A GESTÃO DESCENTRALIZADA E PARTICIPATIVA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE CONTROLE SOCIAL NO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA/PR Nayara Cristina Bueno INTRODUÇÃO No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é um marco legal para a organização da assistência social, pois, entre suas regulamentações, a institui como política pública. Esse processo deu início a superação da visão tradicional e conservadora que perpassava até então a área. O arcabouço regulatório que se seguiu reafirmou as diretrizes apontadas pela Carta Magna: a descentralização político-administrativa, com divisão de competências entre os entes federados e com a participação da sociedade civil. Por meio da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, a política passa a ser, com primazia, de responsabilidade do Estado. Com isso, entende-se a redefinição da relação Estado e sociedade civil na área. Contudo, o processo de redemocratização do Brasil contou com a presença do ideário neoliberal, especialmente a partir da década de 1990, fazendo com que a gestão descentralizada e participativa da assistência social pudesse responder a dois interesses distintos: a precarização das ações na área, através da fragilização do papel do Estado no campo dos direitos sociais, e de outro lado, a regulamentação de uma diversidade de canais de participação social, com destaque para as conferências e para os conselhos de política. Neste sentido, o objetivo deste estudo é analisar a gestão descentralizada e participativa da assistência social no município de Guarapuava, identificando a potencialidade dos espaços de controle social. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois, segundo Minayo (2004, p.57), este método “[...] se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.” Assistente Social. Cursando Especialização em Seguridade Social, Faculdade Guairacá. E-mail: [email protected] Para tanto, o trabalho contou com a pesquisa bibliográfica e com pesquisa documental. A pesquisa documental se refere ao estudo e análise dos instrumentos de gestão; dos instrumentais da VII Conferência Municipal de Assistência Social de 2009; das atas do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, referente às reuniões realizadas após a última Conferência (Agosto/2009 à Agosto/2010). O estudo conta, ainda, com a observação das reuniões (desde abril/2010). Com isso, procuramos identificar o diálogo e a interlocução entre os espaços de controle social e os instrumentos técnicos de gestão, buscando analisar a potencialidade de democratização da gestão descentralizada na área da assistência social. Para compreendermos a realidade investigada, parte-se do pressuposto de que a gestão descentralizada e participativa da assistência social pode, de modo tenso e contraditório, significar “menos” Estado e “mais” sociedade, ou seja, privilegiar a participação da sociedade civil na execução das ações e dos serviços sociais na área; e de outro lado, pode significar a participação nas discussões e decisões políticas, ampliando e fortalecendo o processo democrático e, com isso, produzindo resultados esperados pela sociedade civil. 1. A GESTÃO DESCENTRALIZADA E PARTICIPATIVA DAS POLÍTICAS SOCIAIS O tema da gestão descentralizada e participativa das políticas sociais tem sido objeto constante de investigação no Serviço Social. No entanto, na área da assistência social são muitos os desafios e as polêmicas que envolvem o controle social das ações e dos serviços públicos. Com isso, entende-se a relevância da temática para o Serviço Social, em particular, e para o campo das políticas socais, de maneira geral. Assim, no que se refere à gestão social, pode-se compreender, segundo Carvalho (1999), como a gestão das ações sociais públicas, ou seja, das demandas e necessidades dos cidadãos. Entende-se que estas demandas nascem na sociedade civil e são, aos poucos, incorporadas pelo Estado e sendo efetivadas por meio de políticas públicas, através dos programas, projetos e serviços sociais públicos. O processo de atendimento das demandas populares se dá através da correlação de forças, neste sentido, Carvalho (1999) defende que as pressões e as reivindicações da sociedade civil e movimentos sociais são fundamentais para que essas demandas ingressem na agenda estatal, transformando-se em políticas públicas. A autora mostra que a gestão social deve ser entendida dentro do contexto social, econômico e político, por isso, identifica três formas de gestão nos diferentes momentos conjunturais do século XX: a gestão social no welfare state; na onda neoliberal