Trabalho de Pesquisa Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica Behavioral modulation in white-lipped-peccaries (Tayassu pecari Link 1795) with allometrically scaled doses of haloperidol decanoate Marcos Vinicius Souza – Médico Veterinário, Mestre. Diretor da VETFAUNA Especialidades Veterinárias - E-Mail: [email protected] Paulo Rogerio Mangini – Médico Veterinário, Mestre, Doutor. Pesquisador Associado ao Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPE. Pesquisador do Instituto Brasileiro Para Medicina da Conservação – TRÍADE. Responsável Técnico pela Clínica Vida Livre Medicina de Animais Selvagens LTDA. Curitiba, PR. E-Mail: [email protected] Luiz Romulo Alberton – Médico Veterinário, Mestre, Doutor. Professor Titular do Programa de Mestrado em Ciência Animal da Universidade Paranaense – UNIPAR. Umuarama, PR. E-Mail: [email protected] (Co-Orientador) José Ricardo Pachaly – Médico Veterinário, Mestre, Doutor. Professor Titular do Programa de Mestrado em Ciência Animal da Universidade Paranaense – UNIPAR. Diretor Científico do Instituto Brasileiro de Especialidades em Medicina Veterinária – ESPECIALVET. E-mail: [email protected] (Orientador) Souza MV, Mangini PR, Alberton LR, Pachaly JR. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação; 2011; 9(31); 660-667. Resumo Os queixadas (Tayassu pecari Link 1795) são artiodátilos pertencentes à Família Tayassuida e que frequentemente são expostos em parques zoológicos, e têm longa expectativa de vida, quando adequadamente manejados. Também são criados em cativeiro com finalidades econômicas, como a produção de carne e peles.Como em outras espécies selvagens, o uso de meios farmacológicos para a contenção desses animais é fundamental para seu manejo e realização de procedimentos médicos. Os fármacos neurolépticos têm potencial para atuar como moduladores de comportamento, controlando comportamentos indesejáveis em animais domésticos e selvagens submetidos a situações estressantes. Neste estudo avaliou-se a ação psicoterapêutica do decanoato de haloperidol, em doses calculadas por meio de extrapolação alométrica, no manejo comportamental de queixadas (Tayassu pecari). Foram empregados 19 animais, submetidos a intenso convívio humano ao qual não estavam habituados, bem como a procedimentos rotineiros em criadouros comerciais, incluindo confinamento em currais e contenção em gaiola-prensa. O protocolo experimental mostrou-se eficiente, facilitando o manejo e reduzindo de forma significativa os comportamentos indesejáveis dos queixadas medicados com decanoato de haloperidol, em doses alometricamente extrapoladas a partir da dose alta indicada para pessoas. Assim, é possível indicar o emprego desse fármaco, nessas doses, como uma ferramenta farmacológica eficiente no manejo comportamental de queixadas em cativeiro, com possibilidade de ser utilizado no manejo e formação de grupos para programas de conservação em vida livre. Palavras-chave: animais selvagens, Tayassuidae, manejo, cativeiro, neurolépticos Abstract Peccaries are often exhibited in zoos, and have a long life span, when properly managed. They are also bred in captivity for economic purposes, such as the production of meat and leather. As in other 660 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica wild species, the chemical restraint is very important for handling and accomplishing of medical procedures in peccaries. Neuroleptic drugs act in behavior modulation, controlling undesirable behavioral effects of stressors in domestic and wild animals. This study evaluated the psychotherapeutic action of allometically scaled doses of haloperidol decanoate in the behavioral management of white-lipped-peccaries (Tayassu pecari Link 1795). There were used 19 animals, subjected to intense human contact, as well as routine procedures in commercial breeding, including confinement in corrals and restraint in restraining cages. The experimental protocol using doses allometrically scaled from the higher doses indicated to human beings was efficient, facilitating the handling and significantly reducing the undesirable behaviors of the animals treated with haloperidol decanoate. So, it is possible to indicate the use of this drug in these doses, as an effective pharmacological tool in behavioral management of captive white-lipped-peccaries, with possibilities to be applied in wild animals to form new groups with conservation and management purposes. Keywords: wild animals, Tayassuidae, handling, captivity, neuroleptics Introdução Revisão de Literatura As espécies da família Tayassuidae – queixadas, catetos