Tantra e a Civilização Indo-ariana Shrii Shrii Anandamurti Maio de 1959 RU [Renaissance Universal], Muzaffarpur Os arianos não foram os habitantes originais da Índia atual. Quando os arianos entraram na Ìndia através da província da fronteira noroeste, eles belicosamente chamaram a população nativa, que eles derrotaram em batalhas, de “anáryas” [“não-arianos”]. A denominação “anáryas” não se referia a nenhum grupo em particular, mas sim a todos os que então eram habitantes da Índia, em geral: os mongóis, os áustricos e os dravidianos (uma mistura de áustrico e negro). Meu discurso de hoje irá dar um breve panorama da transformação que ocorreu nas civilizações destes povos depois da chegada dos arianos, e o efeito que a migração dos arianos teve sobre os próprios arianos. Eu tentarei concentrar-me particularmente na influência do Tantra sobre os arianos. O lar original dos arianos era a parte norte da Ásia Central. Por descendência, eles eram uma raça de pele clara, alta e saudável. Eles eram pessoas de natureza nômade cujo principal meio de subsistência era a caça. Quando, entretanto, tornou-se impossível para eles conseguirem comida suficiente através da caça, eles começaram a criar gado. Mas a natureza impiedosa da Ásia Central tornou insuportáveis as vidas deles: tempestades de neve diminuíam tanto a população do seu povo quanto a dos animais, e havia uma deficiência crônica de ração animal. Apenas para sobreviver, eles tinham que gastar quase todo o seu tempo juntando comida. Essa deficiência crônica aguda de comida não apenas os obrigou a fazerem esforços infindáveis, enquanto grupo, para coletarem comida e criarem gado, mas também levou a contínuas escaramuças inter-grupais e mesmo matanças. As constantes lutas durante esse período, nessa época dominada pelos kśatriyas [pessoas de mentalidade guerreira], levaram ao eventual surgimento de uma classe de intelectuais que auxiliaram grandemente a sociedade dominada pelos kśatriyas. Eles proveram os líderes kśatriyas com novas invenções e descobertas, e satisfizeram a fome mental deles ao compartilharem seu conhecimento e sabedoria. Na linguagem da época, esses intelectuais eram chamados rśis. Os líderes grupais abaixavam suas cabeças em reverência perante esses poderosos intelectuais, e seguiam os preceitos estabelecidos por eles. A sociedade costumava chamar a ideologia deles de Árśa Dharma [Religião dos Sábios]. Não pode haver dúvida de que esses rśis eram mais sábios e mais inteligentes do que o povo daquela época. Mas como a escrita ainda não havia sido inventada, não havia maneira de manter registros dos sábios discursos proferidos pelos rśis. Os discípulos dos rśis não tinham outra escolha que aprender os discursos dos rśis de cor [i.e., com o “coração”] enquanto eram pronunciados. Como esses discursos eram memorizados ao serem escutados, eles eram chamados shruti [literamente, “ouvido”]. O nível de inteligência da massa ariana naquela época era tão baixo que dificilmente merece qualquer menção. Na verdade, eles eram incapazes de compreender esses discursos profundos, e como conseqüência chamavam-nos de veda, significando “conhecimento”. Eles acreditavam que os inovadores rśis e intelectuais munis não eram homens de caráter ordinário, mas seres superiores que ouviam as palavras de sabedoria diretamente da boca dos deuses. Eles também os chamavam de draśta [visionários], porque eles “viam” com os seus próprios olhos os fenômenos sobrenaturais dos quais eles falavam, e pronunciavam com suas próprias bocas as encantações benignas e mantras que produziam aqueles fenômenos. Assim, cada compositor dos mantras védicos era chamado de visionário, e não de escritor ou compositor. Geralmente, as pessoas acreditavam que os compositores dos Vedas não eram homens, mas verdadeiramente deuses. Ainda que os Vedas fossem considerados como criações de Deus – e, como tais, infalíveis –, o teísmo ou a espiritualidade não haviam sido plenamente despertados entre os arianos daquela época. Eles apenas cantavam hinos e eulogias para apaziguar as diferentes forças naturais. Naquela época de ciência subdesenvolvida, eles pensavam que a fumaça e as nuvens no céu eram a mesma coisa. Era por isso que eles queimavam ghee 1 em fogos sacrificiais: com isso, eles queriam produzir fumaça para agradar os diferentes deuses. Eles acreditavam que a fumaça iria subir para o céu e se transformar em nuvens; que a chuva iria cair das nuvens e nutrir a terra, fazendo com que uma abundância de árvores, plantas e gramíneas germinassem; e que seus animais domésticos, fortalecidos 1 Nota do Tradutor (N.T.): Óleo obtido a partir do derretimento e purificação da manteiga. pela grama fresca, iriam se multiplicar. É por isso que yajinas [sacrifícios] eram muito comuns entre os diferentes grupos e tribos. Aquelas pessoas simples acreditavam que alguns deuses seriam propiciados pelo ghee, alguns pelo vinho, e outros pelo sangue animal. A natureza humana é tal que uma pessoa pensa que aquilo que é querido para ela deve ser querido para todo mundo. Assim, os arianos, amantes do ghee, da carne e do vinho, pensavam que tais itens alimentares também seriam apreciados pelos deuses. Em conseqüência, após cada guerra entre clãs, o chefe do clã vitorioso oferecia a comida favorita do clã para os deuses, seja em Ashvamedha Yajina [Sacrifício do Cavalo] ou em Gomedha Yajina [Sacrifício da Vaca] ou em Rájasúya Yajina [sacrífico feito por um líder soberano], etc. Cada um dos deuses e deusas dos arianos politeístas tinha a sua própria natureza, característica e váhana [montaria, no sentido de veículo] individuais. Ainda que eles fossem politeístas e adoradores da natureza, eles não adoravam ídolos – mas não porque eles compreendessem os defeitos filosóficos da adoração de ídolos, e sim porque eles careciam do senso artístico refinado necessário para se fazer ídolos. Todos os seus deuses e deusas eram figuras laicas.2 Eles surgiram das necessidades mundanas das pessoas. Portanto, a tempestade, o trovão, o relâmpago, a chuva, o sol e a lua eram todos deuses deles. Naquela época de ciência subdesenvolvida, o que eles mais temiam era a escuridão da noite, de modo que eles não apenas consideravam a noite e o entardescer como seus deuses, mas de fato também os reverenciavam. Em seu medo, eles tentavam escapar da escuridão fazendo fogo com pedras que produziam faíscas. Eles jamais ousariam desagradar a noite e o entardescer, e assim, sempre que eles faziam um fogo, eles prestavam reverências ao entardescer com o fogo, antes de fazerem qualquer outra coisa. Ao final da noite, quando o horizonte do leste brilhasse vermelho, os arianos cantavam a canção da aurora juntos. Aruńa, o mitológico condutor da carruagem do sol, com seus sete cavalos (os sete cavalos correspondiam às sete distintas cores dos raios do sol), também era um deus deles – como, de fato, também era o próprio sol. Contudo, alguns dos rśis compreendiam, de uma forma vaga – se não de uma forma clara –, a verdade de que havia uma Entidade Suprema acima desses deuses, um Controlador Supremo – o poder que era fundamental a todos os demais poderes. Este Deus dos deuses era o Brahma dos rśis. As pessoas comuns não eram familiares com a palavra Brahma. Os reis ou chefes promoviam sacrifícios com grande pompa e ostentação para apaziguar os deuses. As pessoas comuns utilizavam essas ocasiões para júbilos excitados. Como eles viviam em países frios, o vinho e a carne não eram particularmente nocivos para eles. Eles freqüentemente entretinham seus convidados com bolos de carne e vinho. As crianças recebiam mel em lugar de vinho. Na linguagem ariana daquela época, o vinho era freqüentemente chamado de “mel”. A porção mais antiga dos Vedas, o Rgveda, foi composta fora da Índia. As porções restantes – ou seja: o Yajurveda e o Atharvaveda – foram [composições] parcialmente indianas e parcialmente nãoindianas. Sámaveda não é um Veda separado em si mesmo, mas é uma compilação das porções líricas e musicais dos diferentes Vedas. Assim, somente o Rgveda pode ser considerado como uma relíquia antiga da civilização ariana não-indiana. O Yajurveda foi composto no Irã, Afeganistão, noroeste da Índia e em certas partes do que é a Rússia moderna, e portanto não pode ser considerado inteiramente não-indiano, particularmente porque o Afeganistão de então (Gándhár) e certas partes da Rússia eram consideradas como parte da Índia naquela época. A civilização rgvédica original pertencia, em espírito e linguagem, aos arianos não-indianos. Mas o Yajurveda foi composto por um ramo particular dos arianos védicos que, quando os arianos começaram mais tarde a se espalhar em busca de comida (especialmente trigo), migraram para a Índia através do Irã (Áryańya Vraja) e Afeganistão. Quando dizemos “civilização indo-ariana”, estamos basicamente nos referindo à civilização dessas pessoas. Esses arianos nômades, ao entrarem em contato com os diferentes grupos de pessoas do Irã, Afeganistão e noroeste da Índia, engajaram-se na atividade rural e desenvolveram as técnicas da guerra estratégica. O impacto deste novo pensamento cultivou neles, até certo ponto, uma inteligência refinada. No começo, durante o período rgvédico, os arianos que criavam gado