XXXV Semana da Química – Rio de Janeiro: Produzindo Ciência há 450 anos IX Jornada da Pós-Graduação em Ensino de Ciências ENSINO INTEGRADO DE FOTOSSÍNTESE: JOGO “PLANTAS FAMINTAS” Ana Carolina da Silva Cunha e Tânia Goldbach (Orient.) [email protected] 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ Palavras-chave: jogo didático, ensino de fotossíntese, transformações da matéria. Introdução O ensino da nutrição vegetal é um campo fértil para se trabalhar de forma integrada diversos conteúdos do currículo do 6º ano do Ensino Fundamental (EF), como solo, água e ar, e mobilizar conhecimentos áreas da Física e Química, como composição da matéria (átomos, moléculas) e transformações da matéria e energia. Essa visão de ensino integrado encontra respaldo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Ciências Naturais, mas segundo o referido documento, ainda é pouco explorada pelos professores de Ciências. Este trabalho trata de uma reflexão sobre um jogo, denominado “Plantas Famintas”, de caráter colaborativo, como estratégia que potencialmente contribui para o ensino integrado de temas relacionados com o processo fotossintético e que pode favorecer uma atitude ativa dos educandos na aprendizagem. Está visão construtivista de aprendizagem é apoiada por diversos autores. Dentre eles, Moraes (2000) descreve que aprender não é apenas um empreendimento individual, mas um processo que valoriza o sujeito dentro da aprendizagem.[1] A escolha de utilização de um jogo didático se justifica por ser uma estratégica que facilita a compreensão do conteúdo de forma motivante e divertida. Diversos trabalhos a respeito dos jogos didáticos têm mostrado o papel efetivo desta estratégia na aprendizagem, pois os alunos através desse tipo de atividade constroem seus próprios conhecimentos, promovendo a socialização e a elaboração de novos saberes, se alinhando, portanto, com uma visão construtivista de ensino.[2] Através da utilização desse jogo didático, procurou-se entender como os alunos se envolvem ativamente na construção do conhecimento e compreendem “Como as plantas se alimentam?” e “Qual o papel da alimentação em seu crescimento e desenvolvimento?”. No jogo foram utilizados diversos recursos semióticos, dentre eles destaca-se um modelo com bolinhas de isopor para relacionar a fotossíntese com a composição, transformações da matéria e energia, fazendo assim uma ponte entre o conhecimento. Metodologia Utilizou-se como instrumento de investigação da aplicação do jogo, a técnica de grupo focal, com um olhar voltado para os aspectos qualitativos da atividade realizada com os educandos. O grupo focal se trata de um conjunto formado por pessoas selecionadas e reunidas por um pesquisador. [3] O propósito desse grupo se concentra em discutir e comentar um tema, que é objeto da pesquisa em estudo, a partir de experiências pessoais do grupo. [3]. Atualmente, essa técnica tem sido adaptada e empregada em pesquisas na área de educação.[3] De acordo com Lervolino e Pelicioni [4], o grupo focal apresenta potencialidade no planejamento de atividades educativas, e pode ser utilizado também para a revisão do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, pode ser empregado para testar materiais, indo de encontro com um dos objetivos deste trabalho.[4] e [5]. O grupo focal foi conduzido respeitando-se o princípio da não diretividade, na qual o moderador/pesquisador ou facilitador da discussão se preocupa em não fazer intervenções afirmativas ou negativas, emitir opiniões particulares, conclusões ou intervenções diretas na dinâmica do grupo.[3] Um roteiro de condução do grupo focal, com sete perguntas estruturadas e desestruturadas foi elaborado como forma de orientar e estimular a participação dos educandos na discussão desenvolvida. O mesmo foi usado de forma flexível e ajustado quando necessário ao longo do próprio processo grupal, com a abordagem de tópicos não previstos.