História do latim e as línguas neolatinas

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Língua Latina
Autor
Rodrigo Tadeu Gonçalves
2009
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dos direitos autorais.
G635
Gonçalves, Rodrigo Tadeu.
/
Língua Latina.
/
Rodrigo Tadeu Gonçalves —
Curitiba : IESDE
Brasil S.A. , 2009.
184 p.
ISBN: 978-85-7638-771-8
1. Língua latina – Didática. 2. Língua latina – Estudo e ensino.
3. Língua latina – Gramática. 4. Língua latina – Literatura. I.
Título.
CDD 470.07
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
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Sumário
História do latim e as línguas neolatinas | 7
A hipótese do indo-europeu | 9
História do latim | 11
A passagem do latim para as línguas românicas modernas | 13
A latinização | 14
Fonologia e prosódia do Latim | 21
A questão da duração das vogais | 22
O alfabeto latino | 23
O acento de intensidade | 25
As pronúncias do latim | 26
Estrutura da língua latina comparada com a do português | 31
A estrutura da língua portuguesa | 31
A estrutura do latim | 32
Comparação entre as duas línguas | 36
Sistema nominal latino | 43
As declinações nominais | 43
Os adjetivos de primeira classe | 47
Preposições | 49
Sistema nominal latino II | 55
Terceira declinação dos nomes | 55
Adjetivos de segunda classe | 59
Graus dos adjetivos e formação de advérbios | 73
A formação do comparativo dos adjetivos | 73
A formação do superlativo dos adjetivos | 75
Comparativos e superlativos irregulares | 76
Advérbios regulares | 76
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Estrutura da língua latina: os verbos | 81
Características morfológicas dos verbos em latim | 81
Primeira conjugação verbal | 85
Segunda conjugação verbal | 88
Aprofundamento da morfologia verbal latina | 93
Terceira conjugação | 93
Quarta conjugação | 95
Conjugação mista | 97
Verbos irregulares | 99
A voz passiva e os verbos depoentes | 113
Voz passiva | 113
Verbos depoentes | 119
Os pronomes em latim | 129
Pronomes pessoais | 129
Pronomes possessivos | 130
Pronomes interrogativos e indefinidos | 131
Pronomes demonstrativos | 132
Pronomes relativos | 134
Conjunções: coordenação e subordinação | 145
Conjunções | 145
Conjunções coordenativas | 145
Conjunções subordinativas | 147
A questão da subordinação sem conjunção: o acusativo com infinitivo | 151
Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações | 159
Os numerais | 159
O calendário romano | 161
A quarta e a quinta declinações nominais | 165
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Apresentação
É muito difícil não reconhecer a importância da língua latina para
todos os estudiosos e profissionais de áreas relacionadas com a língua
portuguesa, dada a relação de descendência histórica direta entre elas.
Assim, a inclusão do estudo, ainda que incipiente, do latim nos currículos
de Letras é fundamental.
Este livro tentará apresentar questões importantes da língua latina para alunos de graduação em letras. O ensino do latim pretendido
aqui é, portanto, instrumental, voltado para uma compreensão da nossa
própria língua. Em especial, pensamos, o contato com a língua da qual a
nossa deriva diretamente deve aumentar a nossa capacidade de refletir
sobre estruturas linguísticas e sobre a nossa própria concepção da nossa
própria língua, tanto no sentido histórico quanto no sentido sistemático,
nos termos da diacronia e da sincronia saussureanas.
Dessa forma, não pretendemos, por razões de escopo do material
e do papel que essa disciplina exerce numa licenciatura em letras – Português, oferecer um ensino extremamente complexo e aprofundado de
todas as formas possíveis da gramática latina, nem pretendemos levar os
aprendizes aos caminhos dos textos originais de forma milagrosa. Mas
sim, por outro lado, em uma tentativa metodologicamente reflexiva e
crítica, pretendemos abrir o caminho ao aluno interessado para que, a
partir daqui e das referências apresentadas ao longo do livro, continuem
seus estudos a fim de que se apoderem dos tesouros do conhecimento,
do pensamento, da literatura, da religião e da filosofia ocidentais a que o
domínio pleno da língua latina conduz.
Isso não quer dizer, no entanto, que não tentaremos incentivar os
alunos ao acesso desde o primeiro momento aos textos autênticos do vasto
corpus da literatura latina: com glossários explicativos e adaptações mínimas, apresentaremos alguns excertos como base dos exercícios, para que,
através de metodologia moderna no ensino da habilidade de leitura, possamos ajudar os alunos a se tornarem leitores capazes de compreender uma
língua como o latim em sua base estrutural tão diversa da nossa.