somente tinham conhecimento da cevada e de alguns outros cultivares. Depois que eles chegaram ao Irã atual, eles aprenderam a cultivar trigo e, em alguma medida, arroz. Quanto mais eles progrediam em sua marcha, 2 N.T.: “Laicas”: laokik, no original. mais eles entendiam a importância de se plantar diferentes cultivares. Mesmo assim, a principal colheita deles em geral era a cevada. Eles aprenderam o cultivo do trigo com os asuras, os nativos primitivos do Irã. Ainda que eles tenham conhecido o arroz [cultivado em áreas alagadas 3], ou briihi (briihi → riihi → rihi → risi → “rice” [“arroz”], como no inglês moderno), eles não o cultivavam extensivamente. Eles aprenderam o uso de arroz cozido na Índia. O período yajurvédico testemunhou o desenvolvimento abrangente dessas pessoas e, como resultado, o desenvolvimento do Brahmaváda do Yajurveda – a doutrina do monoteísmo. Durante esta época, não apenas houve um notável desenvolvimento intelectual entre a massa geral dos arianos, entre os munis [intelectuais, ou visionários] e os rśis, mas a filosofia e a espiritualidade também alcançaram um nível brilhante de expressão. O Brahmaváda do Yajurveda foi bem mais profundo e claro do que o do Rgveda. O Atharvaveda foi inicialmente composto na Índia. Durante a composição deste Veda, os arianos entraram em contato próximo com os não-arianos, resultando em um intercâmbio de pensamentos entre ambos. Na sutil filosofia do Atharvaveda, particularmente do Nrsimha Tápańiiya Shruti, há uma influência muito maior do Tantra 4 não-ariano do que do Veda ariano. Os arianos migrantes assentaram-se primeiro nos vales montanhosos do norte da Índia. Ainda que não houvesse muita mistura de sangue entre os arianos e os habitantes dessa área, os arianos foram muito influenciados pela cultura não-ariana. Os arianos assentaram-se nesta área, que era conhecida como Kash (ou Khash), depois de subjugarem os seus antigos habitantes não-arianos. Usando o nome original, Kash, eles renomearam a área como “Kashmeru” ou “Kashmiira” 5. Ainda que os arianos da Kashmiira não houvessem abandonado o seu estudo védico, no campo espiritual eles cultivaram o nativo Tantra indiano. Devido a que a parte sul da Kashmiira estava coberta com seixos semelhantes à fruta jambu 6, os arianos nomearam-na como “Jambu Dviipa” (modernamente Jammu). Subseqüentemente, Jambu Dviipa acabou significando a Índia inteira. Possivelmente nos leitos arenosos dos muitos rios que atravessavam Jambu Dviipa, eles descobriram ouro pela primeira vez, e assim o ouro veio a ser conhecido como jámbunada. Quando, ainda depois, eles se assentaram por toda a terra da Índia, eles perceberam que ela era ideal não somente para habitação, mas também para o auto-desenvolvimento. Assim, eles a chamaram de “Bháratavarśa”. Bhara significa “aquilo que alimenta”; ta significa “aquilo que dá”, ou “aquilo que auxilia no processo de expansão”; e varśa significa “uma vasta faixa de terra”. Assim, bháratavarśa significa “uma vasta extensão de terra que ajuda no desenvolvimento pleno de seus habitantes”. Os arianos não tinham sua própria escrita, e então foram pela primeira vez introduzidos ao alfabeto [escrito] após terem entrado em contato com os dravidianos. Os dravidianos das civilizações Harappa e Mahenjodaro da Índia já estavam usando uma escrita, a escrita Saendhavii; depois da migração dos arianos à Índia, aquela escrita transformou-se nas escritas Bráhmii e Kharośthi. A inconveniência com que os arianos não-indianos haviam se deparado por falta de uma escrita sem dúvida desapareceu após os arianos indianizados terem-na aprendido; mas, devido às suas velhas superstições, a maioria dos arianos ficou relutante de colocar os Vedas em preto e branco. Eles recusaram-se a acreditar que a razão pela qual os Vedas não foram escritos na ocasião de sua composição havia sido simplesmente a falta de uma escrita. Eles ficaram firmes no seu raciocínio ilógico mesmo 3 N.T.:paddy, no original. 4 N.T.: Explicação dada pelo autor sobre a palavra Tantra: Tam jadyat tarayet yastu sah tantrah parikiirtitah. O som ta é a raiz acústica [biija mantra, em sânscrito] da obtusidade [uma propensidade psíquica]. Então “a ciência ou processo sistemático que libera o ser das amarras da obstusidade ou letargia é chamado de tantra.” A palavra tra é derivada da raiz verbal sâncrita trae, mais da. Tra significa “liberador” [ou “aquilo que libera”], então o liberador de ta, ou seja, da obtusidade, é chamado de tantra. Existe ainda outra definição de tantra. Em sânscrito, existe uma raiz verbal tan, que significa “expandir”. [...] Então tantra significa “aquilo que mostra o caminho em direção à expansão e ultimamente à liberação”. [Shrii Shrii Anandamurti. “Yoga, Tantra, and Kevalá Bhakti”. Discurso no DMC (Dharma Maha Cakra) de 17 de Novembro de 1979, Etah.] 5 6 N.T.: Kashmir, no original, ou Caxemira, em português. N.T.: No original, jambu, ou “jambolão”, em português. O jambolão, ou baga-de-freira, guapê (no Paraná), jamelão, jalão, azeitona (Syzygium cumini, ex-Eugenia jambolana Lam. ou Syzygium jambolanum DC.) ou jambalau (Syzygium cordatum, em Moçambique) é o fruto de plantas da família Myrtaceae com origem na Índia. depois que as escritas surgiram: eles pensavam que os rśis não escreveram os Vedas: (1) porque era impróprio, e (2) porque os Vedas eram denominados shruti. Contudo, bem mais tarde, na Kashmiira, os Vedas foram escritos na escrita Sáradá, que era então usada naquele tempo. Não havia realmente outra alternativa do que colocá-los por escrito, porque não havia mais quase ninguém que sabia todos os Vedas de cor, e o número de pessoas que sabiam mesmo só algumas partes deles era muito pequeno. Quando os estudiosos de Kashmiira finalmente colocaram os Vedas por escrito, descobriu-se que muitas partes deles com certeza estavam faltando. Não foi difícil para os saudáveis, guerreiros e quase invencíveis arianos conquistarem o norte da Índia. Os arianos vitoriosos trataram os não-arianos vencidos como escravos, mantendo-os embaixo dos seus pés, no chão de sua sociedade trivarńa [de três-castas] – a sua sociedade de bráhmańas, kśatriyas e vaeshyas. Ali, os não-arianos tornaram-se a quarta classe, ou shúdra varńa, fazendo com que a sociedade tornasse-se uma sociedade cáturvarńa [de quatro-castas]. No começo, os arianos tentaram de tudo para evitar relacionamentos de sangue com os shúdras: provas maciças disto encontram-se nos Vedas e em livros posteriores. Mas eventualmente tornou-se impossível que eles evitassem as misturas. Ainda que no norte da Índia os arianos desfrutassem de predominância na esfera política, a influência dos não-arianos na esfera social gradualmente aumentou, e persiste mesmo hoje em dia. Não foi possível os arianos estenderem o seu poder político ao sul da Índia. Ali, eles conseguiram exercer alguma influência social, mas ainda menos que no norte. A coragem, força e beleza física dos arianos era conspícua no norte, sul e leste da Índia – e assim, nessas áreas, os não-arianos estavam muito ansiosos por estabelecerem relações sociais com os arianos, que freqüentemente chamavam a si mesmos, orgulhosamente, de árya-vipras 7, árya-kśatriyas ou áryavaeshyas. Ainda que a predominância dos arianos fosse principalmente política e que os não-arianos mantivessem predominância social e cultural, a influência dos arianos sobre a língua espalhou-se por todo lugar. Além disso, os líderes influentes da sociedade começaram a apresentar a si mesmos como arianos. O sentimento anti-ariano gradualmente enfraqueceu, levando a que um complexo de inferioridade bastante difundido se enraizasse entre a população não-ariana. Este complexo de inferioridade mostrou-se extremamente prejudicial para os interesses dos não-arianos. O líder ariano Agastya foi o primeiro a ir ao sul da Índia popularizar as idéias e ideais dos arianos. Ele explicou a grandeza dos arianos ao povo dali em forma alegórica. De acordo com o seu conto mitológico, a montanha Vindhya, na fronteira norte do Deccan 8, curvou a sua cabeça em reverência a Agastya, permitindo que ele atravessasse até o sul da Índia, e manteve a sua cabeça curvada em reverência desde então. O grande épico Rámáyańa ilustra a invasão ariana no sul da Índia. È desnecessário dizer que os macacos de Kiśkindhyá e os rákśasas [demônios] de Lanka, tais como descritos no Rámáyańa, de fato não eram nem macacos nem demônios, mas as pessoas de diferentes subcastas da própria sociedade dravidiana. A prova de que os não-arianos, particularmente os dravidianos, eram uma comunidade altamente desenvolvida com relação a conhecimento, aprendizado, intelecto, construção de cidades, cultivo da ciência, ordem social e disciplina, é rastreável em cada linha do Rámáyańa. Era extremamente difícil para os arianos manterem-se em um duelo intelectual com os dravidianos. A cada momento eles percebiam que eram passados para trás, e diziam: “Tortuosos são os caminhos dos demônios.” Como resultado da sua coexistência com os não-arianos por longo tempo, os arianos aprenderam muitas coisas deles. Na verdade, dificilmente há qualquer coisa do arianismo que reste hoje em dia. É claro que os não-arianos também adotaram certos traços arianos – entre os quais a sua cor da pele clara, a 7 N.T.: vipra é sinônimo de bráhmańa, ou brâmane. 