ISSN 1413-3';55 Rev. bras. lisioter. Yol. 9, No. 3 (2005), 257-263 (i)Rcvista Brasikira Jc Fisioterapia ATIVIDADE ELETROMJOGRÁFICA DOS MÚSCULOS MASSETER E TEMPORAL ANTERIOR DE CRIANÇAS COM MORDIDA CRUZADA POSTERIOR UNILATERAL (MCPu) Bevilaqua-Grossi, D., 1 Chaves, T. C} Lima-Duarte, K. 3 e Oliveira, A. S.' 'Departamento de Biomecânica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo- FMRP-USP, Ribeirão Preto, SP :PPG-FMRP-USP, Ribeirão Preto. SP 1 Fisioterapeuta Correspondência para: Débora Bevilaqua Grossi, FMRP-USP, Campus Universitário, CEP 14049-900, Ribeirão Preto. SP, Brasil, e-mail: [email protected] r Recebido: 2917/2004 -Aceito: 13/6/2005 RESUMO Contexto: A Mordida Cruzada Posterior unilateral (MCPu) pode estar relacionada ao desenvolvimento de alterações neuromusculares do sistema estomatognático. No entanto. um padrão de atividade elétrica da musculatura mastigatória de crianças com MCPu ainda não foi determinado na literatura. Objetivo: Comparar a atividade elétrica de músculos mastigatórios em crianças com MCPu comparadas a crianças com normoclusão. Método: Participaram deste estudo seis crianças com MCPu à direita (MCPD: 7.5 ± I ,87 anos). seis com MCPu à esquerda (MCPE: 7.5 ± 1,87 anos) e oito normoclusão (8. 14 ± 2,91 anos). A atividade elétrica dos músculos temporal porção anterior e masseter bilaterais foi avaliada por meio de eletromiografia de superfície durante a ma·stigação habitual e bilateral com freqüência controlada de 0.9 Hz. Para análise estatística foi utilizado o teste de ANOYA (p :S: 0.05). Resultados: Os resultados obtidos demonstraram não haver diferenças significativas entre os grupos MCPD, MCPE c normoclusão na atividade elétrica dos músculos mastigatórios avaliados nas duas situações de mastigação avaliadas. entretanto. foi observada tendência de maior atividade dos músculos elevadores homolaterais à mordida cruzada de crianças com MCPu. hem como maior atividade dos músculos masseteres c temporais anteriores direitos, em comparação aos músculos contralaterais. apenas em crianças com MCPD. Conclusões: Esses resultados demonstram não haver diferenças na atividade elétrica elos músculos mastigatórios de crianças com MCPu. No entanto. a grande variabilidade observada nas crianças com MCPu. principalmente nas crianças com MCPD, pode ter mascarado as di fercnças entre os grupos avaliados. Palavras-chave: mordida cruzada posterior. eletromiografia, mastigação habituaL mastigação não habitual, má oclusão. ABSTRACT EMG activity of Masseter and Anterior Temporalis muscles in children with unilateral posterior crossbite Background: Unilateral posterior crossbite (UPCB) rnay be relatecl to the development of neuromuscular alterations of the stomatognathic system. However. no pattern has yet been determined in the literature for the electrical activity of the masticatory musclcs in children with UPCB. Objcctive: To compare the electromyographic activity of the masticatory muscles in children with UPCB and children with normal occlusion. Methods: Six children with right-side UPCB (mean age: 7.5 ± 1.87 years), six with lcft-side UPCB (mean age: 7.5 ± 1.87 years) anel eight with normal occlusion (mean age: 8.14 ± 2.91 years) took part in this study. Ali thc children werc aged betwecn five and 14 ycars. The surface electromyographic activity of the anterior temporalis and masseter musclcs was recorded bilaterally during habitual anel deliberate chewing with a controlled frequency of 0,9 Hz. For statistical analysis, the ANOVA test was used (p :S: 0.05). Results: It was shown that thcre were no significant clifferences between the groups of chilclren reganling thc clcctromyographic activity of masticatory musclcs studied. However, there was a tcndency towards greater activity of the elevator muscles homolateral to crossbite in the children with UPCB. There was also greatcr activity of the right anterior temporalis and masseter muscles than of the left-side muscles. among the children with right-side UPCR Conclusion: The results demonstrate that thcre wcre no dillerences in the electrical activity of thc masticatory muscles in the children ~ith UPCB However. the great variability ohserved among the chilclren with UPCB. particularly among those with 1ight-sicle UPCB, may have masked the differences between the groups evaluated. Key words: Posterior crosshite, electromyography, habitual mastication, deliberate rnastication. malocclusion Rer. bras . .fiviorer Hevilaqua-Grnssi, D. cr a/. 