[3] Nesse estudo, foram escolhidos para participar da aplicação do jogo alunos do 6º ano do EF do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ), que apresentavam dificuldades na disciplina Ciências e que frequentavam aulas semanais de apoio (reforço escolar). Cinco alunos participaram da atividade, que teve duração de uma hora, para a conclusão de todas as Instituto Federal do Rio de Janeiro / Campus Rio de Janeiro – 19 a 24 de Outubro de 2015 etapas do jogo. Posteriormente, ocorreram trinta minutos de conversa com os alunos para a realização do grupo focal. O tempo, aparentemente curto, foi em decorrência do cansaço dos estudantes, que começaram a se apresentar reticentes em responder algumas perguntas. No entanto, o trabalho do grupo focal foi produtivo. Todo o roteiro de condução do grupo focal foi explorado, além de terem sido elucidadas outras questões, que foram levantadas durante o desenrolar da discussão. A seguir apresentarei o jogo e sua metodologia de aplicação. O jogo aplicado com os alunos apresenta três etapas: na primeira delas, os alunos formaram um único grupo para a montagem dos modelos de moléculas com bolinhas de isopor. Os alunos receberam bolinhas de isopor isoladas representando os átomos e palitos de dente que serviriam como ligações químicas, e puderam montar um modelo tridimensional da água e do gás carbônico. Esses modelos de moléculas foram posteriormente desmontados e reorganizados, usando os mesmos átomos para montar a molécula de glicose e as moléculas de oxigênio que também são produzidas nesse processo e que são liberadas para o ambiente. Na segunda, o grupo foi subdividido em outros dois grupos para capturar do ambiente os elementos necessários para a fotossíntese. Foram utilizadas 200 bolinhas de isopor em duas cores: vermelha, representando as moléculas de gás carbônico; azul, representando as moléculas de água; e “cartões de energia”. Dois tipos de etiquetas “Folhas” e “Raízes” foram utilizados para a separação dos grupos. Usamos também fichas nas quais os educandos puderam registrar os resultados do jogo, além de interpretá-los elaborando hipóteses e reflexões sobre as consequências dos mesmos na nutrição vegetal. O objetivo do jogo era coletar recursos suficientes para produzir 10 moléculas de glicose. Cada equipe, “Folhas” e “Raízes”, que faziam parte de uma mesma planta, capturou bolinhas de acordo com sua função no vegetal. O grupo “Folhas” teve que capturar bolinhas de isopor coloridas vermelhas e cartões de “Energia”. Os cartões de “energia” serviram para demonstrar a importância da energia solar, captada pela clorofila, para que fotossíntese ocorra. Já o grupo “Raízes”, teve que pegar bolinhas azuis. E, na última, foram analisados os resultados do jogo coletivamente. Essa etapa da dinâmica serviu como ferramenta para que os educandos entendessem a relação entre as moléculas capturadas com a produção da glicose, ou seja, foi trabalhada a estequiometria, mas de forma adaptada ao contexto do sexto ano. Para a análise apresentada neste trabalho, o jogo foi aplicado pela autora, que também é professora da turma investigada. Resultados e Discussão As falas dos educandos evidenciaram uma associação direta do jogo com uma brincadeira na qual puderem aprender sobre um conteúdo escolar: “A gente aprendeu brincando e eu gostei” (P); “Foi bom, porque além da gente se divertir a gente aprendeu [...]” (G); “A gente aprendeu uma coisa nova brincando” (R). Segundo Rolin e colaboradores [6] , a mesma associação apontada pelos alunos após utilizarem o jogo, também é compartilhada por esse grupo de autores. Para ambos, a brincadeira está intimamente relacionada com a aprendizagem. Não haveria, portanto, nos jogos didáticos uma distinção entre brincar e aprender, os dois caminham juntos. Os estudantes compararam o uso do jogo didático