8 N.T.: Segundo o autor (em trechos de outras de suas obras): “Vocês sabem que geograficamente a Índia é dividida em duas partes: o sul é chamado de Dákśińápath ou Dákśińátya [o Deccan], e o norte, de Uttarápath ou Áryávarta.” [The Awakening of Women] “Diz-se que Maharishi Agastya foi o primeiro {ariano} a cruzar as Montanhas Vindhya juntamente com seus companheiros, e assim estender a influência ariana ao sul {da Índia}. Daquele tempo em diante, a área ao sul das Vindhyas tornou-se conhecida como Dákśińátya ou Dakśińápatha ou Dákśińa (a palavra Deccan é derivada da palavra dákśińa).” [“Kut2a to Kut2t2ima (Discourse 28)”, seção 26. In: Shabda Cayaniká Part 5.] sua proficiência em várias atividades e o seu estilo de vida ostentatório. Dos não-arianos, os arianos adquiriram um sistema social bem ajustado, uma introspecção sutil, uma filosofia espiritual e a sádhaná [prática espiritual] do Tantra. No começo, os arianos esforçaram-se muito para preservar a pureza do seu sangue: os shúdras costumavam ser escrupulosamente mantidos à distância dos braços. Mas tais esforços e precauções eventualmente revelaram-se um fracasso. Mais ou menos em todo lugar da Índia houve mistura entre os arianos e os não-arianos – os dravidianos, os áustricos, e os mongóis –, o que resultou em uma nova raça mista. É por isso que vipras escuros e shúdras claros não são de modo algum raros na Índia atualmente. As suas próprias cores dão testemunho da mistura de sangue ariano e não-ariano que corre em suas veias. Os vitoriosos arianos, vindos de países frios, eram uma raça habilidosa e competente. A competência deles, o seu senso de superioridade sobre os não-arianos e a sua unidade nascida do ódio contra os não-arianos, ajudou-os em sua vitória sobre a Índia. Ainda que os não-arianos houvessem sido derrotados no norte da Índia, e ainda que os não-arianos do sul e do leste da Índia estivessem sob o feitiço de um complexo de inferioridade, nenhum deles rendeu-se aos arianos sem lutar. Como eles estavam constantemente envolvidos em guerra com os arianos, eles tornaram-se muito mais proficientes nas batalhas. Assim, a vitória ariana no sul e no leste da Índia eventualmente tornou-se impossível. Nos relatos das maiores batalhas travadas entre os arianos e os não-arianos, tais como retratadas nos livros em sânscrito escritos no período subseqüente 9, os não-arianos não mostraram menos competência que os arianos. A vida ariana era cheia de celebrações barulhentas e pompa, enquanto que a vida não-ariana era simples e sem ostentação, ainda que fossem os não-arianos que tivessem acesso a mais objetos de desfrute. Mas quando os não-arianos entraram em contato com os arianos, eles ficaram tentados a desfrutarem da pompa e do esplendor. Um tal estilo de vida mostrou-se mais nocivo aos não-arianos – que eram comparativamente inativos, habitantes de um país tropical – do que para os ativos e robustos arianos. Os arianos fora da Índia não tinham um sistema social bem-estruturado e nem uma disciplina matrimonial claramente definida. “Ter poder é ter direito” era a ordem da sociedade. Não obstante, havia neles uma predisposição para moldarem uma sociedade. Os não-arianos tinham famílias felizes. Eles eram caracterizados por uma estrutura social bem articulada e relações conjugais fortes. Mesmo aqueles grupos étnicos que eram adoradores da natureza e faziam parte da população áustrica da sociedade nãoariana, e ainda que fossem comparativamente atrasados, tinham relações familiares muito fortes. Assim, quando os arianos entraram em contato com esses não-arianos, eles encontraram uma nova luz para a formação de uma sociedade. Com a exceção de uns poucos munis e rśis, os arianos beligerantes (com predomínio dos kśatriyas) costumavam ver o mundo de uma perspectiva extroversiva. Depois de grandes batalhas, eles matavam os homens da comunidade conquistada, empregavam as suas crianças como servos e casavamse com as mulheres ou empregavam-nas como serventes domésticas. Por essa razão, havia um grande número de escravos masculinos e femininos na sociedade deles. As raças que amam a guerra geralmente são cuidadosas em honrar as regras e leis da guerra, e elaboram novas leis para ajustarem-se à conveniência dos exércitos guerreiros. Por conseqüência, os arianos mostravam um louvável senso de disciplina durante a guerra. Sendo uma raça que amava a guerra, era natural que eles agissem assim. Contudo, os não-arianos eram atrasados a esse respeito: durante as suas batalhas com os arianos, eles não respeitavam as regras e leis da guerra (tais como não atacar aqueles que estão sem defesa, não utilizar mais do que um combatente contra outro, não matar um soldado que está recuando ou se rendendo, ou que está clamando por misericórdia). Isto não era apenas altamente irritante para os arianos; a falta de uma mentalidade militar disciplinada foi de fato uma das razões principais para a derrota dos não-arianos. Usualmente os não-arianos contentavam-se com pouco. O que era desenvolvido neles era a sua natureza introspectiva, o que não apenas os tornou devotos de Deus, mas infundiu neles um amor crescente pela filosofia espiritual. As práticas religiosas dos arianos, contudo, incluíam a prática de certos sacrifícios para a obtenção de certos ganhos materialísticos. Ou seja, as suas observâncias religiosas eram meramente ritualísticas. Em geral, os não-arianos eram seguidores do Tantra, ou sádhaná subjetiva. É 9 Nota do autor (N.A.): Nesses livros, os não-arianos eram algumas vezes chamados de rákśasas [demônios], algumas vezes de pishácas [ghouls em inglês, ou “fantasmas carniçais”], e algumas vezes de asuras [monstros]. claro que os não-arianos, dependendo dos seus diferentes graus de desenvolvimento intelectual, variavam amplamente de animistas a sádhakas de Brahma 10; mas, em geral, a sádhaná individual deles era de grau muito elevado. A religião dos arianos védicos era, como regra, uma religião de oração. Ela não incluía nem mesmo o mais leve toque de qualquer meditação intuicional. E nisto está a diferença entre o Brahmaváda dos Vedas e dos Upanishads, por um lado, e o do Tantra, por outro. Como mencionado previamente, com [o termo] “não-arianos” não se está fazendo referência a nenhum grupo étnico em particular. Quando os arianos migraram pela primeira vez à Índia, os nãoarianos estavam, em seu conjunto, divididos em três populações. Destas, os dravidianos negro-áustricos eram os mais desenvolvidos intelectualmente e espiritualmente. A sádhaná do Tantra deles possuía uma predominância de jinána [conhecimento] e de bhakti [devoção].Os grupos que constituíam a população áustrica eram quase iguais aos arianos em termos intelectuais, mas nas esferas prática e espiritual eles gradualmente ficaram para trás devido à comparativa falta de dinamismo da sociedade deles. Essa sociedade áustrica contentava-se em praticar os aspectos extroversivos do Tantra (feitiçaria, vodu, magia, encantação mágica para propósitos malignos, hipnotismo etc.). O Tantra floresceu em Bengala devido à mistura pervasiva dos sangues dravidiano e mongol. Vaunge praka ́shitá vidyá Maethilye prabaliikrta ́ Kvácit kvácit Maháráśt́re Gurjjare pralayaḿgatá. [O Tantra foi praticado em Bengala, mas foi mais amplamente praticado em Mithila. Ele não era muito popular em Maharashtra, e era totalmente inexistente em Gujarat.] Bengala era o lar das populações tanto dos mongóis quando dos dravidianos, sendo os dravidianos mais difundidos nas áreas do sudoeste e os mongóis nas áreas do nordeste. Alguns grupos de áustricos viveram nas partes do oeste. Nas partes do sudeste de Bengala, os mongóis possuíam uma estupenda maioria em relação aos dravidianos. Os Chakmas, Tripuris, Bodos, Kochas, Kiratas e Chuaras da população mongol; os Kaevarttas, Bagdis, Dules, Shavaras, Kurmis, Mahatas e Kherias da população dravidiana; e os Santhaliis, Baoriis, Mála Páháriis [(Mála ou Málo)] etc. da população predominantemente áustrica constituíam os bengalis originais. A sociedade e a civilização bengali atuais são o resultado de intercâmbios de pensamento entre esses povos. A maior contribuição dessa civilização tem sido a bem-estruturada e bem-disciplinada sádhaná do Tantra. O Tantra exerce a maior influência sobre os costumes e maneiras da Bengala moderna e do leste da Índia. Como questão de fato, o Tantra tem tido uma influência mais pervasiva por toda a Índia do que tiveram os Vedas. Contudo, em nenhum outro lugar essa influência tântrica ou não-ariana foi maior do que na parte leste da Índia. Os braceletes de ferro das mulheres, a marca vermelha na divisão do seu cabelo, os vários costumes e ritos de casamento etc., são todas diferentes práticas sociais tomadas dos não-arianos. O costume de se dirigir a todas as mulheres como “mãe” (masiimá, pisiimá, kákiimá [tia], didimá [avó] etc.) carrega a marca da influência tântrica, porque no Tantra a dominância social das mulheres era amplamente aceita. Mesmo a pouca influência não-tântrica ou patrilinear que existe nas castas superiores da sociedade bengali não foi tomada dos arianos do norte da Índia, mas é um resultado das relações transoceânicas próximas e íntimas que Bengala manteve naqueles dias com regiões fora da Índia. Na vida de Bengala, o Tantra rendeu-se ao Veda apenas com respeito à linguagem. De fato, não havia alternativa do que reconhecer essa derrota: os bengalis daqueles dias eram seguidores do Tantra que falavam muitas diferentes línguas. Quando eles decidiram formular uma nova linguagem própria, eles tiveram de aceitar a linguagem dos arianos estrangeiros devido ao seu elevado poder de expressão. As linguagens dos dravidianos e dos mongóis [ainda que fossem uma forma de sânscrito] não eram tão expressivas quanto a linguagem sânscrita dos Vedas. Ainda que os conquistadores arianos fossem incapazes de influenciar a vida social de Bengala em um grau apreciável, foi devido à influência deles que o sistema social matrilinear tântrico de Bengala (a ordem matrilinear tântrica prevalece ainda hoje em dia nas sociedades dravidiano-keralitas e mongolokhasianas 11) também aceitou parcialmente a ordem patrilinear. Como resultado, Bengala, ainda que não fosse governada pelo sistema patrilinear [ou mitákśará], do norte da Índia, construiu uma nova ordem 10 N.T.: sádhakas de Brahma refere-se aos praticantes intuicionais cujo objetivo é atingir ou unir-se com o Absoluto (Brahma, a Entidade Suprema). 