1 Endocardite infecciosa Ubi est morbus? tOnde está a doença? 1': .Glarnbattista fi Morgagni .(1682 - 1771) *'JOÃO MANSUR FILHO 'Responsável pelo Setor de Cardiologia do Hospital Samaritano, médico do Hospital dos Servidores do Estado '1\ endocardite infecciosa (E. I) não é uma doença rara. Alguns autores acreditaram que a E.I seguiria o mesmo caminho da síndrome de Dressler e outras doenças .cardíacas obscuras, porém isto não é verdadeiro. Hoje a E.I. é tão comum quanto antes, mas ela tem novas íermas clínicas, como, por exemplo, no paciente idoso ; com sepsis urinária, os viciados em drogas injetáveis, pacientes portadores de próteses cardíacas e os .' contarolnados com H.IV, além de outras doenças. ~.?toseria a E.I. "moderna". I P,ONSIDERAÇÃO: .iveriere desenvolveu achados de autópsia associados com endocardite, em 1723, e Morgagni r",z descrições clássicas, em 1761. Em 1806, Jean N. Corvisart primeiramente usou o termo vegetação para descrever as excrescências macroscópicas características, que são tipicamente vistas em pacientes com E.I. William Osler forneceu a primeira avaliação clínica e patológica detalhada da E.I., em suas três Gulstonian, leituras sobre "Endocardite Maligna" e entregou para Royal College of Physicians, em Londres. Ele identificou quatro manifestações cardinais da endocardite: 1) a presença de bacteremia persistente; 2) a presença de valvulite ativa; 3) ocorrência de embolia de um grande vaso e; 4) fenômenos vasculares imunológicos. Estas manifestações permanecem válidas até o dia de hoje. Osler também criou o termo aneurisma micótico para descrever a endarterite focal que pode complicar a endocardite. Talvez o caso mais famoso descrito na era préantibiótica foi relatado por Soma Weiss.' O paciente Jull Ago I Set 2001 231 era um estudante de medicina que tinha doença reumática cardíaca crônica e desenvolveu endocardite por Strep. Vinidans. Em seu diário, o novo médico notou em seu corpo baqueteamento digital seguido por uma série de fenômenos embólicos periféricos. No diário descreveu sua reação emocional de que ele estava com endocardite. Ao descobrir as suas manifestações cutâneas, dirigiu-se para a sua cunhada e declarou "I shall be dead in 6 months". Sua declaração foi profética. DEFINiÇÃO: A E.I. é uma infecção microbiana da superfície endotelial do coração. A lesão característica, a vegetação, é uma massa amorfa de tamanho variado composta de plaqueta e fibrinas, na qual ocorre grande quantidade de microorganismos e poucas células inflamatórias. As valvas cardíacas são as mais comumente envolvidas; entretanto a infecção pode ocorrer no ventrículo de um defeito septal, numa cordoalha tendínea ou endocárdio mural. Infecções no shunt arteriovenoso, shunt arterioarterial ou coarctação da aorta, embora geralmente uma endarterite, comporta-se clínica e patologicamente de modo similar à E.I. t. Muitas espécies de bactérias, fungos, micobactérias, rickettsia, clamídia e microplasma podem causar E.I.; entretanto estreptococos, estafilococos, enterococos e cocobacilos gram negativos causam a maioria dos casos da E.1.2. da mesma forma que o domínio" pela profilaxia adequada. Em contrapa da, o a > da cirurgia cardíaca com colocação de pró!' valvares, o uso abusivo de catéteres intraveno técnicas invasivas para o diagnóstico e tratam de drogas intravenosas nos viciados, o cres número de pacientes imunodeprimidos e a ele da expectativa de vida no homem têm sid principais fatores responsáveis pelo aument endocardite. As incidências permanecem relativamente está entre 1950 e 1987: cerca de 4.2 por 100.0001 Durante o início da década de 80, a incidência a de E.I. por 100.000 habitantes foi de 2.0, nos Es! Unidos, e 1.9, na Holanda." Uma maior incidência foi notada entre 1984 e 1 5.9 e 11.6 episódios por 100.000 habitantes f relatados na Suécia e na Filadélfia, porém há acentuar que os viciados em droga foram respons ' por 50% dos casos na Filadélfia. A verdade é que consideramos a E.I. uma pato I endêmica hospitalar, considerando-a uma infec internista e que, na atualidade, deve ser acompan por uma equipe médica multidisciplinar, taman ~ modificações patogênicas, clínicas, diagnósti ~ terapêuticas por que tem passado nas últ' décadas." ' Os homens predominam na maioria das série relação sexo masculino: feminino, variando de 9.1,5 i í INCIDÊNCIA: A incidência precisa da E.!. é difícil de avaliar em virtude de diferentes definições terem sido feitas através das décadas, entre vários autores e diferentes centros médicos. Alguns estudos têm relatado uma incidência variando de 0,6 a 6.0 casos por 100.000 pessoas/ano." Num levamento de nossa série de E.I., ela representa 1.08 de cada 100 pacientes admitidos no Hospital Servidores do Estado e, se considerarmos apenas as admissões nos serviços de Cardiologia e Clínica Médica, representam então 8.08 de cada 1.000 pacientes que internaram neste serviço." A dúvida sempre permanece: a E.I é uma doença em ascensão ou queda? Uma causa importante no decréscimo da E.I é o rápido controle de infecções como as estreptocócicas, gonocócicas e pneumocócicas, através dos agentes antimicrobianos, 232 Jull Ago I Set 2001 O prolapso da valva mitrat tem surgido como 1, condição predisponente proeminente e tem responsável por cerca de 1 a 30% dos caso endocardite da vatvanativa em casos ~ relacionados a viciados srn. droga ou infe nasocomial. O risco- ê . .".'~evado para aq~ pacientes com prolapso.a@gurgitação (incidên .~ àl 52 por 100.000 p com prolapso sem (incidência de " 'ano) comparados . m ou entre a populaça :000 pessoas/ano). , - ,••..•• 'u ,,,,,,,,,,,.d3:!..IrQ..e.i"tMO .-. entre os pa I e 5 anos. A reoundá ~!e5peS:SBxfos u«_~~ .. ia:~~itlell~Cam (>5mm) uma popul o aumento na incidência do uso de drogas injetáveis tem tido um grande impacto na incidência de endocardite, como ocorrido na Filadélfia. Outros autores têm estimado que a incidência de E.I. nos viciados em drogas I.V. venha a ser 30 vezes maior do que na população geral e 4 vezes maior do que o risco de E.I. em adultos jovens com doença cardíaca reumática." A importância da válvula protética como causa predisponente de E.I. é substancial e provavelmente aumentará nos anos futuros. Aendocardite em pr6tese valvar desenvolve em 1 a 4% anualmente. Avanços na tecnologia médica tem paradoxalmente aumentado a incidência de novas formas de endocardite (endocardite nosocomial) que era extremamente rara há 25 anos. A endocardite nosocomial é geralmente uma complicação de bacteremia induzida por um procedimento invasivo ou um dispositivo intravascular e agora é responsável por cerca de 10% de casos de endocardite em algumas áreas. A endocardite nosocomial é um problema particularmente difícil de diagnosticar e tratar em pacientes em prótese valvar. Num estudo multicêntrico recente dos pacientes com bacteremia nosocomial e prótese valvar, 18 de 171 (11%) desenvolveram endocardite em prótese após a ocorrência de bacteremla" " FISIOPATOLOGIA: A E. I. caracteriza-se pela presença das vegetações e estas são constituídas de 3 camadas: a interna, que é constituída de plaquetas, fibrina, leucócitos, hemácias, colágeno e necrose; a camada média, basicamente constituída de bactérias, e a externa, com fibrina e bactérias. A cura se faz com formação de tecido fibroso sobre a vegetação, invasão fagocitária, calcificação e hialinização da parte necrótica. A E.I. é habitualmente uma doença das válvulas, raramente do endocárdio mural, embora este possa se tornar comprometido em circunstâncias especiais. A E.I. é mais comum no lado esquerdo, em razão de ser uma área de alta pressão, do que no lado direito do coração. A válvula mitral é mais comprometida que a aórtica e a E.I na v. pulmonar é especialmente rara. Rodbard descreveu as condições circulatórias que existem nos sítios em que a E.I. tende a se desenvolver. Seriam três características'. (ventrículo esquerdo na diástole ou átrio esquerdo); 3) Um orifício comparativamente pequeno entre uma câmara de alta pressão com uma de baixa pressão: estabelecendo-se, assim, um gradiente diastólico. As lesões da endocardite infecciosa tendem a se desenvolver logo após o orifício regurgitante. Assim as vegetações se situam na superfície ventricular das cúspides aórticas nas insuficiências aórtica e na superfície atrial, na regurgitação mitral. Nos casos de duetos