O Estado de Direito e a Economia de Mercado

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O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A ECONOMIA DE MERCADO
Antônio Fernando Guimarães Pinheiro
INTRODUÇÃO
O Estado de direito veio consagrar o processo de afirmação dos direitos humanos que constitui um dos fundamentos essenciais de organização das sociedades políticas do mundo moderno. O PRINCÍPIO BÁSICO DO ESTADO DE DIREITO É O DA ELIMINAÇÃO DO ARBÍTRIO NO EXERCÍCIO DOS PODERES PÚBLICOS COM A CONSEQUENTE GARANTIA DE DIREITOS DOS INDIVÍDUOS PERANTE ESSES PODERES.
O marco principal na edificação dos direitos humanos ‐ e consequentemente do próprio direito ‐, remonta à Revolução Francesa de 1789, da qual derivou a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que assim enunciava: “Os representantes do povo... resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem... a fim de que as reivindicações dos cidadãos... fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.”
INTRODUÇÃO
A constituinte de 1789 estabeleceu, dentre inúmeros outros, os princípios de que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos.” e que “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão”.
O ESTADO DE DIREITO REGE‐SE, ASSIM, POR NORMAS JURÍDICAS QUE REFLETEM OS IDEAIS DE JUSTIÇA E OS VALORES AOS QUAIS DEVE SERVIR O DIREITO BUSCANDO CONFERIR UM EQUILÍBRIO ENTRE A LIBERDADE DO CIDADÃO E A AUTORIDADE DO ESTADO, SEMPRE NO INTERESSE COLETIVO. O CASO BRASILEIRO
No plano constitucional a denominação conferida pelo constituinte de 1988, no art. 1º da Carta
Magna, teve o inequívoco objetivo de firmar, expressamente, de um lado o modelo de
organização do Estado (“Republica Federativa”) e, de outro, a opção política de sua forma de
governo (“Estado Democrático de Direito”).
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui‐se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I ‐ a soberania;
II ‐ a cidadania
III ‐ a dignidade da pessoa humana;
IV ‐ os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V ‐ o pluralismo político.”
O CASO BRASILEIRO
No art. 3º da Carta Magna foram definidos os objetivos fundamentais da República:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I ‐ construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II ‐ garantir o desenvolvimento nacional;
III ‐ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV ‐ promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
O ESTADO DE DIREITO E A ORDEM ECONÔMICA
Do ponto de vista econômico o Estado democrático de direito traduz um sistema econômico
liberal em que as principais decisões quanto ao quê, ao como e ao para quem devem ser
produzidos os bens são tomadas pelo próprio mercado, opondo‐se às economias centralizadas
em que estas decisões são tomadas pelo Estado. Esse conceito foi sistematizado por Adam
Smith que o chamava de “system of natural liberty”.
Assim, o papel do Estado na economia fica reduzido ao mínimo necessário para garantir o
funcionamento do próprio mercado, especialmente através da regulação, da fiscalização e da
correção de falhas de mercado.
O ESTADO DE DIREITO E A ORDEM ECONÔMICA
A propriedade dos fatores de produção é privada e o mecanismo regulador é o preço definido
no próprio mercado, que atua com o objetivo de maximizar os lucros dos produtores e de
maximizar o proveito dos consumidores.
Princípios da Economia de Mercado
Liberdade para definição de preços de serviços e mercadorias; a produção e consumo de bens e
serviços estabelecidos pela interação entre oferta e demanda; a quase totalidade dos produtos
e serviços de uma economia de mercado é produzida pela iniciativa privada; reduzida atuação
do Estado (geralmente em setores estratégicos como petróleo e geração de energia); libre
iniciativa; pouca ou nenhuma atuação do Banco Central no controle de taxas de câmbio
(câmbio flutuante); mercado mediado pela interação entre produtores e consumidores.
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Coerentemente com os princípios e fundamentos da economia de mercado, a CF de 88 assim definiu os princípios gerais da atividade econômica:
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“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I ‐ soberania nacional;
II ‐ propriedade privada;
III ‐ função social da propriedade;
IV ‐ livre concorrência; V ‐ defesa do consumidor; VI ‐ defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII ‐ redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII ‐ busca do pleno emprego;
IX ‐ tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
ATUAÇÃO DIRETA DO ESTADO
O Estado age diretamente como sujeito atuante no mercado por meio das formas de empresa pública, sociedades de economia mista e subsidiárias. QUANDO AGE DIRETAMENTE, O ESTADO PODE ATUAR COMO AGENTE REGULADOR PELO REGIME ECONÔMICO PRIVADO (ARTIGO 173 §§ 1º E 2º DA CF) OU SOB REGIME DE MONOPÓLIO LEGAL (ARTIGO 177 DA CF).
Todavia, nos termos do caput do art. 173 da CF, a ATUAÇÃO DIRETA DO ESTADO passa a ser exceção (...) a exploração direta de atividade econômica só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei".
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista
e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I ‐ sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II ‐ a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
III ‐ licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios
da administração pública;
IV ‐ a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a
participação de acionistas minoritários;
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Art. 173 (continuação)
V ‐ os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
§ 2º ‐ As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de
privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º ‐ A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º ‐ A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º ‐ A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando‐a às punições compatíveis com sua natureza,
nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I ‐ a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II ‐ a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III ‐ a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades
previstas nos incisos anteriores;
IV ‐ o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de
petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto,
seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V ‐ a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio
de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja
produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão,
conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
A atuação indireta do Estado pode se dar pela (i) normatização ou pela (ii) regulação da
economia (ou, como prefere Eros Roberto Grau, pela intervenção por indução e pela intervenção
por direção).