Por esse mesmo motivo, como o ensino da língua latina (que não
tem mais falantes nativos vivos) só pode ser pensado de modo plausível
visando a habilidade de leitura (e não as de escrita, produção e compreensão oral), será necessário trabalhar com exemplos não-autênticos
e que fugiriam aos moldes da literatura latina canônica. Faremos tudo,
esperamos, de maneira dosada e sem distorcer o que deveria ter sido de
fato a língua de Roma.
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História do latim e
as línguas neolatinas
Rodrigo Tadeu Gonçalves*
O latim é a língua que era falada na região central da Itália, chamada de Lácio, durante o primeiro milênio antes de Cristo e que, juntamente com o Império Romano, estendeu-se por grande parte da
Europa, pelo norte da África e por diversas regiões da Ásia, até se transformar, através do curso natural
das línguas, em dialetos incompreensíveis entre si, que acabaram dando origem a línguas como o nosso português, o francês, o catalão, o espanhol, o italiano, o romeno, o provençal, entre outras.
O latim que aprendemos hoje corresponde à variante literária de um período muito importante
para a história do ocidente: o período que, de maneira geral, compreende os séculos I a.C. e I d.C. Nesse
período, grandes autores escreveram obras literárias que ajudaram a moldar as bases culturais, políticas,
sociais, filosóficas e religiosas da Europa e, consequentemente, do mundo Ocidental. Dentre esses autores, podemos destacar o mantuano Públio Virgílio Maro1, que, dentre outras obras, escreveu a Eneida
no final do século I a.C. Virgílio narra, em doze livros de cerca de 700 a 1 000 versos cada, as origens históricas e mitológicas da grandiosa Roma que, no seu tempo, era governada pelo imperador Augusto2,
que, após longas décadas de guerras civis, havia sido declarado imperador em Roma, e criaria um período de paz e prosperidade para a capital de um império que, se já vinha se expandindo enormemente
ao longo dos séculos precedentes, avançaria seus domínios para lugares tão distantes quanto as Ilhas
Britânicas, a costa do Norte da África (incluindo o Egito), e vários territórios do atual Oriente Médio, até
as bordas do Mar Negro.
* Mestre em Letras e bacharel em Letras: português, inglês e latim pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
1 Virgílio nasceu no ano 70 a. C. perto de Mântua, na Gália Cisalpina, e morreu no ano 19 a.C.
2 De nome Gaio Júlio César Otaviano, Augusto recebeu esse título quando se tornou o primeiro imperador de Roma. Nasceu em 63 a.C. e
morreu no ano 14 da nossa Era. Sob seu império, cessam quase cem anos de guerras civis entre os romanos, em especial, a mais importante,
travada entre seu tio, Júlio César, e Pompeu.
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Língua Latina
Expansão do Império Romano para a morte de César.
Expansão territorial desde Augusto até Nero e época de Trajano.
Tentativa de penetração Romano-Germânica na época de Augusto.
Temática Cartografia.
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Mapa do Império Romano por volta da época de Augusto.
Na Eneida de Virgílio, o surgimento de Roma está ligado às raízes mitológicas européias, pois
Enéias, o herói do poema, fugindo como um dos poucos sobreviventes da Guerra de Tróia3, recebe a
missão de buscar uma nova terra para fundar uma cidade que viria a ser a capital do mundo.
Os destinos e os deuses então guiam Enéias por terras distantes, até que ele chega na foz do rio Tibre, por
volta do século VIII a.C., perto das famosas sete colinas que hoje ficam em Roma. Lá, seu filho Ascânio dá origem
a uma linhagem de reis que misturam sua ascendência com as dos povos locais, que incluíam etruscos, faliscos,
oscos, sabinos, entre outros, e que, com seus descendentes Rômulo e Remo, fundam a cidade de Roma.
Acompanhemos as palavras que Enéias ouve de seu pai, Anquises, quando desce aos infernos
para encontrar-se com ele e conhecer o futuro glorioso de Roma:
Outros, é certo, hão de o bronze animado amolgar com a mão destra,
ninguém o nega; do mármore duro arrancar vultos vivos.
Nos tribunais falar bem, apontar com o seu rádio as distâncias
na azul abóbada e os astros marcar quando a leste despontam.
Mas tu, romano, aprimora-te na governança dos povos.
