A técnica de clonagem em mamíferos

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G E N É T I C A
CLONAGE
A TÉCNICA DE
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O anúncio de que já
existem projetos para a
clonagem de seres
humanos vem provocando
grande polêmica.
Apesar dos sucessos
obtidos com outros
mamíferos (como ovelhas,
bois e porcos), é preciso
considerar que o processo
de clonagem é ainda muito
ineficiente e apresenta
grande número
de dificuldades,
o que torna prematura
qualquer tentativa de
aplicá-lo a humanos.
O desenvolvimento
da técnica pode trazer
muitos benefícios
(como na produção de
tecidos para transplantes),
mas será difícil justificar
a clonagem de um
indivíduo.
Franklin David Rumjanek
Departamento
de Bioquímica Médica,
Universidade Federal
do Rio de Janeiro
3344 •• CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE •• vvooll.. 330
0 •• nnºº 117766
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M DE MAMÍFEROS
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Quidquid agis, prudenter agas
et respice finem
Qualquer coisa que faças, age com prudência e considera o fim. Provérbio medieval
O termo ‘clone’ foi cunhado em 1903 pelo botânico Herbert J. Webber, que
pesquisava hidridação de plantas no Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos. O significado do
termo, definido pelo próprio Webber é “uma colônia
de organismos que, de modo assexuado (sem intervenção de sexo), deriva de apenas um progenitor”. A
maçã Granny-Smith, variedade apreciada por gerações de degustadores de boas tortas, é um dos muitos
exemplos de um clone desenvolvido por horticultores.
Desde sua criação, o termo caiu no agrado dos cientistas e tem sido usado até os dias atuais, sem que a
definição original tenha se desvirtuado.
Os clones não chamaram maior atenção durante
muitos anos, pois a clonagem restringia-se principalmente a plantas e a protozoários –
os últimos multiplicam-se naturalmente de forma assexuada.
Hoje, porém, o interesse pelos clones renasceu agudamente, com a aplicação da
técnica da clonagem a seres
que normalmente se reproduzem de forma sexuada.
Em 1997, a clonagem histórica da ovelha Dolly – um
clone autêntico, por ter sido
gerada a partir de uma célula somática (já diferenciada)
de um doador adulto – deflagrou um intenso debate, que
prossegue até os dias de hoje.
Esse tipo de clonagem provocou sensação devido à percepção
imediata de que o processo podeILUSTRAÇÕES ALVIM
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ria em pouco tempo ser realizado com o ser humano, o que compreensivelmente inflamou a imaginação popular.
No entanto, guardadas as devidas proporções, a
história da clonagem de animais não é novidade.
Esse tipo de pesquisa já vinha ocorrendo desde os
anos 70, com graus variados de sucesso. Na verdade, no início dos anos 80 os cientistas estavam quase desistindo da clonagem de mamíferos. Em 1984,
biólogo norte-americano James McGrath e o imunologista iugoslavo Davor Solter, por exemplo, chegaram a anunciar que os recursos técnicos da época
estavam esgotados: “A atividade diferencial dos
genomas materno e paterno e os resultados apresentados aqui sugerem que a clonagem de mamíferos através de simples transferência nuclear é biologicamente impossível.” A atividade diferencial
dos genomas é o imprinting (ver adiante o que é).
Essa perspectiva não desanimou outras gerações
de pesquisadores e, como resultado, camundongos, carneiros, bezerros e porcos já foram clonados.
No entanto, longe de constituir um arauto para a
clonagem humana, esses aparentes sucessos trouxeram em si uma mensagem cautelar que pode ser
resumida no seguinte: (1) o prodedimento de clonagem é ainda muito ineficiente para todas essas
espécies (em média, só 1% dos ovócitos manipulados desenvolve-se até a fase adulta), e as razões
dessa ineficiência ainda são em grande parte desconhecidas, e (2) o fator mais importante para o
desenvolvimento correto do clone talvez seja a chamada ‘reprogramação’ do genoma transferido para
a célula recipiente, um fenômeno sobre o qual é
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mínima a informação disponível.
o u t u b r o d e 2 0 0 1 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • 3 5
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COMO É REALIZADA A CLONAGEM. Isso per-
DATAS IMPORTANTES
DA HISTÓRIA DA CLONAGEM
mite perceber que as dificuldades de ordem técnica e biológica ainda existentes certamente exigirão
um trabalho científico bem mais minucioso antes
que a clonagem de vertebrados superiores possa ser
considerada uma prática rotineira. Para destacar
essas dificuldades, as etapas da clonagem são descritas a seguir, chamando-se a atenção em especial
para o fato de que a falta de conhecimento é precisamente o que torna a idéia de clonar seres humanos
um tanto prematura.