158 INTRODUÇÃO A relação buco-lingual na arcada dentária normal é caracterizada pela oclusão das cúspides vestibulares mandibulares na fossa central dos dentes superiores e as cúspides palatinas maxilares ocluindo na fossa central dos dentes inferiores. Na Mordida Cruzada Posterior (MCP), má oclusão do canino, pré-molares e molares e as cúspides linguais dos dentes mandibulares ocluem na fossa central dos dentes maxilares e as cúspides vestibulares maxilares ocluem na fossa central dos dentes mandibulares, podendo comprometer um ou mais pares de dentes mandibulares e ser unilateral ou bilateral. 1 A MCPu (Mordida Cruzada Posterior unilateral) se caracteriza também por uma redução do arco dental maxilar, induzida por hábitos como chupar dedo ou chupeta, respiração bucal e hábitos incorretos de deglutição. 2 De acordo com Serra-Negra, 1 crianças com hábitos deletérios apresentam quatro vezes mais chances de desenvolver MCPu. Na literatura, a prevalência de MCPu varia de WJ(J a 16'llJ da 4 6 população, sendo mais freqüente na forma unilateral. ·'· A discrepância resultante entre a maxila e a largura do arco mandibular pode produzir alterações ncuromusculares do sistema estomatognático, 7 relacionadas a mecanismos de ordem central. provavelmente baseados no feedback dos mecanorreceptores da membrana periodontal e do periósteo do osso alveolar.x Essas alterações na atividade neuromuscular podem levar a modificações na atividade dos músculos mastigatórios. A atividade elétrica dos músculos mastigatórios de crianças com MCPu tem sido abordada na literatura, no entanto, os resultados desses estudos não são conclusivos especialmente no que diz respeito à atividade muscular em relação ao lado da mordida cruzada. Troelstrup & Moller" avaliaram a atividade elétrica dos músculos temporais, porções anterior e posterior. e do masscter bilateralmente em adolescentes com MCPu e constataram um aumento da atividade dos músculos temporais anterior e posterior homolaterais à mordida cruzada durante repouso mandibular e aumento da atividade apenas do temporal posterior homolateral à mordida cruzada durante máxima intercuspidação. Maior atividade do músculo temporal porção posterior no lado do cruzamento, dumnte fC[X)USO. em crianças com MCPu também já foi observada na literatura, sugerindo que a mandíbula tende a desviar-se para o lado da mordida cruzada. 111 Achados similares foram relatados por Alarcón et a/., 11 que observaram aumento da a ti v idade do músculo temporal posterior contralateral à mordida cruzada durante repouso c deglutição e constataram menor atividade do músculo masscter homolateral à mordida cruzada durante a mastigação habitual. A MCPu também encontra-se relacionada ao desenvolvimento de várias alterações deletérias quando persiste até a idade adulta, 11 como interferências oclusais decorrentes da 12 relação inadequada entre os arcos maxilar e mandibular. redução da força de mordida bilateral/' assimetrias na trajetória e no posicionamento condilar. 