Essas serão tuas artes; e mais: leis impor e costumes,
poupar submissos e a espinha dobrar dos rebeldes e tercos.4
A partir dos relatos míticos da fundação de Roma, as conquistas desse povo belicoso e austero tornaram grande parte do mundo conhecido falante de latim, e, com a fusão de Império Romano e
Igreja ao longo dos primeiros séculos da Era Cristã, a religião, a cultura, a literatura, a filosofia e a admi3 Os gregos sitiaram a cidadela de Tróia por cerca de dez anos e finalmente a destruíram porque o belo Páris, filho de Príamo, rei de Tróia,
raptara a belíssima princesa Helena, esposa do chefe grego Menelau. Dentre os gregos destacavam-se, por exemplo, o engenhoso Odisseu,
protagonista da Odisséia do poeta grego Homero, e o furioso Aquiles, tema do outro poema épico homérico, a Ilíada. Também durante a guerra de Tróia encontramos o ardil do cavalo de madeira cheio de soldados, o famoso “presente de grego”.
4 Tradução de Carlos Alberto Nunes para os versos 847 a 853 do Livro VI da Eneida. Em latim: Excudent alii spirantia mollius aera, / credo equidem,
vivos ducent de marmore voltus, / orabunt causas melius, caelique meatus / describent radio, et surgentia sidera dicent: / tu regere imperio populos,
Romane, memento; / hae tibi erunt artes; pacisque imponere morem, / parcere subiectis, et debellare superbos.
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História do latim e as línguas neolatinas
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nistração pública levaram a antiga língua da Itália, ao longo da Antigüidade e da Idade Média, para a
grande parte da Europa.
Assim, se falamos português hoje, é porque a região onde hoje fica Portugal fez parte desse processo de recepção da cultura dos conquistadores romanos e a língua latina lá falada foi aos poucos se diferenciando do latim falado pelas outras regiões, até que já não fosse a mesma língua. Somos, de certa forma,
herdeiros lingüísticos da empreitada do mítico Enéias, e, por isso, é ainda muito importante aprendermos
ao menos um pouco dessa língua que constitui um dos pilares fundamentais da cultura ocidental.
A hipótese do indo-europeu
Ao longo principalmente do século XVIII, estudiosos europeus interessados em várias línguas e
culturas começaram a perceber similaridades muito claras entre palavras de línguas que já se sabia que
eram aparentadas, como o grego e o latim, e línguas de regiões muito afastadas da Europa Ocidental,
como o sânscrito, língua sagrada da antiga civilização dos Vedas, da Índia. Perplexos, os pesquisadores
começaram a estabelecer relações entre essas línguas e a maioria das línguas faladas na Europa, e foram mapeando semelhanças que constituíam evidência forte demais para levantar a hipótese de que
todas essas línguas teriam derivado de algum ancestral comum. Em 1786, Sir William Jones, magistrado
do Império Britânico que fora enviado para a Índia, pronunciou em um discurso na Sociedade Asiática
aquilo que seria o pontapé inicial da ciência linguística que viria a se desenvolver ao longo do século
XIX: a linguística histórico-comparativa. Eis o famoso trecho do discurso:
O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego,
mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos. Mantém, todavia, com essas duas línguas tão
grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do
acaso. É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de
acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito. (ROBINS, 1983, p. 107).
Essa nova ciência buscava compreender a sistematicidade das relações históricas entre as línguas
que passaram a ser chamadas de indo-européias. Elas foram assim chamadas porque os pesquisadores
acreditavam que não só o latim, o grego e o sânscrito, mas também a maioria das línguas européias e
muitas asiáticas, como o inglês, o alemão, o russo, o persa, o hindi, o francês, e tantas outras, derivavam
de uma mesma língua-mãe, o proto-indo-europeu.
Essa protolíngua5 da Europa e de grande parte da Ásia teria sido falada há cerca de sete mil anos
por um povo de origem ainda relativamente misteriosa, que, em virtude da necessidade de migrações em
massa, levou sua língua e costumes (como seus hábitos agrícolas, o uso de cavalos e de instrumentos de
guerra, e sua sociedade patriarcal) por diversas regiões em ondas migratórias que deixaram o grupo original fragmentado em grupos menores, sem contato uns com os outros. Assim, as regiões que, em períodos diferentes e em locais diferentes receberam grupos de nômades indo-europeus, desenvolveram seus
dialetos de maneiras diferentes, gerando ramos diferentes de dialetos que foram se diferenciando e formando línguas diferentes. Dessa forma, temos o ramo indo-iraniano, do qual fazem parte línguas como
5 Chamam-se protolínguas as línguas originárias de todo um ramo de uma família linguística ou da família inteira. Assim, a família das línguas
indo-européias tem a sua protolíngua, o indo-europeu, enquanto que dentro dessa família várias outras são protolínguas, como o protogermânico, o proto-eslavo e assim por diante.
