A definição das novas políticas sociais e públicas - UNESP

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ – UNIFEI.
INSTITUTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO E GESTÃO – IEPG.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIAS
E SOCIEDADE – PPG – DTecS.
OTÁVIO CÂNDIDO DA SILVA JÚNIOR
ADILSON DA SILVA MELLO
CARLOS ALBERTO MÁXIMO PIMENTA
OTHONIEL FRANCISCO GODOY MOLLICA
A DEFINIÇÃO DAS NOVAS POLÍTICAS SOCIAIS E PÚBLICAS NA
RECONFIGURAÇÃO DO NOVO PAPEL DO ESTADO NO SÉCULO XXI: PARA
ALÉM DA DEMOCRACIA LIBERAL-BURGUESA-CAPITALISTA ENQUANTO
EXERCÍCIO MONOLÍTICO DO PODER POLÍTICO E DA CIDADANIA.
Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:
aproximando agendas e agentes.
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP).
A DEFINIÇÃO DAS NOVAS POLÍTICAS SOCIAIS E PÚBLICAS NA
RECONFIGURAÇÃO DO NOVO PAPEL DO ESTADO NO SÉCULO
XXI:
PARA
ALÉM
DA
DEMOCRACIA
LIBERAL-BURGUESA-
CAPITALISTA ENQUANTO EXERCÍCIO MONOLÍTICO DO PODER
POLÍTICO E DA CIDADANIA.
“O que nós queremos de fato,
É que as ideias voltem a ser perigosas”.
Pichação nos muros de Paris em 1968
“Onde existe a propriedade privada, onde todo mundo avalia as coisas em
relação ao dinheiro, dificilmente é possível estabelecer, nos assuntos públicos, um
regime que seja ao mesmo tempo justo e próspero.
Thomas Morus [filósofo inglês em A Utopia]
Diante de um título um tanto quanto muito ambicioso, devemos começar por
precisar melhor os termos que o constitui para que consigamos “deslizar” pelo texto
sem muitos “arranhões” teóricos.
Primeiramente é importante dizer que fomos buscar em Bobbio (1994 – p.
401) nossa definição de Estado, como Estado Contemporâneo, permeado pela
contradição entre Estado de Direito e Estado Social, o que faz com que “(...) A forma
do Estado oscila, assim, entre a liberdade [Direito] e a participação [Social] (E.
Forsthoff, 1973)”.
Por política pública estamos entendendo ser
“(...) as decisões que envolvem questões de ordem pública
com abrangência ampla e que visam à satisfação do interesse
de uma coletividade. Podem também ser compreendidas como
estratégias de atuação pública, estruturadas por meio de um
processo decisório composto de variáveis complexas que
impactam na realidade. São de responsabilidade da autoridade
formal legalmente constituída para promovê-las (...) (CASTRO,
2012, p. 390)
Quando nos referimos à política social, estamos entendendo esta como uma
parte
substancial
das
políticas
públicas,
ou
seja,
ações
governamentais
desenvolvidas por meio de programas existentes nas leis orçamentárias, a saber, o
Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei do
Orçamento Anual – LOA – que proporcionam a garantia de direitos e condições
dignas de vida ao cidadão de forma equânime e justa. Dentre as mais importantes,
tradicionalmente falando, temos aquelas que asseguram à população o exercício
dos direitos da cidadania, tais como a Educação, a Saúde, o Trabalho, a Assistência
Social, a Previdência Social, a Justiça, a Agricultura, o Saneamento Básico, a
Habitação Popular e o Meio Ambiente.
Obviamente que essa visão de política social vai na contramão da visão
liberal capitalista de política social que segundo Castel (2010 – p. 304), “(...) A
aposta do liberalismo vai ser a de tentar fazer com que uma política social completa
se mantenha dentro desse espaço [moral pública] que é ético, e não político. (...)”.
Mais à frente, esse mesmo autor, nessa mesma obra, tornará mais explicita a visão
liberal da política social, segundo o qual,
“(...)
