alto risco terapêutico afetam fortemente a qualidade dos medicamentos. Estes problemas se apresentam em fármacos com diversas ações terapêuticas, sendo atualmente mais importantes e interessantes aqueles de alto risco terapêutico e, em particular, os anti-retrovirais. Cabe mencionar que estes últimos, em sua maioria, não estão ainda codificados em farmacopéias internacionais nem estão disponíveis seus respectivos padrões para utilização como “referência” para o controle de qualidade de matérias-primas ou de produtos acabados. Por tudo o que foi exposto, pode-se concluir que é relevante para a área da saúde em geral e de interesse para o país somar esforços para aproveitar as facilidades e ¨know how¨ existentes no país para melhorar os vários pontos importantes neste tema tais como a classificação e controle de qualidade dos ingredientes ativos, o controle dos processos de classificação, o controle sanitário dos medicamentos já existentes nas prateleiras, bem como o desenvolvimento de padrões de maneira a facilitar estes controles, reduzir os custos, etc. Dessa forma, pode-se perceber a grande importância da caracterização dos polimorfos, tanto dos fármacos quanto dos excipientes usados na preparação dos comprimidos. Além da caracterização estrutural, a caracterização física e morfológica dos compostos também é relevante, para atender adequadamente a formulação proposta. Lembrando-se ainda que os genéricos são os medicamentos de uso privilegiado para as camadas de baixa renda da população, pode-se afirmar que a ABCr tem como oferecer uma contribuição também de cunho social para o país. 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Chawla, G. & Bansal, K. A. CRIPS 5, 9, 2004. [2] Brasil. RDC no 16 de 02 de março de 2007. Aprova regulamento técnico para medicamento genérico. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 05 de mar. de 2007a. [3] Brasil. RDC no 17 de 02 de março de 2007. Dispõe sobre registro de medicamento similar e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 05 de mar. de 2007b. [4] Raw, A. S. et al. Adv. Drug Deliv. Rev. 56, 397, 2004. [5] Stephenson, G. A. J. Pharm. Sci. 89, 958, 2000. 7 [6] Yu, L. X. et al. Pharm. Res. 20, 531, 2003. [7] Paiva-Santos, C. O.; Gouveia, H.; Las, W. C.; Varela, J. A.”Gauss-Lorentz Size-Strain Broadenning and Cell Parameters Analysis of Mn Doped SnO 2 Prepared by Organic Route”. MATERIALS STRUCTURE in Chemistry, Biology, Physics and Technology. Vol.6, no 2, 111114 (1999). http://www.xray.cz/ms/bul99-2/santos.pdf. ISSN 1211-5894 [8] Haleblian, J. et al. J. Pharm. Sci. 64, 1269, 1975. [9] Morissette, S. L. et al. PNAS 100, 2180, 2003. [10] Brittain, H. G. et al. J. Pharm. Sci. 91, 1573, 2002. 8 ANEXO I- Relação de grupos de pesquisa que trabalham com cristalografia estrutural 1. Grupo de Cristalografia de Pequenas Moléculas do Instituto de Física de São Carlos – SP, SP. (http://www.ifsc.usp.br/~cristalografia/) 2. Grupo de Química do Estado Sólido da Universidade Federal de Alfenas, MG. (http://www.unifal-mg.edu.br/website/ensino/pos-graduacao/posgraduacao.asp) 3. Laboratório Computacional em Análises Cristalográficas e Cristalinas do Laboratório Interdisciplinar em Cerâmicas, Instituto de Química, UNESP, Araraquara, SP. (http://labcacc.iq.unesp.br/) 4. Laboratório de Cristalografia da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG (http://www.fisica.ufmg.br/~cristal/) 5. Departamento de Química Universidade Federal de Maceió, AL. 6. Grupo de Cristalografia e Materiais da Universidade Federal de Goiás. (http://www.if.ufg.br/05_06.html) 7. Laboratório de Cristalografia, Instituto de Física da USP, SP. (http://www.if.usp.br/cristal/) Como exemplos de trabalhos de pesquisa que vêm sendo desenvolvidos recentemente por alguns dos