prova de acesso de filosofia ao ensino superior`11

Propaganda
PROVA DE ACESSO DE FILOSOFIA AO ENSINO SUPERIOR
PARA NOVOS PÚBLICOS
MAIORES DE 23 ANOS
UNIVERSIDADE DE AVEIRO
2010/2011
Leia com atenção a prova e procure responder de forma clara
e fundamentada às questões que lhe são colocadas.
A mera transcrição de frases do texto implica a
classificação de zero pontos.
A prova tem a duração de 2h com tolerância de 30m.
GRUPO I
Tendo agora chegado ao fim da nossa análise breve e muito incompleta dos problemas da filosofia, será
vantajoso que, para concluir, consideraremos qual é o valor da filosofia e porque deve ser estudada. É
da maior necessidade que examinemos esta questão, tendo em conta que muitas pessoas, sob a influência
da ciência ou de afazeres práticos, se inclinam a duvidar de que a filosofia seja algo melhor do que
frivolidades inocentes mas inúteis, distinções demasiado subtis e controvérsias sobre matérias acerca das
quais o conhecimento é impossível. Esta visão da filosofia parece resultar em parte de uma concepção
errada dos fins da vida e em parte de uma concepção errada do género de bens que a filosofia procura
alcançar.
Russell, B.(1980). Os Problemas da Filosofia.236
1. Explique qual o valor da filosofia no contexto do pensamento do autor (5 vals)
GRUPO II
Seleccione APENAS uma das seguintes perguntas:
Thomas Kuhn, célebre historiador da ciência, falecido em 1996, mudou por completo a noção que se
tinha sobre o progresso científico. Anteriormente, pensava-se que a ciência progredia de forma contínua,
por melhoramentos consecutivos, que iam sendo adicionados por sucessivos cientistas. Na sua célebre
obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962) defendeu que os grandes progressos da ciência não
resultam de mecanismos de continuidade, mas sim de mecanismos de rotura. A certa altura, alguns dos
praticantes dessa ciência começam a descobrir contradições internas e chegam à conclusão de que a
forma de ver o mundo corresponde à noção de paradigmas.
1.Tomando como ponto de partida o pensamento de T. Kuhn, explicite o que se entende por
ciência e por paradigma na epistemologia do autor. (5vals)
Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à
convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser
colocado. (...)
1.Tomando como ponto de partida o pensamento de G. Bachelard, explicite o que se entende
por ciência e por obstáculo epistemológico, na epistemologia do autor. (5vals)
GRUPO III
Seleccione APENAS duas OBRAS e responda aos dois itens formulados.
Na resposta ao item 1:
• utilize aproximadamente 160 palavras (cerca de 20 linhas), número indicador do grau de
desenvolvimento da sua resposta.
Na resposta ao item 2:
• utilize aproximadamente 320 palavras (cerca de 40 linhas), número indicador do grau de
desenvolvimento da sua resposta.
A mera transcrição de frases do texto implica a classificação de zero pontos.
GÓRGIAS, Platão
Sócrates — E és de parecer que ter aprendido e ter crido sejam a mesma coisa que
conhecimento e crença? Ou são diferentes?
Górgias — A meu ver, Sócrates, são diferentes.
Sócrates — É certo o que dizes. Tens a prova no seguinte: Se alguém te perguntasse:
Górgias, há crença falsa e crença verdadeira? responderias afirmativa mente, segundo penso.
Górgias — Sim.
Sócrates — E conhecimento, há também falso e verdadeiro?
Górgias — De forma alguma.
Sócrates — O que prova que saber e crer são diferentes.
Górgias — É certo.
Sócrates — Apesar disso, tanto os que aprendem como os que crêem ficam igualmente
persuadidos.
Górgias — Exato.
Sócrates — Podemos, então, admitir duas espécies de persuasão: uma, que é a fonte da
crença, sem conhecimento, e a outra só do conhecimento?
Górgias — Perfeitamente.
Sócrates — De qual dessas persuasões se vale a retórica nos tribunais e nas demais
assembléias, relativamente ao justo e ao injusto? Da que é fonte de crença sem conhecimento,
ou da que é fonte só de conhecimento?
Górgias — Evidentemente, Sócrates, da que dá origem à crença.
Sócrates — Então, ao que parece, a retórica é obreira da persuasão que promove a
crença, não o conhecimento, relativo ao justo e ao injusto?
