Artigo de Revisão Protocolo pré-radioterapia de cabeça e pescoço Laurindo Moacir Sassi1 Rosilene Andrea Machado2 Head and neck pre-radiotherapy protocol RESUMO ABSTRACT Analisando a ocorrência das complicações pós-radioterapia, verificou-se a necessidade de instituir-se um protocolo de atendimento aos pacientes com indicação de tratamento radioterápico na região de cabeça e pescoço. Previamente, os pacientes devem ser submetidos a consultas odontológicas para a instrução a respeito dos efeitos da radiação ionizante sobre as estruturas bucais. Esse artigo tem por objetivo descrever o protocolo de atendimento Odontológico aos pacientes submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço utilizado pelo serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba. By throughly analyzing the incidence of post-radiotherapy complications, we have noticed it is strongly advisable to establish a specific protocol for attending those patients who have been appointed to radiotherapy treatment in the neck and head areas. Prior to the beginning of the therapy, the patients should have an appointment with an odontologist in order to receive instruction on the effects of ionizing radiation on oral structures. In the present paper, we describe the protocol of odontological examination of patients undergoing head and neck radiotherapy employed by the service of Buco-maxillo-facial Surgery and Traumatology of Erasto Gaertner Hospital, in Curitiba, Paraná, Brazil. Descritores: Radioterapia. Mandíbula. Maxila. Boca. Xerostomia. Candidíase. Mucosite. Cárie Dentária. Ageusia. Trismo. Osteorradionecrose. Key words: Radiotherapy. Mandible. Maxilla. Mouth. Xerostomia. Candidiasis. Mucositis. Dental Caries. Ageusia. Trismus. Osteoradionecrosis. INTRODUÇÃO O avanço tecnológico nos tratamentos radioterápicos tem aumentado a sobrevida dos pacientes portadores de tumores. A radioterapia está sendo largamente difundida como tratamento para pacientes portadores de tumores de cabeça e pescoço, aumentando a responsabilidade do cirurgião dentista frente a esses pacientes1. Para a radioterapia ser usada, é necessário observar o estádio do tumor, a localização, se é radiosensível, as condições gerais do paciente e se este está disposto a aceitar e colaborar com o tratamento, pois deve ser informado sobre seus efeitos colaterais. Os tumores que respondem melhor terapia são pequenos, exofíticos, bem vascularizados e bem oxigenados. Aqueles que não são muito vascularizados, ulcerados, infectados, nodulares e infiltrativos, normalmente não respondem bem ao tratamento radioterápico1. A região na qual o tumor é irradiado é conhecida como campo de radiação. O ponto central do tumor receberá a dose préestabelecida pelo radioterapeuta e os tecidos adjacentes receberam doses menores de radiação1. São várias as complicações provenientes da radioterapia de cabeça e pescoço e todos irão influenciar na qualidade de vida do paciente, pois causarão sintomatologia dolorosa limitando a ingestão de alimentos, levando a uma perda nutricional, piorando, assim, o quadro clínico e podendo levar a uma interrupção na terapia. Essas complicações também irão depender da dose que o paciente irá receber, se a exposição será uni ou bilateral e do fracionamento da dose. As doses variam de 5000 a 7000 cGy, dependendo do tumor e da rotina hospitalar aplicada. A dose diária é normalmente 200 cGy/dia por 5 dias/semana. A natureza da radiação também influenciará sobre a dose e conseqüentemente sobre as complicações1. Como complicações mais comuns podemos citar: 1) Xerostomia: é a mais comum. Varia de acordo com a dose e a localização do campo irradiado. Mais de 50% do fluxo salivar normal pode ser perdido na primeira semana, chegando até 95% ao longo do tratamento. Pode ser receitado lubrificantes bucais e/ou saliva artificial. 2) Mucosite: é uma úlcera pouco profunda, que pode ser causada por redução da lâmina basal, com subsequente perda do epitélio, podendo ser comparada às escaras na pele2-6. Os primeiros sintomas são: eritema, edema, sensação de ardência, aumento da sensibilidade ao calor e às comidas temperadas. Essas áreas eritematosas podem se desenvolver em placas elevadas, brancas e descamativas e, em subsequentes úlceras dolorosas, acompanhadas de desconforto bucal, dor severa e disfagia2-5,7,8. Do ponto de vista do paciente, a mucosite bucal é uma das mais estressantes complicações das terapias contra o câncer3. As lesões desenvolvem-se mais comumente no soalho 1) Doutor pelo Curso de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Chefe do Serviço de Cirurgia e Traumatoloiga Buco-Maxilo-Facial do Hospital Erasto Gaertner (Hospital do Câncer) – Liga Paranaense de Combate ao Câncer, Curitiba/PR, Brasil. 