arteriosus, as lesões se situam na parede da artéria pulmonar. Alguns casos a E.I. pode se desenvolver no impacto do jato, lesando o endocárdio, como exemplo a parede do V.D., no caso da comunicação interventricular (lesão de jato). MANIFESTAÇÕES CLíNICAS: As manifestações clínicas são muito variadas, daí ser considerada a doença do internista. O intervalo entre a bacteremia presumida e o início dos sintomas da E.1. é estimado ser menor que 2 semanas, em mais de 80% dos pacientes com endocardite em valva nativa. Interessantemente, em alguns pacientes com infecções intraoperatória ou peroperatória de prótese valvar, o período de surgimento da doença pode ser prolongado (2 a 5 meses ou até mais). Embora alguns pacientes com E.1. possam se apresentar com sintomas fulminantes. a maioria descreve queixas constitucionais inespecíficas, dominando a apresentação clínica em casos individuais. Estes sintomas incluem febre, calafrios, sudorese, malestar, anorexia e perda de peso. Febre é a queixa constitucional mais comum e é vista numa grande porcentagem de casos (entre 64% e 93%) de E.1. na v. nativa, em seis grandes séries." Febre também é comum na endocardite de prótese precoce, aparecendo em aproximadamente 85% dos casos e na E.I. tardia, em 58 a 79% dos pacientes. Nos viciados em droga com endocardite, a febre é vista em 75% a 88% dos pacientes. O grau da temperatura é variável, sendo que numa série os pacientes maiores de 60 anos têm uma média de temperatura menor do que aqueles menores de 40 anos." '?'à.6~\\\~~ \} 'Uma cClHen\e íe9\.\í~\\an\e·, 2) Uma câmara de alta pressão (ao:ta ou ventrículo esquerdo durante a s istole) conectada a uma câmara de baixa pressão \\\~\<J\~~ ó.~ ~Ç) 'à.\\<J~ ~\'à.\\\ \'à.\\\'o~ffiffi~N)," àe re\a\ar ca\a\r\os. P-.\é.mà\SS~a 'e'me ?oàe estar ausente não só nos pacientes Idosos, como também naqueles com insuficiência ca~díaca congestiva, insuficiência renal, doença terminal ou ?m'IJa'IJe\$ Ju\ I A.go I Set 2001 Rev SOCERJ Vo\ X\V N° 3 233 antibioticoterapia prévia, que é a causa mais comum na nossa experiência. Apesar de a febre ser menos freqüente, é mais provável o idoso se queixar de anorexia e perda de peso do que os mais jovens. A duração da febre após o início da endocardite tem um sinal prognóstico importante. Em uma série de 123 pacientes, mais da metade estão sem febre após 72 horas de tratamento antibiótico, 72%. têm defervescência após uma semana de tratamento e 84% estão afebris, após 2 semanas de tratamento. Numa análise multivariada, a febre prolongada estava associada à embolização para um grande vaso e ou evidência de fenômeno microvascular na admissão." Mortalidade em pacientes com febre persistente após 1 semana de tratamento foi significativamente maior do que naqueles que a febre desapareceu (18% versus 2%), de acordo com estudo que avaliou 26 pacientes com febre de 2 semanas ou mais de duração. Desses pacientes, 27% tinham abscesso miocárdico. Os outros pacientes, nos quais a etiologia da febre foi descoberta, tinham infecção nosocomial, infecção persistente (demonstrado por hemoculturas positivas), febre por droga ou defervescência gradual da temperatura após cirurgia cardíaca." A soprologia cardíaca está freqüentemente presente (85 a 90%), mas pode ser difícil de ser ouvida sob certas condições, como no momento inicial do diagnóstico da endocardite, por exemplo, a endocardite do lado direito pode estar associada a uma regurgitação tricúspide inaudível. Similarmente, os achados de hemodinâmica, que resultam da regurgitação aórtica aguda, podem resultar da uma soprologia ausente ou discreta devido ao rápido aumento da pressão diastólica do E.v., resultando num gradiente mínimo entre a pressão diastólica aórtica e a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. O rápido aumento na pressão diastólica final do ventrículo esquerdo em tais pacientes também resulta na diminuição da 1 a bulha. Em pacientes com insuficiência aórtica importante, a valva mitral pode fechar antes do QRS do ECG (fechamento mitral precoce). Este achado pode ser um importante indicador da necessidade de cirurgia cardíaca em paciente que esteja simultaneamente em insuficiência