CONSTRUÇÃO, EXPERIMENTAÇÃO E ANÁLISE DE UMA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DAS FÓRMULAS DE ÁREA DE POLÍGONOS CONVEXOS Cristiane Fernandes de Souza Mestranda em Educação/UFRN Francisco Peregrino Rodrigues Neto Prof. Orientador INTRODUÇÃO: O ensino de Geometria constitui parte importante do currículo de Matemática nos ensino básico. “O estudo da Geometria é fundamental para desenvolver o pensamento geométrico e facilitar a compreensão de questões, tanto da Matemática como de outras áreas de estudo como Geografia (construção e análise de mapas), Estatística (interpretação de gráficos), História das Civilizações e nas Artes” (Lima, 1998). Assim, os conceitos geométricos propiciam aos alunos desenvolver pensamentos que permitem compreender e descrever o mundo onde vivem. Entretanto, o ensino da Geometria tem se processado, na maioria das vezes, de forma desarticulada com as outras áreas do conhecimento e até mesmo com as outras áreas da Matemática, a Álgebra e a Aritmética. Tomando como exemplo, os conteúdos de Perímetro e Área enquanto grandezas geométricas, estes se caracterizam por sua relevância social, com evidente caráter prático e utilitário. Portanto, observamos que o estudo do processo ensino-aprendizagem dos mesmos exige uma reflexão sobre o ensino da Geometria e suas articulações com a Álgebra e a Aritmética. Nos estudos sobre geometria escolar (a geometria estudada nos níveis fundamental e médio) dois problemas principais foram identificados. A organização do currículo e o fraco desempenho dos alunos (Usiskin, 1994). Quanto à organização do currículo, vemos que os livros didáticos, em sua maioria, trazem a Geometria nos capítulos finais, deixando a abordagem da mesma para os últimos meses do ano letivo, sem uma articulação com as outras áreas da Matemática. Essa falta de articulação gera obstáculos didáticos no ensino-aprendizagem dos conceitos geométricos. Esse fato pode ser observado principalmente na maneira equivocada de tratar perímetro e área, como também no cálculo da área do paralelogramo (Lima, 1995). Com relação ao fraco desempeno dos alunos, o insucesso na geometria escolar decorre, por exemplo, da forma como os conceitos e conteúdos são abordados pelos livros e pelo professor em sala de aula. Verifica-se que na maioria dos livros didáticos a abordagem enfatiza a memorização de conceitos e fórmulas sem construir um significado expressivo dos mesmos para os alunos. Os professores, por sua vez, “repassam no dia-a-dia da sala de aula a forma como aprenderam a ensinar um conceito durante sua formação acadêmica” (Duarte, 1999-pág. 3). Dentre os conceitos geométricos que devem ser estudados pelos alunos de ensino fundamental, destacamos o conceito de área, notadamente as fórmulas para o cálculo de área dos polígonos convexos. Muitas vezes necessitamos calcular a área de uma figura geométrica quando queremos fazer uma construção, pintar as paredes de uma casa, etc. O ensino da Geometria, particularmente o das fórmulas de área, ainda tem levado os alunos a um aprendizado restrito, na maioria das vezes, à simples memorização e aplicação direta dessas fórmulas. Assim, no presente trabalho, objetivamos construir, aplicar e analisar uma seqüência didática com base no estudo epistemológico e do significado matemático das fórmulas de área, conectando os domínios geométrico, aritmético e algébrico. Temos, portanto, como objeto de estudo o ensino-aprendizagem das fórmulas de área dos principais polígonos convexos (quadrado, retângulo, triângulo, paralelogramo, trapézio e losango) e como sujeitos alunos da 8ª série do ensino fundamental. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: O ensino de Matemática caracteriza-se até hoje pelos altos índices de reprovação, pela formalização precoce dos conceitos e pela excessiva importância ao treino das habilidades e aplicação mecanizada dos processos (PCN-Matemática). A metodologia de ensino que ainda exerce forte influência no ensino-aprendizagem da Matemática é a tradicional, a qual se caracteriza pela repetição mecanizada e acrítica dos conteúdos. Tal ensino antes do movimento da Matemática Moderna se dava de forma enciclopédica, ou seja, o ensino da Geometria, Aritmética, Álgebra e Trigonometria se apresentavam através de manuais didáticos estanques nos quais se esgotavam todos os conhecimentos sobre tais áreas; a Geometria, por exemplo, caracterizava-se pelo ensino lógico-dedutivo e com demonstrações rigorosas e sem nenhuma conexão com as outras áreas da Matemática. Com o movimento da Matemática Moderna, por volta dos anos 60/70, que propunha uma renovação no currículo escolar unificando os quatro campos da Matemática e tentando aproximar a matemática aplicada na escola da matemática que