e taguás– são frequentemente expostas em parques zoológicos, e são animais que têm longa expectativa de vida, quando adequadamente manejados. Também são criados em cativeiro com finalidades econômicas, como a produção de carne e peles, e apresentam porte e valor que justificam cuidados especiais. Os taiaçuídeos apresentam peculiaridades comportamentais frente ao manejo em cativeiro, com posturas defensivas ou evasivas típicas do grupo taxonômico e, como em outras espécies selvagens, o uso de meios farmacológicos é útil para seu manejo e realização de procedimentos médicos. Queixadas (Tayassu pecari Link 1795) são animais muito gregários, com estrutura social bem definida, reconhecidos por seus comportamentos de defesa do grupo frente a ameaças. Podem pesar mais de 50,00 kg e não podem ser facilmente manejados sem equipamentos e técnicas adequados. Dentre os problemas de manejo desses animais em cativeiro, os eventos agonísticos entre indivíduos de grupos distintos figuram como problema constante. Justifica-se, portanto, a busca por meios e métodos que possibilitem modulação comportamental e controle de comportamentos indesejáveis, especialmente em taiaçuídeos mantidos em criadouros e submetidos a convívio humano intenso e a procedimentos potencialmente estressantes, como situações de hospitalização, manejo de curral, formação de novos grupos e contenção. Este estudo empregou um fármaco neuroléptico para modulação comportamental de queixadas, na execução de um projeto registrado no Instituto de Pesquisa, Estudos e Ambiência Científica da Universidade Paranaense – IPEAC/UNIPAR, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Experimentação Animal da Universidade Paranaense – CEPEEA/UNIPAR, sob número de registro geral 20047. Os fármacos da classe dos neurolépticos podem atuar na modulação de comportamentos indesejáveis em animais submetidos a situações estressantes. O haloperidol é um neuroléptico bastante empregado em psiquiatria humana (1,2,3,4,5,6) e tem a propriedade de inibir eficazmente tendências agressivas e atuar no controle comportamental da agressividade (7,8). O fármaco vem sendo usado em medicina veterinária especialmente na modulação comportamental de animais selvagens e animais de estimação (7,8,9,10,11,12), mas nenhum estudo científico havia sido conduzido no queixada (Tayassu pecari), espécie típica da fauna neotropical. O decanoato de haloperidol é a apresentação de deposição do fármaco, na forma de um éster de haloperidol com ácido decanóico. O decanoato atua como pré-fármaco, liberando lentamente o haloperidol (4,6,8).Uma vez que o éster é gradativamente liberado do tecido muscular por meio de hidrólise enzimática, o haloperidol penetra na circulação sanguínea. A liberação ocorre de forma progressiva, obtendo-se curvas plasmáticas uniformes, sem ocorrência de picos irregulares (4,6). Em pacientes psiquiátricos humanos adultos empregamse doses totais de decanoato de haloperidol que variam entre 100 e 300 mg, e cujo efeito perdura por 30 dias (4,6). Para animais, indica-se o método de extrapolação alométrica interespecífica para cálculo de doses e frequências de administração (8). O método de extrapolação alométrica pela taxa metabólica basal permite calcular a dose de um fármaco para uma determinada espécie animal, com base na dose estabelecida para outra, para a qual já tenham sido realizados estudos farmacocinéticos, com base em suas necessidades energéticas, considerando e ajustando as diferenças metabólicas e taxonômicas entre elas (13). Assim, esse estudo teve como objetivo avaliar o potencial do decanoato de haloperidol como fármaco modulador de comportamento em queixadas quando submetidos a situa- Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. 661 Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica ções de manejo em um criatório comercial, utilizando para isso um tratamento experimental com doses calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica. Material e Métodos os animais do Grupo 2 receberam doses proporcionalmente maiores, tendo como modelo a dose máxima usualmente empregada em um homem adulto de 70,00 kg, correspondente a 2,14 mg/kg. As doses calculadas e empregadas para a massa corporal de cada animal são apresentadas no Quadro 1. Neste estudo, foram utilizados 19 queixadas adultos, com idades entre 24 e 48 meses, com massa corporal aferida previamente ao experimento entre 28,00 e 64,00 (39,60 ± 8,56) kg, sendo quatro machos e 15 fêmeas, pertencentes ao plantel do criadouro comercial e conservacionista Fazenda Zoo, localizado em Paraopeba, MG (Figura 1). Figura 1 - Imagem fotográfica de exemplares de queixada (Tayassu pecari) de ambos os sexos e diversas idades, previamente à sua separação em dois grupos distintos (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Os animais foram pesados previamente ao experimento, e separados aleatoriamente em dois grupos. O Grupo 1 foi composto por nove animais, com massa corporal entre 31,00 e 50,00 (40,90 ± 5,50) kg, sendo um macho e oito fêmeas, e o Grupo 2 por outros 10, com massa corporal entre 28,00 e 64,00 (38,30 ± 10,96) kg, sendo três machos e sete fêmeas. Os grupos separados e foram mantidos em currais com a mesma área de 15 m2, em condições idênticas de manejo, recebendo a mesma dieta, constituída principalmente de ração para suínos, milho em grão, frutas e legumes. Os alimentos eram fornecidos em um cocho enquanto os animais eram mantidos presos em um curral anexo, e posteriormente a porteira de acesso era aberta para acesso à alimentação. Todos os animais do experimento receberam uma dose de decanoato de haloperidol , calculada por meio de extrapolação alométrica interespecífica. O medicamento foi injetado por via intramuscular profunda, na face externa da coxa do membro pélvico direito, por meio de seringa de 3,0 mL provida de agulha hipodérmica 40x12, estando cada animal contido em uma gaiola-prensa (Figuras 2 e 3). Os animais do Grupo 1 receberam doses calculadas empregando como modelo a dose média empregada em um homem adulto com massa corporal de 70,00 kg, correspondente a 1,43 mg/kg, enquanto 662 Figura 2 - Imagem fotográfica de um exemplar adulto de queixada (Tayassu pecari) contido no interior de uma gaiola-prensa, durante a aferição de sua massa corporal (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Figura 3 - Imagem fotográfica da administração de decanoato de haloperidol por via intramuscular profunda no membro pélvico direito de um exemplar adulto de queixada (Tayassu pecari), contido no interior de uma gaiola-prensa (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). O cálculo de extrapolação alométrica pela taxa metabólica basal permitiu também estimar, considerando a duração de 30 dias para os efeitos do decanoato de haloperidol no homem, um tempo médio de efeito de 26 dias para queixadas com massa média de 40,00 kg. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica dro 2. Quadro 2 - Escala de avaliação dos graus de reatividade, ou temperamento, de 19 queixadas (Tayassu pecari) com idades entre 24 e 48 meses, com massa corporal entre 28,00 e 64,00 (39,60 ± 8,56) kg,submetidos a procedimentos de manejo em criadouro. Quadro 1 - Doses de decanoato de haloperidol em solução a 5,0%, calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica, empregadas em 19 queixadas (Tayassu pecari) com idades entre 24 e 48 meses, com massa corporal entre 28,00 e 64,00 (39,60 ± 8,56) kg. Empregou-se como modelo a dose média e a dose máxima (1,43 e 2,14 mg/kg) indicadas para homens adultos com 70,00 kg. Estão tabuladas as indicações para dose média e dose alta para mamíferos com massa corporal entre 25,00 e 70,00 kg, a intervalos de 1,0 kg, em mg/animal, mg/kg e mL da solução a 5,0%. O período de avaliação comportamental dos animais foi de um mês, considerando-se como 1º dia do experimento o dia em que os animais foram capturados, submetidos ao manejo em gaiola-prensa e administração do fármaco,sendo formados os grupos de estudo1 e 2. Todos os procedimentos subseqüentes foram registrados em relação ao 1º dia,computando-se nas avaliações de comportamento o número de dias após a injeção. Os dados foram anotados em uma ficha de acompanhamento e monitorização, sendo padronizado que a avaliação do Grupo 1 seria executada antes da avaliação do Grupo 2. A avaliação comportamental se baseou na categorização das respostas dos animais aos procedimentos de manejo, considerando respostas posturais e comportamentos agonísticos, dentro de uma escala de cinco graus de reatividade, ou níveis de temperamento, variando entre “extremamente dócil” e “extremamente agressivo”, conforme apresentado no Qua- A fim de verificar a resposta dos queixadas mediante diferentes situações de manejo em cativeiro os animais eram avaliados quanto a cinco variáveis, sendo elas: 1) comportamento de grupo com o observador fora do curral de manejo, definido pelo grau de reatividade manifestado por no mínimo 60% dos animais de cada grupo no momento da observação; 2) comportamento individual frente ao avaliador posicionado fora do curral de manejo; 3) comportamento individual de alimentação frente ao avaliador posicionado fora do curral de manejo, avaliado no horário habitual de alimentação dos animais, respeitando também o manejo já estabelecido; 4) comportamento individual frente ao avaliador posicionado dentro do curral de manejo; e 5) comportamento individual após estímulo sonoro pelo disparo de uma buzina do tipo naval. As variáveis foram aferidas seguindo a escala apresentada no Quadro 3. Quadro 3 - Escala de aferição das variáveis referentes a respostas comportamentais de 19 queixadas (Tayassu pecari) com idades entre 24 e 48 meses, com massa corporal entre 28,00 e 64,00 (39,60 ± 8,56) kg, submetidos a procedimentos de manejo em criadouro. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. 663 Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica Cada avaliação teve duração de 15 minutos, porém para padronizar as respostas e dar tempo ao observador de se familiarizar com os animais a cada amostragem as respostas comportamentais só eram computadas a partir do quinto minuto de observação. Para facilitar a identificação dos animais, o observador empregava um binóculo. As Figuras 4 a 8 mostram os queixadas em diferentes momentos da avaliação comportamental. Figura 7 - Imagem fotográfica de queixadas (Tayassu pecari) do Grupo 2, durante avaliação comportamental no interior do recinto. Os animais se mantêm tranquilos, sem reagir intensamente à presença do avaliador (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Figura 4 - Imagem fotográfica de queixadas (Tayassu pecari) do Grupo 1, durante avaliação comportamental. Observa-se enfrentamento ao avaliador e pelagem eriçada, caracterizando agressividade (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Figura 8 - Imagem fotográfica aproximada dos mesmos queixadas (Tayassu pecari) do Grupo 2 mostrados na Figura 7, durante avaliação comportamental no interior do recinto. Os animais se mantêm tranquilos, sem reagir intensamente à presença do avaliador (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Figura 5 - Imagem fotográfica de queixadas (Tayassu pecari) do Grupo 2, durante avaliação comportamental, manifestando grau de reatividade menos intenso que os do Grupo 1, mostrado na Figura 4 (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). Adicionalmente, com objetivo de verificar a resposta dos animais mediante um evento extremo de manejo, no 1º dia do experimento e no 4º dia após a injeção, os animais de ambos os grupos foram avaliados individualmente quanto ao grau de reatividade, quando submetidos à contenção física no interior da gaiola-prensa, segundo os mesmos índices apresentados no Quadro 2. A análise estatística foi executada comparando-se os resultados apresentados pelos animais dos Grupos 1 e 2, em termos de reatividade na captura e recaptura, por meio do teste de Qui-Quadrado. Resultados e Discussão Figura 6 - Imagem fotográfica de queixadas (Tayassu pecari) do Grupo 2, durante avaliação comportamental no momento da alimentação. Os animais estão se dirigindo tranquilamente ao cocho, sem reagir intensamente à presença do avaliador (Fazenda Zoo, Paraopeba, MG). 664 A interpretação dos resultados deste estudo foi baseada nas respostas dos animais aos procedimentos de manejo e de avaliação comportamental, com base nos padrões apresentados nos Quadros 2 e 3. Os Quadros 4 e 5 apresentam dados Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica da avaliação comportamental dos queixadas medicados com doses médias (Grupo 1) e altas (Grupo 2) de decanoato de haloperidol, calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica, com base em seu temperamento e grau de reatividade. Primeira coluna: GR = comportamento de grupo com o observador fora do curral de manejo; FC = comportamento individual frente ao avaliador posicionado fora do curral de manejo; AL = comportamento individual de alimentação frente ao avaliador posicionado fora do curral de manejo; DC = comportamento individual frente ao avaliador posicionado dentro do curral de manejo; BZ = comportamento individual após estímulo sonoro pelo disparo de uma buzina do tipo naval. Segunda coluna: Graus de reatividade: A = animal extremamente dócil; B = animal dócil; C = animal indócil ou levemente agressivo; D = animal agressivo; E = animal extremamente agressivo; DO = dócil (Graus de reatividade A e B); AG = agressivo (Graus de reatividade C, D e E). Quadro 5 - Evolução do comportamento de dois grupos de queixadas (Tayassu pecari) medicados com decanoato de haloperidol, em doses médias (Grupo 1) e altas (Grupo 2) calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica, ao longo de quatro semanas de manutenção em um curral. São apresentados os