cardíaca. Portanto a insuficiência aórtica aguda deverá ser suspeitada na presença de quatro achados clínicos: a) b) c) d) 234 Edema agudo de pulmão; Sopro diastólico discreto ou inaudível; 81 ausente ou discreta; Hipotensão. Jull Ago I Set 2001 Uma variedade de fenômenos vasculares periféricos e outros sinais cutâneos estão associados à E.I. A associação de endocardite com hemorragia subungueal (splinter) foi primeiramente relatada, em 1920, por Horder. O splinter subungeal é reconhecido como lesão linear de cor vermelha, escura ou marrom, paralelo ao eixo longo do leito ungueal, geralmente proximal. A especificidade desta lesão é baixa, ocorrendo em aproximadamente 19% dos pacientes hospitalizados, sendo visto também em pacientes com estenose mitral, triquinose, insuficiência renal em diálise peritoneal ou naqueles com história de trauma freqüente nas mãos, como carpinteiros ou mecânicos. As lesões de Janeway são máculas hemorrágicas ou eritematosa, indolores, clinicamente vista nas superfícies palmares ou plantares e ocasionalmente nas polpas digitais. Nódulos de Osler são lesões eritematosas, dolorosas, com 1 a 1.5 mm de diâmetro, localizados mais comumente nas polpas digitais e eminências tenar e hipotenar. Dor ou parestesia freqüentemente precede o desenvolvimento de uma lesão visível. Embora a endocardite seja o achado clínico mais freqüente no qual elas são encontradas, também tem sido descrita em pacientes com outras doenças, como, por exemplo, bacteremia, endarterite séptica e lúpus eritematoso sistêmico. A incidência do nódulo de Osler na E. I. tem declinado, na era pré-antibiótica, com uma prevalência de 40 a 90% para 10 a 23%, provavelmente devido a uma mudança do espectro microbiológico e a instituição de um tratamento antimicrobiano precoce e eficaz. O módulo de Osler é incomum na endocardite bacteriana aguda, endocardite em prótese valvar e causada por gram negativo. Eles são mais comuns em endocardite fúngica e endocardite bacteriana subaguda, particularmente quando causada por estreptococos alfa hemolíticos. Petéquias, vista em cerca de 85% dor pacientes com E.I. na era pré-antibiótico, estão agora presentes em 19% a 40% dos casos, mas pérmanecem umas das manifestações cutâneas mais comi . mS.,3 Elas são mais freqüentemente vistas nas extremidades, mucosa oral, palato mole e conjuntiva. Este achado falta em especificidade para E.1. e pode ser vista em outras condições tais como insuficiência renal, trombocitopenia e bac erernia e após "bypass" cardiopulmonar, sendo nesfe caso representando um microembolismo gorduroso. Rev ~Ot.ERJ Vol XIV N° 3 Baqueteamento digital era uma manifestação freqüente da endocardite subaguda, ocorrendo em 76% dos casos na era pré-antibiótica, mas agora é somente vista em 12% a 52% dos casos; a mais provável explicação para redução é a terapia de início precoce para esta doença. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL: o diagnóstico de E.1. é facilitado pela bacteremia . constante originada das vegetações. Um mínimo de três hemoculturas deverá ser obtida, de preferência c' com 1 hora de diferença entre as amostras; caso a . ',apresentação seja subaguda, pode se estender mais ••if diferença de tempo entre as amostras. Com a bacteremia constante na E.I., torna-se desnecessária aguardar a presença de picos febris ou calafrios para colher as hemoculturas, além disso ,;e~tudo prévio demonstra que as hemoculturas Venosas dão a mesma percentagem de positividade que as arteriais. eve-se sempre solicitar hemoculturas para meio aeróbico e anaeróbico e se houver suspeita de fungo evernos acrescentar para este meio apropriado. Para '111 bom processamento, o laboratório deverá ser avisado que a E. I. é um possível diagnóstico, pois pode ocorrer bactéria de crescimento lento incomum. . j . Resultados falso positivos são prováveis quando ganismos tais como Proprionibacterium spp., ,;..;orynebacterium spp., Bacillus spp. e Estafilococos , ooagulase negativo são recuperados de uma única 'amostra. Como todos estes organismos são capazes 3é causar endocardite, é importante determinar se a 5acteremia é persistente. Bacteremia persistente está 'esente se: A) As hemoculturas de um provável organismo causador de endocardite, presente em duas amostras separadas, foram colhidas com intervalo maior que 12 horas . . B) Se todas as três ou a maioria das quatro hemoculturas são positivas, sendo que a primeira e a última amostra são coletadas com intervalo de pelo menos 1 hora. . ras podem permanecer negativas em 2% a 5% pacientes com E.1. Embora organismos incomuns de crescimento lento são de uma consideração ,rtante quando paciente com achados clínicos de 'cardite de alta probabilidade tem hemocultura '~ativa de rotina, a causa mais comum de sua ~ença é o uso prévio de antibiótico. Um total de três hemoculturas é geralmente adequado para a maioria dos pacientes. Num estudo de 206 casos de endocardite, todas hemoculturas foram positivas, em 91 % dos pacientes." A contagem de leucócitos é raramente útil no diagnóstico de endocardite. Alguns pacientes com endocardite estreptocócica podem ter contagem de leucócitos normais quando procuram atenção médica. Em contraste, a maioria dos pacientes com endocardite estafilocócica tem leucocitose. Em nossa casuística, a percentagem de pacientes com leucócitos acima de 10.000 foi de 57%. A utilidade de outros testes merece consideração como o uso da proteína C reativa titulada, que a nosso ver deveria ser de valor como critério menor para E.I., apesar da baixa especificidade; outro exame de equivalência similar seria o V.H.S. A maioria dos pacientes com E.I. desenvolve uma anemia normocítica e normocrõmica. Níveis elevados de globulina, a presença de crioglobulinas e complexos imunes circulantes e hipocomplementemia podem ocorrer em alguns pacientes com E.I., mas nenhuns desses achados são diagnósticos. Porém um nível elevado de fator reumatóide pode ocasionalmente ser útil no diagnóstico, particularmente quando a duração de doença for maior de 6 semanas. Quando presente em indivíduos sem uma doença reumatológica prévia, este achado é considerado um dos 6 critérios menores do esquema diagnóstico de Duke. A maioria dos pacientes com endocardite tem um exame de urina anormal: o sedimento urinário pode revelar hematúria micro ou macroscópica, proteinúria ou piúria. Hematúria microscópica e leve proteinúria ocorrem em muitos casos e são freqüentemente encontrados na ausência de outras complicações renais, porém são achados a que faltam especificidade. Entretanto a presença de cilindros hemáticos e um nível baixo de complemento sérico podem ser um indicador de uma doença glomerular mediada imunologicamente. Eletrocardiograma (ECG) deverá ser parte da avaliação inicial de todos os pacientes com suspeita de E.I., apesar deste teste raramente demonstrar achados diagnósticos. Além da presença de alterações de isquemia ou enfarte, o ECG pode também revelar a presença ou aparecimento de um bloqueio cardíaco - um dado importante para extensão da infecção no anel valvar e no sistema de condução adjacente. A presença de um novo aumento do intervalo P.R. num paciente com E.I. (se não relacionado a medicamentos Jull Ago I Set 2001 235 ou cirurgia recente) é virtualmente presença de um abscesso do anel. diagnóstica da A radiografia de tórax ocasionalmente revela achados diagnósticos importantes. Por exemplo, pacientes com endocardite da v. tricúspide freqüentemente tem evidência radiográfica de embolia pulmonar séptica. Em tais casos pode haver alguns ou múltiplos infiltrados pulmonares focais. Alguns desses infiltrados podem apresentar cavitação central. Desde sua introdução, em 1973, o ecocardiograma tem simplificado o processo do diagnóstico de E.I. Entretanto, com o ecocardiograma transtorácico (ETT) unidimensional, a sensibilidade não era alta; porém os avanços ocorreram dramaticamente nos últimos 25 anos, com a introdução da imagem bidimensional, a instituição do Doppler espectral e do colorido e a introdução do ecocardiograma transesofágico (ETE). As questões que podem ser respondidas ecocardiograma na avaliação de pacientes endocardite incluem: pelo com 1. Presença, tamanho e mobilidade das vegetações; 2. Grau de destruição valvular; 3. Presença de complicações, incluindo perfurações, ruptura de cordoalhas e aneurismas; 4. Extensão