14 aumento dos sinais e sintomas 111 17 de Disfunção Têmporo-mandibular 1' e alterações posturais. · Dessa maneira, o entendimento de possíveis alterações neuromusculares em crianças com MCPu pode trazer contribuições para o direcionamento das estratégias de tratamento e prevenção destinadas a essas crianças. OBJETIVO O objetivo deste trabalho foi comparar a atividade elétrica dos músculos mastigatôrios temporal porção anterior e masseter bilateralmente em crianças portadoras de MCPu (direita c esquerda) em relação a indivíduos com normoclusão durante as atividades de mastigação habitual e bilateral e estabelecer relações entre a atividade elétrica e o lado da mordida cruzada. Assim, a hipótese deste estudo é de que crianças com MCPu tenham alterações c assimetrias na atividade eletromiográfica de músculos mastigatórios durante a função em relação a crianças com normoclusão. MATERIAIS E MÉTODOS Amostt·a Foram selecionadas 12 crianças com diagnóstico odontológico de Mordida Cn11.ada Posterior unilateral (MCPul, das quais seis apresentavam MCPu à direita (7,5 ± I ,'in anos). anos) e oito com normoclusão seis, à esquerda (7,5 ± (8, 14 ± 2.91 anos) (classe ] de Angle). Foram excluídas crianças submetidas a tratamento ortodôntico ou postura! prévio, que não tinham todos os molares erupcionados. restaurações extensas. patologias periodontais e portadoras de MCP bilateral de acordo com o diagnóstico odontológico. Todas as crianças receberam informações sobre os procedimentos a serem realizados durante a pesquisa e seus responsáveis concordaram em assinar o termo de consentimento. A pesquisa recebeu a aprovação do comitê de ética do Centro Universitário do Triângulo (UNIT). un Instrumentação Os sinais mioelétricos foram captados por meio da colocação de eletrodos ativos de superfícies diferenciais (ganho de 20 vezes, IO mm de distância entre as superfícies de detecção, impedância de entrada de I O GQ c RRMC de 130 dB). composto por duas barras de prata retangulares paralelas da Dma Hominis Brasil. Um eletrodo de referência com área de três cm 2 foi posicionado no osso frontal. Para o registro eletromiográfico foram utilizados quatro canais d~ um sistema de aquisição simultânea. filtro passa faixa de IO a 500Hz, três estágios de amplificação, ganho total de 100 vezes, i mpedância de entrada dos canais de 1O Gn em Vol. 9 No. 3, 2005 EMG de Músculos Mastigatórios de Crianças com MCPu modo diferencial, placa conversora analógico/digital de 12 bits de resolução de faixa dinâmica e freqüência de amostragem por canal de 2.000 Hz. O software ALCEmg t'oi utilizado para apresentação dos sinais de diferentes canais simultaneamente. Procedimen to Experiment al Os volunLários inicialmente foram esclarecidos quanto aos procediment os e familiarizad os em relação aos movimentos que seriam executados. Para a realização da coleta de dados, os voluntários foram instruídos a permanecer sentados, com plano horizontal de Frankfurt paralelo ao solo. Foi feita a limpeza prévia da pele, com álcool 70%, para diminuir a impedância entre pele e eletrodos. Os eletrodos foram fixados bilateralmen te nos músculos temporal porção anterior ~ e masseter 111 após palpação muscular orientada durante a realização de contração muscular. Foram feitos pelo menos três registros mastigatório s em cada situação, com duração de quatro segundos, sendo que o início da captação do sinal eletromiográ fico ocorreu após dois segundos a partir do início das atividades solicitadas. Foi solicitado ao paciente repouso de 30 segundos entre as contrações em cada repetição e de um minuto entre as diferentes mastigações , a fim de evitar a fadiga. 1 ~ O sinal eletromiográ fico foi avaliado nas três seguintes situações. 1 a) Mastigação habitual (MH) Na mastigação habitual, o paciente foi orientado a mastigar quatro amendoins 111 naturalment e, sem qualquer orientação prévia, por IO segundos. De acordo com Ingerval & Thilander, 111 o uso de amendoins nas tarefas de mastigação propicia a análise de movimentos mais funcionais. b) Mastigação não habitual bilateral (MNHB) Solicitou-se ao paciente colocar quatro amendoins, dois do lado direito e dois do lado esquerdo, sobre os pré-molares e molares, e mastigá-los por quatro segundos, com freqüência de 0,9 Hz, determinada pelo metrônomo. c) Máxima intercuspida ção dental (contração isométrica voluntária máxima - CIVM) Durante a máxima intercuspida ção foi solicitado ao paciente posicionar de cada lado, nos pré-molares e molares, metade de uma goma de mascar da marca Buballo®, escolhida para o procedimen to por ser a goma comercial mais resistente e agradável para as crianças, já que a realização do máximo apertamento dentário com os amendoins não seria adequada ou possível. O voluntário foi orientado a manter a mordida com a máxima força possível por quatro segundos. O valor médio de RMS obtido das três repetições de máxima intercuspida ção foi utilizado para a normalizaçã o dos dados. 