No esquema geral da clonagem (ver figura), os
principais protagonistas são a célula receptora (a
célula que receberá o núcleo transplantado) e a célula doadora do núcleo. Em geral, a célula usada para
receber o material genético da célula doadora é um
zigoto, ou seja, um ovo fertilizado por um espermatozóide (que, portanto, contém dois pronúcleos, com
material genético materno e paterno) ou um ovócito,
ou seja, um ovo não fertilizado (que só contém material genético materno).
Os ovócitos, obtidos pela estimulação da ovulação
com hormônios esteróides, são colhidos e transferidos a um meio de cultura, onde podem ou não ser
fertilizados com espermatozóides. Antes da transferência do núcleo da célula doadora para o ovócito
(ou o zigoto), é preciso retirar o núcleo do ovócito (ou
do zigoto). Essa etapa, chamada de enucleação, é
realizada cuidadosamente com uma micropipeta ligada a um micromanipulador, que literalmente suga
o material nuclear. Durante a enucleação, deve-se ter
um cuidado especial para que a micropipeta não penetre na membrana plasmática do ovócito, porque
eventualmente essa membrana receberá o novo material nuclear e nessa ocasião não poderá vazar.
Em seguida, também usando uma micropipeta,
acrescenta-se o carioplasto da célula doadora. O carioplasto é o núcleo retirado da célula doadora, ainda rodeado por uma camada delgada de citoplasma
e de membrana plasmática. Alternativamente, pode-se transplantar também a célula inteira contendo
o núcleo que dará origem ao clone. Em ambos os
casos, o material transplantado (o carioplasto ou a
célula inteira) é fundido ao ovócito por meio de
eletrofusão (choques elétricos de baixa intensidade), ou através da adição do vírus Sendai inativado,
que promove a fusão das membranas. A partir daí, o
clone poderá se desenvolver.
OS CUIDADOS COM AS CÉLULAS. O processo
aparenta ser simples, mas na verdade é necessário
considerar uma série de cuidados técnicos com as
células receptora e doadora.
A célula receptora pode ser o ovócito ou o zigoto.
O uso do primeiro apresenta algumas vantagens em
relação ao uso do outro: o ovócito enucleado dá ao
núcleo transplantado mais tempo para adaptar-se do
que o zigoto. Nesse último caso, o prazo para transferência do núcleo é mais curto, porque a célula receptora já está fertilizada e, portanto, o programa de
desenvolvimento do embrião já está em curso – logo
após a fertilização começa a ativação, processo que
consiste em uma série de alterações dentro da célula, seguidas pelas divisões celulares rápidas, típicas
do embrião.
Anos 1880 Os alemães Wilhelm Roux
1914 Spemann enlaça um ovo recém-ferti-
(1850-1924) e August Weismann
(1834-1914) dizem que o ovo e o esperma contribuem igualmente com
cromossomos para o zigoto (ovo fertilizado). Também propõem – erradamente, como se descobriria depois –
que só as células germinais do embrião carregam todos os potenciais hereditários e que, ao se diferenciarem,
perderiam parte desses potenciais.
lizado com um fio de cabelo e aperta
o laço, forçando o núcleo para um
lado e deixando apenas citoplasma
para o outro. O lado com núcleo divide-se até ter 16 células. Nesse estágio, um dos núcleos invade o outro
lado e o nó é mais apertado, para
evitar outra transferência. Agora,
os dois lados formam larvas, uma
pouco mais velha que a outra, provando que um núcleo celular (de
embrião com 16 células) pode gerar
uma larva completa.
1894 O alemão Hans Driesch (1867-1941)
separa células de embriões de ouriço do mar (com duas e quatro células) e observa o desenvolvimento
de larvas pequenas mas completas.