11 N.T.: no origem em inglês, Dravid-Keralite e Mongolo-Khashian. social em que se concedia devido respeito tanto ao pai quanto à mãe. Subseqüentemente, em reconhecimento a esse novo sistema social, Bengala oficialmente revogou o sistema mitákśará [na medida em que existiu oficialmente] e, em seu lugar, estabeleceu o sistema dáyabhága.12 O segundo resultado da influência ariana foi a linguagem bengali. A linguagem que os bengalis da época védica utilizavam para falar não tinha conexão com a linguagem védica. Os arianos védicos nem sequer conseguiam compreendê-la. Os arianos costumavam dizer: “Este é um país de pássaros. Nós não entendemos o que esses pássaros piam e gorgeiam.” Seja como for, devido à influência védica – particularmente devido à influência do dialético védico do leste, Mágadhii Prákrta –, emergiu em Bengala uma linguagem ariana baseada no sânscrito. Mais tarde, os tântricos dessa área compuseram literatura tântrica usando sânscrito e o novo bengali baseado no sânscrito.13 Não obstante terem aceito a linguagem ariana, os tântricos nunca abandonaram o seu próprio estilo de pronunciação. Mesmo hoje em dia, o grupo de linguagens Mágadhii, particularmente o grupo SemiMágadhii do leste (Bengali, Oriya, Assamese e Maethilii), tem um estilo de pronunciação que é completamente peculiar. Mesmo com a ocorrência de distorções posteriores no modo de pronúncia do norte da Índia – devido ao não-cultivo da linguagem sânscrita e ao uso intensivo do Urdu, influenciado pelos árabes e persas –, a Índia do leste e do sul não abandonou os seus antigos modos de pronúncia. Em tempos antigos, as pessoas que falavam os dialetos Shaorasenii e Málavii costumavam fazer graça das pessoas que falavam o dialeto Mágadhii, fortemente influenciado pelo Tantra. Por conseqüência, as pessoas da parte oeste da área que falava Mágadhii – ou seja, as pessoas que falavam Magahii e Bhojpuri – tentavam pronunciar no estilo Shaorasenii. Ainda que haja, como resultado disso, alguma influência de Shaorasenii e Hindi na pronunciação dos dialetos Magahii e Bhojpuri, a entonação da letra a pelo samvrta 14 permaneceu inalterada. As pronunciações tântricas de jiňa, ńa, śa, hya, e kśa também ainda são prevalecentes no leste da Índia hoje em dia. Os arianos tinham uma linguagem desenvolvida, mas não uma escrita. Seguramente foram os tântricos, e não os védicos, que inventaram a escrita e a ciência acústica. No que refere-se à correção da pronúncia, o modo tântrico deve ser aceito, e não o védico. Lembre-se que cada uma das cinqüenta letras do akśaramálá [alfabeto] sânscrito constitui uma raiz acústica do Tantra. Foi pelo propósito da prática espiritual que os tântricos descobriram essas raízes. Nisto os arianos não merecem nenhum crédito. A influência tântrica existe em todas as linguagens indianas;15 ela também é proeminente em regulamentações e cerimônias. A influência tântrica e não-ariana é proeminente não apenas em funções sociais, mas também em cerimônias religiosas, devido à influência dos deuses e deusas tântricos. No leste da Índia, particularmente em Bengala, deuses e deusas populares tais como Shiitalá (a deusa da varíola), Manasá (a deusa das cobras), Niila Thákura e Batuka Bhaerava [uma deidade tântrica budista] são todos deuses e deusas tântricos – mas, não obstante, são adorados em templos hindus como deuses e deusas hindus. (Batuka → Baŕua → Baŕuyá → Baŕo; nas áreas rurais de Bengala, [essa deidade é conhecida como] Boŕo Shiva ou Buŕo Shiva.16) Mesmo o Satyanáráyańa do leste da Índia é uma deidade não-ariana. É claro que nessa adoração também encontramos alguma influência dos muçulmanos que vieram do mundo árabe. Betel 17, bananasda-terra, nozes de areca 18 e cocos [tais como usados para adorar Satyanáráyańa] são as principais parafernálias da adoração não-ariana, porque elas são de origem dravidiana. Talvez os arianos védicos jamais tivessem ouvido sobre essas coisas, e talvez não houvessem palavras para elas na linguagem 12 Nota dos editores (N.E.): Mitákśará determina que os herdeiros tenham direitos iguais à herança, não sujeitos ao arbítrio do pai. Dáyabhága determina que os herdeiros tenham direito à herança, mas sujeito ao arbítrio do pai (o pai desfruta do direito de conceder herança ou não a qualquer dos seus herdeiros). 13 N.E.: Uma mistura do sânscrito védico e do sânscrito laico [laokik, em inglês] ou dialético, original dos bengalis (a “linguagem-pássaro”). 14 N.E.: Um dos três estilos de pronunciação do sânscrito: samvrta, vivrtta e tiryak. 15 N.A.: As pessoas do leste da Índia fazem uso comum da sílaba tântrica mística phat. Por exemplo: Se phat kare bale phelle… – “Ele repentinamente disse…”. Ou: Loktár baŕa phatphatáni – “Aquela pessoa é muito faladora.” 16 N.E.: “velho Shiva”. 17 N.T.: O betel (nome científico: Piper betle Linn) é uma folha de uma trepadeira pertencente à família Piperaceae, que inclui as pimentas e kava. [Veja-se as Figuras 2a e 2b.] 18 N.T.: A noz de areca é a semente da palmeira areca (nome científico: Areca catechu). [Veja-se a Figura 2c.] védica ou no sânscrito antigo. Palavras tais como nágavallarii [um tipo de planta trepadeira], kadalii [banana-da-terra] e nárikela [coco] são do sânscrito moderno, mas essas coisas são largamente utilizadas na adoração de Satyanáráyańa e em outras adorações populares. Na adoração de Satyanáráyańa, apenas a shirńii [comida oferecida a um deus] dos muçulmanos é importada. [1] Figura 1b: “Ele é outra forma do Senhor Vishnu. Ele tem quatro mãos com sankha, chakra, gada e padma (lótus).” [2] Figuras 1a, 1b e 1c: Representações diversas de Satya Narayan. Cana-de-açúcar, coco, limas, toronjas, arroz em pó etc. usados no Chat Pújá [adoração do sol] são itens alimentares importantes nas festividades dravidianas. Outro fato digno de nota é que no Chat e em vários outros pújás populares, os védicos ou brâmanes não têm nenhum lugar – ou, se participam, têm um papel secundário. As mulheres desempenham um papel muito significativo nesses pújás. A especialidade das cerimônias não-arianas é que o papel das mulheres é predominante. Figura 2c: “Uma noz madura de areca.” [4] Figuras 2a (em cima) e 2b (direita): Folha de betel e “uma trepadeira de betel”. [3] Figura 2g: Toronja inteira e fatiada. [6] Figura 2d: Nozes de areca e folhas de betel. “Fatias da noz seca de areca, no canto superior esquerdo, e fatias de areca fresca no canto superior direito.” [4] Figuras 2e e 2f (à esquerda): Limas na árvore e fatiadas. [5] Figuras 2a a 2g: Betel, areca, lima, toronja. Figura 3: Chat Puja. (“Uma comemoração em que são feitas oferendas no rio por mulheres em jejum, para agradecer ao sol...”) [7] Outro fator notável é que, ainda que o deus-sol védico seja um deus masculino, o deus-sol nãoariano é feminino – uma deusa. Portanto, no leste da Índia, os adoradores dirigem-se ao deus-sol como “Chat2 Máyii” ao invés de “Chat2 Pitá”. A adoração não-ariana de Dalapati ou Gańapati (líder grupal ou líder do povo), prevalecente na sociedade áustrica não-ariana, também é prevalecente na sociedade ariana com o nome de Gańapati Pújá ou Gańesha Pújá. [Na verdade, essa adoração tinha o significado de adoração do grupo ou sociedade do povo áustrico]. A cabeça de um elefante, um animal grande e poderoso, colocada sobre os ombros do corpo da deidade, era apenas um símbolo da superioridade do líder grupal da sociedade em questão. É notável que tal adoração também era prevalecente na civilização maia não-ariana da América. [9] [8] (“Foto tirada em um templo dedicado a Maa Ganga em um pequena e estreita viela em Benares.”) [10] Figuras 4a, 4b e 4c: Representações diversas de Ganapati ou Ganesha. Como dito antes, os arianos familiarizaram-se com o arroz 19 em um período muito posterior. Previamente, eles não tinham idéia de como obter arroz a partir da planta, e somente aprenderam isso quando entraram em contato com os não-arianos. Foram os não-arianos que ensinaram-lhes a comer arroz cozido. É notável que o arroz em pó era