era estudada pelos pesquisadores, o ensino passou a caracterizar-se por ter uma preocupação excessiva com a formalização e ficando, assim, distante das questões práticas, alterando o equilíbrio enciclopédico que existia entre os campos da Matemática. A Álgebra passou a ocupar uma posição de destaque não só na sua concepção tradicional, mas principalmente em sua concepção moderna, pois os avanços da Matemática, nos dois últimos séculos, deve-se ao processo de algebrização da Matemática Clássica, tornado-a mais rigorosa, precisa e abstrata e, portanto, acreditava-se, mais aplicável (Miguel, Fiorentini e Miorim, 1992). Em relação ao ensino da Geometria, por exemplo, “os conteúdos geométricos deixam de ser vistos como potencialmente ricos quer pelo seu valor cultural, quer pela sua capacidade de possibilitar a percepção, organização e sistematização da experiência espacial dos estudantes e passam a desempenhar papel de meios úteis, mas não indispensáveis para a construção e desenvolvimento de estruturas mentais básicas da inteligência” (Miguel, Fiorentini e Miorim, 1992pág. 48). O ensino proposto era fundamentado em grandes estruturas que organizavam a Matemática e enfatizavam a teoria dos conjuntos, as estruturas algébricas, a topologia, etc. No entanto, terminou por observar-se que o que estava sendo proposto se tornava inacessível para os alunos, principalmente os das séries iniciais do ensino fundamental. A proposta do movimento modernista de algebrizar a Geometria não vingou na prática escolar no Brasil e terminou por eliminar o modelo anterior, de modo que se criou uma lacuna nas práticas pedagógicas que perdura até hoje. Se compararmos o ensino da Geometria com as outras áreas da Matemática, observamos que o primeiro está ausente ou quase ausente das salas de aula. Segundo Lorenzato (1995-pág. 4) “uma das causas da omissão da Geometria deve-se à exagerada importância que entre nós, desempenha o livro didático”. O que observamos é que na grande maioria deles, a Geometria é apresentada como um conjunto de figuras, fórmulas, nomes, propriedades sem a menor conexão histórica ou lógica. E ainda, além de tudo isso, a Geometria é apresentada no final dos livros não existindo, quase sempre, tempo letivo para abordá-la (Câmara&Câmara, 1999). Assim, a Geometria apresenta-se totalmente desligada da realidade sem interação com as outras disciplinas do currículo escolar. Foi então que, a partir do final da década de 70 e início da década de 80, os educadores e pesquisadores da matemática escolar tendo observado esses exageros e distorções passaram a se preocupar com o ensino de Matemática, o qual passou a ter novas características. Além dos aspectos cognitivos, os aspectos sociais, culturais, lingüísticos passaram a ter importância na aprendizagem Matemática. Em decorrência dessa preocupação surgiram propostas de “retorno” à Geometria, mas essas propostas não consistiam apenas na simples retomada da Geometria euclidiana, na sua abordagem clássica (axiomas, teoremas e demonstrações), nem de reafirmar o papel social que desempenha no currículo escolar, mas sim na tentativa de integrar a Geometria com as outras áreas da Matemática, a Aritmética e a Álgebra. A Geometria agora veio a ocupar o lugar de destaque que antes era ocupado pela Álgebra. Várias pesquisas vêm sendo realizadas para que a forma de se ensinar Geometria desperte no aluno o raciocínio lógico, a abstração e a generalização. No entanto, o que se observa é que a metodologia abordada nos livros didáticos, em sua maioria, ainda está vinculada à simples apresentação de propriedades, fórmulas, conceitos, etc. Dentre os recursos, o livro didático é um dos materiais que exerce forte influência na prática do ensino no Brasil. Por isso, é necessário que os professores estejam sempre atentos à qualidade, à coerência e se os objetivos educacionais propostos estão condizentes com a proposta pedagógica. No entanto, devido às más condições de trabalho do professor, altas cargas horárias semanais e, portanto a falta de tempo para planejar suas aulas, inúmeros livros didáticos de baixa qualidade estão circulando pelas escolas brasileiras. Num estudo realizado por Imenes (1989) sobre o fracasso do ensino de Matemática, na análise dos livros didáticos de Matemática foi identificada a concepção tradicional da Matemática que marca todas as séries dos ensinos fundamental e médio. Essa concepção é característica do modelo euclidiano que apresenta de maneira formal a Matemática. Podemos destacar, neste contexto, a abordagem do ensino do conceito de área e, especificamente, das fórmulas de área de polígonos convexos. O estudo de área se inicia a partir do 2º ciclo do ensino fundamental, prosseguindo para o 3º ciclo (5ª série) onde é trabalhada