Esse e outros experimentos desmentem a teoria de Weismann-Roux.
36 • CIÊNCIA HOJE • vol. 30 • nº 176
1961-1962 O inglês John B. Gurdon e o
norte-americano Robert McKinnell
usam o método de transplante de
núcleo em diferentes espécies
de sapos e obtêm animais adultos que geram prole normal. Isso
prova a totipotencialidade de núcleos de células embrionárias.
Anos 1940-1950 Mamíferos de várias
espécies são clonados por divisão
de embriões, mas só quando estão
nos estágios iniciais, antes da fase
em que se fixariam no útero.
1901 Outro alemão, Hans Spemann (18691941), divide um embrião de salamandra (com duas células) e produz
com sucesso duas larvas.
plantam o núcleo de uma célula
de embrião de sapo para um
oócito não-fertilizado, do qual foi
retirado o núcleo. Os ovos transplantados produzem girinos e muitos tornam-se sapos juvenis.
1952 Primeiro transplante de núcleo. Os
norte-americanos Robert Briggs
(1911-1983) e Thomas J. King trans-
1962-1965 McKinnell, King e Marie
Di Bernardino obtêm girinos ao
transferir núcleos de células cancerosas do rim de sapos para ovos
enucleados. Isso mostra que certas células cancerosas podem voltar ao normal pelo processo de
diferenciação.
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No entanto, como veremos adiante, o zigoto também oferece algumas vantagens sobre o ovócito, no
que diz respeito à ativação. Sabe-se que resultados
melhores foram obtidos quando, antes do transplante
nuclear, o ovócito havia sido coletado em um estágio específico (a metáfase) da segunda divisão que
ocorre durante a meiose (processo de divisão que
gera células com a metade do número de cromossomos da ‘célula-mãe’). Isso indica que o próprio ambiente do citoplasto (o ovócito sem o núcleo) é importante para a reprogramação do núcleo transferido.
Por razões ainda desconhecidas, os ovócitos de
algumas espécies são melhores que outros para o
processo de clonagem. É mais fácil, por exemplo,
obter a clonagem com ovócitos de carneiro do que
com as mesmas células de camundongos.
Em relação às células doadoras dos núcleos, vários fatores também têm que ser levados em conta.
A primeira pergunta é: qual a melhor célula doadora? A resposta é difícil, pois sabe-se apenas que algumas células funcionam como doadoras e outras não.
Além disso, para que a doação do núcleo seja funcional, não é necessário que as células venham diretamente de um embrião, como ficou bem claro no
caso de Dolly, no qual as células doadoras eram da
glândula mamária de uma ovelha adulta.
Outra condição indispensável para as células doadoras é que estas têm que estar vivas. É comum
incubá-las por dois ou três dias em meio de cultura,
antes do transplante nuclear. Essa exigência já basta
para eliminar a possibilidade de realizar a clonagem
a partir de tecidos de pessoas mortas, se não houve
preservação das células (hoje, no entanto, é possível
1964 Na Universidade de Cornell (Estados
Unidos), F. C. Stewart consegue que
uma planta completa de cenoura se
desenvolva a partir de células de
raízes. Esse e outros experimentos
anteriores com anfíbios levam alguns cientistas a acreditar que seria
possível clonar células diferenciadas (somáticas). Em 1966, isso é
conseguido por John Gurdon e V.
Uehlinger, usando núcleos de células intestinais de girinos.
preservar células indefiniZigoto
Ovo não-fertilizado
damente, congeladas, desde
Pronúcleos
que a água intracelular seja
DNA
substituída por solventes que
não formem cristais no congeMicropipeta
lamento). A idéia de clonar
mortos ilustres ficou bem preNúcleo
Pronúcleos
é sugado
são sugados
sente no imaginário popular
quando Dolly foi clonada.
Agora sabe-se que não será
possível clonar pessoas como
Isaac Newton, Albert Einstein,
Transferência do núcleo
Adolf Hitler e outros (por vapara o zigoto ou para
o ovo não-fertilizado
riadas motivações) candidatos
à imortalidade.