grupos mencionados acima, podemos citar a caracterização estrutural de polimorfos de fármacos por meio de medidas de difração de raios X de alta resolução em policristais e do método de Rietveld, combinando análises quantitativas de fases e indexação de novos polimorfos. Outros grupos utilizam a difração de raios X em monocristais como ferramenta principal na determinação de estruturas cristalinas. Vários trabalhos decorrentes destas pesquisas têm sido apresentados em reuniões científicas nacionais e internacionais, resultando em publicações de trabalhos completos em periódicos científicos internacionais indexados. 9 II – Eventos relacionados ao tema Para tratar especificamente deste problema tão importante de saúde pública que atinge o Brasil, o professor Dr. Javier Ellena (e-mail: [email protected], tel.: (16) 3373-8096, fax: (16) 3373-9881) organizou, juntamente com o professor Alejandro Pedro Ayala do Depto. de Física da UFC, o “I Simpósio Latino-Americano de Polimorfismo e Cristalização em Fármacos e Medicamentos” na cidade de Fortaleza, Ceará, entre os dias 30 de setembro e 02 de outubro de 2007 (http://www.fisica.ufc.br/lapolc/index-br.html). O objetivo deste simpósio foi o de estabelecer um foro de discussão multidisciplinar para profissionais latino-americanos vinculados às instituições de pesquisa acadêmicas, laboratórios governamentais, indústria farmacêutica e agências reguladoras que atuam nas áreas de Pesquisa e Desenvolvimento, Formulação de Produtos, Controle de Qualidade, Novos Produtos e Processos, e afins. Nele foram realizados um mini-curso, várias palestras, painéis e foros de debates e intercâmbio de informações. O mencionado simpósio contou com a participação de mais de 180 pessoas tanto da área acadêmica como mais de 10 de empresas do setor farmacêutico do Brasil e do exterior, além de órgãos oficiais tais como a ANVISA, o INPI e o INMETRO. Alguns dos temas abordados neste simpósio foram: • • • • • • • • Polimorfismo em Fármacos Cristalização Equivalência Farmacêutica Biodisponibilidade Caracterização de Formas Sólidas Propriedade Intelectual Legislação Inefetividade Terapêutica e Farmacovigilância Cabe aqui destacar a solicitude do INPI para que o evento fosse filmado com o intuito de que os resultados do mesmo servissem de base para o estabelecimento de normas nacionais para o patenteamento de polimorfos. Dada a ampla repercussão do evento e a urgência que deve ser dada ao tratamento deste tema, os representantes dos órgãos do governo presentes no mencionado evento solicitaram que fosse realizada uma nova edição do mesmo. Desta forma, o 10 “II Simpósio Latino-Americano de Polimorfismo e Cristalização em Fármacos e Medicamentos” será realizado do 9 ao 11 de março de 2009 no Hotel Fazenda Fonte Colina Verde, Estância de São Pedro, SP. 11 III – Exemplos ilustrativos de aplicações metodológicas Análise quantitativa de polimorfos de tibolona em matérias-primas usadas por uma farmácia de manipulação e uma indústria farmacêutica. Tibolona é prescrita para o tratamento dos sintomas da menopausa. Depois da administração oral ela é rapidamente convertida em três metabólitos. Dois são estrogênicos e o terceiro é progestênico. Dois polimorfos são conhecidos: um de estrutura monoclínica (Forma I) e outro de estrutura triclínica (Forma II). A utilização da forma I é preferível, pois possui maior estabilidade que a forma II, o que aumenta significativamente o prazo de validade do medicamento comercializado, garantindo, dessa forma, um produto de melhor qualidade. A proporção dos polimorfos deve definir o prazo de validade do produto comercializado. Foram realizadas análises em três amostras, usando dados de média resolução obtidos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Foi