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Língua Latina
o persa, o sânscrito e o bengalês; o ramo eslávico, do qual fazem parte línguas como o russo, o búlgaro, o
servo-croata, o polonês; o ramo germânico, do qual fazem parte línguas como o alemão, o inglês, o islandês, o norueguês, o holandês; o ramo helênico, do qual fazem parte, entre outras, o grego antigo e o grego
moderno; o ramo céltico, do qual fazem parte línguas como o gaulês, o gaélico escocês e irlandês, o galês,
entre outras; o ramo anatólico, do qual fazem parte línguas de locais bastante distantes da Europa, como
o tocário, falado numa região da Ásia Central, hoje pertencente à China, e, por fim, o ramo itálico, do qual
fazem parte o latim, o osco e o umbro, por exemplo.
Proto-Indo-Europeu
Itálico
latim
Céltico
Helênico
Balto-Eslávico
Índico
grego clássico
Armênico
Germânico
sânscrito
[Romance]
grego koiné
lituano
francês
(Novo Testamento)
búlgaro
italiano
Albanês
grego moderno
espanhol
gaélico escocês
russo
gaélico irlandês
polonês
galês
ucraniano
hindi
bengalês
bengalês
português
romeno
Germânico Setentrional
Germânico Ocidental
nórdico antigo
inglês
frísio
holandês
alemão
Germânico Oriental
gótico
islandês
dinamarquês
sueco
norueguês
Assim como nos outros ramos, línguas mais antigas deram origens a línguas mais novas com base
em processos de dialetação semelhantes aos que levaram o proto-indo-europeu a vários lugares diferentes e que o transformaram em várias línguas diferentes. Do mesmo modo que do gótico antigo nós
temos hoje o alemão e o inglês modernos, do latim antigo nós temos hoje um sub-ramo, chamado de
ramo das línguas neolatinas ou românicas, composto por línguas como o português, o francês, o italiano, o espanhol, entre outras.
Vejamos uma tabela com algumas palavras em várias línguas indo-européias:
Português
pai
mãe
irmão
lobo
Latim
pater
mater
frater
lupus
Grego
pater
meter
phrater
lykos
Sânscrito
pitar
matar
bhratar
vrkas
Espanhol
padre
madre
hermano
lobo
Francês
pere
mere
frere
loup
Inglês moderno
father
mother
brother
wolf
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História do latim e as línguas neolatinas
Inglês antigo
fæder
modor
brothor
wulf
Alemão
Vater
Mutter
Bruder
Wolf
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História do latim
Estudamos o latim por meio de seus registros escritos, que são dos mais variados, como inscrições em muros, monumentos fúnebres, documentos transcritos e copiados em várias épocas, citações
de textos mais antigos em textos de autores mais recentes, dentre outras fontes. Assim, há documentos
de vários períodos, e há, obviamente, escassez maior de registros escritos de estágios mais antigos da
língua. A história do latim que faremos aqui é, portanto, bastante resumida e de caráter didático.
Latim arcaico
Supõe-se que o latim tenha sido falado na região do Lácio por volta do século XI a.C., mas os primeiros registros da língua escrita encontrados datam do século VII ou VI a.C. Mais tarde, por volta do
século III a.C., começam a ser produzidos textos literários em latim, em grande parte por meio de um
processo de assimilação da cultura e literatura gregas do período.
Roma, então já uma potência, conquistava territórios de vários fundos culturais diferentes, e em pouco tempo, por volta do século II a.C., o Mar Mediterrâneo já era praticamente dominado pelos romanos.
O ambiente cultural efervescente produzido pelo contato de várias culturas produziu em
Roma o início de uma literatura que, de certa forma, surgiu como adaptação para o público falante de latim de textos épicos e dramáticos da tradição grega. É desse período, por exemplo, a suposta primeira obra da literatura latina, uma tradução da Odisséia de Homero feita pelo escravo grego
Lívio Andrônico para propósitos educacionais. Lívio, capaz de ler e escrever em grego, trazido para
Roma como escravo, tornou-se responsável pela educação dos filhos de seu senhor e, pela escassez
de material, traduz o poema homérico para poder ensinar as letras às crianças em Roma. Assim surge a literatura latina. Nesse período, ainda, outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradição grega, como as comédias de Plauto e Terêncio, de gosto popular, que seguem a
tradição da Comédia Nova6 grega e as tragédias (em grande parte perdidas) de Névio e Ênio, por
exemplo. Seguindo o caminho aberto por Lívio, Névio e Ênio também escrevem os primeiros textos
épicos em latim, dos quais, infelizmente, restaram apenas fragmentos.