A NORMATIZAÇÃO apresenta‐se como a produção de normas (pelo devido processo legal) de
transformação da economia, com o objetivo de instrumentalizar a realização das políticas econ.
Exemplos: Lei 8.666/93 que regulamenta o art. 37, inciso XXI (Lei Geral de Licitações); Lei nº
9.478/97 (Política Energética e Monopólio do Petróleo); Lei 8987/95 que dispõe sobre regime
de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da CF (Lei
Geral das Concessões); Lei 11.079/04 (Lei das PPP) dispõe sobre normas gerais para licitação e
contratação de parceria público‐privada no âmbito da Administração Pública).
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
A REGULAÇÃO DA ECONOMIA é a forma de atuação estatal mais coerente com a
constitucionalidade democrática, e que mais se coaduna com os princípios da subsidiariedade e
eficiência norteadores do Direito Econômico. A regulação pode se dar por meio de (i)
fiscalização, (ii) incentivo e (iii) planejamento.
A FISCALIZAÇÃO é a face de Estado polícia, na qual o Estado atua como repressor de condutas
não condizentes com os fundamentos e princípios da ordem econômica (art. 170 da CF). Pode‐
se constatar a atuação do Estado nesses moldes quando o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) aplica as sanções dispostas no Capítulo III, Título V, da Lei 8.884/94. Da
mesma forma as agências reguladoras exercem o papel de fiscalização, regulamentação e
controle de produtos e serviços de interesse público (tais como telecomunicações, energia
elétrica, serviços de planos de saúde, concessões de serviços públicos entre outros).
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
O INCENTIVO se dá, por exemplo, quando o Estado, por meio de bancos de desenvolvimento
fomenta investimentos em áreas da economia que necessitam de desenvolvimento. Outro
exemplo seriam os incentivos tributários concedidos pelo Estado.
O PLANEJAMENTO ECONÔMICO, por sua vez, é o mais abrangente dos institutos de regulação
da economia pelo Estado. Ele dota de legitimidade a atuação do Estado, que se dará nos termos
do Direito Econômico e da ordem jurídica adotada. (Um roteiro do planejamento econômico
pode ser apreendido na CF pela leitura dos seguintes artigos: 165 c/c 84, XI; 61, §1º, b; 63, I;
166, caput e §§ 3º, 4º, 5º e 6º; 165, § 9º; 59, parágrafo único; 174, podendo ser adotado como
linha de reflexão, sempre tendo em vista os artigos 5º, 6º e 170 da CF.)
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º ‐ A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional
equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de
desenvolvimento.
§ 2º ‐ A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3º ‐ O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em
conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico‐social dos garimpeiros.
§ 4º ‐ As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou
concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas
onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.”
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
O planejamento ‐ tendo como instrumentos operacionais o orçamento, plano e projetos ‐ tem
uma institucionalização na Constituição Econômica e não pode fugir dos contornos por ela
definidos.
No Estado de direito o planejamento econômico não é apenas uma técnica de racionalização da
intervenção estatal, mas um pressuposto legitimador e dotador de coercitividade e validade
desta, segundo os institutos do direito econômico, considerando, relevantemente, os princípios
da economicidade e subsidiariedade e tendo por fim primordial a implementação dos direitos
fundamentais.
FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
SERVIÇOS PÚBLICOS
É atribuição do Estado prover os serviços públicos necessários à satisfação das necessidades do
cidadão, conforme dispõe o art. 175 da CF. O serviço público se caracteriza pela atuação do
Estado na ofertar determinados serviços com o objetivo de atender necessidades básicas da
população como: saúde, educação, transportes, entre outros.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I ‐ o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter
especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II ‐ os direitos dos usuários;
III ‐ política tarifária;
IV ‐ a obrigação de manter serviço adequado.
O ESTÁGIO ATUAL DO PAÍS FACE AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA DE MERCADO
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Concentração da arrecadação no Governo federal (mais de 2/3 de toda a arrecadação
tributária brasileira (i.e. 69.83%) se concentra na União Federal, cabendo aos Estados 25,59%
e aos Municípios meros 4,58% do total).
Intervenção governamental na definição de preços de produtos essenciais (energia,
combustíveis, tarifas de transporte etc.);
Regulamentação excessiva (cobrindo matéria tributária, ambiental, trabalhista, fitossanitária
dentre outras) que desestimulam a competitividade do Brasil e aumentam o custo Brasil;
Falta de planejamento global (ex. falhas na definição e priorização das obras de
infraestrutura, demora no processo de concessão de serviços públicos no Brasil e baixo
volume de investimento em obras de infraestrutura (apenas 2,2% do PIB contra a média de
5,1% de outros países em desenvolvimento);
O ESTÁGIO ATUAL DO PAÍS FACE AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA DE MERCADO
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Concessão aleatória e periódica de incentivos a determinados setores da economia (indústria
automobilística, linha branca etc.)
Ausência de reformas estruturais necessárias (ex. política, tributária, trabalhista e
previdenciária);
Custo elevado da máquina pública, considerados os três poderes, consumindo recursos que
poderiam ser utilizados na área de saúde, educação, saneamento e infraestrutura).
O que se espera é que, como o maior e progressivo amadurecimento político da nossa
democracia, sejam superados os fatores que impedem que o país chegue ao nível da economia
de mercado como já acontece nos países mais desenvolvidos.
Obrigado.
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