da infecção para estruturas não valvulares, tais como abscessos e fístulas; 5. Efeitos hemodinâmicos, incluindo grau de regurgitação, tamanho e função das cavidades e pressões intracardíacas e pulmonares. A ecocardiografia é mais útil que qualquer outra técnica em diagnosticar complicações associadas com endocardite, tais como perfuração de folheto, formação de aneurisma ou abscesso, ruptura de cordoalha ou pericardite. As conseqüências hemodinâmicas da E.I. são também diretamente avaliadas para identificar e quantificar a regurgitação, medindo as dimensões cavitárias e avaliando a função ventricular. Além disso, o sucesso de um procedimento cirúrgico pode ser avaliado antes do paciente sair do centro cirúrgico utilizando o ETE. Enquanto o ETT mostra uma melhora na acurácia em demonstrar vegetação, a sensibilidade está ao redor de 60%. Além do mais o ecocardiograma bidimensional é freqüentemente de utilidade limitada na detecção de vegetações em pacientes com obesidade, enfisema e deformidades da parede torácica. O ETE melhora a taxa em detectar vegetações na v. nativa para 90 a 95%. A superioridade 236 Jull Ago I Set 2001 do ETE sobre o ETT é particularmente importante para detectar pequenas vegetações. Entretanto a sensibilidade de ambos os métodos é aproximadamente igual quando as vegetações são maiores ou iguais a 5mm em tamanho." O ETT em pacientes com prótese valvar freqüentemente torna-se difícil devido a imagens ruins, como sombra de ecos pela presença da prótese. Como resultado, o ETT tem uma sensibilidade somente de 35% para detectar vegetações em pacientes com prótese e o ETE melhora a sensibilidade para detectar vegetações em até 96% neste grupo de pacientes." o ETE é especialmente útil em detectar abscesso de anelou fístula intracardíaca. Em um estudo de 44 pacientes com endocardite complicando abscesso perivalvular, o ETT identificou somente 28% dos abscessos, enquanto ETE detectou 87%. As maiorias dos abscessos perivalvulares comunicam-se com o espaço intravascular (como evidenciado pelo fluxo colorido dentro da lesão) e o ETE é particularmente sensível em detectar regurgitação mitral na presença de calcificação do anel mitral ou quando houver presença de uma prótese valvar." Ecocardiograma nem sempre pode diferenciar vegetação devido a E.I. e anormalidades devido a outras lesões valvulares não infecciosas, tais como aquelas que ocorrem no lúpus eritematoso, anticorpos antifosfolipídeo ou deficiência da proteína C. Além disso espessamento valvular, aneurisma valvar, ruptura de cordoalha, módulos benignos nos folhetos valvares, material de sutura valvular ou formação de pannus nas estruturas valvares poderiam mimetizar vegetação. Similarmente, as vegetações crônicas (curadas) podem não ser diferenciados de lesões ativas da endocardite. Após as lesões endocárdicas terem sido detectadas pela ecocardiografia sua aparência durante e após o término do tratamento é altamente variável. Os resultados dos exames ecocardiográficos seriados feitos 3 a 6 meses após a detecção inicial da vegetação sugerem que as lesões valvulares persistem em aproximadamente 1/3 dos pacientes; em outros as vegetações desaparecem durante ou após o tratamento médico curativo. Por outro lado o aumento do tamanho da vegetação durante o tratamento para E.I. tem fator prognóstico ruim. Permanece controverso se as características ecocardiográficas da vegetação são preditivas de risco subseqüente de fenômeno embólico. Alguns estudos têm sugerido que uma ou mais características aumentariam o risco de complicações da E.I.: tamanho, .q "~parência (pedunculado ou séssil) e mobilidade. ,. ,;".1. ~ .,.A1gunsestudos têm suportado a idéia de que grandes vegetações resultam em mais complicações, enquanto outros estudos não mostraram correlação significativa. -" Outros estudos têm demonstrado que vegetações -rnaiores que 10mm visualizadas no ecocardiograma bldimensicnal resultariam em maior número de ómplicações, enquanto outros não mostram tal correlação. controvérsia tem sido originada, em parte, devido ao pequeno número de pacientes nos vários trabalhos e o fato de que em algumas séries há diversos pacientes com lesões valvulares diferentes (valva mitral, áortica, prótese e embolia prévia). , CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS: '.. s critérios de Duke foram divididos em três Categorias: 1 - Definitivo; 2 - Possível; 3 - Rejeitado: ,4. Endocardite Infecciosa Definida: .Critértos Patológicos: microorganismos demonstrados por cultura ou histologia em uma vegetação, ou em uma vegetação que tenha embolizado, ou em um abscesso intracardiaco; •. Lesões Patológicas: vegetação ou abscesso 'intracardíaco presente, confirmados pela histologia . 