Latim clássico
Convencionou-se chamar de latim clássico o estilo literário da língua ao longo do primeiro século a.C.
até o início do primeiro século da Era Cristã. São desse período a prosa elaborada do político, filósofo e orador Cícero, a poesia lírica e a épica nacional de Virgílio, com as suas Bucólicas e a sua Eneida, e a lírica amorosa
6 A Comédia Nova grega surge no período da virada do século IV para o III antes de Cristo, e baseia-se em tramas familiares, convencionais,
com personagens caricaturais, como o velho imbecil, seu filho sem responsabilidades e, em geral, apaixonado por uma moça que não pode se
casar com ele, o escravo sagaz do velho que ajuda o filho em suas desventuras etc. O principal autor grego dessa tradição é Menandro.
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Língua Latina
de Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio e Ovídio. Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia é a língua literária
desse período, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalhado desses autores, quanto pelo
fato de que grande parte do corpus mais substancial dos textos clássicos é literário, o que nos deixou sem
muito acesso aos outros registros lingüísticos do período.
Latim culto
O latim culto era a variedade falada pela classe culta de Roma. Esse dialeto era a base do latim
clássico, a variante literária. O latim culto deveria ser muito mais rígido quanto às normas gramaticais
que estudamos hoje como sendo a gramática do latim, mas certamente muito menos estilizado que
a língua literária, o chamado latim clássico. Documentos escritos nessa variedade linguística são menos comuns, mas é possível encontrar esse tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos,
como as cartas de Cícero para seu irmão ou as cartas de Sêneca para sua mãe, nas quais a estilização e o
trabalho estético consciente com a linguagem são menos intensos, ainda que presentes.
Latim vulgar
A variedade do latim chamada de latim vulgar é a língua das massas, dos analfabetos, do povo em
geral. Os registros dessa língua são mais difíceis de se encontrar, mas dão testemunhos muito interessantes da evolução do latim. As inscrições encontradas em muros, em banheiros públicos, e até mesmo
em obras literárias que tentavam retratar a variedade linguística (como o romance chamado Satyricon,
de Petrônio, autor do século I d.C., que apresenta longas passagens que tentam representar a língua do
povo de Roma) nos mostram uma língua viva, muito frequentemente aberta às mudanças que ocorrem
naturalmente nas línguas.
Um texto extremamente interessante é o chamado Appendix Probi, anônimo, provavelmente
datado do século III a.C., que se constitui simplesmente de uma lista na forma de “X non Y”, que funcionaria para que as pessoas dissessem ou escrevessem X ao invés da forma realmente usada, Y. Nessa
lista temos, por exemplo, a seguinte linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como
as pessoas falavam, e sobre como a língua seguia seu curso de mudança natural. A forma auris, em latim culto, que significa “orelha”, na fala popular, possivelmente recebia o sufixo diminutivo –cula, resultando em auricula7 “orelhinha”. Daí para a forma oricla, que deveria ser evitada, temos a mudança
do ditongo au para simplesmente o, e a queda da vogal u entre c e l. Ao estudarmos a passagem do
latim para o português, vemos que é sistemática e regular essa mesma mudança de ditongos a vogais
plenas, essas quedas de vogais e, além disso, vemos que frequentemente formas como –cla resultam
em “-lha” e que vogais como i podem se “transformar” em e. Assim, “orelha” em português descende diretamente de auris ou de oricla? Parece claro que, ao menos nesse caso, a instrução do Appendix não
funcionou! Mais de 20 séculos depois, sobrevive a forma “errada”! Curiosamente, como vimos acima, oricla já era uma forma diminutiva, então, etimologicamente, quando dizemos “orelha”, remetemo-nos historicamente ao jeito de dizer “orelhinha” em latim.
7 De onde vem, por exemplo, “auricular” em português? Essa é uma palavra que foi emprestada do latim muito tempo depois de a forma
“orelha” já estar em uso pelos falantes de português. Esse tipo de empréstimo é considerado “erudito”, pois os falantes voltam ao latim para
recuperar formas que, quando depois acolhidas pela língua, vivem lado a lado com as formas populares que já existiam. Os exemplos são muitos, como a forma popular “maduro” e a forma erudita “maturidade”, vindos do latim maturus, a forma popular “pai” e as formas eruditas como
“patronímico”, ambos do latim pater, patris.
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História do latim e as línguas neolatinas
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Latim tardio
Após o período do latim clássico, o latim continuou sendo usado como língua do Império Romano,
que cresceu cada vez mais e, posteriormente, o latim tornou-se a língua oficial da Igreja Católica ocidental. Assim, ao longo de muitos séculos, o latim foi usado como língua universal para relações internacionais, para administração do Império e da Igreja, e ao longo da Antiguidade e da Idade Média, tudo que
fosse importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades foram desenvolvendo seus dialetos
de forma que se afastassem mais e mais do latim, dando origem a línguas diferentes, mas a língua escrita continuava a seguir, na medida do possível, os padrões do latim culto, de forma que temos muito
material escrito em latim “culto” por falantes nativos de outras línguas ou de outras variedades do latim.
