o músculo como um órgão de secreção hormonal regulado

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Rev. bras. fisioter. Yol. 5 No. 2 (2001), 87-94
©Associação Brasileira de Fisioterapia
O MÚSCULO COMO UM ÓRGÃO DE SECREÇÃO HORMONAL REGULADO
PELO ESTÍMULO MECÂNICO
Minamoto, V. B. 1 e Salvini, T. F. 2
1
Programa de Pós-graduação em Ciências Fisiológicas, Universidade Federal de São Carlos
2
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos
Correspondência para: Tania Fátima Salvini, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos,
Rodovia Washington Luiz, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, e-mail: [email protected]
Recebido: 28/02/00- Aceito: 29/09/00
RESUMO
O objetivo dessa revisão é apresentar estudos recentes que identificaram a relação entre o estímulo mecânico aplicado ao músculo
e a expressão gênica de fatores de crescimento pelo próprio músculo. Os fatores de crescimento, secretados pelos músculos esqueléticos,
quando submetidos a um aumento de tensão muscular, são similares ao fator de crescimento insulínico (IGF-I) e regulam a síntese
protéica e a hipertrofia muscular. Estudos recentes sugerem que um desses fatores, denominado "mechanical growth factor" (MGF),
seja o sinal molecular para a hipertrofia, isto é, o elo de ligação entre o estímulo mecânico ao qual o músculo é submetido e o aumento
da síntese protéica que resulta na hipertrofia muscular. Acredita-se que ele seja o principal fator de crescimento que controla o crescimento
e a reparação muscular esquelética e cardíaca. Serão também abordadas algumas implicações entre o efeito desses hormônios e a
realização dos diferentes tipos de exercícios físicos.
Palavras-chave: hipertrofia, estímulo mecânico, MGF, IGF.
ABSTRACT
The aim of this review is present recent studies which identified the relation between a mechanical stimulus submitted to the muscle
and the gene expression of growth factors by the own muscle and also discuss its implications in the rehabilitation area. The growth
factors, secreted by the skeletal muscle when submitted to an increase muscle tension, are similar to the insulin-like growth factor
(IGF-I) and they regulate the protein synthesis and the muscle hypertrophy. Recent studies suggest that one of these factors, denominate
"mechano growth factor" (MGF), is the molecular signal for lhe muscle hypertrophy, that is, it is the link between the mechanical
signal submitted to the muscle and the protein synthesis increase, which result in a muscle hypertrophy. It is believed that it is the
main growth factor which control the growth and repair in the skeletal and cardiac muscle.
Key words: hypertrophy, mechanical signal, MGF, IGF.
INTRODUÇÃO
O objetivo desta revisão é apresentar estudos recentes que identificaram a relação entre o estímulo mecânico
aplicado ao músculo (por exemplo, exercício excêntrico)
e a expressão gênica de fatores de crescimento pelo próprio músculo. Esses fatores de crescimento regulariam a síntese protéica e a hipertrofia muscular.
A grande novidade desses trabalhos é que revelaram
um aspecto pouco estudado do músculo esquelético: sua função secretora hormonal. Particularmente, foi interessante
a observação de que essa ação secretora pode ser regulada pelo estímulo mecânico.
Artigos publicados em revistas de divulgação têm
especulado que esses fatores de crescimento produzidos pelo
músculo e considerados como "anabolizantes fisiológicos"
podem ser, em um futuro próximo, utilizados de modo comercial para estimular a hipertrofia do músculo esquelético.
Essa especulação tem fundamento, pois a hipertrofia
muscular é um objetivo freqüente a ser atingido no tratamento e na reabilitação de diferentes patologias do sistema locomotor, assim como para a melhora no desempenho
de diversas atividades esportivas.
Além disso, não há como negar que um bom desempenho muscular tem sido objeto de desejo de boa parte da
população mundial.
88
Minamoto, V B. e Salvini, T. F.
HIPERTROFIA DO MÚSCULO
ESQUELÉTICO
A hipertrofia do músculo esquelético pode ser considerada um aumento do número de miofibrilas que compõem
a fibra muscular, aumentando o diâmetro muscular e gerando
uma maior capacidade de produção de força contrátil. A
hipertrofia ocorre durante o crescimento do músculo e em
resposta a exercícios intensos de sobrecarga muscular, como,
por exemplo, nos exercícios contra-resistidos, nos quais o
indivíduo executa um movimento contra uma resistência.