e a emergente. A consolidação do welfare state, ou Estado de Bem-Estar, ocorreu entre os anos de 1940 e 1970 nos países da Europa Ocidental, devidos o acirramento da questão social. Este modelo de gestão se relaciona com a formação de uma nova classe de assalariados industriais que determinou, em grande parte, o surgimento de uma legislação social e um conjunto de medidas de proteção social. Este contexto gerou um modelo específico de gestão social, que, de acordo com Carvalho (1999), trazia entre suas características: uma gestão centralizada no Estado-Nação; políticas sociais universalistas; gestão hierarquizada e setorização da política social; consolidação da sociedade salarial e primazia do Estado regulador. A partir da década de 1970, devido aos choques de petróleo e ao desequilíbrio do sistema monetário internacional, o welfare state perde força frente ao ideário neoliberal. Desta forma, em uma conjuntura de ataque ao intervencionismo do Estado, nos anos de 1980 e 1990 ganham força as idéias neoliberais, que defendem a primazia de um mercado livre e sem controle do Estado e um Estado mínimo na área social. Esse processo desencadeou uma onda de reformas das funções do Estado, com quebra dos direitos previdenciários, redução dos gastos na área social, mudanças nas áreas trabalhistas e diminuição na regulação, permitindo a livre circulação do capital. Neste contexto ocorreram mudanças na forma de conceber o Estado, nas suas funções e na sua forma de gerir as ações sociais. Para Carvalho (1999) implementou-se a descentralização das ações governamentais; a privatização das atividades econômicas e sociais exercidas pelo Estado, tentando consolidar um sistema de bem estar social no qual o mercado cuida daqueles com poder de compra e deixa os grupos mais vulneráveis sob as responsabilidades das instituições locais. Estas constituem as receitas principais do neoliberalismo, afirma a autora. Assim, a gestão social neste período, segundo Kauchakje (2008), sofre duas tendências que parecem paradoxais: de um lado o retrocesso na ampliação das políticas sociais por parte do Estado e do incentivo da responsabilidade social da sociedade civil; de outro o fortalecimento da responsabilidade do Estado com a participação da sociedade civil para o planejamento, implementação e fiscalização das políticas sociais, visando a democratização da gestão. A segunda tendência, apontada por Kauchakje (2008), que se pretende democrática, se relaciona com o que Carvalho (1999, p.23) identifica como gestão social emergente. Diante disto, as mudanças contemporâneas têm gerado tanto um movimento externo de integração de blocos econômicos como interno de descentralização, flexibilização e fortalecimento da sociedade civil. Disso tudo, entende-se que não faltam polêmicas no campo da descentralização e da participação social na gestão das políticas sociais, pois, de acordo com Stein (2007), sabe-se que o debate sobre a descentralização tem ganhado destaque e ambigüidade, sendo incorporado tanto no discurso neoliberal privatizante, como nas propostas da esquerda. Assim, a estratégia de descentralizar tem refletido diferentes óticas. Para a autora, a primeira ótica, de perspectiva neoliberal, defende a descentralização dos poderes e recursos para o setor privado, já a segunda ótica, chamada de esquerda, defende a descentralização entre os níveis federal, estadual e municipal, atentando para o poder local como espaço dinamizador das mudanças sociais. Por sua vez, no modelo descentralizado a esfera local além de descentralizar o próprio poder político local, através dos espaços de decisão, precisa adotar uma “[...] conduta política, onde o atendimento às demandas se processa a partir de regras enunciadas, por oposição ao uso clientelista da máquina política local.” (SOUZA, 2007, p. 64) Neste sentido, conforme Nogueira (2005), o Estado deve ser entendido através de laços orgânicos com a sociedade civil. Desta forma, mostrando-se como um campo de disputas e correlação de forças, o Estado não é neutro, pelo contrário, “[...] condensa as relações sociais e age em conformidade com as classes que dominam a economia e que sustentam um projeto de hegemonia. [...]” (NOGUEIRA, 2005, p. 61). Nesta compreensão, é preciso que haja uma sociedade civil „politizada‟, que consiga desenvolver sua dimensão política, garantindo que suas demandas adentrem o espaço público. Com isso, pode-se compreender que a descentralização do poder decisório na gestão social é um tema que carrega uma dimensão política e é perpassado por correlação de forças. Contudo, a descentralização tem ganhado visibilidade