largamente usado na adoração de deuses e deusas no sul e no leste da Índia. Dá a impressão de que o arroz parecia ser uma coisa bem fora do comum para o arianos, porque nos Vedas ele é chamado de tańdula. Evidentemente, os arianos viram grãos de arroz pulando do pilão enquanto a planta de arroz estava sendo batida e descascada nos dispositivos tradicionais, manuais ou acionados com o pé, e portanto chamaram-na de tańdula. Tańdula significa “aquilo cuja característica é pular”. A palavra cál ou cául [arroz descascado mas não-cozido] é derivada da raiz bengali cálá – que significa “peneirando” para separar o arroz da palha. A prática espiritual era comum na sociedade tântrica. Não há vigor espiritual ou qualquer coisa semelhante nas vidas daquelas pessoas que apóiam cerimônias pomposas, assim-chamadas religiosas, como há nas vidas de praticantes espirituais introspectivos. Depois que os arianos vieram para a Índia, dois tipos de práticas costumavam ocorrer lado a lado: de um lado, os fogos sacrificiais dos rśis, caracterizados pelo cheiro de ghee sendo queimado e pelos refrãos sonoros daqueles que prestavam tributos aos espíritos dos mortos, enquanto entregavam oferendas ao fogo; e de outro lado, a Tantra sádhaná dos não-arianos, a prática de auto-controle e a obtenção de poder divino. A profundidade espiritual e o poder da sádhaná trouxeram destemor às vidas espirituais dos não-arianos, como é próprio dos tântricos firmes. 19 N.T.: No original, paddy, possivelmente significando arroz cultivado em áreas alagadas. A palavra "paddy", em inglês, é derivada da palavra da língua malaia (da Malásia) padi, significando a planta do arroz. Os não-arianos consideravam as cerimônias sacrificiais dos arianos como entretenimentos infantis para passar tempo, e sabotavam-nas sempre que fosse conveniente. Os munis e rśis pediam proteção aos reis arianos contra esses sabotadores – ou, na linguagem dos arianos, esses rákśasas, pashus e pishácas. Inumeráveis estórias sobre isso podem ser encontradas nos livros sânscritos, até mesmo nos dias de hoje. Ainda que as palavras rákśasa [demônio], pashu [besta] e pisháca [fantasma carniçal] fossem usadas de modo geral para descrever os não-arianos, na verdade os dravidianos eram normalmente chamados de rákśasas (e os que tinha baixa estatura dentre esses, de “macacos”); os mongóis, de asuras [monstros]; e aqueles tântricos que faziam shava sádhaná [sádhańa sobre cadáveres] em cemitérios e campos de cremação, de pishácas. Os arianos também declaravam que essas gangues de rákśasas e pishácas eram canibais. Eles desenhavam figuras horríveis dos dravidianos de pele escura e dos mongóis com ossos altos da bochecha e narizes chatos, utilizando formas e traços grotescos, para provar que eles eram abomináveis e repulsivos. Na verdade, eles eram bem mais civilizados e educados que os arianos. Além disso, havia muitos arianos que casaram-se com as filhas desses rákśasas e asuras, encantados com sua beleza e qualidades (aquelas que tinham uma mistura de sangue mongol e dravidiano tinham traços particularmente bonitos). Bhiima casou-se com Hid2imbá, uma moça não-ariana; Arjuna casou-se com Citráuňgadá, também uma moça não-ariana. Rávańa, o líder dos rákśasas, teve um pai de uma família ariana brâmane – Maharśi Vishvashravá, o descendente de Pulasta Rśi – e uma mãe nãoariana – Nikaśá, ou Kaekasii. Em outras palavras, ainda que os arianos fossem orgulhosos da sua cor e dos seus traços, esse orgulho desvaneceu-se rapidamente. Naqueles tempos, e também depois, ainda que alguns poucos indivíduos orgulhosos do arianismo tentassem difamar esses rákśasas e asuras, as pessoas em geral não prestavam muita atenção neles. Por um lado, os estudiosos orgulhosos do arianismo, em Bengala, ocupavam-se de ataques vulgares e baixos aos mongóis e aos bengalis originais: Sarve máḿsaratáh múŕháh Mleccháh gobrahma gha ́takáh, Kuvacakáh pare múŕhá ete kút́ayonayoh, Teśaḿ paesha ́cikii bháśá lokácáro na vidyate. – Padma Purana [Todos eles são comedores excessivos de carne. Eles são tolos. Matadores de vacas e de brâmanes, eles falam palavras baixas e sem sentido. Eles são um povo tolo, nascido de más mulheres. A linguagem deles é ininteligível. Eles não seguem costumes decentes.] Mas por outro lado, observamos a emergência de uma nova civilização em Bengala, proveniente da combinação áustrico-mongol-dravidiana, em torno de 1000 a.C. Essa civilização, ainda que similar a outras civilizações da Índia, tinha os seus próprios costumes e rituais, linguagem e modo de pronunciação, maneiras e comportamento, sistemas religioso e social, direitos de herança e de não-herança segundo o código de lei Dáyabhága 20, e hábitos de vestimenta e de alimentação. Orgulhosa de sua própria especialidade e singularidade, ela nunca concordou em ser parte do Áryávartta [norte da Índia, dominado pela cultura ariana]. Para manterem-se livres da subjugação ariana, Bengala rebelou-se sempre de novo. Os arianos ortodoxos do norte da Índia, cheios de chauvinismo ariano (na verdade eles também eram tântricos, mas externamente exibiam uma cobertura envernizada de arianismo), estavam relutantes em aceitar as áreas altamente tântricas, tais como Auňga [Monghyr e áreas adjacentes 21], Vauňga [Bengala] 22, Kaliuňga [Orissa], Mithila e Magadha [Bihar] como parte de seu Áryavartta. Para eles, Káshii [Benares] 23 funcionava como a fronteira ocidental do Áryavartta. 20 N.T.: veja-se a nota 12. 21 N.T.: Monghyr é um distrito do atual estado indiano de Bihar. 22 N.E.: O som va mais tarde mudou para ba, sob a influência da pronunciação muçulmana, então a letra também mudou. No bengali moderno não há diferença de pronúncia entre ba e va, mas a diferença ao soletrar-se persiste. 23 N.T.: Varanasi, também comumente conhecida como Benares ou Banaras e Kashi, é uma cidade situada na margem esquerda (oeste) do rio Ganga (Ganges), no atual estado indiano de Uttar Pradesh. Figura 5b: Cidade de Benares, ou Varanasi. [12] Figura 5a: Região do leste da Índia (em vermelho) aproximadamente correspondente aos estados modernos da Ìndia indicados entre colchetes no texto: Bihar, Bengala Oriental, Bangladesh (antes Bengala Ocidental, parte do antigo estado de Bengala) e Orissa. [11] Figuras 5a e 5b: Mapas da Índia (em cor destacada) mostrando os limites dos seus estados atuais. Essas pessoas ortodoxas, mas internamente tântricas, não podiam evitar serem influenciadas pela civilização tântrica do leste da Índia em suas vidas externas. A predominância da escrita bengali do leste da Índia (Shrii Harśa Lipi) estendeu-se até Prayága, no oeste distante. A maioria dos livros em sânscrito sobre os Tantras hindu e budista foram escritos nessa escrita bengali. Depois da invasão muçulmana 24, a influência do leste da Índia sobre o norte da Índia começou gradualmente a diminuir. Por volta dessa época, alguns nagar brâmanes 25 do Gujarat 26 védico foram para o norte da Índia propagar os Vedas e a linguagem sânscrita. Eles usaram a escrita Nágrii para escrever o sânscrito, e sob a influência dos brâmanes, a escrita Nágrii também tornou-se popular no norte da Índia. O uso da escrita bengali ficou confinada apenas ao leste da Índia. Vale a pena notar que muitos dos nagar brâmanes de Gujarat eram seguidores do Tantra, particularmente do Vaeśńava Tantra. A maior diferença entre os arianos e os não-arianos estava em suas visões de mundo. Os arianos queriam estabelecer o seu domínio baseados em sua superioridade racial, enquanto que os não-arianos, seguindo os preceitos do Tantra, não reconheciam qualquer distinção entre as pessoas. A identidade de cada pessoa era a mesma: todas pertenciam à mesma família, a família de Shiva 27. No primeiro estágio da sádhaná, cada pessoa é um animal. Fundirem-se em Brahmatva [Consciência Suprema], após primeiro elevarem-se até devatva [divindade] era a sádhaná deles. Mas no primeiro estágio, enquanto ainda estão erguendo-se acima da animalidade grosseira, o seu adorável Shiva era chamado de “Pashupati”, “Senhor da Animalidade”. Aqui é necessário lembrar que o Tantra não é uma religião, mas sim um modo de vida, um sistema de sádhaná. O objetivo fundamental da sádhaná é despertar a jiivashakti [força unitária], conhecida como kulakuńdalinii, e, após elevá-la etapa por etapa, fundí-la em Brahmabháva [Consciência Suprema]. Tantra é uma ciência de meditação espiritual, ou sádhaná, a qual é igualmente aplicável a qualquer pessoa, não importa qual possa ser a sua afiliação religiosa. O Tantra é certamente mais antigo que os Vedas. Assim como os shlokas ou mantras dos Vedas foram passados de guru para discípulo em uma 24 N.T.: A invasão muçulmana foi culminante nos séculos XII e XIII d.C. 25 N.T.: Uma das sub-castas dentre os brâmanes. [Veja-se a referência 13; veja-se também, a respeito de diferenças regionais das sub-divisões, a referência 14.] 26 N.T.: Gujarat: atual estado no oeste da Índia. [Veja-se nas Figuras 5a e 5b o estado situado no extremo oeste da Índia.] Gujarat faz fronteira com o Paquistão ao noroeste, e com o estado do Rajasthan no norte e nordeste, com Madhya Pradesh ao leste, e ao sul com Maharashtra e os seguintes territórios da União: Diu, Daman, Dadra e Nagar Haveli. 