Há muita controvérsia na literatura sobre os mecanismos
relacionados a esse fenômeno e as formas mais apropriadas para sua obtenção por meio do treinamento físico. A
hipertrofia da fibra muscular, associada, por exemplo, ao
treinamento contra-resistido, é considerada como resultado
do aumento da taxa de síntese protéica muscular e tem sido
observada em diversas espécies animais e em humanos.
De modo geral, a hipertrofia muscular tem sido associada a duas alterações estruturais: a hipertrofia da fibra muscular (aumento do diâmetro de uma fibra preexistente) e
a hiperplasia (aumento do número de fibras musculares).
Em relação à hiperplasia muscular, os resultados e as
interpretações da literatura são mais polêmicos porque,
embora ela tenha sido observada em gatos submetidos ao
treinamento contra-resistido (Gonyea, 1980), esse mesmo
efeito não foi observado em músculos de ratos (Gollnick
et al., 1981) e camundongos (Timson et al., 1985), nos quais
um treinamento similar levou à hipertrofia das fibras, mas
não à hiperplasia. Em humanos, alguns estudos mostraram
hiperplasia somente após treinamento contra-resistido realizado com intensa sobrecarga muscular (Larsson & Tesch,
1986; McCall et al., 1996).
De modo geral, a fragmentação das fibras musculares em músculos submetidos à sobrecarga não é uniforme,
ocorrendo principalmente em uma das porções do músculo
e não no músculo como um todo (Vaughan & Goldspink,
1979). Assim, postula-se que a hiperplasia da fibra muscular possa ocorrer no músculo esquelético dos mamíferos,
sendo a tensão imposta às fibras musculares considerada
um fator-chave nesse processo.
Como ocorreria a hiperplasia no músculo esquelético?
Tem sido proposto que a fibra muscular submetida ao treinamento intenso seja capaz de se dividir e que cada um desses
novos fragmentos possa se desenvolver e tornar-se uma nova
unidade funcional, após receberem inervação própria. Sabese que as células satélites, que estão intimamente relacionadas
à regeneração dos músculos esqueléticos após lesão, também
estão envolvidas no processo de hiperplasia da fibra muscular
(Antonio & Gonyea, 1993). As células satélites são células miogênicas quiescentes, localizadas entre a lâmina basal
e o sarcolema. Elas apresentam a habilidade de se diferenciarem em mioblastos, sendo sua principal função a regeneração da fibra muscular após a lesão (Mauro, 1961 ).
Rev. bras . .fisiota
É importante ressaltar que, embora as alterações
estruturais, como a hipertrofia e a hiperplasia, tenham sido
observadas no músculo esquelético após treinamento contraresistido, o ganho de força muscular também está associado
a adaptações neurais. Ou seja, a força muscular não tem,
necessariamente, uma relação direta com o grau de hipertrofia
do músculo, podendo ocorrer aumento da força de modo
independente do aumento da massa muscular (McDonagh
& Davies, 1984; Staron et al., 1994 ).
Além disso, o ciclo circadiano também parece estar
relacionado à hipertrofia muscular. Um estudo recente, que
analisou a hipertrofia dos músculos esqueléticos em quatro espécies de pássaros, identificou que eles apresentaram
significativa hipertrofia do músculo peitoral no período prémigração, mesmo quando os animais eram submetidos à
restrição de movimentos (Dietz et al., 1999). Ou seja, os
animais desenvolveram hipertrofia independentemente da
atividade física.
O CONTROLE HORMONAL DA
HIPERTROFIA MUSCULAR
O crescimento muscular durante a fase pós-natal é
regulado por meio de um controle hormonal sistêmico, principalmente pela insulina e pelo hormônio do crescimento
(GH). Já a hipertrofia observada no músculo do indivíduo
adulto, associada ao treinamento físico, é decorrente do aumento da tensão muscular e ocorre por um controle local.