Esses registros escritos são bastante abundantes. Como exemplo, temos desde a tradução latina dos
textos bíblicos, a Vulgata, vertida por São Jerônimo para o latim nos fins do século IV, até os documentos portugueses de administração e legislação do século XI, passando pela filosofia medieval e renascentista. Encontramos até mesmo textos escritos como teses e monografias de universidades no século
XX, como a monografia que Karl Marx escreveu em latim sobre a filosofia do grego Epicuro.
É evidente que o latim, ao longo de tantos séculos de usos tão variados, foi sofrendo alterações
substanciais, de forma que as variedades linguísticas resultantes foram se tornando incompreensíveis
entre si, resultando, no curso dos séculos, em línguas diferentes, as chamadas línguas românicas.
A passagem do latim para as línguas românicas modernas
Como vimos anteriormente, o latim é a língua da qual surgem as chamadas línguas românicas,
grupo que inclui não só o nosso português, mas também línguas importantes como o francês, o espanhol, o italiano, e línguas menores e menos conhecidas como o galego – falado na região da Galícia –,
na Espanha, o provençal – idioma quase extinto falado em algumas regiões de fronteira da Itália com
a França –, o catalão – língua oficial de Andorra e falado na Catalunha na Espanha –, o romeno – língua
oficial da Romênia –, entre outras.
Como sabemos, além de o latim ter sido a língua de um dos maiores impérios que o mundo já viu
durante tantos séculos, e além de ter sido a língua da administração religiosa, da produção científica e
filosófica de grande parte da Europa por tanto tempo, as línguas diretamente derivadas do latim também encontraram seu caminho ao redor do mundo. O português, como sabemos, é falado não só no
Brasil e em Portugal, mas também em Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor
Leste, São Tomé e Príncipe, entre outros países asiáticos e africanos pelos quais os portugueses passaram nos séculos XV e XVI, quando navegaram ao redor do mundo. Os espanhóis, de modo similar, levaram seu idioma a grande parte das Américas, o que explica o nome América Latina. O francês, também
falado no Canadá, Suíça, Luxemburgo, Congo, Haiti, Senegal e em vários outros países, ajuda a dar uma
idéia da importância das línguas românicas ou neolatinas ao redor do globo.
Além disso, mas não somente por esse fato, grande parte do vocabulário do inglês (que, embora seja uma língua indo-européia, faz parte de outro ramo, o das línguas germânicas) é de origem latina, via empréstimos do francês, ocorridos durante o período em que a Inglaterra foi dominada pelos
Normandos, por volta dos séculos XI e XII. Assim, a expansão de um vocabulário de origem latina ao longo das línguas mais importantes do mundo na atualidade faz com que grande parte do núcleo comum
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Língua Latina
dessas línguas seja aparentado, facilitando a nós, falantes de uma língua latina, o reconhecimento de
muitas palavras das outras línguas européias importantes.
A latinização
Tendo sido exposta toda a importância das línguas neolatinas no contexto mundial, passemos ao
estudo de como o latim veio a se transformar nessas outras línguas.
Durante o período em que o Império Romano mantinha uma administração política centralizada,
as conquistas de territórios, em geral, significavam a instalação de um governo local, que deveria
utilizar-se do latim para fins gerenciais. Não só isso, mas também os povos dominados, por motivos
diversos, acabavam falantes do latim, ou como língua materna ou como segunda língua. As línguas
locais, mais ou menos aparentadas do latim, acabavam influenciando a língua latina usada na região
e, com o passar do tempo, conforme os dialetos latinos das províncias iam se consolidando, eles iam
tomando características individualizadas, e aos poucos esses dialetos se constituíam como línguas
autônomas. A seguinte passagem explica esse processo chamado latinização:
Latinização ou romanização é a assimilação cultural e lingüística dos povos incorporados ao universo da civilização
latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem adotado a língua e, pelo menos em parte, a
civilização dos vencedores é um fenômeno único na história da humanidade. Essa aceitação, porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas romanas tinham caráter político e econômico; não houve por parte de Roma pretensão
de impor aos conquistados sua língua ou sua religião; ao contrário, considerava o uso da língua latina como uma honra. Se os drúidas foram perseguidos na Gália, isso aconteceu porque a utilização de vítimas humanas nos sacrifícios feria
o direito romano, ao qual se dava grande valor e importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas, religiosas ou jurídicas, obviamente desde que não conflitantes, dos povos incorporados: o
povo judeu manteve a religião, o sinédrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus; a casa real de Herodes continuou
a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da segurança e ao governador romano era reservada a palavra final em questões jurídicas específicas, como no caso da condenação à morte. (BASSETO, 2005, p. 103).