A
política
social
que
preconizam
não
é
da
responsabilidade do governo, mas da responsabilidade dos
cidadãos esclarecidos, que devem assumir voluntariamente o
exercício da proteção das classes populares”. (CASTEL, 2010,
p. 314).
Ou seja, essa visão é consequência da máxima liberal: “governa-se mal
quando se governa demais” J. E. M. Portalis. Segundo N. Murard em [A Proteção
Social], “Pode-se pensar que o século XIX, até 1914, não produziu senão discursos”
em matéria de política social. Mas, segundo Castel,
(...) com a condição de acrescentar que esses “discursos” vão
tornar possível uma reestruturação da ordem jurídica e,
sobretudo, das relações entre o patrimônio e trabalho, a qual
representa a grande transformação do século XX em matéria
de políticas sociais. (CASTEL, 2010, p. 381-382).
Em relação à temática da democracia, nossa discussão exige que façamos a
contraposição entre a democracia liberal e a democracia socialista, aquela ancorada
na liberdade individual e a sua relação com o Estado tendo no sufrágio universal o
ponto de chegada como muito bem nos coloca Bobbio (1994 – p. 323-324), “(...)
aquela liberdade de que são manifestações concretas as liberdades civis e a
liberdade política (ainda que não necessariamente estendida a todos os cidadãos)
(...)” enquanto a democracia socialista tem suas bases em
(...) alguns temas da democracia direta e através da solicitação
de que a participação popular e também o controle do poder a
partir de baixo se estenda dos órgãos de decisão política aos
de decisão econômica, de alguns centros do aparelho estatal
até à empresa, da sociedade política até à sociedade civil pelo
que se vem falando de Democracia econômica, industrial ou da
forma efetiva de funcionamento dos novos órgãos de controle
(chamados “conselhos operários”), colegial [ado], e da
passagem do autogoverno para a autogestão. (BOBBIO, 1994,
p. 324-325)
Em segundo lugar há que se questionar se realmente é possível se (re)
configurar novas políticas sociais e públicas para além dos marcos da democracia
liberal-burguesa-capitalista existente? Ou seja, seria possível uma (re) configuração
de novas políticas sociais e públicas para um Estado que, ainda, não existe, que
está em processo de constituição, por uma nova práxis política, que não aquela
implementada pela burguesia nos dois últimos séculos, XIX e XX, em que fora
hegemônica? O que necessitamos hoje é de uma Reforma ou uma Revolução do
Estado?
Não é somente a modernidade que está em crise, como nos afirma Touraine
(2009), o Estado, segundo Wanderley (1997) e a democracia segundo Bauman
(2012), enquanto partes constituintes desta, também se encontram em crise no
século XXI.
Importante se faz, também, clarearmos o que denominamos de crise.
Segundo Bobbio (1994 – p. 303),
Chama-se Crise a um momento de ruptura no funcionamento
de um sistema, a uma mudança qualitativa em sentido positivo
ou em sentido negativo, a uma virada de improviso, algumas
vezes até violenta e não prevista no módulo normal segundo o
qual se desenvolvem as interações dentro do sistema em
exame. As Crises são habitualmente caracterizadas por três
elementos. Antes de tudo, pelo caráter de subitaneidade e por
vezes de imprevisibilidade. Em segundo lugar, pela sua
duração normalmente limitada. E, finalmente, pela sua
incidência no funcionamento do sistema. A compreensão de
uma Crise se funda sobre a análise de três fases do estado de
um sistema: a fase precedente ao momento em que se inicia a
Crise, a fase da Crise propriamente dita e, por fim, a fase
depois que a Crise passou e o sistema tomou um certo
“módulo” de funcionamento que não se identifica mais com o
que precedeu a Crise. Para uma conceptualização mais
precisa, é necessário, além disso, ter em vista três aspectos: a
identificação do início e das causas do acontecimento que deu
origem à Crise e, em particular, se se trata de acontecimento
interno ou externo ao sistema, recente ou longínquo no tempo;
a disponibilidade para a resposta à situação de Crise e, em
particular, se limitada, média ou ampla; e a importância relativa
da colocação em jogo para os atores políticos e para os
membros do sistema.