259 Processame nto do Sinal Para a quantificaçã o da atividade elétrica foi utilizada a Raiz Quadrada da Média do sinal (Root Mean Square RMS), em 11V. Os valores de RMS obtidos nas atividades de MH e MNHB foram normalizados em relação aos valores de RMS obtidos na atividade de CIVM e multiplicado s por I 00, de acordo com Hanten & Schulthies, 19 e, portanto, encontram-s e expressos em porcentagem . Para a obtenção do valor de RMS foi considerado o ciclo mastigatório posicionado centralmente em cada um dos registros mastigatório s considerados . Tal ciclo foi obtido por meio de um software (ALCEmg), que por meio de um algoritmo é capaz de localizar e detectar o iníci,o e o final da atividade elétrica de cada ciclo mastigatório , fornecendo o valor de RMS do sinal janelado. O valor médio de RMS obtido entre os três registros de cada atividade solicitada foi considerado para posterior análise estatística. Análise dos Dados O teste ANO VA (p < 0,05) foi utilizado para comparação dos valores médios de RMS normalizados dos músculos temporal :interior e masseter, bilateralmente, entre os grupos MCPD e MCPE em relação ao grupo com normoclusão nas situações de mastigação habitual e não habitual e para comparação dos valores de RMS normalizados dos músculos temporais anteriores e masseteres homolaterais e contra-laterais nos grupos MCPu (MCPD + f.flCPE) e dos músculos temporal anterior e masseter, bilateralmen te, no grupo normoclusão , nas situações de mastigação habitual e não habitual. Para quantificaçã o da variabilidade nos grupos avaliados foram calculados os coeficientes de variação (CV = desvio-padrã o/média), multiplicados por 100, dos valores de RMS normalizados. RESULTAD OS Não foram observadas diferenças na amplitude da atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter direito e esquerdo (TD, TE, MD e ME) na atividade de MH para os grupos MCPD, MCPE e normoclusão (Tabela I). Também não foram verificadas diferenças significativas na comparação da amplitude de atividade elétrica dos músculos temporais anteriores e masseteres durante MNHB para os grupos MCPD, MCPE e normoclusão . Tendência à maior amplitude de atividade dos músculos masseteres e temporais anteriores direitos em crianças com MCPD também foi observada tanto na mastigação habitual quanto na não habitual (Tabela 2). Uma vez que não foi observada relação entre o lado da mordida cruzada e a amplitude de atividade elétrica nos grupos MCPD e MCPE, os voluntários de ambos os grupos foram analisados conjuntame nte no grupo MCPu. Dessa maneira, como demonstrad o na Tabela 3, não foram Rev. bras . .fisiora Bevilaqua-Grossi, D. et ai. 260 observadas diferenças signiticativas na amplitude de atividade elétrica dos músculos temporais anteriores e massetere s homolater ais e contralate rais à mordida cruzada no grupo MCPu (grupo MCPE + MCPD), tanto na MH como na MNHB. No entanto, foi observada maior amplitude de atividade elétrica e maior variabilida de dos valores de RMS normalizados dos músculos temporais anteriores e masseteres homolatera is tanto na MH quanto na MNHB no grupo com MCPu, sendo que tal tendência não foi evidenciad a no grupo normoclus ão. a mastigação habitual nas crianças com Tabela 1. Atividade elétrica (RMS normalizado, expresso em%) dos músculos mastigatórios durante 8). = MCPD (n = 6) e MCPE (n = 6) quando comparadas às crianças com normoclusã o (n MCPD (RMS, %) MCPE (RMS, %) Normoclusã o (RMS, %) 141,33 ± 178,93 66.17 ± 38.19 75.13±71,1 7 Masseter direito 134,5 ± 149,53 85,83 ± 62.03 72,25 ± 45,81 Temporal anterior esquerdo 55,00 ± 21 ,39 68,67 ± 32,36 62.88 ± 21 .34 54,00 ± 19,39 59.88 ± 44,75 Músculos mastigatóri os Temporal anterior direito 76, 17 ± 