Apesar da importância dos hormônios para a hipertrofia
muscular, sabe-se que há uma complexa interação de outros fatores no crescimento do músculo esquelético, como,
por exemplo: fatores genéticos, nutricionais e atividade física
(Vandenburgh, 1987).
Como exemplo dessa complexa interação entre os fatores relacionados à hipertrofia muscular, podemos dizer que
a hipertrofia não ocorreria de forma eficiente se o indivíduo
apresentasse níveis hormonais normais e desenvolvesse atividade física adequada, mas se tivesse uma deficiência nutricional importante, o que inviabilizaria o fomecimento
dos diversos aminoácidos necessários à síntese protéica.
A insulina é um hormônio de ação metabólica sintetizada nas células ~do pâncreas (na forma de pró-insulina) e age principalmente no fígado, no músculo esquelético
e no tecido adiposo.
Esse hormônio é responsável pela estocagem de carboidrato, gordura e proteína nas células teciduais. Há evidências
de que seu efeito no crescimento celular é diminuído ou
mesmo abolido na ausência do GH, uma vez que estes
hormônios promovem a entrada de diferentes aminoácidos
nas células (Guyton & Hall, 1996).
O GH é um hormônio secretado pela hipófise anterior,
que atua em quase todos os tecidos do corpo, promovendo o aumento do tamanho das células e do número de mitoses
(Florini et al., 1996). Diversos estudos sugerem que sua ação
Vol. 5 No. 2, 2001
Função Secretora do Músculo Regulada pelo Estímulo Mecânico
em promover o crescimento muscular não seja direta, mas
ocorra via estimulação do fator de crescimento insulínico
(insulin-like growthfactor: /GF-1). Ou seja, a hipófise secreta
o GH, que quando se liga a receptores encontrados, por exemplo, no fígado, promove a síntese do IGF-1 (Fiorini et al.,
1996; Guyton & Hall, 1996). O IGF-1 atuaria, então, na síntese protéica de diversos tecidos, entre eles os músculos
esqueléticos.
Tem sido sugerido também que o GH possa ter uma
ação direta nas células satélites, ativando sua proliferação
e levando à adição de mionúcleos na fibra muscular (Halevy
et al., 1996).
A) Ação sistêmica
O IGF é um fator de crescimento que, juntamente com
a insulina, compõe o que se denomina família IGF, uma vez
que apresentam, aproximadamente, 50% de similaridade entre
seus aminoácidos. Assim, essa família possui pelo menos
três componentes: insulina, IGF-1 e IGF-II (Ciemmons, 1989;
Roith, 1997).
Ambos, IGFs I e li, possuem várias funções nos diferentes tecidos, as quais podem ser resumidas em duas principais ações biológicas: uma ação metabólica, como a da
insulina, e uma ação que estimula o crescimento, como, por
exemplo, a divisão celular (Clemmons, 1989; Goldspink &
Yang, 1999).
O IGF-1 apresenta 70 aminoácidos, sendo 48% deles
homólogos à insulina. É sintetizado no fígado e provavelmente em outros tecidos, inclusive na fibra muscular, via
ativação do GH, conforme descrito. Sua ação no metabolismo celular ocorre de duas formas: estimula o aumento
da síntese protéica e diminui a degradação protéica (Adams,
1998; Clemmons, 1989).
Como pode ser observado na Figura I, além de sua
síntese ser regulada por via endócrina, por meio do GH, o
IGF-1 também pode ser regulado de maneira autócrina/
parácrina (Adams, 1998).
O IGF-II é um fator de crescimento que apresenta 67
aminoácidos, sendo que 50% deles são homólogos à insulina
e ao IGF-1 (Clemmons, 1989). Suas funções são similares
às do IGF-1, sendo que sua atividade mitótica é muito importante na determinação do número de células no músculo
e em outros tecidos.
Sua importância é mais significativa durante a embriogênese, quando apresenta maior concentração na circulação sangüínea, sendo, portanto, conhecido como a forma
embriônica do IGF-1 (Goldspink & Yang, 1999).
Estudos também relacionaram uma maior concentração
do IGF-II em estados cancerígenos (Roith, 1997).
8) Ações autócrina/parácrina
Células-satélite
l.IGF-1
MGF
7
~
I
Miofibras
\.