Indo
diretamente
à
discussão
que
nos
propusemos,
necessita-se
urgentemente do aprofundamento de medidas já implementadas em algumas áreas
da sociedade, como a área de softwares livres ou abertos, para outras áreas da
sociedade, como a de patentes das sementes bem como a das patentes dos
remédios reivindicadas, respectivamente, pela indústria de alimentos e a de
fármacos. Urgente se faz seguir o exemplo dos softwares livres em relação aos
softwares proprietários no campo destas patentes, uma vez que as mesmas são
uma espécie de “apropriação indébita”, no dizer de Alperovitz e Daly (2010), pelo
mercado e pelo capital, do conhecimento humano historicamente acumulado, que
não pode e nem deve ser apropriado por ninguém, muito menos pelas grandes
corporações internacionais, uma vez que se trata de conquistas sociais e, como tais,
devem ser revertidas para a sociedade sem custo algum.
Neste sentido, é preciso ousar, mais do que isso, precisamos exercitar o que
nos fala Bobbio (1987), o direito à desobediência civil, o direito à resistência, à
rebelião para por fim à dinastia do mercado, na definição do caráter da democracia.
Caso contrário, corremos o risco de produzir, em matérias de políticas sociais e
públicas, mais da mesmice de sempre, ou seja, de utilizarmos o aparelho do Estado
como um instrumento de controle social que beneficia, de maneira direta ou indireta,
a classe que o controla, no caso, a classe dominante burguesa, ou que dele se
utiliza como agenciador dos seus negócios, ou seja, para acumular seu capital,
conforme vimos em Therborn (2009).
Nós podemos e devemos encontrar meios, ou se preferir, canais de
participação alternativos, com a junção da televisão e da telefonia com a Internet,
claro que não seguindo o modelo de regulação destes, imposto pela Organização
Mundial do Comércio – OMC – e pela Organização Mundial de Propriedade
Intelectual – OMPI – que reduz tudo à visão do mercado, para fazer aprofundar a
democracia, para fazer com que ela perca seu caráter formal de igualdade de
direitos e passe a ter na igualdade de condições sociais, seu princípio fundamental,
a exemplo do que foi expresso por Boron (2003 – p. 46) quando afirma:
(...) situação esta que foi não só sonhada por autores
marxistas, como Rosa Luxemburgo, se não também por outros,
como Alexis de Tocqueville, totalmente alheios a essa tradição
intelectual, porém, para quem o formalismo procedimentalista
das versões contemporâneas da teoria democrática resultaria
completamente inaceitável”.
Temos a compreensão de que a maneira que a política está estruturada hoje,
ainda, é arcaica. A estrutura de partidos que galgam chegar ao poder a qualquer
custo, é de uma competição atroz, que muitas vezes resulta na corrupção, no
nepotismo, no clientelismo dentre outras formas desviantes da política “sadia”, nada
republicanas, mas que deve ser modificada, imitando os novos suportes do mundo
virtual que é de cooperação. A atuação política deve privilegiar a transformação da
sociedade em primeiro plano, a exemplo do que se propõe a fazer o Exército
Zapatista de Libertação Nacional – EZLN – no México, e não colocar o poder como
meta para, só aí, então, por meio das políticas sociais e públicas, buscar a
transformação da sociedade. Segundo Wanderley (1997 – p. 79),
Por sua expressividade, o Movimento Zapatista, no México,
com ações bem originais (na mídia e na Internet) conjugadas
com outras clássicas, repõe esse componente da secular
questão social não resoluta, mexe com as consciências e
adquire visibilidade política (inter) nacional, exigindo novas
estratégias das sociedades civis e dos Estados.
Trata-se de um avanço em relação ao Estado de Justiça Social de que nos
fala Bobbio (1987), cuja função era aquela de corrigir a deformação capitalista em
benefício das classes menos favorecidas.