26,51 Masseter esquerdo (CIVM). Valores de RMS normalizados em relação aos valores de Contração Isométrica Voluntária Máxima MCPD e MCPE: mordida cruzada posterior direita e esquerda, RMS (Root Mean Square). p ~ 0,05, ANOV A. a mastigação não habitual nas crianças Tabela 2. Atividade elétrica (RMS normalizado , expresso em%) dos músculos mastigatório s durante 8). = (n o normoclusã com com MCPD (n = 6) e MCPE (n = 6) quando comparadas às crianças MCPD (RMS, %) MCPE (RMS,%) Normoclusã o (RMS, %) Temporal anterior direito 142.00 ± 156.21 68,00 ± 42,12 57,25 ± 20.81 Masseter direito 137,00 ± 122,27 I 00.67 ± 81 ,35 76.13 ±46.14 63.83 ± 20, 17 49,33 ± 35,82 77.88 ±.'i I. I I 71,67 ± 19,68 45,33 ± 30,28 68.25 ± 40, 18 Músculos mastigató1·ios Temporal anterior esquerdo Masseter esquerdo (CIVM). Valores de RMS normalizados em relação aos valores de Contração Isométrica Voluntária Máxima MCPD e MCPE: mordida cruzada posterior direita e esquerda. RMS (Root Mean Square). p ~ 0.05, ANOV A. mastigatório s entre as atividades e em Tabela 3. Comparação entre a atividade elétrica (RMS normalizado , expresso em%) dos músculos o (n = 8). normoclusã e 12) = (n MCP com grupos nos habitual) e habitual não cada atividade realizada (mastigação Músculos Temporal contra-later al Temporal homolatear al Masseter contra-later al Masseter homolatera l Masseter esquerdo Masseter· direito Temporal esquerdo Temporal direito 68,25 ± 40.18 76,13 ± 46,14 59,88 ± 44,75 72.25 ± 45,81 Normoclusã o MCPu MH 60,58 ± 30,08 I 05.00 ± 28,33 81,00 ± 45,76 94,25 ± 110.01 77,88±51,1 1 57,25 ± 20,81 MNHbi 65,92 ± 31,56 95,67 ± 118,39 86, 17 ± 58,42 91,17±97,4 9 62.88 ± 21 ,34 75,13±71,1 7 (CIVM). Valores de RMS normalizados em relação aos valores de Contração Isométrica Voluntária Máxima bilateral. MCPu: mordida cruzada posterior unilateral, MH: mastigação habitual, MNHbi: mastigaçãonão habitua! p ~ 0,05, ANOV A. Vol. 9 No. 3, 2005 EMG de Músculos Mastigatórios de Crianças com MCPu No grupo MCPD foram verificados maiores coeficientes de variação para os valores de amplitude de atividade elétrica normalizados dos músculos homolaterais à mordida cruzada em relação ao lado contralateral (TO: 126%, MO: I li%, TE: 38% e ME: 35%) em relação aos grupos MCPE (TO: 57%, MO: 72%, TE: 46% e ME: 35%) e nomoclusão (TO: 95%, MO: 64%, TE: 34% e ME: 75%). Durante a mastigação não habitual o comportamento de maior variabilidade dos valores de amplitude de atividade elétrica normalizados dos músculos homolaterais à mordida cruzada também foi observado no grupo MCPD em relação ao lado contralateral (TO: I I 0%, MO: 88%, TE: 32% e ME: 26%) em relação aos grupos MCPE (TO: 62%, MO: 80%, TE: 73% e ME: 67%) e normoclusão (TO: 35%, MO: 60%, TE: 65% e ME: 58%). Na análise do grupo MCPu (MCPD + MCPE), maior variabilidade na amplitude de atividade elétrica dos músculos (temporal contralateral - TC, temporal homolateral - TH, masseter contralateral - MC e masseter homolateral - MH) homolaterais à mordida cruzada também pode ser observada apenas durante mastigação não habitual (TH: I 24%, MH: 107%, TC: 48% e MC: 67%) em relação ao grupo normoclusão (TE: 64%, ME: 75%, TO: 95% e MO: 34%). Já durante a mastigação habitual, maior variabilidade foi observada apenas para os valores de amplitude de atividade elétrica normalizados do músculo masseter homolateral à mordida cruzada no grupo MCPu (MH: I 17%, Til: 27%, MC: 55% eTC: 45%) em relação ao grupo normoclusão (ME: 58%, TE: 60%, MO: 66% e TO: 35%). DISCUSSÃO Os dados deste estudo demonstraram não haver diferenças significativas entre a amplitude de atividade elétrica dos músculos temporais anterior e masseteres bilaterais em indivíduos com MCPD e MCPE, em relação a indivíduos com normoclusão, durante as atividades de mastigação habitual e não habitual, bem como não foi observada relação significativa entre a amplitude de atividade elétrica dos músculos avaliados e o lado da mordida cruzada quando os voluntários com MCPu foram analisados como um grupo único. Entretanto, foi observada maior atividade