Crescimento
FATOR DE CRESCIMENTO INSULÍNICO-IGF
89
somático
Dú
l.IGF-1
MGF
1
D
~
Figura 1. O IGF-1 pode ser visto em dois diferentes contextos: (A)
IGF-1 como intermediário no controle regulado pelo hormônio do
crescimento (GH), ou (B) IGF-1 agindo como fator de crescimento
autócrino e/ou parácrino, com ação local na fibra muscular. (Adaptação
de Adams, 1998.)
No sistema muscular, tanto o IGF-1 quanto o IGF-11
estimulam o crescimento, a regeneração e a diferenciação
celular (Roith, 1997). Atualmente, o IGF-1 é o mais estudado, e trabalhos recentes mostraram que a hipertrofia e as
alterações no fenótipo da fibra muscular, induzidas por ele,
são mediadas pelos íons cálcio e ocorrem por meio da ativação da proteína calcineurina por esses íons (Musaro et al.,
1999; Semsarian et al., 1999). Sabe-se também que o mecanismo pelo qual o IGF-1 produz hipertrofia muscular
envolve pelo menos dois fatores: a ativação das células
satélites e o aumento da síntese protéica nas fibras musculares
(Barton-Davis et al., 1999).
IGF -I MUSCULAR E MECHANO GROWTH
FACTOR (MGF): FATORES DE CRESCIMENTO
ASSOCIADOS AO ESTÍMULO MECÂNICO
Sabe-se que algumas células têm capacidade de responder a estímulos mecânicos e possuem mecanismos
locais para o controle de crescimento, remodelamento e reparação celular. Essas células, denominadas mecanócitos,
conseguem estabelecer uma relação entre um sinal mecânico e a regulação do crescimento muscular. As fibras
musculares esqueléticas e cardíacas, os fibroblastos e os osteoblastos, são alguns exemplos de mecanócitos (Goldspink,
1998, 1999a).
Recentemente, foram identificadas e clonadas duas
isoformas ou variações ( splices) do IGF-I que são expressas
no músculo, sendo que esta expressão é também regulada
por estímulos mecânicos.
90
Minamoto, V. B. e Salvini, T. F.
Uma dessas isoformas, denominada !CF-I muscular
é expressa no músculo em condições normais, por meio de
uma ação endócrina ou sistêmica, também via hormônio do
crescimento. A expressão do IGF-I muscular também ocorre
por meio de uma ação parácrina local, quando o músculo
é submetido a um aumento da tensão, como, por exemplo,
induzida pelo alongamento e pela eletroestimulação (Goldspink, 1998).
Sabe-se que o fígado dos mamíferos é a principal fonte
de origem do IGF-I circulante, exceto durante exercício intenso,
quando o músculo produz e usa a maioria do IGF-I circulante
(Brahm et al., 1997). Assim, durante a realização de exercícios físicos o IGF-I muscular é o principal contribuinte
do aumento dos níveis circulantes do IGF-I produzido pelo
fígado (McKoy et al., 1999).
Essa contribuição do músculo ativo com os níveis circulantes do IGF-I é muito importante, uma vez que o IGF-I
tem sua concentração sérica diminuída com a idade (Figura
2), e acredita-se que o IGF-I muscular produzido durante
exercício seja muito importante para a manutenção da massa
muscular(Coleman etal., 1995; Goldspink, 1998, 1999b).
Rev. bras . .fisiota
fisectomia. Recentemente, foi demonstrado que o processo
de hipertrofia muscular, decorrente do aumento da tensão
muscular, é dependente do MGF, sendo este o responsável
pela interação entre o sinal mecânico (carga ou alongamento)
e a regulação do crescimento muscular (Goldspink, 1999a;
McKoy et al., 1998). Estudos recentes sugerem que o MGF
seja o sinal molecular para a hipertrofia, isto é, seria o elo
de ligação entre o estímulo mecânico ao qual o músculo é
submetido e o aumento da síntese protéica que resulta na
hipertrofia muscular (Figura 3). Em outras palavras, o MGF
é um fator de crescimento produzido pelo músculo submetido
ao aumento de tensão. Acredita-se que ele seja o principal
fator que controla o crescimento e a reparação muscular
esquelética e cardíaca (Skarli et a!., 1998).