2) Cirurgiã Buco-Maxilo-Facial; Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil. Instituição: Serviço de Cirurgia e Traumatoloiga Bucomaxilofacial do Hospital Erasto Gaertner (Hospital do Câncer) – Liga Paranaense de Combate ao Câncer, Curitiba/PR, Brasil. Correspondência: Laurindo Moacir Sassi, Av. 7 de setembro, 4698/1805 – 80240-000 Curitiba/PR, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/06/2008; aceito para publicação em: 10/02/2009; publicado online em: 15/08/2009. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 208 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 208 - 210, julho / agosto / setembro 2009 da boca, língua, bochechas e palato mole. Essas transformações clínicas podem atingir níveis tão avançados que comprometem a qualidade de vida do paciente, pois dificultam a mastigação e a deglutição, chegando a ponto do paciente necessitar de nutrição parenteral, o que muitas vezes leva à necessidade de interrupção do tratamento radioterápico, comprometendo a eficácia do mesmo e interferindo na resposta loco-regional do tumor5,7,8-11. O método profilático básico em pacientes submetidos ao tratamento oncológico consiste nos cuidados com a higiene bucal. Um pré-tratamento meticuloso incluindo restaurações, tratamento periodontal, confecções de próteses bem adaptadas, deve ser feito pelo menos três semanas antes de iniciar o tratamento. Isso tem demonstrado uma diminuição na incidência e na duração da mucosite4,12. Após o início da mucosite, vários são os tratamentos propostos visando minimizar a dor e melhorar a qualidade de vida do paciente, dentre eles podemos citar: analgésicos de uso tópico e sistêmico, os enxaguatórios bucais à base de clorexidina 0,12%, bicarbonato de sódio, extrato de plantas como a camomila e a mirra, o PVPI (polivinil pirilidona), solução salina, o magnésio e a benzidamida; medicamentos de uso tópico como o sucralfato, o nitrato de prata, a nistatina, o peróxido de hidrogênio; o beta caroteno, as vitaminas C e E, as prostaglandinas e o pentoxifiline de ação sistêmica; ainda, a crioterapia (terapia com gelo) que resulta em uma significante diminuição na incidência e na severidade da mucosite bucal e o laser de baixa intensidade3-5,7,11-15. 3) Fibroses e trismos: não aparece imediatamente, mas ocorre progressivamente durante o tratamento radioterápico e após esse. Como tratamento, é importante associar a radioterapia um cuidadoso acompanhamento de fonoterapia e/ou fisioterapia16. 4) Dermatite de radiação: ocorre progressivamente e tem severidade variada. Muitos agentes tópicos podem interferir na dose irradiada. A dermatite melhora no final do tratamento radioterápico. Pode haver perda de pelos cabelos e mudança na coloração da pele no local que recebeu a radioterapia17. 5) Cárie de radiação: a radiação faz uma ação sobre os odontoblastos que causam a diminuição da dentina reacional e tornam o esmalte mais vulnerável à cárie. Ocorre também um aumento do número dos microorganismos cariogênicos. Essa cárie de radiação é de progressão rápida e tem início no colo dental17. 6) Candidose: com o tratamento radioterápico, há uma alteração da microflora bucal e também um aumento da quantidade de fungos na região. É recomendável que os pacientes usem antifúngicos tópico (Nistatina) ou sistêmicos (Azole). 7) Osteoradionecrose: é a mais grave das complicações, pois ocorre logo após o procedimento radioterápico ou até mesmo muitos anos após sua conclusão. É um processo inflamatório crônico formando uma lesão infiltrativa devido à morte celular por transferência de energia radiante. Inicia-se na parte central do osso e faz formação tardia de sequestro e necrose devido à trombose dos vasos sanguíneos. Ocorre sempre em pacientes que foram submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço e que necessitaram de tratamento odontológico (tratamento periodontal, extrações, cáries extensas) na região irradiada. Também pode ocorrer em pacientes vítimas de infecção e trauma na porção irradiada da face. Os pacientes que preservam o hábito de fumar e de consumir bebidas alcoólicas estão mais susceptíveis a esta condição. Para o tratamento da osteorradionecrose deve-se solicitar ao paciente uma higiene bucal rigorosa para realizar posterior debridamento de tecido mole e remoção das espículas ósseas (osso com necrose). Podem-se utilizar antibióticos (Ciprofloxacina) e a terapia de oxigênio hiperbárico. 