com a consolidação dos regimes democráticos, o que não significa que exista uma relação direta e necessária entre democracia e descentralização. Mas, para Stein (2007), a descentralização é vista como instrumento de expansão da democracia, à medida que amplia as instâncias de negociação e os canais de participação. Com isso, pode-se entender que a gestão descentralizada e participativa das políticas sociais reflete a correlação de forças presente na relação Estado e sociedade civil. Na medida em que se compreende que as políticas sociais têm como meta atender as demandas advindas dos segmentos organizados da sociedade civil, também se busca fortalecer os espaços de participação social, garantindo uma gestão transparente e democrática. 2. A GESTÃO DESCENTRALIZADA E PARTICIPATIVA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E OS INTRUMENTOS DE GESTÃO Historicamente, no Brasil, a assistência social foi concebida com base na caridade e na filantropia. Para Mestriner (2001), a assistência social desenvolveu-se, ao longo de décadas, como doação de auxílios, revestidos pela forma de tutela, de benesse, de favor, sem superar o caráter de prática circunstancial, secundária e imediatista. Segundo Sposati et al (2003), progressivamente, o Estado brasileiro passou a reconhecer a questão social como uma questão política, a ser resolvida sob a sua direção. Contudo, ela foi se estruturando nas relações do Estado com a sociedade civil. Porém, como parte do resultado das lutas populares em 1988 promulgou-se a Constituição Federal que, entre suas regulamentações, institui a assistência social como política pública e, portanto, como direito social. Esse processo deu início a superação da visão tradicional e conservadora que perpassava até então a área, pois, pela primeira vez, a assistência social foi erigida como uma das três instituições fundamentais da seguridade social, ao lado da saúde e da previdência Social. Apesar dos avanços constitucionais, somente em 1993 a assistência social é regulamentada através da Lei 8.742, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). No que tange a organização esta lei define que a assistência social tem como base as seguintes diretrizes: (I) descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; (II) a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas de controle das ações em todos os níveis; (III) e a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera dos governos. Diante do exposto, percebe-se que a gestão da política de assistência social é organizada em um sistema descentralizado, entre os níveis de governo, sendo também constituído pelas entidades e organizações de assistência social; e participativa, constituída por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área. Além disso, a primazia da responsabilidade do Estado garante que os serviços, mesmo que prestados pelas entidades e organizações de assistência social, sejam referenciados por um órgão estatal. No entanto, a operacionalização da assistência social ainda contava com muitos desafios. Na década de 1990, começa a ser empreendida no Brasil a reforma neoliberal, o que representa mudanças no que diz respeito ao papel do Estado. Com isso há um desmonte dos direitos sociais de maneira geral e da assistência social de maneira particular. Novamente, através do terceiro setor, a assistência social será operacionalizada em grande medida pela sociedade civil, reproduzindo de maneira contraditória as ações das antigas entidades sociais. Assim, no Brasil, o processo de construção democrática pode responder tanto ao ideário neoliberal privatizante quanto ao ideário de esquerda, também chamado democrático. Dagnino (2005) nos mostra que as raízes desse dilema estão na confluência entre dois processos distintos: de um lado o alargamento da democracia, tendo como marco a Constituição Federal de 1988; de outro, a emergência do projeto neoliberal a partir de 1989 e, assim, “[...] apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva” (DAGNINO, 2005, p.97). Diante deste contexto, após ampla mobilização, o Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS aprovou em 2004 a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que tem como meta reorganizar a prestação das ações e dos serviços sociais públicos na área, rompendo com as ações assistencialistas e garantindo a participação da sociedade civil na gestão. A gestão da PNAS se apresenta na perspectiva do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), regulamentado através da Norma Operacional Básica NOB/SUAS/2005, que possui um modelo de gestão descentralizado e