Sarcolema
-Mulheres
Homens
1.000
800
~
s
~
600
Sinalização
parácrina
400
200
o
I
~
< 5
+ - - - - Sinalização
autócrina
6-8
9-11
12-15
16-24
25-39
40-54
Idade (anos)
Figura 2. Média de concentrações séricas do IGF-1 em indivíduos
normais desde o nascimento até a vida adulta. O número de indivíduos
em cada grupo variou de 40 a 195. (Adaptação de Roith, 1997.)
A outra isoforma muscular identificada, denominada
mechano growth jactar (MGF), é expressa somente em
músculos submetidos a aumento de tensão, como, por exemplo,
durante a realização de alongamento excêntrico ou exercício contra-resistido intenso e apresenta um modo de ação
parácrina (Yang et al., 1996; Goldspink, 1998, 1999b). É
interessante notar que a síntese do MGF é independente do
GH e, assim, ele é expresso mesmo em condições de hipo-
A
Figura 3. Função proposta para o MGF no processo de hipertrofia
do músculo esquelético. (A) Sobrecarga muscular estimula (B) a
produção e a secreção do MGF. Este MGF pode agir como um fator
autócrino (C), possibilitando a estimulação dos processos anabólicos
da fibra muscular, e como um fator de crescimento parácrino (D),
atuando sobre as células-satélite e, possivelmente, sobre outras miofibras. (Adaptação de Adams, 1998.)
Yol. 5 No. 2, 2001
Função Secretora do Músculo Regulada pelo Estímulo Mecânico
A maneira pela qual este sinal molecular traduz um
estímulo mecânico em síntese protéica ainda não está bem
determinado, mas, como pode-se observar na Figura 4, sabese que o citoesqueleto e a matriz extracelular estão envolvidos
nesse processo (Goldspink, 1998).
De modo contrário ao IGF-I muscular, o MGF apresenta somente uma ação local, não tendo sido detectado no
sangue. O MGF liga-se a uma proteína específica denominada
BP5, cuja presença foi confirmada somente nos espaços
intersticiais do músculo e nos tecidos nervoso e ósseo
(Goldspink, 1999b).
Já foi demonstrado que o MGF é expresso em músculos de humanos (Yang et al., 1996), camundongos (Goldspink et al., 1996) e coelhos (Yang et al., 1997; McKoy
et al., 1999) quando submetidos à imobilização com o músculo em posição de alongamento.
Também pode-se observar que quanto maior a tensão
muscular, maior será a expressão protéica, induzida pelo MGF.
Assim, a imobilização de músculos de coelhos em posição
de alongamento e excitado com eletroestimulação (modelo
de exercício excêntrico intenso) provocou uma maior síntese
protéica quando comparado ao grupo submetido somente ao
alongamento (Goldspink et al., 1992; Figura 5).
Outro resultado interessante foi observado em músculos
de animais distróficos (com ausência ou deficiência da proteína distrofina) que, mesmo após serem submetidos ao
alongamento intenso, não apresentaram expressão do MGF
(Goldspink et al., 1996), sugerindo que a distrofina tenha
um papel importante no sistema mecano-tradutor do músculo
esquelético. É importante lembrar que a ausência da distrofina
leva à alteração no citoesqueleto, o que também sugere um
Posição alongada
91
possível papel do citoesqueleto no mecanismo de mecanotradução da fibra muscular.
Embora algumas dúvidas relacionadas ao papel do MGF
no crescimento celular tenham sido esclarecidas, mais estudos
serão necessários para identificar outros mecanismos com
os quais o MGF possa estar relacionado, como, por exemplo,
na regeneração muscular, que também envolve o aumento
da síntese protéica.
IMPLICAÇÕES PARA A REABILITAÇÃO
Durante o processo de envelhecimento são observadas alterações cardiovasculares, respiratórias, na força muscular e na composição corpórea (Wilmore & Costill, 1999),
o que implica a redução da capacidade funcional e a autonomia do indivíduo para realizar suas atividades da vida
diária. Além disso, estudos indicam que, embora haja um
declínio significativo do desempenho individual, entre 4050 anos, essas alterações são significativamente menos pronunciadas nos indivíduos idosos ou em fase de envelhecimento
que praticam regularmente atividades físicas (Frontera et al.,
1988; Cress et al., 1991; Wilmore & Costill, 1999).