Esse processo não é nada simples. Por exemplo, embora o latim tenha sido usado nas Ilhas
Britânicas, uma das últimas províncias a serem conquistadas (o que se deu por volta do século I d.C.), ao
longo do processo de descentralização do poder imperial, ao longo do período de queda do Império
Romano (que atinge seu ápice quando o Império Romano Ocidental deixa de ter um centro político
no século V, em virtude das invasões bárbaras), as províncias mais afastadas e aquelas onde havia menor centralização do poder e unidade cultural não mantiveram o latim como língua “oficial”. Isso explica
porque territórios mais próximos de Roma, como as terras onde hoje temos França, Espanha, Portugal
e Itália, mantiveram-se falando latim, enquanto que, uma vez que o domínio imperial enfraquecia-se,
províncias como a Bretanha acabaram por continuar a falar as línguas locais, o que aconteceu em grande parte do resto da Europa e das outras regiões ao redor do Mar Mediterrâneo, da Ásia Menor, entre
outros. Por isso os ingleses, os egípcios, os escandinavos e tantos outros hoje em dia não falam uma língua neolatina.
Nos locais em que a língua latina foi falada por mais tempo, mesmo com o enfraquecimento e
posterior queda do domínio do império, os dialetos foram se diferenciando cada vez mais dos dialetos
das outras regiões falantes do latim. Aos poucos, falantes do latim da Ibéria já não conseguiam entender plenamente falantes da península itálica, por exemplo.
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História do latim e as línguas neolatinas
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Como vimos nas seções anteriores, havia uma diferença substancial entre o dialeto da classe urbana culta de Roma, base da língua literária que conhecemos como latim clássico, e o chamado latim
vulgar, língua falada pelas classes mais baixas, em geral analfabetas. Esse latim vulgar, provavelmente
muito diferente de região para região, por ser a língua viva que fervilhava nos mercados, que era falada
pelos estrangeiros, pelos escravos de outros lugares, pelos trabalhadores, pelos soldados de baixa patente em tantos lugares diferentes, deve ter sofrido mudanças mais rapidamente que o dialeto urbano
culto de Roma. Com o passar dos séculos, esse latim vivo das províncias foi o que serviu de base para as
transformações posteriores que resultaram nas línguas neolatinas.
Vejamos alguns exemplos de semelhanças nos vocabulários das línguas românicas ou neolatinas:
a) nos nomes de algumas cores:
Português
Francês
Espanhol
Italiano
latim
branco
blanc
blanco
bianco
album
negro
noir
negro
néro
niger, nigra, nigrum
verde
vert
verde
vérde
viridis
b) nos nomes dos números de um a dez:
Português
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Latim
unus
duo
tres
quattuor
quinque
sex
septem
octo
novem
decem
Espanhol
uno
dos
tres
cuatro
cinco
seis
siete
ocho
nueve
diez
Catalão
un
dos
tres
quatre
cinc
sis
set
vuit
nou
deu
Galego
un
dous
tres
catro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
Português
um
dois
três
quatro
cinco
seis
sete
oito
nove
dez
Francês
un
deux
trois
quatre
cinq
six
sept
huit
neuf
dix
Italiano
uno
due
tre
quattro
cinque
sei
sette
otto
nove
dieci
Romeno
unu
doi
trei
patru
cinci
şase
şapte
opt
nouâ
zece
Texto complementar
O seguinte texto corresponde a um trecho da Eneida de Virgílio, na tradução do paraense Carlos
Alberto Nunes. O trecho conta o início da história do Cavalo de Tróia, e consiste no início do Canto II do
poema. Nele, o protagonista Enéias narra à sua amante, Dido, a rainha de Cartago, como foi esse episódio da Guerra de Tróia, na qual ele lutara, e da qual ele saíra como sobrevivente e com a missão de encontrar a terra prometida, a Nova Tróia, que viria a ser Roma.
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Língua Latina
Prontos à escuta calaram-se todos, dispostos a ouvi-lo.
O pai Enéias, então, exordiou do seu leito elevado:
Mandas, rainha, contar-te o sofrer indizível dos nossos,
como os aquivos8 a grande potência dos teucros9 destruíram,
reino infeliz, espantosa catástrofe que eu vi de perto,
e de que fui grande parte. Quem fora capaz de conter-se
sem chorar muito, mirmídone ou dólope ou cabo de Aquiles?
A úmida noite do céu já descamba, e as estrelas, caindo
devagarinho no poente, os mortais ao repouso convidam.