elétrica dos músculos temporais anterior e masseteres homolaterais durante mastigação habitual e não habitual, sugerindo assimetria funcional na atividade elétrica dos músculos avaliados nos indivíduos com MCPu. 23 Alarcón et al., 11 que analisaram o comportamento mioelétrico dos músculos mastigatórios durante mastigação habitual em crianças com MCPu na faixa etária de IO a 14 anos, também não observaram diferenças significativas na atividade elétrica dos músculos temporais anteriores durante mastigação. Contudo, diferentemente dos resultados observados em nosso estudo, em relação à atividade elétrica do músculo masseter, foi observada redução significativa 261 na atividade deste músculo homolateral à mordida cruzada em relação ao grupo normoclusão. Segundo os autores, a diminuição na atividade do músculo masseter homolateral à mordida cruzada nos indivíduos com MCPu pode estar diretamente relacionada à presença de um reflexo de proteção inibitório acionado para evitar danos às estruturas do sistema estomatognático, já que o cont~o dentário em posições instáveis, como ocorre nos indivíduos com MCPu, pode causar desconforto e dor, A possível explicação para a diferença nos achados pode estar relacionada à faixa etária considerada em nosso estudo e a não utilização do procedimento de normalização dos dados no estudo de Alarcón et al. 11 Por outro lado, Ingerval & ThilanderHl não observaram diferenças na atividade EMG do músculo masseter e relataram aumento significativo da atividade elétrica do músculo temporal porções anterior e posterior homolateral à mordida cruzada, durante repouso e mastigação, em crianças de 8 a li anos com mordida forçada lateral, quando avaliados os músculos bilateralmente. Entretanto, na comparação entre o grupo com MCPu e o grupo com normoclusão foi verificada diminuição significativa da atividade dos músculos temporais anterior e posterior homolateral à mordida cruzada durante a mastigação habitual. A mordida forçada lateral é definida pelos autores como um desvio lateral da mandíbula entre as posições de contato retrusivo e de máxima intercuspidação adotado freqüentemente pelo indivíduo com MCPu para fugir de uma intercuspidação oclusal instáveJ. 1.7 Os autores sugerem que a maior atividade do músculo temporal homolateral à mordida cruzada pode estar relacionada ao fato de esse músculo ter um papel no controle da postura da mandíbula que se encontra alterado em decorrência do desvio lateral mandibular encontrado nesses indivíduos. Nossos achados não estão em concordância com esses resultados, já que foi observada maior atividade dos músculos temporais anteriores homolaterais nos indivíduos com MCPu quando comparados aos indivíduos com normoclusão durante as atividades de mastigação avaliadas. Resultados similares foram observados por Troelstrup & Moller, 9 que também verificaram maior atividade do músculo temporal posterior homolateral à mordida cruzada durante repouso e máximo apertamento dentário e diminuição da atividade EMG de repouso do músculo temporal anterior homolateral à mordida cruzada na comparação bilateral dos músculos em crianças com MCPu com idades entre 8 e li anos. Os autores não compararam seus resultados com um grupo-controle. Em nosso estudo, a atividade elétrica dos músculos mastigatórios durante o máximo apertamento dentário foi utilizada no procedimento de normalização dos dados, sendo esse procedimento recomendado na literatura quando da comparação do sinal EMG interindivíduos. 