percentuais de indivíduos que reagiram conforme cada índice de avaliação de temperamento e grau de reatividade. Quadro 4 - Evolução do comportamento de dois grupos de queixadas (Tayassu pecari) medicados com decanoato de haloperidol, em doses médias (Grupo 1) e altas (Grupo 2) calculadas por meio de extrapolação alométrica interespecífica, durante os procedimentos de captura para formação dos lotes, e recaptura para avaliação comportamental. A análise dos dados referentes à evolução do comportamento de nove queixadas medicados com decanoato de haloperidol em doses médias (Grupo 1) e dez animais medicados com doses altas (Grupo 2), durante procedimento de captura e manejo em gaiola-prensa para formação dos lotes, mostra que todos os animais dos dois grupos, imediatamente antes da medicação, apresentavam grau máximo de agressividade (Grau E). No 4º dia, ao serem recapturados, observou-se que 40% dos animais do Grupo 2, que receberam doses altas do fármaco, já apresentavam efeitos terapêuticos significativos demonstrando comportamento apenas agressivo (Grau D), enquanto 100% dos animais do Grupo 1 ainda apresentavam o nível de agressividade mais elevado (Grau E). Assim, houve redução de 100% para 60% na manifestação de agressividade extrema, e essa diferença, avaliada pelo teste de Qui-Quadrado, teve alta significância estatística (p <0,01). Quanto aos efeitos do decanoato de haloperidol sobre a docilidade e agressividade ao longo do experimento, os animais que receberam a dose mais alta mostraram índices de agressividade significativamente menores (Quadro 5). Usando como exemplo a avaliação da resposta comportamental dos animais frente ao avaliador posicionado dentro do curral de manejo, os animais do Grupo 1, durante todo o experimento,jamais apresentaram os níveis mais baixos de agressividade (Figura 9). Enquanto isso, todos os indivíduos do Grupo 2 receberam avaliação nos Graus A ou B da escala de avaliação do grau de reatividade, ou temperamento, sendo portanto classificados como dóceis, do segundo dia até final do experimento, no 29º dia. Dessa forma, mesmo para essa simulação de manejo, onde o observador se encontrava mais próximo aos animais em estudo, 100% dos queixadas que receberam a dose mais alta se encontravam dóceis já a partir do 2º dia, e permaneceram assim até o final do experimento (Figura 10). Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. 665 Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica Figura 9 - Representação gráfica da evolução do comportamento, em termos de níveis de agressividade, de queixadas medicados com decanoato de haloperidol em doses médias (Grupo 1, n = 9) e altas (Grupo 2, n = 10). Apresenta-se a frequência relativa (%) dos Graus C, D e E de reatividade, que indicam média e alta agressividade. Os grupos foram avaliados imediatamente antes da administração do fármaco (dia 0) e ao longo das quatro semanas subsequentes, por um observador posicionado dentro de seu curral de manejo. Figura 10 - Representação gráfica da evolução do comportamento, em termos de níveis de docilidade, de queixadas medicados com decanoato de haloperidol em doses médias (Grupo 1, n = 9) e altas (Grupo 2, n = 10). Apresenta-se a frequência relativa (%) dos Graus de reatividade A e B, que indicam docilidade e baixa agressividade. Os grupos foram avaliados imediatamente antes da administração do fármaco (dia 0) e ao longo das quatro semanas subsequentes, por um observador posicionado dentro de seu curral de manejo. A análise dos resultados apresentados comprova o efeito do decanoato de haloperidol como modulador do comportamento de queixadas, quando se compara os animais no momento da medicação e após a mesma, ao longo de quatro semanas. Também é evidente a maior eficiência da dose mais alta, em relação à dose média, ambas alometricamente extrapoladas. Após quatro semanas de estudo, não foi possível continuar a avaliação dos animais. Entretanto, é importante ressaltar que os efeitos terapêuticos das doses altas de decanoato de haloperidol (Grupo 2) persistiram até o final do experimento. Apesar da utilização primordial dos neurolépticos em medicina veterinária estar relacionada com o processo de ambientação e transporte de ungulados africanos, o decanoato de haloperidol já foi empregado com sucesso em diversos 666 mamíferos e aves, tanto domésticos quanto selvagens. Isso foi atestado por diversos autores que relatam o emprego do fármaco em mamíferos selvagens, incluindo bovídeos, além decanídeos domésticos e aves(7,11,12,14,15,16,17,18,19,20). Não existia, entretanto, nenhuma referência ao seu uso na