Mas, se realmente desejas ouvir esses tristes eventos,
breve relato do lance postremo10 da guerra de Tróia,
bem que a lembrança de tantos horrores me deixe angustiado,
principiarei. – Pela guerra alquebrados, dos Fados11 repulsos
em tantos anos corridos, os cabos de guerra da Grécia
com a ajuda da arte de Palas12 construíram na praia um cavalo
alto como uma montanha, de bojo com tábuas de abeto.
Voto de pronto regresso era a máquina, todos diziam.
Nessa medonha caverna, tirados por sorte, os guerreiros
de mais valor ingressaram, num ápice enchendo as entranhas
daquele monstro, com armas e gente escolhida de guerra.
Tênedo, ilha famosa se encontra defronte de Tróia,
rica no tempo em que o império de Príamo ainda existia,
ora uma enseada de pouco valor ou nenhum para as naves.
Prestes mudaram-se os dânaos; na praia deserta se ocultam.
Nós os supúnhamos longe, a caminho da rica Micenas.
Com isso a Têucria respira mais leve no luto penoso.
Abrem-se as portas; alegram-se os troas de ver mais de espaço
o acampamento dos dórios, as praias desertas agora:
O ponto era este dos dólopes; eis onde Aquiles se achava;
8 Os gregos.
9 Os troianos.
10 Último.
11 Os Fados são os destinos, os desígnios que fogem até mesmo à vontade dos deuses.
12 A deusa da sabedoria, Palas Atena.
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História do latim e as línguas neolatinas
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surtos na terra, os navios; o campo em que as hostes lutavam.
Muitos pasmavam de ver o presente ominoso da deusa,
a imensidão do cavalo. Timetes, primeiro de todos,
aconselhou derrubarmos o muro e direto o postarmos
na cidadela, ou por dolo isso fosse ou dos Fados previsto.
Cápis, porém, e outros mais de melhor parecer insistiam
para que ao mar atirássemos logo a armadilha dos dânaos,
fogo deitássemos nela ou que ao menos o ventre do monstro
fosse explorado ou sondadas as vísceras sem mais reservas.
Assim, o vulgo inconstante oscilava entre vários alvitres.
Nisso, Laocoonte ardoroso, seguido de enorme cortejo,
da sobranceira almeidina desceu para a praia, e de longe
mesmo gritou: – Cidadãos infelizes, que insânia vos cega?
Imaginais porventura que os gregos já foram de volta,
ou que seus dons sejam limpos? A Ulisses, então, a tal ponto
desconheceis? Ou esconde esta máquina muitos guerreiros,
ou fabricada ela foi para dano de nossas muralhas,
e devassar nossas casas ou do alto cair na cidade.
Qualquer insídia contém. Não confieis no cavalo, troianos!
Seja o que for, temo os dânaos, até quando trazem presentes.
Disse, e arrojou com pujança viril um venab’lo dos grandes
contra os costados e o ventre abaulado do monstro da praia,
no qual se encrava, a tremer; sacudida com o baque, a caverna
solta um gemido, abaladas no fundo as entranhas do monstro.
Oh! Se não fosse a vontade dos deuses e a nossa cegueira,
com o ferro, então, deixaríamos frustra a malícia dos gregos,
e em pé, ó Tróia, estarias, o paço luxuoso de Príamo.
(Eneida II, 1-56)
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Língua Latina
Atividades
1.
Individualmente ou em grupo, analise as indicações do Appendix Probi abaixo e discuta em que
medida ainda hoje cometemos os mesmos “erros” e por quê.
a) umbilicus non imbilicus.
b) uiridis non uirdis.
c) formica non furmica.
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2.
Explique a chamada Hipótese do Indo-europeu.
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Língua Latina
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Gabarito
História do latim e as línguas neolatinas
1.
Ainda hoje alguns falantes utilizam-se da forma “imbigo” ao invés da forma “umbigo”, o que constitui um “erro” desde a época dos falantes de latim.
Sobre “uiridis”, os falantes já naquela época produziam “uirdis”, que veio a dar o nosso “verde” em
português, indicando um ponto de passagem do latim para o português.
A forma “furmica” ao invés de “formica” indica um “erro” tão comum para os falantes de latim quanto para os falantes de português, ou seja, a troca de um “o” por uma vogal mais alta, o “u”.
Os exemplos devem despertar nos alunos a percepção de que o latim era uma língua viva, como
o português, e que os processos de mudança e uso já na época do latim apontavam para mudanças que resultariam no que temos hoje em português. Respostas que sigam nessa direção estão
apropriadas.
2.
A Hipótese do Indo-Europeu é basicamente a hipótese de que a grande maioria das línguas européias e algumas da Ásia derivam de uma língua ancestral comum, chamada indo-europeu. Os
pesquisadores chegaram a ela comparando muitas línguas, como o latim, o grego e o sânscrito, a
partir do final do século XVIII e especialmente durante o século XIX.
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