participativo para todo território nacional e consolida o co-financiamento e a cooperação técnica entre os entes federados, de modo articulador e complementar, estabelecendo a divisão de responsabilidades entre União, Estados e Municípios. Desta forma, no sistema descentralizado e participativo da política de assistência social cabe ao governo federal e aos Estados às normas gerais e o cofinanciamento. Desta forma, estas esferas criam instrumentos para que os municípios possam planejar e avaliar os serviços, benefícios e ações que executam, os quais devem contar com a aprovação do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS e estar em consonância com as prioridades elencadas nas Conferências Municipais de Assistência Social. Para Couto (2009), os instrumentos de gestão devem implicar na materialização dos princípios e diretrizes contidos nas formulações dos diversos documentos que reúnem a política de assistência social, porém, os instrumentos de gestão representam um tema novo para a assistência social, “[...] em que, historicamente, a „boa vontade‟, o „amor aos pobres‟ e o „voluntarismo‟, têm uma larga aceitação como elemento de mediação.” (COUTO, 2009, p.205) Assim, percebe-se que a trajetória histórica da assistência social careceu de procedimentos sistemáticos de gestão pública. Apenas com a LOAS, em 1993, é que surge a exigência de elaboração de planos municipais. Porém, somente com a PNAS, de 2004, é que o planejamento ganha destaque, sendo também previsto a informação, o monitoramento e a avaliação, como bases organizacionais do processo de gestão do SUAS. Segundo Baptista (1999) o planejamento pode ser analisado na perspectiva lógico-racional e técnico-política, sendo um instrumento que racionaliza, aprofunda e dá direção para redefinições permanentes. Assim, a perspectiva lógico-racional refere-se à abordagem racional e científica de questões que se colocam no mundo social, possuindo uma sequência de atos decisórios baseados em diagnósticos e estudos da realidade. A perspectiva técnico-política decorre do planejamento ser um processo contínuo de tomada de decisões, inscrito nas relações de poder. Assim, o que determinará a direção a ser seguida é o projeto de sociedade, o regime de gestão, o projeto ético-político do profissional e, ainda, a correlação de forças sociais e da articulação das demandas sociais nos espaços de controle social. No que se refere a avaliação, esta “[...] não é o momento final, mas aquele em que o processo ascende a outro patamar, reconstruindo dinamicamente seu objeto, objetivos e procedimentos.” (BAPTISTA, 2000, p.113) Para a autora, a avaliação está presente em todo o processo de planejamento, considerando que avaliar é tomar partido em relação à realidade analisada. Diante disso, percebe-se a importância de planejar e avaliar na gestão da política de assistência social para racionalizar uma prática que por muito tempo foi baseada no imediatismo e garantir melhor utilização dos recursos públicos. Mas, como visto em Nogueira (2005), a gestão democrática se abre ao universo organizacional como um todo, por isso é imprescindível a participação da sociedade na elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão, para que suas demandas e necessidades adentrem o espaço público. Desta forma, embora se apresente como um assunto técnico, os instrumentos de gestão são mecanismos essencialmente políticos, que definem a orientação e os objetivos da assistência social nas realidades locais. Por isso, o exercício do controle social, via conferências e conselhos, é tão importante. As conferências são instâncias máximas de deliberação e de controle social, conforme a LOAS, tem como atribuição avaliar a situação da assistência social no âmbito local, estadual e nacional, e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema. Pode-se compreender que deliberar é decidir sobre as propostas colocadas em discussão, por isso, para que as deliberações adentrem o espaço público é preciso que haja controle social da sociedade, ou seja, controle pelo cidadão sobre Estado, no entendimento de um Estado a serviço do interesse público. Desta forma, a construção da gestão que amplie e fortaleça o processo democrático, com participação da sociedade civil organizada e com resultados que venham ao encontro das demandas sociais, exige o diálogo e a interlocução entre os espaços de controle social e os instrumentos técnicos de gestão, como planos e relatórios. A partir desta compreensão, o presente estudo realiza uma investigação deste processo em Guarapuava – PR, tendo como meta conhecer e analisar a gestão descentralizada e participativa da Assistência Social neste espaço local. 