De modo geral, após os 50 anos inicia-se a sarcopenia
(perda de sarcômeros e de fibras musculares) e a atrofia das
fibras musculares. Estima-se que ocorra uma perda de 10%
do número de fibras musculares a cada década (Lexell et al.,
1988). Assim, um indivíduo sedentário perderia em média 30%
do número de fibras musculares entre 50 e 80 anos de idade.
A literatura tem indicado que exercícios aeróbios tem
pouco efeito sobre a perda de massa muscular durante o
desenvolvimento (Trappe et a!., 1996).
Posição relaxada
Membrana
Matriz extra-celular
Sinal molecular
Figura 4. Esta figura ilustra a maneira pela qual o citoesqueleto está envolvido no mecanismo de mecano-tradução em diferentes tipos de
célula. No sistema muscular, este mecanismo é mais complexo e envolve a distrofina, a qual é ligada à actina dentro da fibra, mas cruza a
membrana e é ligada à matriz extracelular via laminina (merosina). A deficiência na distrofina ou na laminina resulta em distrofia. (Adaptação
de Goldspink, 1998.)
Minamoto, V. B. e Salvini, T. F.
92
Por outro lado, os exercícios para aumento de força
muscular, como os contra-resistidos, tanto reduzem a atrofia
durante o envelhecimento como estimulam a hipertrofia
muscular nesses indivíduos (Lexell et al., 1988).
A quantidade de indivíduos idosos envolvidos com
alguma atividade física tem aumentado dramaticamente nos
últimos 25 anos (Wilmore & Costill, I 999). Os resultados
de vários estudos evidenciam que os benefícios obtidos com
a atividade física estão relacionados não somente ao exercício
aeróbio (Cress et al., 199 I; Warren e! al., 1993), mas também
à atividade anaeróbia (Costil et al., I 979; Frontera et al.,
1988; Lexell et al., I 995; Tracy et al., 1999).
Assim, embora indivíduos idosos devam realizar exercícios aeróbios, que promovem benefícios em vários sistemas, como o cardiovascular, o respiratório, o imunológico
etc., esses indivíduos devem também executar exercícios
para o aumento da força muscular, como os exercícios contraresistidos, pois eles são mais efetivos tanto na manutenção
da massa muscular como no desenvolvimento da hipertrofia
muscular (Wilmore & Costill, 1999).
Como a quantidade circulante de IGF-1 diminui com
a idade (Figura 3), fica fácil compreender como a realização
de exercícios contra-resistidos e/ou exercícios excêntricos
são fundamentais tanto para a manutenção como para estimular a hipertrofia muscular, uma vez que só o aumento da tensão intramuscular estimula a expressão do IGF-1
muscular e do MGF.
Rev. bras. fisioteJ:
Assim, é fortemente recomendável que esse tipo de
treinamento seja realizado ao longo de toda a vida do indivíduo, particularmente após os 40 anos, com objetivo de
evitar a atrofia muscular e manter o tecido muscular esquelético em condições ideais.
O fortalecimento muscular obtido, bem como a manutenção da massa muscular, será fundamental para o indivíduo executar suas atividades físicas com autonomia
durante o processo de envelhecimento.
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%síntese protéica do músculo por dia
o
10
5
I
Músculo tibial anterior de coelho
I Controle
J
Não alongado
I
Controle
I
Alongado
I Controle
I
Alo ngamento e
eletroestimulação
Figura 5. Efeito do alongamento e alongamento associado à eletroestimulação no porcentual de síntese protéica do músculo ti~ial
an_teri~r
de coelho adulto. O alongamento foi realizado por meio de imobilização da extremidade inferior da pata do ammal em pos1çao de flexao
plantar. A estimulação foi feita por meio de implantação de eletrodos conectados a um pequeno circuito de estimulação, que gerava pulsos
bifásicos à freqüência de 5 Hz. (Adaptação de Goldspink & Goldspink, 1986.)
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