com uma aula teórica expositiva, ressaltando os ganhos na aprendizagem com a utilização da primeira estratégia: “Foi bom, porque além da gente se divertir a gente aprendeu mais, porque meio que a gente parava e prestava atenção, mais do que ‘escrevendo no quadro’” (G). Podemos interpretar o “prender mais a atenção”, à luz de alguns autores na literatura. De acordo com Fortuna (2000) [7], o ato de jogar posiciona ativamente o aluno frente ao conhecimento, tornando-o sujeito na experiência de aprendizagem. Esse processo ativo provoca um esforço para a compreensão do aluno, portanto, prenderia mais a atenção dos educandos na atividade, e transformaria a angústia da sala de aula em prazer na aprendizagem. Os educandos reconheceram a formação do alimento da planta como principal conteúdo de aprendizagem. A partir da experiência com o jogo “Plantas Famintas”, citam em suas falas os elementos necessários para que o processo de fotossíntese ocorra, destacando a necessidade de moléculas de água e gás carbônico. A composição da matéria em seu nível molecular aparece como segundo saber mais recorrente entre as respostas dos alunos. Ambos os achados podem ser evidenciados por: “A gente aprendeu um pouco mais sobre as moléculas e aprendemos também sobre como se forma a glicose.” (G) e “A gente aprendeu mais do que a planta precisa para ela poder ser uma planta saudável e também aprendemos, esqueci o nome [...], que a gente botava as bolinhas de água e gás carbônico.” (R). Os dados deste trabalho mostram que o jogo foi eficaz na construção adequada dos conceitos dos educandos sobre a nutrição vegetal, uma vez que, as respostas dos alunos focaram na produção do alimento vegetal através de moléculas inorgânicas do ambiente, reforçando a ideia de uma alimentação autotrófica. O sucesso na construção desse conhecimento pode ser atribuído ao uso do modelo com bolinhas de isopor. O modelo foi muito útil para explorar e desenvolver noções de proporção, relações dos átomos e moléculas na construção das substâncias que Instituto Federal do Rio de Janeiro / Campus Rio de Janeiro – 01 a06 de Dezembro de 2014 participam como reagentes ou produtos da fotossíntese. Através desse jogo, os alunos também demonstraram conhecimentos iniciais sobre estequiometria da fotossíntese e transformações que ocorrem na matéria, exemplificado no Quadro 1. SIGNIFICADOS PRODUZIDOS A PARTIR DO JOGO “[...] a glicose é formada por 6 moléculas de água e 6 moléculas de gás carbônico. Também tem as 6 Conhecimentos (moléculas) que sobraram de oxigênio [...]” (G) sobre “[...] oxigênio era o que tinha mais, porque no gás estequiometria carbônico tem dois de oxigênio e na água..., tem dois e conservação (átomos) de oxigênio ficaram sobrando.” (D) de massa “[...] por 5 moléculas de água a gente poderia não ter sobrevivido” (P). “[...] o gás carbônico e água “serão fundidos” para fazer Transformações a glicose.” (G) que ocorrem na “[...] a gente precisa transformar esses átomos pra ter o matéria alimento que é a glicose.” (D) Quadro 1: Conhecimentos de estequiométricos, princípio de conservação de massa e transformações da matéria apresentados pelos alunos. Nossos achados divergem da literatura, pois diversos autores relatam dificuldades que alunos, apresentam em compreender as transformações químicas e a conservação de massa. [8] Schnetzler e Rosa, em seu trabalho apontam que a grande dificuldade dos estudantes reside em articular conhecimentos de ordem macroscópica (observação de fenômenos) e microscópico (nível explicativo ou interpretativo no qual se trabalha no plano atômicomolecular para racionalizar sobre o nível fenomenológico). Estas autoras sinalizam que o conhecimento de grande parte dos estudantes está focado apenas no nível fenomenológico, o que criaria um obstáculo para compreensão dos mecanismos das transformações químicas, e consequentemente, dificultaria o entendimento de muitos processos que ocorrem diariamente em nosso cotidiano.