Neste último caso, existem muitos fatores que atravessam e emperram o
processo democrático, como a juridicialização da política, decorrente da disputa
entre os três poderes, a descontinuidade das políticas públicas, fruto da alternância
de partidos e mesmo de pessoas no poder, dentre muitas outras. E hoje, sobretudo,
conforme nos ensina Bauman (2012), esse divórcio entre política e poder se dá pelo
fato do Estado Nacional ser uma representação política que não possui mais poder,
uma vez que este foi transferido para uma escala supranacional devido à
internacionalização do capital. Isto faz com que a democracia local entre em crise,
as pessoas deixam de crer nela, ou pelo menos, há uma perda considerável de sua
qualidade, uma vez que o Estado passa a subcontratar funções que ele [Estado]
deveria desempenhar. Ou ainda, como nos diz Boron (2003 – p. 43),
(...) Vejo direitos se converterem em mercadorias cujo desfrute
deixou de ser uma responsabilidade dos governos e passam a
depender, graças às desregulamentações e privatizações de
áreas inteiras de gestão governamental, dos bolsos dos
cidadãos.
Como dirá Sader (2009 – p. 126),
Enquanto isso, o caráter mínimo do Estado só está presente na
deterioração das políticas sociais, no caráter de maiores
geradores de desemprego que esses Estados assumem, no
congelamento dos salários dos funcionários públicos, no
enfraquecimento generalizado da educação pública, da saúde
pública, etc. Por isso falamos de Estado mini-maxi: máximo
para o capital, mínimo para o trabalho. (g.n.).
A solução apontada por Bauman (2012) e Negri (2011), apesar de
representarem matrizes intelectuais tão distintas, será a constituição de uma
democracia global, uma vez que o Estado-Nação não conseguirá sozinho, dar conta
da democracia, justamente por estar esvaziado de poder, agora deslocado para a
esfera da internacionalização financeira.
Difícil fazer uma análise do papel do Estado, por nós vivenciados, sob novas
bases interpretativas sem, no entanto, discutir a questão do seu interessante
apequenenamento por parte das grandes corporações internacionais, por meio do
que se convencionou denominar de Reforma do Estado, pois, segundo Boron,
(...) Se conseguiu precisamente aquilo que se buscava, [ou
seja], debilitar os Estados da periferia [do sistema] para
fortalecer os Estados mais desenvolvidos. Dessa maneira, se
[cria] um espaço onde as grandes empresas multinacionais
[operam] sem restrições impondo, elas mesmas, suas próprias
regras do jogo. (BORON, 2003, p. 36).
Ou ainda, segundo Wanderley,
(...) a reforma do Estado, como vem sendo entendida pelos
governantes, e os planos propostos não tem favorecido um
processo efetivo de publicização. De resto, com a transferência
de programas sociais para a iniciativa, a qual em poucos casos
consegue superar o mero assistencialismo, tudo contribui para
evitar um enfrentamento firme da questão social. (g.n.).
(WANDERLEY, 1997 – p. 113)
Entendemos por questão social, no presente trabalho,
(...) uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade
experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco
de sua fratura. É um desafio que interroga, põe em questão a
capacidade de uma sociedade (o que, em termos políticos, se
chama uma nação) para existir como um conjunto ligado por
relações de interdependência. (CASTEL, 2010, p. 30).
Da mesma forma, também é difícil fazer essa análise do papel do Estado sem
ver a “velha” questão social, aquela surgida no século XIX, como nos fala Pastorini
(2010), ainda que recheada das “(...) novidades nas [suas] manifestações imediatas
(...)” uma vez que o trabalho não acabou, pelo menos como nos ensina Antunes
(1997 – p. 98), enquanto “(...) universo da sociabilidade humana, do trabalho
enquanto concreto, que cria coisas socialmente úteis ao criador”.
Segundo Pastorini, é
(...) Esse processo [retraimento do trabalho industrial e fabril]
ocorre lado a lado a um aumento do emprego no setor terciário
(comércio, serviços, setor financeiro etc.) conjuntamente com
uma expansão do trabalho parcial, temporário, subcontratado,
precário, terceirizado, vinculado à chamada economia informal.
(PASTORINI, 2010 – p. 31).