determinada a proporção Forma I : Forma II de 19 : 81 em massa para o caso de uma amostra de indústria farmacêutica (Fig.1) e 43 : 57 para o caso de uma de farmácia de manipulação (Fig.2). No caso das matérias-primas da indústria farmacêutica, foram medidas também matérias-primas apenas com a fase monoclínica (Fig.3). A quantificação em comprimidos comercializados, também é possível. No caso do material de referência, apenas a fase monoclínica foi observada. Figura 1 Figura 2 Essa contribuição serve para auxiliar tanto Figura 3 a indústria quanto a farmácia de manipulação na definição da matéria-prima a ser usada e controle dos fornecedores da matéria-prima adquirida. Os resultados também são interessantes para a ANVISA decidir sobre liberar ou não um produto. Obviamente, esta metodologia, que pode ser aplicada na análise de tibolona, também pode ser aplicada para uma grande variedade de matérias-primas e produtos comercializados. 12 Determinação da estrutura cristalina da dietilcarbmazina com dados de difração de raios X de monocristal A filariose é uma doença endêmica das regiões tropicais da Ásia, África, América Central e do Sul. O tipo mais comum de filariose é a Filariose Linfática (FL), causada pelos vermes nematódeos Wuchereria bancrofti, Brugia malayi e Brugia timori, cujas larvas são transmitidas aos seres humanos por picadas de mosquitos infectados. O estágio avançado da doença é caracterizado por edemas doloridos que desfiguram as pernas e/ou órgãos genitais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a FL como sendo potencialmente erradicável e planeja eliminá-la por meio de programas de administração massiva de drogas. Nesse contexto, a dietilcarbamazina (DEC), C10H21N3O, é um dos principais compostos farmacêuticos usados no programa. Trata-se de um derivado da piperazina, sintetizada inicialmente como 1-dietilcarbamil-4-metilpiperazina e comercializada, no início da década de 50, como sal citratado. No Brasil, esta droga está sendo testada como segundo uso clínico no combate ao mal de Chagas. Apesar de sua grande importância farmacêutica, não existem relatos de caracterização estrutural. Assim, estudos conduzidos no IFSC permitiram a análise da estrutura cristalina da dietilcarbamazina pura (DEC pura) e do citrato de dietilcarbamazina (DEC citrato), por meio da técnica de difração de raios X por monocristal. Os resultados obtidos foram comparados a fim de estabelecer parâmetros químicos para a compreensão das alterações responsáveis estabilidades (a) (b) pelas diferentes apresentadas pelo composto. Figura 1 - Diferença entre as interações intermoleculares da a) DEC Pura e b) da DEC Citrato. Estes estudos mostraram que a DEC citrato apresentam um padrão de ligações de hidrogênio fortes entre a molécula do API e do agente de co-cristalização (Fig. 1a) o que leva a um empacotamento estrutural fechado (Fig. 2). Isto incrementa a maior estabilidade do composto quando comparado com o da DEC pura, uma vez que essa forma cristalina livre do citrato apresenta apenas interações fracas (Fig. 1b). Isto explica claramente baixo o ponto de fusão da DEC na ausência do citrato o que leva a uma instabilidade do medicamento quando ele é usado como Ingrediente Ativo (API). 13 Também se comprovou a existência, em ambos os casos, de transformações de fases sólido-sólido, não reportadas na literatura o que deve ser levado em consideração na hora da manipulação deste Ingrediente Ativo. Por último, a análise de difração de raios X em monocristal permitiu a obtenção de um padrão de difração de raios X em pó para ser usado no controle da qualidade Figura 2. Empacotamento cristalino da DEC Pura. tanto dos ingredientes ativos entregues pelos fornecedores como da porcentagem de amostra contida no medicamento. 14