'mostrando endocardite ativa. Critérios Clínicos: 2 critérios maiores; 1 critério maior e 3 critérios menores; 5 critérios menores. 2. Endocardite Infecciosa Possível: Achados consistentes com endocardite infecciosa que não preenchem os critérios de diagnóstico ~definido ou rejeitado. i '" Endocardite Infecciosa Rejeitada: •. 'Sem evidência patológica de endocardite infecciosa na cirurgia ou autópsia, após terapia . antibiótica por 4 dias ou menos; Resolução das manifestações da endocardite, com terapia antibiótica por 4 dias ou menos; Diagnóstico alternativo firmado para manifestações de endocardite. Agora apresentaremos as definições da terminologia usada nos critérios propostos: Critérios Maiores: 1. Hemoculturas positivas para E.I.: 1.1 Microorganismo Típico para E.I. de duas hemoculturas separadas: A - Estreptococos viridans, S.bovis, Grupo Hacek; ou B Staphylococcus aureus ou Enterococcus adquirido na comunidade, na ausência de um foco primário. 1.2 Hemocultura persistentemente positiva, definida como recuperação de um microorganismo consistente com E.I. de : A - Intervalo entre hemoculturas maior que 12 horas; B - Todas três ou a maioria de quatro ou mais hemoculturas separadas. com intervalo entre a primeira e a última amostra de, no mínino, 1 hora. 2. Evidência de Envolvimento Endocárdio: Ecocardiograma positivo para E .. I.: A - Massa intracardíaca oscilante em válvula ou estruturas de suporte ou no trajeto de jato regurgitante, ou em material implantado, na ausência de uma explicação alternativa; B - Abscesso; C - Nova deiscência parcial de uma prótese valvar. Nova regurgitação valvular (aumento ou mudança em sopro pré-existente não é suficiente) Critérios Menores: 1. Predisposição: condição cardíaca predisponente ou uso de drogas endovenosas; 2. Febre maior ou igual a 38°C; 3. Fenômenos vasculares: embolia arterial de grande magnitude, infartos pulmonares sépticos, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntial e lesões de Janenay; 4. Fenômenos Inumológicos: Glomerulonefrite, Nódulo de Osler, Manchas de Roth, Fator Reumatóide; 5. Evidência microbiológica: Hemocultura positiva mas não preenchendo os critérios maiores ou evidência sorológica de infecção ativa com organismo consistente com E.I. 6. Ecocardiograma consistente com E.I., mas não preenchido os critérios maiores. Os critérios de Duke comparados aos critérios anteriores têm demonstrado grande aplicabilidade no diagnóstico de E.I.; a intenção deste critério foi melhorar a sensibilidade, pois mantendo a especificidade aumentará o número de diagnóstico definido. Jul J A90( Se' 2001 237 Portanto a E.I. deve sempre estar presente em nosso diagnóstico diferencial por ser uma doença com múltiplos aspectos e, conforme afirma em seus artigos Adelírio Rios Gonçalves, ela não é uma doença rara. 8. 9. 10. REFERÊNCIAS 1. Weiss S. Self observations and psychologic reactions of medical student A. S.R. to the onset and symptoms of sub acute bacterial endocardits. J Mont Sinai Hosp 1941; 42; 79; 74. 2. Karclmer, A. W. Infective endocarditis - In Braunwald E. Heart disease - 6th ed. 2001 - WB saunders company, pg 1723. 3. Swith RH, Radford DJ, Clark RA, et alt. Infective endocarditis: a survey of cases in the South east region of Scotland, 1968 - 1972. thorax - 1976; 31; 373: 379. 4. Gonçalves AJR; Carneiro RD; Ives MA etal Endocardite Infecciosa Arq. Bras med, 58(5); 309319,1984. 5. Watanakunakon C. Changing epidemiology and newer aspects of Infective Endocarditis. Advances in internal medicine 1977; 22; 21. 6. Cerubin CE, Baden M, Favaler F, etal. 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