27 N.T.: Na parte final do texto, o autor falará de Shiva enquanto personagem histórico. tradição genealógica, a sádhaná do Tantra, da sociedade mongol-dravidiana, foi passada de guru para discípulo hereditariamente. Os Vedas são teóricos – cheios de cerimônias ritualísticas e formalismos. Seria incorreto considerar o Tantra como uma versão mais recente daqueles rituais védicos: as práticas esotéricas do Tantra eram conhecidas há muito tempo na sociedade dos sádhakas. A sua parte teórica não era tão elaborada como a dos Vedas, a qual levava-se anos e anos para memorizar. Quando os arianos chegaram à Índia, aproxidamente durate o período do Atharvaveda, eles aprenderam a sádhaná do Tantra em alguma medida, após entrarem em contato com os tântricos indianos. Isto resultou em que o Atharvaveda fosse pervasivamente influenciado pelo Tantra. Mesmo se os védicos ortodoxos tentarem rejeitar as muitas partes dos Vedas que foram influenciadas pelo Tantra, como se fossem interpolações tardias, eles não serão muito convicentes, pois o Tantra agora infiltrou-se na medula dos assim-chamados arianos. Ainda que durante o período pós-védico budista, como também no período pós-budista bramânico, fossem perceptíveis mudanças na visão de mundo religiosa das pessoas, o processo da sádhaná permaneceu tântrico como continua sendo ainda hoje em dia – pois sem o Tantra, a sádhaná espiritual é impossível. Yoga, que é o fator mais importante nas práticas espirituais, é ele próprio baseado no Tantra. O grande tântrico Vashiśt2ha, quando retornou da China após aprender as técnicas chinesas de sádhaná, realizou um grande melhoramento na sádhaná do Tantra. Ele foi largamente aclamado como um grande yogi. O seu livro Yogaváshiśtha é uma exposição filosófica da espiritualidade sutil da sádhaná do Tantra. Há muitas pessoas que tentam fazer uma distinção entre Tantra hindu e Tantra budista. Isto é absolutamente errado, pois, como eu disse antes, o Tantra é único e somente um. Ele baseia-se em um único sentimento, em uma idéia. Os Tantras hindus e budistas expressam a mesma coisa em palavras diferentes. Por exemplo, os Tantras hindus usam a palavra kulakuńdalinii para a força unitária dormente, e ida, piuňgalá e suśumná para os três canais psico-espirituais. Eles afirmam que a kulakuńdalinii passa pelos seis cakras 28 – (1) múládhára [situado acima do períneo], (2) svádhiśthána [na região do órgão genital], (3) mańipura [na região do umbigo], (4) anáhata [na região do coração], (5) vishuddha [na região das cordas vocais] e (6) ájiňá [entre as sobrancelhas] – e finalmente une-se com Paramashiva no sétimo cakra, o sahasrára cakra [no topo da cabeça], dando aos sádhakas, ou praticantes intuicionais, a bem-aventurança da Consciência Cósmica. Os Tantras budistas dizem a mesma coisa em palavras diferentes. Eles chamaram o mańipura cakra de nirmáńa cakra; o anáhata, de dharma cakra; o vishuddha, de sambhoga cakra; e o sahasrára de uśniiśa kamala ou mahásukha cakra. Alguns denominaram o múládhára [cakra] de mańipadma. Tanto nos Tantras hindus quanto nos budistas, hummm é a raiz acústica da força unitária, a kulakuńdalinii, que jaz adormecida no mańipadma. Os assim-chamados tântricos budistas dizem também: Oňm mańipadme hummm. Para eles, idá, piuňgalá e suśumná são lalaná, rasaná e avadhútiká, respectivamente. Então, na realidade, onde está a diferença ideológica entre os Tantras hindus, tais como o Mahánirváńa Tantra, Kulárńava Tantra, Ajiňána-bodhinii Tantra, Jiňána-samkalinii Tantra, Rudrayámala Tantra, Bhaerava-yámala Tantra, Niila Tantra etc., e os Tantras budistas, tais como Hevajra Tantra, Vajra-váráhii Kalpamahá Tantra, Ekallaviira Cańdarośańa Tantra, Dákárnava Tantra, Advaya Siddhi Tantra etc.? O Kauňkalamálinii Tantra não pode ser chamado nem de Tantra hindu nem de Tantra budista com qualquer certeza definida. Mesmo a suposição popular de que os hindus adotaram a idolatria a partir dos budistas é totalmente errada. Ainda que houvesse uma concepção de deuses e deusas entre os arianos védicos, não havia o costume de modelar imagens para adoração. Mas no nível inferior da Tantra sádhaná (ou seja, no nível mais baixo do grau inferior), prescrevia-se a idolatria: Uttamo Brahmasadbha ́vo Madhyama ́ dhyána dha ́ŕańá; Japastúti syádhadhama ́ Múrtipújá dhama ́dhamá. – Kulárńava Tantra [A ideação em Brahma é o melhor, dhyána e dhárańá vêm em segundo lugar, encantação repetitiva e oração eulogística são o pior, e a adoração de ídolos é o pior do pior.] 28 N.T.: Cakra, em sânscrito, significa: círculo ou ciclo; centro ou plexo psico-espiritual. Os cakras, no corpo humano, estão situados ao longo do canal suśumná, que passa ao longo da coluna vertebral e estende-se até o topo da cabeça. A palavra uttama na primeira linha do shloka é intercambiável com sahajávasthá. Sahajáavasthá, o “estado tranqüilo” dos budistas, não é diferente da ideação em Brahma dos hindus.29 De acordo com os seus respectivos níveis intelectuais, os tântricos não-arianos primitivos utilizavam todas as práticas, desde a adoração de ídolos, o mais baixo do inferior, até a Brahma sádhaná, o mais elevado do superior. Portanto, a idolatria é tanto uma parte do Tantra hindu quanto do Tantra budista. Nenhum dos dois adotou-a do outro. Eu referi-me há pouco à unidade ideológica dos Tantras hindus e budistas. No que diz respeito ao objetivo, o objetivo final de ambos é fundir a força unitária na força introversiva, e a força introversiva em Parama Puruśa 30. Em várias partes dos Tantras hindus, Parama Puruśa foi chamado de Paramashiva, Puruśottama e Krśńa, e Paramá Prakrti 31 foi chamada de Kálii, Rádhá etc. Nos Tantras budistas, Parama Puruśa ou Bhagaván Sarveshvara foi chamado de Shriiman Mahásukha, Vajrasatva, Vajradhara, Vajreshvara, Heruka ou Hevajra – ou, em algumas partes, de Cańdarośańa – e a Maháshakti de Mahákaola foi algumas vezes chamada de Bhagavatii Sarveshvarii, algumas vezes de Vajraváráhii, algumas vezes de Vajradhátviishvarii, algumas vezes de Prajiňá Páramitá, e algumas vezes, no sandhyá bháśá 32, de Dombii, Cańdálii etc. Tanto nos Tantras hindus quanto nos budistas, homens e mulheres podem fazer sádhaná juntos. Nos Tantras hindus, os homens são aconselhados a idearem que eles são Bhaerava, e as sádhikás [aspirantes espirituais mulheres], que elas são Bhaeravii. Os Tantras budistas prescrevem a mesma coisa. Neles, o sádhaká é Vajradhara, e a sádhiká é Vajrayośita. Naráh Vajradhara ́káráh śośitah Vajrayośitah. – Ekallaviira Cańd́arośańa Tantra [Os aspirantes homens são chamados de Vajradhara, e as aspirantes espirituais mulheres, de Vajrayośita.] Na verdade, o Tantra é único. Portanto, há tanto engano em distinguir-se entre os Tantras hindus e budistas quanto há em tatear-se em vão em busca de quaisquer diferenças nos significados internos ou nos objetivos finais dos Tantras hindus, tais como o Shaeva Tantra, Shákta Tantra, Saora Tantra, Gáńapatya Tantra, Vaeśńaviiya Tantra (Rádhá Tantra) etc. As similaridades entre os deuses e deusas dos Tantras hindus e os dos Tantras budistas também são particularmente notáveis. Cada Tantra absorveu ou descartou os deuses e deusas dos outros de acordo com a sua própria conveniência. Tárá é uma das mais famosas deidades dos Tantras budistas. As adorações de Bhrámarii Tárá na China, de Ugratárá ou Vajratárá na Mongólia, e de Niila Sarasvatii Tárá ou Ekajátá Devii no Tibete, datam de tempos muito antigos. A Niila Sarasvatii Tárá do Tibete foi absorvida no Tantra hindu como a segunda Mahávidyá das Dez Mahávidyás, e hoje em dia aqueles hindus que adoram ídolos não consideram Tárá como uma deidade não-hindu. Káliká Devii, a primeira Mahávidyá dos assim-chamados Tantras hindus, foi aceita pelo Tantra budista. Coberta com folhas de betel 33, Parńa Shavarii Devii (parńa significa “folhas de betel” ou “folhas de cúrcuma”) do Tantra budista é um dos nomes da deusa Durgá do Tantra hindu. Prajiňá Páramitá, a deidade budista, continua a ser adorada na Índia pós-budista como Sarasvatii. A Sarasvatii dos Vedas, montada em um touro, não tem nem mesmo um traço de similaridade com a Sarasvatii montada num cisne, seja em aparência quanto em natureza.34 29 N.T.: Ou seja, Brahmasadbhávo. 30 N.T.: Consciência Suprema, ou princípio cognitivo supremo. 31 N.T.: o princípio operativo supremo. 32 N.E.: Uma “linguagem do lusco-fusco”, com significados duplos. 33 N.T.: veja-se a nota 17. 