[8] Voltaremos agora a discussão para outro objetivo deste trabalho. Partindo-se do pressuposto que o jogo ajudaria na compreensão dos educandos sobre o papel da produção do alimento (fotossíntese) na manutenção, crescimento e desenvolvimento das plantas, percebeu-se que essa atividade se tratou de um estágio bem sucedido. Também ficou claro para os alunos, a partir da reflexão dos resultados, que existem três possibilidades nutricionais atreladas ao objetivo do jogo, que era formar 10 moléculas de glicose. Essas três possibilidades – atingir, ultrapassar ou ficar aquém do objetivo da atividade – os alunos interpretaram da seguinte forma, como demonstrado no Quadro 2. Resultados possíveis: Conclui-se, que este trabalho, utilizando o jogo “Plantas Famintas”, foi bem sucedido em todos os objetivos propostos nesta pesquisa. No entanto, destaca-se a possibilidade de desdobramentos e aprimoramento do jogo e da dinâmica de aplicação do mesmo. Além disso, devido aos conteúdos trabalhados por este jogo, sugere-se a possibilidade de uso deste material didático, com as devidas adequações, em outras sérias como 9ª ano do EF e 1ª ano do EM. O jogo “Plantas Famintas” representa uma forma alternativa de abordagem integrada da nutrição vegetal, envolvendo e relacionando as estruturas dos vegetais que participam nesse processo. Além de demonstrar as transformações de matéria e energia na fotossíntese. Ele também consegue aliar os aspectos macro e microscópicos da fotossíntese, desde seu nível atômico e molecular até o ganho de massa vegetal observado pelos alunos através do crescimento das plantas. Os estudantes ainda puderam relacionar a fotossíntese com as trocas gasosas e o equilíbrio de gases no meio ambiente. Assim, nesta pesquisa, conseguiu-se, no ensino de Ciências, abordar a fotossíntese através deste jogo de forma ampla e integrada, como o sugerido pelo PCN, e não como um tópico isolado. Agradecimentos: IFRJ, CNPq, FAPERJ. Referências. [1] MORAES, R. Construtivismo e ensino de ciências. Porto alegre: EDIPUCRS, p 103-129, 2000. [2] CAMPOS, L. M. L.; BORTOLOTO, T. M.; FELÍCIO, A. K. C. A produção de jogos didáticos para o ensino de ciências e biologia: uma proposta para favorecer a aprendizagem. Cadernos dos Núcleos de Ensino, p.47-60, 2003. [3] GATTI, Bernardete Angelina. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Série Pesquisa em Educação. Brasília, Líber Livro, 2005. [4] LERVOLINO, S.A.; PELICIONI, M.C.F. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v.35, n.2, p.115-21, jun. 2001. [5] GONDIM, Sônia Maria Guedes. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios metodológicos. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 12, n. 24, p. 149-161, 2002. [6] ROLIM, A. A. M.; GUERRA, S. S. F.; TASSIGNY, M. M. Uma leitura de Vygotsky sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Revista Humanidades, v.23, n.2, p.176-180, 2008. [7] FORTUNA, Tânia Ramos. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLA ZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, Cadernos de Educação Básica, v.6, p.147-164, 2000. [8] SCHNETZLER, R. P.; ROSA, M. I. F. P. Sobre a importância do conceito transformação química no processo de aquisição do conhecimento químico. Química Nova na Escola, n.8, p.31-35, 1998. Respostas dos alunos Mais de 10 moléculas de glicose produzidas. A planta irá crescer. Exatamente 10 moléculas de alimento foram produzidas pela planta. A planta se manterá viva, mas não vai crescer. Menos que 10 moléculas glicose foram fabricadas pela planta. A planta irá morrer por falta de alimento. Quadro 2: Os criaram hipóteses sobre as condições nutricionais da planta a partir de uma reflexão sobre o resultado do jogo. Instituto Federal do Rio de Janeiro / Campus Rio de Janeiro – 01 a06 de Dezembro de 2014