Carioplasto
As células doadoras de núcleos devem ainda estar em um
estado de dormência (chamado de ‘quiescência’) e
Esquema básico
da clonagem,
portanto na fase G0 do ciclo celular – as outras fases
seja com
desse ciclo são G0/G1 e G2. Essa dormência é
um zigoto
induzida in vitro retirando-se os nutrientes do meio
ou com um ovo
de cultura, e esse procedimento é importante pornão-fertilizado
que o núcleo da célula doadora tem que interromper
o seu próprio programa para depois ser reprogramado
no interior do citoplasto receptor.
IMPRINTING, ATIVAÇÃO E TELÔMEROS. O núcleo doado também precisa conter toda a carga genética materna e paterna, por causa do fenômeno
chamado de imprinting, revelado em experiências
realizadas com camundongos e coelhos. O imprinting
– que ocorre durante a produção dos gametas, como 4
recebem núcleos de outros ovos fertilizados acompanhados de uma pequena quantidade de citoplasma.
1986 O dinamarquês Steen Willadsen
clona carneiros, na Inglaterra, fundindo o núcleo de uma célula de
embrião (no estágio de oito células)
em um ovo enucleado. Outros pesquisadores, em seguida, conseguem o mesmo com bois, ovelhas,
porcos, bodes e ratos, usando técnicas semelhantes.
Anos 1970 Outros cientistas obtêm girinos e sapos com o mesmo método, usando outros tipos de células
diferenciadas.
1983 O norte-americano James McGrath e
o iugoslavo Davor Solter desenvolvem o método de transferência nuclear para embriões de mamíferos.
Camundongos férteis são gerados
de ovos fertilizados enucleados que
1993 Neal First e M. Sims relatam pela
primeira vez a clonagem de bezerros pelo transplante do núcleo de
células embrionárias cultivadas em
laboratório.
1997 Nasce a ovelha Dolly, primeiro mamífero clonado de célula somática, obtida pela equipe do escocês Ian
Wilmut, do Instituto Roslin. O núcleo
transplantado foi obtido de uma célula de glândula mamária de uma
ovelha adulta. No mesmo ano, Don
Wolf e equipe, do Centro de Pesquisa de Primatas do Oregon, clona dois
macacos Rhesus por transplante de
núcleo de células de embrião (no
estágio de oito células).
1998 Na Universidade do Havaí, Teruhiko
Wakayama e equipe geram grande
número de camundongos transplantando núcleos de células adultas de
ovário para ovos enucleados. Pela
primeira vez, eles clonam células de
um animal clonado.
1999 a 2001 Cientistas relatam o nascimento de outros animais clonados,
em diversos países, e avanços nas
técnicas utilizadas. Este ano, especialistas em fertilização assistida anunciam projetos de clonagem
humana.
outubro de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 37
G E N É T I C A
no da heteroplasmia mitocondrial, no qual a presença de mais de um tipo de DNA mitocondrial na
mesma célula pode contribuir para o insucesso da
clonagem.
PARA QUE CLONAR HUMANOS? Com todas
Sugestões
para leitura
ALDOUS, P.,
‘Can they
rebuild us?’
in Nature 410,
pp. 622,
2001.
DEGUCHI, R. et al.,
‘Spatiotemporal
analysis of Ca2+
waves in
relation to
the sperm entry
site and
animal-vegetal
axis during Ca2+
oscillations
in fertilized
mouse eggs’ in
Developmental
Biology, 218,
pp. 299,
2000.
SOLTER, D.,
‘Mammalian
cloning:
advanced and
limitations’
in Nature
Reviews
Genetics, 1,
pp. 199,
dezembro/
2000.
WAKAYAMA, T.
et al.,
‘Differentiation
of embryonic
stem cell lines
generated from
adult somatica
cells by nuclear
transfer’
in Science,
292 (5517),
pp.740,
2001.
o óvulo e o espermatozóide – é um programa de
regulação ainda desconhecido que estabelece quais
genes estarão ativos e quais ficarão inativos.