34 N.E.: Existia uma Sarasvatii védica antes da Prajiňá Páramitá budista, mas a Sarasvatii montada num cisne, modelada segundo Prajiňá Páramitá, não é a mesma deusa. Figura 6a (esquerda): Saraswati “(Thuyathadi, em burmanês) representada no estilo Bamar, sentada em uma hamsa, e segurando as escrituras do Tipitaka, junto a um rio”. [16] Figura 6b (direita, em cima): Saraswati com um cisne. [16] Figura 6c (direita, embaixo): Hamsa “(frequentemente escrito hansa) é um cisne ou um ganso”. [17] Figuras 6a, 6b e 6c: Representações diversas de Saraswati e sua montaria. Há algumas deusas cuja origem –budista ou hindu – é impossível de determinar. Isto equivale a dizer que elas são deidades comuns a ambas as escolas do Tantra, tais como Váráhii, Kaoveŕii, Bhiimá, Kapálinii, Chinnamastá etc. Algumas deusas dos Tantras hindus, tais como Dákinii, Rákinii, Lákinii, Kákinii, Shákinii, Hákinii etc., foram aceitas pelos Tantras budistas. O savikalpa samádhi [transe da absorção – ou vacuidade – determinada] dos Tantras hindus é o prabhásvara shúnyatá [vacuidade luminosa] dos budistas. O nirvikalpa [samádhi] dos hindus [transe da absorção – ou vacuidade – sem objeto ou indeterminada] é a vajra shúnyatá [vacuidade completa] dos budistas. E a deusa de vajra shúnyatá, da Prakrti não-manifesta, é Vajraváráhii, Dombii, Naerátma Devii ou Naerámańi, na linguagem dos budistas. Os diferentes estágios do savikalpa samádhi, relacionados ao movimento ascendente da kulakuńdalinii, são chamados de sálokya [dentro do mesmo loka 35], sámiipya [máxima proximidade], sárupya [identidade], sarśthi [o estágio entre savikalpa e nirvikalpa] etc. nos Tantras hindus; e, nos Tantras budistas, de viśáyánanda [bem-aventurança objetiva] no nirmáńa cakra, paramánanda [bem-aventurança suprema] no dharma cakra, virámánanda [bem-aventurança intermitente] no sambhoga cakra, e sahajánanda [bem-aventurança absoluta] no mahásukha cakra. Neste mahásukha cakra, Naerátma Devii é Bhagavatii Prajiňá Sarveshvarii, uma encarnação de sahajánanda [bem-aventurança]. Este sahajánanda é Brahmánanda [bem-aventurança absoluta] nos Tantras hindus. Depois que os arianos assentaram-se na Índia, um grande homem nasceu na sociedade não-ariana. Nascido em uma família mongol-ariana, esse grande homem tinha um nariz elevado e uma cor de pele clara. Ele era um grande tântrico – um grande yogi. O nome desse Mahápuruśa da sociedade não-ariana era Shiva. Que um homem tivesse tantas qualidades e dons ao mesmo tempo, estava além da compreensão das pessoas, e assim Ele era chamado de Guńátiita ou Nirguńa [transcendental ou nãoatribuicional] Puruśa. Como resultado de sua sádhaná do Tantra, ele adquiriu poderes extraordinários, os quais Ele empregou para o bem da humanidade. Foi Ele quem sistematizou a ciência do Tantra, e portanto Ele foi o guru ou pai dos tântricos e yogis. Para esse Mahápuruśa Auto-realizado, não havia distinção entre elevado e baixo. Pessoas de todas as classes, da mais elevada à mais baixa, eram queridas para Ele. Irrespectivamente de classe – ariana, não-ariana, dravidiana, áustrica ou mongol –, todas se reuniam em torno Dele. Ele distribuía a Sua graça a todas elas igualmente. Enquanto continuavam as batalhas entre os “deuses”, de um lado, e os “demônios” e “monstros”, de outro lado (é desnecessário dizer que “deuses” significava os líderes arianos de boa aparência e “demônios” significava os não-arianos em geral), os “demônios” e “monstros” não-arianos tornaram-se mais e mais poderosos através das bençãos desse Shiva. Todos os rákśasas e asuras eram devotos e seguidores obedientes de Shiva. Com a ajuda e as bençãos de Shiva, eles destruíram a força e o poder dos “deuses”. De acordo com as estórias sânscritas, 35 N.T.: Loka refere-se a uma camada ou nível da mente cósmica, que são sete no total. quando os deuses buscavam a ajuda de Brahmá e Viśńu, mesmo esses dois não ousavam se opôr a Shiva; em vez disso, eles salvavam os deuses através de um acordo com Ele. Shiva tinha uma tal inclinação para perdoar, originada de Seu espírito de benevolência, que até mesmo os mais malvados facilmente podiam apoiar-se na Sua gentileza. É por isso que para todas as pessoas Ele tornou-se “Áshutośa” (“Fácil de ser Agradado”). Devido à influência pervasiva de Shiva sobre a sociedade deles, os não-arianos – ou seja, os tântricos – costumavam adorá-Lo como Deus; e, de acordo com o seu respectivo nível intelectual, eles O consideravam e aceitavam em Suas diferentes formas de ser. Enquanto os arianos começavam a identificar Shiva com seus próprios deuses e deusas, os kaola mahátántrikas [grandes tântricos da tradição da kulakuńdalinii yoga] começaram a considerar o seu Shiva como idêntico com Nirguńa Brahma. A causa primordial por trás dessa concepção deles era o desapego e forma de ser altruísta absolutos de Shiva, o senhor do poder sobrenatural e milagroso. A natureza de auto-sacrifício de Shiva deu a Ele o nome “Bholánátha” [“entidade absolutamente indiferente com o seu próprio status”] entre os não-arianos. Todos eram atraídos pelo poder sobrenatural de Shiva, pela Sua personalidade imponente, Suas qualidades ilimitadas e a radiância tranqüila e calma de Seus atributos. Fascinada pela graça física e pelas virtudes de Shiva, a princesa Gaorii, a filha do rei ariano Dakśa, foi atraída por Ele. O rei Dakśa não estava nada de acordo com a sua filha casar-se com um nãoariano, mas eventualmente ele cedeu perante a atitude persistente dela. E assim Shiva e a princesa Gaorii casaram-se.36 Mas a inveja nascida do seu conhecimento da formidável influência de Shiva sobre ambas as sociedades, a ariana e a não-ariana, já havia enlouquecido o rei Dakśa. Assim, um dia ele publicamente insultou Shiva em um grande sacrifício especialmente planejado para esse propósito. Os devotos de Shiva, incapazes de suportar o insulto, fizeram um pandemônio no cerimonial sacrificial de Dakśa. Está escrito nos livros dos arianos que dois espíritos servos de Shiva, Nandii e Bhrngii, destruíram a yajina de Dakśa. Na verdade, Nandii e Bhrngii, os alegados espíritos, não eram outros que dois ardentes devotos tântricos não-arianos de Shiva. Figura 7: Uma representação do casamento de Gaorii e Shiva. Muitos arianos apoiaram o casamento de Gaorii e Shiva porque, por conta da extraordinária influência de Shiva, eles consideravam Gaorii como a deusa deles. Os não-arianos tinham cor de pele amarela, negra ou marrom, mas Gaorii, sendo de origem puramente ariana, tinha cor de pele branca. Foi por essa razão que ela foi chamada “Gaorii” [que significa “de pele branca”]. Depois do casamento, 36 N.T.: Citação de outra obra do autor, sobre Shiva: “Na época do Seu casamento, Ele carregava muitas coisas, mas essas coisas eram muito simples. Por exemplo, Ele tinha a Sua costumeira pele de tigre solta; o Seu boi que bramia, o qual era o Seu meio corriqueiro de transporte; as Suas mechas amarradas de cabelo; e a Sua trompa. Assim, Shiva era simples e direto em todos os aspectos.” [Shrii Shrii Anandamurtii. “Todos estão à Luz da Glória de Shiva - 2 (Discurso 7)” {no original em inglês: “All Bask in the Glory of Shiva – 2 (Discourse 7)”. Calcutá, 23 de Maio de 1982. In: Namah Shiváya Shántáya.] Gaorii viveu nas montanhas Himalaya, e por isso freqüentemente era chamada de “Parvata Kanyá” [“Filha das Montanhas”], ou “Párvatii”, em linguagem comum. Eu disse para vocês um pouco atrás que os não-arianos costumavam fazer sádhaná do Tantra de acordo com o respectivo desenvolvimento intelectual deles. Eles adoravam um par de deuses: Puruśa e Prakrti. Quaisquer que fossem os seus níveis intelectual e espiritual, todos eles consideravam seu deus primário como Shiva – ou, em períodos subseqüentes, como algum avatára [encarnação] de Shiva – e a sua deusa primária como Gaorii – ou, mais tarde, alguma manifestação parcial de Gaorii. Entre a sociedade não-ariana atrasada, a adoração fálica era prevalecente. Ainda que originalmente houvesse alguma história social por trás dessa adoração fálica (devido às disputas perpétuas entre os vários clãs e tribos, cada grupo sentia uma necessidade constante de aumentar a sua força numérica, e assim eles começaram a adorar ambos os órgãos genitais), em períodos posteriores, sob a influência do Tantra, ela assumiu uma forma espiritual mais sutil. Quando, devido à influência de Shiva, todas as pessoas começaram a aceitar Shiva como seu deus principal, esse liuňga pújá [adoração dos genitais] tornou-se a adoração de Shiva-liuňga e Gaorii-piitha, ou Gaorii-patta. Subseqüentemente, os arianos também aceitaram a adoração fálica e deram-lhe uma interpretação filosófica: Liuňgate gamyate yasmád talliuňgam [“A entidade da qual todas as coisas se originam, e em direção à qual todas as coisas se movem, é chamada liuňga”]. Depois do yajina de Dakśa, a influência de Shiva sobre os arianos aumentou mais e mais. Os arianos começaram a sentir que, estando tão em débito com Shiva, eles não podiam mais suportar desconsiderá-Lo. Foi Shiva quem lhes ensinou a sádhaná espiritual, ásanas e práńáyáma; o segredo da boa saúde; a ciência da medicina; e a arte desenvolvida da dança e da música. Por Sua excelência em dançar, tanto os arianos quanto os não-arianos costumavam chamá-Lo de “Nat2arája”, e por Sua proficiência na música vocal, “Nádatanu”. Ninguém contou o número de remédios que Ele inventou para cada tipo de doença. Ele foi o primeiro preceptor dos áyurvedácáryas [professores de áyurveda, a ciência da medicina para aumentar a longevidade]. Os asuras foram curados de muitas doenças sérias devido à Sua graça. Tanto os arianos quanto os não-arianos pensaram que, como Shiva conhecia tantos remédios, Ele talvez fosse imortal, e então O chamaram de “Mrtyuinjaya” [“Conquistador da Morte”]. Quando, ainda hoje em dia, as pessoas são acometidas de alguma doença incurável, elas dizem: “Nem mesmo Shiva tem uma cura para essa doença”. Assim como os não-arianos, os arianos eventualmente aceitaram Shiva como seu deus e Gaorii como a sua deusa. Figura 8: Representação de Shiva em seu aspecto de Nataraja. O tigre é um dos animais mais antigos da Índia. No