3. UMA ANÁLISE DA GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA/PR O município de Guarapuava localiza-se na região centro-oeste do Paraná, possui uma população estimada de 172.728 habitantes, sendo que 91,32% da população vive na área urbana. No âmbito econômico se destaca por uma economia fundada na agricultura e pecuária e as atividades agro-industriais, além da exploração da madeira. Dados do IPARDES demonstram que 24,85% da população encontra-se em situação de pobreza e a estimativa de famílias pobres é de 19.679 (PNAD, 2006). No município, a assistência social acompanhou a concepção de caridade e filantropia historicamente desenvolvida no Brasil. E assim, segundo Fiuza (2005, p.120), as ações assistenciais “[...] seguiram o modelo tradicional adotado pela área, onde o poder público articulava sua ação em parceria com entidades privadas que, na sua maioria, desenvolveram práticas voluntárias pautadas nos princípios religiosos.” Desta forma, a partir de 1991, a gestão da assistência social passou a ser realizada pelo Departamento de Promoção Social da Secretaria Municipal de Saúde. Porém, após a promulgação da LOAS, em 1993, surgiram exigências de reestruturação e critérios para recebimento de recursos das outras esferas de governo. Apesar disso, apenas em 1996 com a realização da 1ª Conferência Municipal de Assistência Social, deliberou-se, entre outras, a criação de uma secretaria específica para a área social, o que contribuiu para que a mesma fosse criada com a Lei nº642 de 27/01/1997. O CMAS juntamente com a Conferência Municipal de Assistência Social e o Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS foram criados com Lei nº541 de 22/12/1995, o que acompanhou a dinâmica dos demais municípios paranaenses, pois a maioria criou o CMAS e o FMAS no segundo semestre de 1995. Neste cenário, de acordo com o estudo de Fiuza (2005), entre os principais impasses da gestão da assistência social estavam: a ausência de distinção entre esfera pública e privada, representada por traços patrimonialistas, onde interesses particulares dos detentores de poder se contrapunham aos interesses coletivos; a representação da assistência como compensação dos efeitos produzidos pela política econômica; a incapacidade do enfrentamento da pobreza como fenômeno político; e, contraditoriamente, sua concepção como política pública. Desta forma, o novo, a concepção da assistência social como política pública, não excluiu as práticas tradicionais e patrimonialistas existentes na área desde a colonização do Brasil. De antemão pode-se compreender que a gestão descentralizada da assistência social em Guarapuava carrega a contradição presente no campo das relações de força, que atrela a gestão social aos interesses dos grupos de poder, tornando, assim, frágil o processo decisório democrático. Neste sentido, refletir sobre a potencialidade dos espaços de controle social pode indicar parte dos desafios do processo de ampliação e fortalecimento dos espaços de participação da sociedade civil na área. Assim, para análise da contribuição das conferências para democratização da gestão da assistência social no município utilizamos o relatório final da última Conferência Municipal realizada em 2009, com o tema “Participação e Controle Social no SUAS”. O objetivo geral desta Conferência era avaliar e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do SUAS na perspectiva da participação e controle social. Para isso, contou com 109 participantes, sendo 27 delegados do Poder Público, 59 delegados da sociedade civil e 23 observadores. Apesar das conferências serem amplos espaços de participação e de controle social, no município de Guarapuava o número de participantes do poder público foi reduzido e, também da população de uma maneira geral. Entre os delegados, 31% eram do poder público e 69% da sociedade civil, entre os representantes da sociedade civil 69% eram representantes de entidades e organizações de assistência social e 31% eram usuários da assistência social. Tatagiba (2002) ao analisar a categoria controle social aponta que a paridade garante a legitimidade e o equilíbrio no processo decisório, uma vez que há posições e interesses divergentes no interior dos espaços de controle social. Além disso, a autora conta que a ausência da representação governamental produz um enfraquecimento dos espaços de controle social que, “[...] apesar de suas prerrogativas legais, não conseguem impedir que muitas questões importantes sejam decididas nos gabinetes dos altos escalões do governo, sob influência