Descobriu-se que, em função desse fenômeno, as
contribuições genéticas materna e paterna para o
desenvolvimento do embrião não são idênticas. Um
ovócito enucleado que, por exemplo, só receba material genético masculino (como o de um espermatozóide) desenvolverá estruturas extrafetais, como
a placenta, mas não as estruturas do feto propriamente ditas, que ficam sob a responsabilidade da
porção materna do genoma embrionário. Portanto,
se o conjunto genômico completo não estiver presente durante a transferência do núcleo da célula
doadora, o embrião não se desenvolverá.
A seguir, é preciso considerar o fenômeno da ativação, como mencionado acima. Com a ativação do
ovócito fertilizado, inicia-se uma cascata de eventos
relacionados ao preparo dessa célula para o eventual desenvolvimento embrionário. O fenômeno inclui, após a fertilização, alterações na membrana,
para impedir a entrada de outros espermatozóides.
Muitos desses eventos não são bem compreendidos,
mas algumas das manifestações já estão bem definidas em ovócitos de camundongos, como os aumentos repetitivos, pulsáteis, da concentração de
cálcio dentro da célula. Outros fatores envolvidos
no fenômeno da ativação – a participação do gás NO
(óxido nítrico), por exemplo – estão sendo estudados no momento.
Fica claro, porém, que se o ovócito não fertilizado
for escolhido como o receptor do núcleo, torna-se
necessário mimetizar o fenômeno da ativação, para
que o embrião vingue. Como a reprodução fiel desses
eventos ainda não está controlada, é preferível então
escolher o zigoto como célula receptora (mesmo que
a janela temporal para o transplante do núcleo seja
mais estreita do que com o ovócito), já que a ativação
é deflagrada naturalmente pelo espermatozóide.
Em relação ao núcleo transplantado, uma questão ainda em aberto é a do tamanho dos telômeros,
as estruturas dos cromossomos que controlam a longevidade das células (ver ‘Dolly já nasceu velha?’,
em CH nº 152). Também está em estudos o fenôme-
38 • CIÊNCIA HOJE • vol. 30 • nº 176
essas dificuldades, não surpreende que ocorram
tantos insucessos na clonagem. Se a eficiência
do processo gira em torno de 1%, o êxito está quase
no limite do aleatório, apesar da sofisticação técnica crescente nessa área. No entanto, o que mais
preocupa os pesquisadores é o fato de não se poder
atribuir as falhas da clonagem a causas específicas
– uma mensagem clara para que os cientistas voltem à prancheta, antes de qualquer tentativa mais
ousada.
Por outro lado, o conhecimento obtido com as
clonagens de carneiros, vacas, camundongos e porcos deixa bem claro que a clonagem de humanos não
representa uma situação particularmente difícil do
ponto de vista técnico. Em outras palavras, a
clonagem do homem não deve reservar surpresas no
contexto laboratorial. Assim que os problemas com
as outras espécies forem superados – e isso é só uma
questão de tempo –, a clonagem do homem necessitará apenas de alguns pequenos ajustes.
Resta saber: para que clonar seres humanos? No
caso de bovinos, caprinos e suínos, as vantagens
são óbvias. E quanto a homens e mulheres? As
pessoas, muitas vezes, esquecem que um clone não
seria uma entidade instantânea. Ele teria que passar por uma gestação de nove meses e cresceria tal
e qual seus semelhantes não clonados. Os clones
teriam que ser educados e estariam sujeitos a influências talvez bem diversas daquelas que moldaram o indivíduo que doou o seu núcleo. Além disso, devido à ‘norma de reação’, os clones gerados
podem até assumir aparências distintas daquela do
clone fundador. Segundo essa norma, mesmo que
uma característica seja ditada pela constituição
genética, o ambiente precisa ‘permitir’ a manifestação plena do gene – uma criança filha de pais altos
(com predisposição genética para ser alta) não crescerá como devia se não se alimentar corretamente
em certa fase da vida.
Assim, nada impediria que o clone de Isaac Newton, se isso fosse possível e se ele vivesse em uma
região costeira, viesse a ser por exemplo um musculoso surfista, ou que o clone de Albert Einstein virasse
um pagodeiro e o de Adolf Hitler se tornasse um assistente social em uma favela carioca. A técnica da
clonagem pode vir a revelar como cultivar órgãos
para transplantes, uma meta verdadeiramente desejável, mas será difícil encontrar argumentos que
justifiquem a clonagem de um indivíduo.
n
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