passado distante, esse tigres vieram à Índia a partir dos países não-arianos como China, Tibete etc. Os leões chegaram muito depois, vindos dos países arianos que tinham fronteira com o extremo noroeste da Índia. É notável que no dhyána mantra de Shiva, Ele foi descrito como vestindo uma pele de tigre – ou seja, a pele de um animal dos países não-arianos (vyághra-krttim vasánam); e a filha dos arianos, Gaorii, foi ilustrada como simha-váhinii [“montada em um leão”]. Em todos os livros arianos de conhecimento, a palavra Shiva invariavelmente foi usada para descrever Parama Puruśa. Os arianos racialmente chauvinistas não puderam ficar em paz após terem aceitado Shiva como Deus. Pensando que os não-arianos se aproveitariam disso e se jactariam do seu triunfo sobre os arianos, eles se dedicaram à tarefa de provar que Shiva foi um ariano. O Shiva não-ariano costumava viver em cemitérios, locais de cremação, áreas planas isoladas nos diferentes picos dos Himalayas. (É por isso que ainda hoje em dia os não-arianos, apontando para os picos dos Himalayas, como Kailash, Gaurishankar, Everest etc., dizem “Ali vive o nosso Hara-Gaorii”.) Mas os arianos tornaram Ele em uma divindade plenamente desenvolvida das escrituras. Para provar que Ele era ariano, eles penduraram um cordão sagrado no seu ombro esquerdo. (É desnecessário dizer que o Shiva nãoariano não tinha um tal cordão sagrado; ele usava uma serpente em redor do seu pescoço.) É muito estranho que a imagem do deus ariano Brahmá não mostre nenhum sinal de qualquer tal cordão sagrado. Ninguém duvidava que Brahmá fosse ariano por raça; mas, no caso de Shiva, a única maneira de provar que ele era ariano foi pendurando um cordão sagrado no seu ombro.37 Figura 9a: Montanha Neelkantha, nos Himalayas. Figura 9b: Ilustração de Shiva em sua montaria. Figura 9b: Estátua representando Shiva meditando. Figuras 9a, 9b e 9c. Ainda podemos observar hoje em dia que Shiva é o deus de todos, indiferentemente de casta ou cor, superior ou inferior, educado ou ignorante, brâmane ou pariah. Nenhuma outra deidade na Índia desfruta de tal tremenda popularidade universal. Mesmo se alguém não conhece um mantra, ainda assim a pessoa pode adorar Shiva. As jovens moças modelam a terra em imagens de Shiva e O adoram; os sádhakas filosóficos de idade avançada costumavam atingir samádhi em Shivatva [Consciência Cósmica]; e as assim-chamadas castas inferiores, tais como Doma e Cańdála, tornam-se sannyásiis de Shiva. Nenhuma outra divindade podia sequer tocar as sombras desses assim-chamados pariahs. O atual sistema social da Índia (que é fundamentalmente tântrico) foi desenvolvido por Shiva. Depois de aceitarem Shiva como Deus sem qualquer reserva, os arianos apropriaram-se de todas as coisas 37 N.T.: Citação de outra obra do autor, sobre Shiva: “Não havia nenhuma pompa em qualquer aspecto da vida de Shiva. Shiva, que tinha inumeráveis poderes ocultos, e perante quem todas as pessoas curvavam-se com os joelhos dobrados, era completamente indiferente aos Seus poderes. Essa grandeza de Shiva era um traço distintivo do Seu caráter. Enquanto que alguns deuses e deusas usavam vários tipos de ornamentos – alguns tinham coroas sobre suas cabeças, alguns tinham pulseiras em seus pulsos, alguns tinham brincos, alguns tinham cintos adornados com ouro em torno das suas cinturas –, Shiva não tinha ornamentos. Os Seus ornamentos eram os Seus seguidores, Seus devotos – as pessoas comuns, que os arianos estigmatizavam como “fantasmas”. As pessoas nativas eram um pouco escuras, e os arianos tinham pele clara; então os arianos menosprezavam aqueles seguidores de Shiva – as pessoas comuns da Índia – como “fantasmas”. Na verdade, elas não eram fantasmas, mas as devotas de Shiva. Em sânscrito, elas eram chamadas gańa [conglomerado de seguidores].” [Shrii Shrii Anandamurtii. “Todos estão à Luz da Glória de Shiva - 2 (Discurso 7)” {no original em inglês: “All Bask in the Glory of Shiva – 2 (Discourse 7)”. Calcutá, 23 de Maio de 1982. In: Namah Shiváya Shántáya.] boas dos dravidianos e dos outros não-arianos. É claro que isto não diminui o prestígio dos arianos – ao invés disso, o aumenta. Depois dessa apropriação, houve uma tentativa de propaganda para provar que o Tantra havia sido originalmente proposto pelos próprios arianos. Os arianos costumavam dizer: Agatamshivavaktrebhyoh gatainca Girijashrutao; Matainca Vasudevasya tasmadagama ucyate. Quer dizer, “Este tantra, ou Ágama Shástra, foi na verdade composto por Vásudeva [Krśńa, que era considerado ariano], e Shiva apenas revelou-o a Párvatii.” Áre Bábá! 38– se Vásudeva tivesse sido de algum modo o proponente dessa doutrina, por qual razão nesta terra Ele a teria colocado na boca do nãoariano Shiva ao invés de dizê-la Ele próprio? No começo os arianos costumavam reconhecer a superioridade da sádhaná do Tantra, mas praticavam-na em segredo; mas, depois de reconhecerem Shiva, eles abertamente declararam-se como sendo tântricos. Não apenas na Índia, mas em uma parte bastante grande do mundo, em cada esfera da vida, somente as leis e injunções de Shiva prevaleceram por um longo tempo. Mesmo hoje em dia, a civilização da Índia moderna é intrinsecamente tântrica. Apenas do lado de fora há uma marca védica. Ou, se assumirmos a civilização indiana como sendo um ornamento revestido, então o seu ouro é tântrico, e o revestimento é védico. Tanto para os sannyásiis perambulantes dos cemitérios e locais de cremação quanto para as pessoas donas-de-casa, somente esse Shiva é o homem ideal, e Gaorii, a mulher ideal. Shiva é o pai universal e Gaorii, a mãe universal. A casa de Shiva são os três mundos. Hararme pita Gaorii mata svadesho bhuvanatrayam. [Hara é meu pai, Gaorii é minha mãe, e os três mundos da terra, céu e inferno são o meu lar.] Quando os indianos estavam esquecendo-se dos ensinamentos de Shiva, devido à sua fascinação com as objetividades mundanas do mundo, veio outra entidade sublime como Shiva, que lembrou-os daqueles ensinamentos. Essa grande personalidade foi Shrii Krśńa. A questão sobre qual dos dois foi maior, Krśńa ou Shiva, não se coloca, porque todos os conhecedores de Brahma são um só: todos são Brahma. Shrii Krśńa foi o professor supremo e o político ideal do mundo – o que dizer da Índia apenas. Shiva foi o guru, o pai, da sociedade humana do mundo – um tipo completamente diferente de papel. Shiva foi o pai universal. Assim como Cándá Mámá [o Tio na Lua] é o tio de todos, Shiva é o pai de todos. Todos os três mundos são a família de Shiva. A Sua reputação não está confinada a nenhum país em particular. Mesmo assim, se alguém devesse ser escolhido como pai da civilização indiana, ou da sociedade indiana, ou da assim-chamada nação indiana 39 – então eu posso dizer enfaticamente que somente Shiva pode ser escolhido como sendo o pai, não somente da nação indiana, mas da nação humana universal. Somente o antigo Shiva, e ninguém mais, pode qualificar-se para ser o pai dessa assimchamada raça indiana de mais-que-cinco-mil-anos-de-idade. * * * Publicado em: (ainda não publicados em português) A Few Problems Solved Part 1 Discourses on Tantra Volume One [uma compilação] Tradução, revisão, notas e figuras: Mahesh (Florianópolis) 38 39 N.E.: uma exclamação como “Ó meu Deus!” N.T.: Provável referência do autor ao título dado a M. K. Gandhi: “Na Índia ele também é chamado de Bapu (do gujarati bāpu, ou ‘pai’). Ele é oficialmente honrado na Índia como o Pai da Nação.” [18] [Esse título foi] “usado pela primeira vez por Subhas Chandra Bose em um discurso transmitido por rádio a partir de Singapore, em 1944.” [19] Título esse também usado por Jawaharlal Nehru para referir-se a Gandhi após o assassinato do mesmo, em um discurso transmitido a toda a Índia: “Nosso amado líder, Bapu, como nós o chamamos, o Pai da Nação, não está mais entre nós.” [20: “The Light Has Gone Out”, All India Radio, 30 Janeiro 1948.] Traduzido entre janeiro e março de 2009; revisado e reeditado em agosto de 2009; setembro de 2011. Referências das figuras e notas-de-rodapé: [1] http://www.ebhagwan.com/general/shri-satyanarayan-prasanna/ [2] http://www.geocities.com/kaalighat/Satyanarayan.htm [3] http://en.wikipedia.org/wiki/Betel [4] http://en.wikipedia.org/wiki/Betel_nut [5] http://en.wikipedia.org/wiki/Lime_(fruit [6] http://en.wikipedia.org/wiki/Grapefruit [7] http://www.travelblog.org/Photos/693068.html [8] http://www.himalayanacademy.com/resources/books/hbh/hbh_table_of_contents.html [9] http://www.hindu-blog.com/2007/09/how-to-perform-ganesh-chaturthi-puja-at.html [10] http://www.flickr.com/photos/80271586@N00/2532714289/ [11] Figura sem a área pintada em vermelho: http://en.wikipedia.org/wiki/India [12] http://en.wikipedia.org/wiki/Varanasi [13] http://gujnetwork.com/Brahman.htm [14] http://en.wikipedia.org/wiki/Brahmin [15] http://www.geocities.com/Athens/7830/gallery/Sarasvati-peacock.jpg [16] http://en.wikipedia.org/wiki/Saraswati [17] http://en.wikipedia.org/wiki/Hamsa_(bird); http://en.wikipedia.org/wiki/Bar-headed_Goose [18] http://en.wikipedia.org/wiki/Mohandas_Karamchand_Gandhi [19] Bose, Mihir (2004). Raj, Secrets, Revolution: A Life of Subhas Chandra Bose. Grice Chapman. p. 277. [20] http://en.wikisource.org/wiki/The_Light_Has_Gone_Out