8) Perda do paladar: ocorre quando as doses radioterápicas são maiores que 3000cGy por afetar a mucosa lingual. O salgado e o amargo são os mais afetados levando o paciente a perder a vontade de comer. O paladar pode retornar após completado o ciclo de radioterapia. Protocolo pré-radioterapia de cabeça e pescoço Analisando a ocorrência dessas complicações, verificou-se a necessidade de instituir um protocolo de atendimento aos pacientes com indicação de tratamento radioterápica na região de cabeça e pescoço. Previamente ao início deste, os pacientes foram submetidos a consultas odontológicas para a instrução a respeito dos efeitos da radiação ionizante sobre as estruturas bucais. O protocolo era então realizado, incluindo as extrações dentárias em áreas expostas a radiação, de maneira menos traumática possível, sem deixar espículas ósseas, com o máximo de fechamento do retalho. A radioterapia pode ser iniciada oito dias após a realização destes procedimentos. Sequência de procedimentos: 1. Avaliação da condição clínica; 2. Tratamento clínico necessário concluído pelo menos oito dias do início da terapia (exodontias, endodontias, restaurações, periodontia, próteses fixas); exodontia nos dentes presentes na área irradiada (acima de 4000cGy) nos pacientes adultos, com rigoroso fechamento do sítio com a sutura da mucosa (alveolectomia) e em pacientes socialmente desfavorecidos17. A exodontia deve ser realizada em menor número de dias possíveis, realizando regularização ou alveoloplastia, evitando espículas ósseas, facilitando a coaptação das bordas gengivais através de suturas18. As cristas ósseas, após receberem radioterapia, não sofrerão processo de remodelação, com isso, provocam isquemia da mucosa, sendo potencialmente uma fonte para a osteorradionecrose. Nos paciente pediátricos em fase de dentição mista, devem-se fazer exodontia dos dentes em esfoliação, restaurações, orientações de rigorasa higiene bucal, bochecho com flúor e com Clorexidine 0,12%. Pacientes com mucosite leve e moderada podem fazer bochecho com hidróxido de alumínio; chá de camomila; chá de malva e aplicação de gelo local. Pode ser realizada também a laserterapia de baixa intensidade para pacientes com mucosite. Nos pacientes que apresentarem mucosite moderada a severa, deve-se cancelar o bochecho com Clorexidine e com flúor e manter com laserterapia. 3. Aguardam-se oito dias para liberar para inicio da radioterapia; 4. Suspender o uso de prótese total ou prótese parcial removível; 5. Bochecho com solução de fluoreto de sódio 1% por 3 minutos, uma vez ao dia durante o tratamento (se o paciente for dentado); em pacientes que apresentarem mucosite moderada a severa, deve-se cancelar esse bochecho e fazer apenas laserterapia; 6. Realizar 10 bochechos diários com solução salina 0,9%; (água morna com sal) durante aplicação de radioterapia; 7. Três bochechos ao dia com solução de Clorexidina 0,12% por 1 minuto; em pacientes que apresentarem mucosite moderada a severa, deve-se cancelar este bochecho e fazer apenas laserterapia; 8. Evitar o álcool e o tabaco; 9. Evitar alimentos muito quentes ou muito condimentados; 10. Em caso de candidose, pode ser usada Nistatina suspensão oral (Nistatina solução 500.000 a 1.000.000U VO 3-5 x/dia por 5-7 dias); 11. Uso de saliva artificial ou lubrificantes no pós-radioterapia como Glicerina 2/8 de água com 3 bochechos diários; 12. Acompanhamento do paciente por um profissional da odontologia durante e após todo o tratamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a utilização desse protocolo, procura-se diminuir ao máximo a ocorrência e a gravidade das complicações da radioterapia. Observa-se também a indispensável participação do cirurgião dentista na equipe multidisciplinar para tratamento Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 208 - 210, julho / agosto /setembro 2009 209 do paciente oncológico com indicação de tratamento radioterápico de cabeça e pescoço. REFERÊNCIAS 1. Engelmeier RL, King GE. Complications of head and neck radiation therapy and their management. J Prosthet Dent. 1983;49(4):514-22. 2. Lopes MA, Coletta RD, Alves FA, Abbade N, Rossi Jr A. Reconhecendo e controlando os efeitos colaterais da radioterapia. Rev APCD. 1998;52(3):241-4. 3. Karthaus M, Rosenthal C, Ganser A. Prophylaxis and treatment of chemo- and radiotherapy-induced oral mucositis - are there new strategies? Bone Marrow Transplant. 1999;24(10):1095-108. 4. Andrews N, Griffiths C. 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