dos interlocutores tradicionais.” (TATAGIBA, 2002, p.63-64) Com isso, entende-se que esses fatores limitam a potencialidade dos espaços de controle social do município. Contudo, a sociedade civil está presente nos espaços de controle social, mas isso não garante que suas demandas adentrem o espaço público, isso irá depender da correlação de forças presente na sua relação com o Estado, como demonstra analise das dificuldades apontadas em dois subtemas da Conferência. O Subtema IV foi escolhido porque se refere ao controle social exercido pelos conselhos, sua relação com o órgão gestor e a rede socioassistencial. Enquanto que o subtema VI foi escolhido porque se refere a formulação de estratégicas para avançar na democratização da gestão do SUAS e a universalização de acessos. Desta forma, identificou-se que entre as dificuldades está à implementação das propostas das conferências anteriores (60%) e falta de recursos humanos e a criação de planos de cargos e salários para os trabalhadores da área (40%) No que se refere as propostas da Conferência entendemos que elas se relacionam com a agenda que a sociedade civil espera que esteja inscrita nas ações do Estado. Neste sentido, “[...] a natureza das decisões de uma conferência, ou ainda mais adequado chamar de a força de suas decisões, está diretamente relacionada ao seu grau de institucionalização do ponto de vista da exigência de legislação que respalda (obriga) a sua realização.” (SILVA, 2009, p.28) Assim, considerando que não há uma adesão automática do Estado às deliberações, mas é preciso que haja um diálogo e interlocução entre os espaços de controle social e os instrumentos técnicos de gestão, para que as deliberações incidam no ciclo de planejamento, financiamento, execução, monitoramento e avaliação da política de assistência social, analisamos também o Plano Municipal de Assistência Social – PMAS de 2010, procurando identificar quais deliberações da conferência ingressaram neste ciclo. O PMAS de 2010, elaborado pelo órgão gestor e aprovado pelo CMAS, previu ações e serviços a serem prestados na área da assistência social. Na analise pode-se observar que apenas duas ações e serviços estão em consonância com as propostas apontadas nos eixos estudados da VII Conferência: a implantação do banco de dados e a capacitação para conselheiros e técnicos do órgão gestor. Entretanto, se considerarmos as vinte e oito propostas dos oito subtemas, verificamos que apenas 21% delas ingressaram no PMAS de 2010. Consideramos também que o Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS pode participar da construção do PMAS e, caso não participe, ao analisá-lo para aprovação, deve considerar as propostas da última Conferência. Porém, ao analisar os assuntos discutidos pelo CMAS de Guarapuava entre Agosto/2009 a Agosto/2010 verificamos que foram realizadas quinze reuniões e que o CMAS não participou da construção dos instrumentos de gestão e, também, as deliberações da última conferência não foram retomadas nenhuma vez, o que significa que suas diretrizes não foram consideradas na análise do PMAS. Por outro lado, está claro que o conselho possui um reduzido poder de influência nas decisões do órgão gestor, uma vez que as discussões que envolvem entidades correspondem a 34% dos assuntos discutidos, o que justifica a existência das duas comissões: de análise de projetos e visitas as entidades. Enquanto que PMAS, Relatório de Gestão, Plano de Ação, Demonstrativo, Execução Orçamentária e LDO corresponde a 17% dos assuntos. Outro aspecto que deve ser considerado é o esvaziamento do CMAS, como verificamos nas atas, por parte dos conselheiros governamentais e dos usuários, comprometendo não só a sua paridade, mas também a legitimidade das decisões. Diante disto, o conselho não consegue cumprir todas as suas competências, porém, deve-se considerar que a sua existência e o seu funcionamento já indicam um processo de democratização da gestão, sendo que, para o biênio 2010/2011, foi eleito pela primeira vez um Presidente do segmento da sociedade civil, por unanimidade dos votos, obrigando o compartilhamento do poder de decisão. Além disso, cada vez mais é exigido que as decisões tomadas na área tenham a aprovação do CMAS. Também se observa o interesse dos conselheiros em entender o processo de gestão, o que é comprometido pelo pouco entendimento sobre os instrumentos de gestão, financiamento e até mesmo o controle social; e pelos vários interesses da sociedade civil, que muitas vezes reduz a participação como uma forma de conseguir recursos para a entidade, o que fragmenta e não constrói o interesse público. Por outro lado, o presente estudo mostra que a realidade está repleta de contradições e relações de força, o que demonstra que também há conselheiros que procuram fazer do CMAS um espaço democrático. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste estudo foi analisar a gestão descentralizada e participativa da assistência social no município de Guarapuava, identificando a potencialidade dos espaços de controle social. Assim, foi possível identificar que a gestão social emergente possui duas tendências paradoxais. A primeira indica o incentivo da responsabilidade da sociedade civil na execução dos serviços e, por conseqüência, o retrocesso das políticas sociais. Esta tendência, de perspectiva neoliberal, incorpora elementos do discurso democrático, porém com outra lógica: “menos” Estado e “mais” sociedade. A segunda tendência, de perspectiva democrática, indica o fortalecimento do Estado e da participação da sociedade civil no planejamento, implementação e fiscalização das políticas sociais. Além disso, produz os resultados esperados pela sociedade civil, uma vez que é nesta esfera que surgem as demandas e necessidades dos cidadãos. A área da assistência social se desenvolveu, no Brasil, nas relações entre Estado e sociedade civil, pois, se estruturou por meio da atuação das entidades privadas, com o Estado resistindo em transformar a assistência social em política pública, o que acontece apenas com a Constituição Federal de 1988 e com a LOAS, de 1993. No município de Guarapuava, os documentos analisadas e as observações das reuniões do CMAS indicam a confluência do projeto neoliberal e do projeto democrático na gestão. Assim, a gestão apresenta nuances da perspectiva democrática quando consideramos: a possibilidade de abertura do gestor ao diálogo; a existência formal do CMAS, com a realização de reuniões periódicas, tendo como presidente um representante do segmento sociedade civil. Soma-se a isso a aprovação dos instrumentos de gestão pelo respectivo conselho, dando publicidade as decisões da área. As falas dos conselheiros nas reuniões mostram, ainda, que existe uma potencialidade para o processo de aprofundamento das discussões e decisões políticas com participação da sociedade civil. No entanto, a concretização do processo de descentralização com participação da sociedade civil encontra alguns limites, tais como: a recusa da partilha do poder pelo órgão gestor, que acarreta na prevalência dos interesses privados em relação aos interesses coletivos; fragilidade de entendimento do real papel dos espaços de controle social pelo poder público, o que tem contribuído para a precarização do processo de institucionalização das deliberações das conferências. Outro elemento que observado se refere ao fato de que as orientações dos instrumentos técnicos de gestão são elaboradas por outras esferas de governo, o que pode reforçar a aparência técnica deste processo, em detrimento de sua dimensão política. Assim, a construção e a aprovação de tais instrumentos adquirem uma dimensão legalista, perdendo em partes sua finalidade democrática e sua habilidade em orientar a execução da política. No que tange a relação com a perspectiva neoliberal, entre os desafios na área da assistência social está a participação das entidades e organizações da assistência social com primazia na execução das ações e dos serviços sociais, recebendo incentivos do Estado com a concessão de subvenções sociais e a aceitação do “voluntariado” e “doação afetiva” como elementos de mediação em detrimento dos direitos sociais. Disso tudo, este estudo aponta que o aprimoramento da gestão descentralizada e participativa da assistência social depende de novas relações entre Estado e sociedade civil, com a articulação dos espaços de controle social e os instrumentos de gestão. Para isso, é necessária capacitação continuada para conselheiros e profissionais da área, realização de diagnóstico. E ainda, o CMAS precisa criar comissões voltadas à gestão e ao monitoramento dos serviços prestados na área tanto pelo poder público quanto da sociedade civil. Além disso, a valorização das deliberações das conferências e, por fim, a integração do trabalho em rede precisa superar a concessão de subvenções sociais e o Estado deve assumir a sua responsabilidade pelos serviços públicos, entendendo-os como direito social. REFERÊNCIAS BAPTISTA, M. V. Planejamento Social: Intencionalidade e Instrumentação. São Paulo: Veras Editora, 2000. BRASIL. Constituição Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado 2005. CARVALHO, M. do C. 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