modulação comportamental de taiaçuídeos como Tayassu pecari, e verificou-se que para os mesmos podem ser aplicados os conceitos fundamentais mencionados na literatura (7,15).Assim, o objetivo principal da neurolepsia prolongada em medicina veterinária é obter modulação comportamental em situações críticas como a adaptação ao manejo em situações estressantes, reduzindo episódios de agitação e consequentes traumatismos. O mesmo se aplica ao controle da agressividade intra e interespecífica em animais confinados, possibilitando a socialização para o manejo, e viabilizando a introdução de novos indivíduos em grupos e/ou a formação de novos grupos, bem como o transporte a longas distâncias. Dentre os neurolépticos de ação prolongada, disponíveis comercialmente no Brasil para uso humano, com aplicações possíveis em medicina veterinária, o decanoato de haloperidol é o mais indicado, por apresentar uma baixa ocorrência de manifestações extrapiramidais, além de ser o fármaco de deposição que mantém concentrações plasmáticas terapêuticas por um maior intervalo de tempo. Tais características conferem maior facilidade na determinação de protocolos terapêuticos, possibilitando intervalos bastante dilatados entre as doses (7), o que foi perfeitamente replicado no presente estudo. Observamos ainda que o tempo de efeito calculado por extrapolação alométrica para os queixadas, a partir do modelo humano foi maior do que o esperado, durando as quatro semanas do experimento para todos os animais do Grupo 2. Tendo em vista os efeitos clínicos observados, foi possível também verificar a veracidade das afirmações sobre a eficácia do método de extrapolação alométrica na proposição de protocolos posológicos interespecíficos para fármacos ainda não usados em determinada espécie (13). No que tange aos efeitos colaterais neurológicos extrapiramidais que são mencionados pela literatura quanto ao decanoato de haloperidol (4,6,8), não foram observados neste estudo.Também não se observou necrose local após a injeção intramuscular profunda do fármaco (21), mas a consistência oleosa e a alta densidade do produto, bem como o grande volume indicado para os animais estudados, dificultaram a desejável injeção rápida do medicamento. A psicofarmacologia veterinária certamente ainda está nos seus estágios iniciais de desenvolvimento (22). Entretanto, a utilização dos neurolépticos, e principalmente do haloperidol em sua apresentação de depósito, o decanoato, está abrindo uma nova perspectiva na modulação comportamental medicamentosa em animais domésticos e selvagens. Conclusão Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2011;9(31); 660-667. Modulação comportamental de queixadas (Tayassu pecari Link 1795) pelo emprego de decanoato de haloperidol, com protocolos posológicos calculados por meio de extrapolação alométrica interespecífica Todos os conceitos gerais encontrados na literatura veterinária a respeito de neurolepsia prolongada em outras espécies puderam ser comprovados neste estudo, incluindo modulação comportamental em condições críticas como adaptação ao manejo em situações estressantes, redução de episódios de agitação e consequentes traumatismos, e controle da agressividade intra e interespecífica em queixadas confinados, possibilitando a socialização na formação o manejo de novos grupos. O protocolo experimental mostrou-se eficiente, facilitando o manejo e reduzindo de forma significativa os comportamentos indesejáveis dos queixadas medicados com decanoato de haloperidol, em doses alometricamente extrapoladas a partir da dose alta indicada para pessoas. Assim, é possível indicar o emprego desse fármaco, nessas doses, como uma ferramenta farmacológica eficiente no manejo comportamental de queixadas em cativeiro. Finalmente, a socialização de indivíduos provenientes de diferentes grupos e a formação de novos grupos de queixadas, além de ser uma necessidade ao manejo em cativeiro, possui também relevância para conservação da espécie. Afinal, esta é uma necessidade ao manejo também voltada às populações selvagens de T. pecari, sobretudo em ambientes fragmentados, onde o manejo de populações, formação de novos grupos, translocação e reintrodução podem ser estratégias indicadas para a conservação dessa espécie (23). Referências 1. ADAMS, R.D.; VICTOR, M. Antipsychotic drugs. In:______. Principles of neurology, 5. ed., New York: Mac Graw-Hill, 1993. 1394p. p.934-937. 2. AYD, F.J. Haloperidol: twenty years’ clinical experience, Journal of Clinical Psychiatry, v.39, p.807–814, 1978. 3. BALDESSARINI, R.J. 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