no capítulo de medidas e estende-se até o 4º ciclo (8ª série) onde reaparece formalmente com o estudo das fórmulas para o cálculo das áreas de superfícies planas. A área é então definida como medida de superfície, é feito um trabalho com ladrilhamento de superfícies escolhida uma unidade e, a seguir, é trabalhado o metro quadrado como unidade padrão, apresentando seus múltiplos e submúltiplos, enfocando a transformação de unidade. Na abordagem do cálculo de áreas, em geral, a ênfase é dada à memorização e aplicação das fórmulas que, na maioria das vezes, não fazem sentido para os alunos (Baltar, 1991). Observa-se também que em alguns livros de 7ª série, no estudo inicial da Álgebra, é explorada a generalização do produto das medidas dos lados do quadrado, l x l, como sendo a representação literal e geral para calcular a área de qualquer quadrado e sendo representada por l 2. O retângulo é explorado pelo produto das medidas dos lados diferentes, a x b, o qual representa a área dessa figura. Outras representações literais são apresentadas desprovidas de uma relação direta com a grandeza área. Esses fatos acima relacionados juntamente com a realidade que temos visto no cotidiano da prática escolar do ensino fundamental reforçam a necessidade de aprofundar esses estudos no sentido de buscar alternativas metodológicas que possam contribuir para redirecionar o ensino desse conteúdo. METODOLOGIA: No presente trabalho a metodologia a ser utilizada tem por característica ser uma pesquisa qualitativa participante. A pesquisa a ser desenvolvida tem a participação direta do pesquisador e contempla as fases: coleta de dados e intervenção que, no presente estudo, correspondem às aplicações de uma avaliação diagnóstica (pré-teste) e do pós-teste, e da seqüência didática, que corresponde às atividades de ensino. O ensino por atividades toma como referencial teórico o construtivismo radical de von Glasersfeld (1994) o qual apóia-se nas teorias construtivistas de Piaget. A análise qualitativa dos resultados se fundamentará na teoria de Skemp de “compreensão relacional” e “compreensão instrumental” dos conteúdos envolvidos no estudo das fórmulas de área. Assim, a metodologia está dividida nos seguintes momentos: 1º: Aplicação de um pré-teste para mapear os erros dos alunos na utilização das fórmulas; 2º: Elaboração e experimentação da seqüência didática a partir da análise dos dados referentes ao momento anterior; 3º: Aplicação de um pós-teste para verificar a eficácia da seqüência didática experimentada; 4°: Análise dos dados coletados para apresentação de resultados e conclusões. RESULTADOS ESPERADOS: Acreditamos que a alternativa metodológica a ser experimentada poderá vir a trazer melhores resultados quanto à aprendizagem do conteúdo em questão em relação à forma tradicional, visto integrar mais a Geometria com as outras áreas da Matemática e ter uma seqüência didática mais baseada no processo construtivista. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BALTAR, P. M., Pré-projeto de tese de doutoramento, Universidade de Grenoble, França, 1991. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª séries-Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998. DUARTE, J. H., Análise de uma seqüência didática para a aprendizagem do conceito de área, em alguns alunos do 3° ciclo (5ª série) do ensino fundamental. Projeto de pesquisa do Mestrado em Educação, 2 ª versão, UFPE, 1999. GLASERSFELD, Ernst von. Uma exposição do Construtivismo: por que alguns preferem-no radical. Tradução de: Francisco Egger Moellwald, professor da Unijuí. IMENES, L. M., A problemática geral do livro didático e problemas específicos do livro didático de Matemática. Anais do I Encontro Paulista de Educação Matemática. São Paulo, 1989. LIMA, I. M. S., Construção e análise de uma seqüência didática para a elaboração do conceito de ângulo utilizando o software Cabri-Géomètre. Projeto de dissertação do Mestrado em Educação, versão original, UFPE, 1998. LIMA, P. F. Considerações sobre o ensino do Conceito de Área. Anais da I Semana de Estudos em Psicologia da Educação Matemática. Recife, 1995. LOPES, A. J., Livro Didático. Velhos problemas, mesmas constatações. A hora de saltar de cima do muro! Anais do I Encontro Paulista de Educação Matemática. São Paulo, 1989. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1996. MIGUEL, A.; FIORENTINI, D.; MIORIM, M. Álgebra ou Geometria: para onde pende o pêndulo? In: Pró-Posições. São Paulo: Cortez, março de 1992. Vol. 3, nº 1[7], págs. 39-54. USISKIN, Z. Resolvendo os dilemas permanentes da geometria escolar. In: LINDQUIST, M. M.; SHULTE, A. P., organizadores. Aprendendo e Ensinando Geometria, tradução de Hygino H. Domingues. São Paulo: Atual, 1994. p.21-39.