24 No entanto, esse 262 l?ev. bras . .fisiota Bevilaqua-Grossi, D. et ai. procedimento de normalização não foi adotado pelos estudos mencionados, o que dificulta a comparação com os dados do presente estudo e pode explicar as diferenças nos resultados. De acordo com a teoria de Planas, 2' a mastigação fisiológica se processa no lado da mínima dimensão vertical, 26 isto é, no lado da mordida cruzada nas crianças com MCPu. [sso pode explicar a maior atividade elétrica observada dos músculos temporal anterior e masseter homolaterais à mordida cruzada nos indivíduos com MCPu e a menor atividade dos músculos contralaterais na mastigação habitual e não habitual. Assim, durante a mastigação, os indivíduos com MCPu apresentaram maior atividade elétrica dos elevadores homolaterais à mordida cruzada, o que sugere que a adoção do hábito de mastigar no lado com menor dimensão vertical pode relacionar-se ao desenvolvimento de alterações na ativação dos músculos mastigatórios, como resultado de uma preferência por um dos lados durante a mastigação, alterando o padrão mastigatório ideal, no qual o indivíduo alternaria os lados de balanceio e trabalho durante a mastigaçãoY Aspecto importante deste estudo foi a avaliação de crianças com MCPD e MCPE, já que estudos realizados com crianças com MCPD são mais comumente observados na literatura. ~- 11 · 17 Os resultados deste estudo sugerem diferenças na atividade elétrica nos indivíduos com MCPD e MCPE. O aumento na atividade do temporal anterior direito e do masseter direito, na comparação entre os lados, sugere hiperatividade dos músculos homolaterais apenas em crianças com MCPD (Tabelas I e 2). Entretanto, a reduzida amostra de crianças com MCPD (n = 6) e MCPE (n = 6) considerada neste estudo limita essas conclusões. A variabilidade dos dados deste estudo, observada pelos altos coeficientes de variação da amplitude de atividade elétrica dos valores de atividade elétrica normalizados nos grupos com MCPu (especificamente no grupo MCPD), pode ter prejudicado a observação de diferenças estatísticas entre os grupos. Essa alta variabilidade nos dados de EMG, relativos à mastigação de crianças com MCPu, também foi mencionada por Alarcón et a/., 11 que relataram grandes valores de desviospadrão similares nos grupos experimental e controle. Em nosso estudo, os valores de desvios-padrão foram maiores nos grupos MCPD e MCPu, sugerindo que alterações na dinâmica mandibular, levando a diferenças intragrupo no padrão de atividade elétrica dos músculos mastigatórios, possam ser mais acentuadas no grupo com MCPu, como conseqüência da má oclusão dentária. O entendimento das alterações neuromusculares relativas a MCPu na criança pode auxiliar dentistas, fonoaudiólogos e fisioterapeutas a direcionar protocolos de tratamento adequados para amenizar os efeitos da MCPu no adulto, prevenindo o desenvolvimento de alterações na dinâmica mandibular, 21 disfunção têmpora-mandibula r" e alterações posturais.~r'- 17 CONCLUSÕES Os resultados deste estudo não demonstraram diferenças significativas na atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter durante a função mastigatória de crianças com MCPD e MCPE quando comparadas ao grupo normoclusão. Entretanto, foram observadas tendências importantes na atividade elétrica dos músculos estudados, sugerindo maior atividade dos músculos mastigatórios homolaterais de indivíduos com MCPD em relação aos músculos contralaterais, bem como maior atividade dos músculos temporal anterior e masseter homolaterais no grupo MCPu (MCPD + MCPE). Tais tendências precisam ser confirmadas em estudos posteriores· que utilizem amostras maiores e mais homogêneas em termos de critérios de inclusão e faixa etária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA S I. Okeson J P. Fundamentos de oclusão e desordens temporomandibulares, 2" ed. São Paulo: Artes Médicas: 1992. 2. Larsson E. Effect o f dummy-sucking on the prevalence o f crossbite in the permanent dentition. Swedish dental Journal 1986; 10:97-101. 3. Serra-Negra JMC. Pordeus. lA, Rocha Jr. JF Study of the relationship between infant feeding methods. oral habits, and malocclusion. Revista de Odontologia da Universidade São Paulo 1997: ll (2). 4. Kuttin G Hawes RR. Posterior crossbite in deciduos and mixed dentitions. American Journal Orthodontics 1969: 56(5), 491504. 5. hrvinem S. Need for preventive and interceptive intervention for malocclusion in 3-5 year old. Finnish children. Community Dentistry and Oral Epidemiology 1981; 9: l-4. 6. Henry JR. 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