Portanto, o trabalho não acabou apenas se reconfigurou. Esse discurso do fim
do trabalho é um transplante de ideias fora do lugar, da Europa para cá, ainda
assim, se nos referirmos apenas e tão somente ao trabalho industrial e fabril que
devido ao processo de internacionalização do capital fez com que as indústrias e
fábricas europeias fossem transferidas para os países periféricos ou em
desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Segundo Antunes (2012), essa “nova
morfologia do trabalho” leva necessariamente à “nova morfologia dos movimentos
sociais”.
Nesse sentido temos que discutir a respeito do futuro do trabalho ou do
trabalho do futuro como na visão de Dowbor (2004) segundo a qual,
(...) uma vida cheia de sentido fora do trabalho supõe uma vida
dotada de sentido dentro do trabalho. Não é possível
compatibilizar trabalho desprovido de sentido com tempo
verdadeiramente livre. (...) Em alguma medida, a esfera do
trabalho estará maculada pela desefetivação que se dá no
interior da vida laborativa. (DOWBOR, 2004 – p. 44)
E como nos diz Vidal, “( ) A precariedade das condições de vida também não
permite aos mais desfavorecidos uma participação ativa na vida política. É, portanto,
inegável que a prática da cidadania democrática pressupõe, no Brasil, uma melhor
distribuição da renda”. (2003 – p. 267). Mais do que isso, segundo Souza (2012 – p.
179), “(...) a sua generalização [do “habitus precário”] como fenômeno de massas
em sociedades periféricas, como a brasileira, é suficiente para condenar cerca de
1/3 de uma população de 170 milhões de pessoas a uma vida marginal nas
dimensões existencial, econômica e política”. Enfim, retomando o mesmo Vidal, “(...)
O que constitui, afinal, a especificidade do Brasil é que a importância conferida à
plena vinculação social parece desligada da ideia de participação política”. (2003 –
p. 281). A questão que permanece é como falar de cidadania ativa num quadro
desses?
Considerações Finais.
“Caminhante não há caminho,
O caminho se faz ao caminhar”.
Antonio Machado [poeta sevilhano, espanhol].
“Segurança sem liberdade é escravidão,
Liberdade sem segurança é o completo caos.”
Zygmunt Bauman [sociólogo polonês]
Um outro Estado é possível, sem corrupção, uma vez que o próprio Boron
(2003 – p. 41) afirma que “Não há evidência demasiada sólida que indique que o
nível de corrupção dos Estados seja maior do que as empresas. (...)”, ou seja, o
combate à corrupção não pode prescindir do combate ao corrupto, sem o mesmo
rigor do que o combate contra o agente corruptor, ou seja, da corrupção empresarial.
Ou ainda, como nos fala Souza (2012 – p. 184), “(...) O foco distorcido e
exagerado de ‘cruzadas contra a corrupção’, como se esse não fosse um problema
de qualquer sociedade moderna, seja central ou periférica (...) sem, contudo,
esquecer que a “contradição básica das sociedades periféricas, como a brasileira”,
(...) tem a ver com a constituição de uma gigantesca ‘ralé’ de
inadaptados às demandas da vida produtiva e social modernas,
constituindo-se numa legião de ‘imprestáveis’, no sentido
sóbrio e objetivo deste termo, com as óbvias consequências,
tanto existenciais, na condenação de dezenas de milhões a
uma vida trágica sob o ponto de vista material e espiritual,
quanto sociopolíticas como a endêmica insegurança pública e
marginalização política e econômica desses setores. (p. 184).
Um outro Estado é possível sem a injustiça social, compreendida aqui nos
mesmos termos de Vidal (2003, p. 270), ou seja, sem a “(...) brutalidade policial,
[sem o] mau atendimento que recebem no serviço público e [sem as] atitudes
condescendentes por parte de quem ocupa cargos importantes (...)”; sem a ditadura
do mercado sobre o social; um Estado cuja a base estruturante seja a solidariedade
e não a competição, no qual seja recuperada a utopia de Che Guevara de uma
sociedade sem o dinheiro, do comércio justo, sem intermediários, como aquele
defendido pelos movimentos sociais como a Via Campesina; no qual seja abolida,
de vez, a privatização, principalmente dos recursos naturais, como a água e a terra
e, no qual, o lixo tenha um tratamento sustentável desde a coleta seletiva, passando
pela reciclagem, reaproveitamento, redução e reutilização até a construção de
aterros sanitários ecologicamente controlados; um Estado no qual se priorize o
transporte coletivo público sobre automóvel privado, um dos principais vilões de
emissão de CO2 na atmosfera.
Um outro Estado é possível sem destruição da natureza pela voracidade do
crescimento econômico predatório a qualquer custo, sem pensar na sustentabilidade
das gerações vindouras. Até hoje, bem ou mal, o homem recebeu um legado
ambiental dos seus antepassados. A atual geração corre o risco de fazer com que
esse processo natural de transmissão de uma herança ambiental de uma geração
para outra, sofra solução de continuidade. Basta para tal que o aquecimento global
do planeta atinja 2º C para que as tragédias do clima torne a vida humana inviável
na Terra. No dizer de Boff (2011), “é preciso um pacto social associado a um pacto
natural” no qual haja uma harmonia equilibrada entre o homem e a natureza.
Necessitamos urgentemente mudarmos a matriz energética para fontes de energias
renováveis, uma vez que a atual, baseada em combustíveis fósseis, não o é. Um
Estado que tenha como meta zero o combate à fome e a miséria com políticas
públicas de geração de emprego e renda bem como de segurança nutricional e
alimentar.
Um outro Estado é possível no qual haja a redução da jornada de trabalho,
sem a redução de salários, para que todos tenham trabalho e para que o dia seja
igualmente dividido em trabalho, estudo, lazer e descanso e que os trabalhadores
sejam considerados cidadãos do mundo e não mais de apenas cidadãos da nação,
irmã siamesa do capital. Na linha do que conclui Dowbor:
(...) E o empreendimento societal por um trabalho cheio de
sentido e pela vida autêntica fora do trabalho, por um tempo
disponível para o trabalho e por um tempo verdadeiramente
livre e autônomo fora do trabalho – ambos, portanto, fora do
controle e comando opressivo do capital – convertem-se em
elementos essenciais na construção de uma sociedade não
mais regulada pelo sistema de metabolismo social do capital e
seus mecanismos de subordinação. (...) (DOWBOR, 2004 – p.
45)
Um outro Estado é possível no qual haja igualdade absoluta de condições dos
gêneros, das raças, das gerações, das opções sexuais, políticas e religiosas. Que a
educação seja completamente pública, laica, estatal e de qualidade. Enfim, que o
Estado seja maxi-mini, parafraseando Sader (2009), “máximo para o trabalho e
mínimo para o capital”.
Parece-nos claro que, um Estado assim, não será um Estado capitalista ou
algo assemelhado, neste sentido, concordamos com Wanderley (1997 – p. 131)
quando afirma que “(...) há uma questão social ampla, histórica e estrutural
irresolúvel na sua totalidade nos marcos da formação econômico-social capitalista
realmente existente. (...)”, mas sim, um Estado cujas características básicas são de
um socialismo democrático, com uma forte intervenção do Estado na economia,
pois, conforme nos diz Boron (2003 – p. 42) “(...) quando falamos do tema da
eficiência, da criatividade da empresa privada versus da empresa pública, estamos
falando e movendo-nos num terreno meramente ideológico.” (g.n.) Não há dados
que comprovem tal assertiva, muito pelo contrário, os dados apresentados pelo
autor em questão deixa a empresa privada nua em relação a esta temática, ela é
dependente do velho Estado liberal, lacaio do capitalismo.
Para finalizar, por tudo que argumentamos acima, fazemos nossas as
palavras do sociólogo Sader (2012 – p. 08), “(...) Enquanto houver o capitalismo,
existe a necessidade do anticapitalismo” e nós acrescentaríamos a necessidade da
utopia, no seu sentido mais positivo.
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