1. A partir do texto apresentado, explique qual a verdadeira dimensão e importância do
conhecimento e da crença (2 vals).
2. Explique em que consiste a verdadeira utilidade da retórica, segundo Sócrates, no âmbito da
obra. (3 vals)
CARTA SOBRE A TOLERÂNCIA, Locke
Direis: o magistrado fará, com as forças de que dispõe, o que julgar ser da sua alçada. Dizeis bem,
responderei eu. Mas, aqui, investiga-se o modo como bem agir e não o êxito das coisas duvidosas. Mas,
vindo mais ao pormenor, digo: em primeiro lugar, o magistrado não deve tolerar nenhum dogma oposto e
contrário à sociedade humana ou aos bons costumes necessários à conservação da sociedade civil. Mas
tais exemplos são raros em qualquer igreja. Com efeito, os dogmas que claramente arruínam os
fundamentos da sociedade são condenados pelo juízo do género humano; nenhuma seita levaria a
loucura ao ponto de julgar que se devem ensinar dogmas em virtude dos quais os próprios bens, a paz e
a reputação não estariam em segurança. Em segundo lugar, um mal certamente mais escondido e mais
perigoso para o Estado é constituído por aqueles que se arrogam, para eles e para a sua seita, um
privilégio particular e contrário ao direito civil, que cobrem e disfarçam com discursos especiosos. Em
lado algum, praticamente, encontrareis pessoas a ensinar crua e abertamente que não é necessária a
fidelidade à palavra dada; que o príncipe pode ser afastado do trono por qualquer seita e que o governo
de todas as coisas só a eles pertence. (…) Estas pessoas e outras semelhantes, que atribuem aos fiéis,
aos religiosos, aos ortodoxos, isto é, a elas próprias, nas coisas civis, algum privilégio e algum poder de
que o resto dos mortais não dispõe; ou que reivindicam para si, sob pretexto de religião, certos poderes
sobre os homens estranhos à sua comunidade eclesiástica, ou que dela de qualquer maneira se
separaram, estas pessoas não podem ter o direito de ser toleradas pelo magistrado; nem também os
que não querem ensinar que é preciso tolerar os que entram em dissidência relativamente à sua própria
religião. Que outra coisa ensinam estas pessoas e todos os da sua espécie senão que, na melhor
ocasião, tentarão usurpar os direitos do Estado, os bens e a liberdade dos cidadãos?
Trad. João da Silva Gama, Lisboa, Edições 70, 1996, pp. 116-117
1. Explicite os fundamentos do conceito de tolerância expresso no contexto da obra. (2 vals)
2. Responda à pergunta do autor a partir do contexto da sua obra: Que outra coisa ensinam estas
pessoas e todos os da sua espécie senão que, na melhor ocasião, tentarão usurpar os direitos do
Estado, os bens e a liberdade dos cidadãos? (3 vals)
FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES, Kant
Não se pode prestar serviço mais precioso àqueles que se riem de toda a moralidade como de uma
simples quimera da imaginação humana exaltada pela presunção, do que conceder-lhes que os
conceitos do dever (exactamente como por preguiça nos convencemos que acontece também com todos
os outros conceitos) têm de ser tirados somente da experiência; porque assim lhes preparamos um
triunfo certo. Quero, por amor humano, conceder que ainda a maior parte das nossas acções são
conformes ao dever; mas, se examinarmos mais de perto as suas aspirações e esforços, toparemos por
toda a parte o querido Eu que sempre sobressai, e é nele, e não no severo mandamento do dever, que
muitas vezes exigiria a auto-renúncia, que a sua intenção se apoia. Não é preciso ser-se mesmo um
inimigo da virtude, basta ser-se apenas um observador de sangue-frio que não tome imediatamente o
mais ardente desejo do bem pela sua realidade, para, em certos momentos (principalmente com o
avançar dos anos e com um juízo apurado em parte pela experiência, em parte aguçado para a
observação), nos surpreendermos a duvidar se na verdade se poderá encontrar no mundo qualquer
verdadeira virtude. E então nada nos pode salvar da completa queda das nossas ideias de dever, para
conservarmos na alma o respeito fundado pela lei, a não ser a clara convicção de que, mesmo que
nunca tenha havido acções que tivessem jorrado de tais fontes puras, a questão não é agora de saber
se isto ou aquilo acontece, mas sim que a razão por si mesma e independentemente de todos os
fenómenos ordena o que deve acontecer.
BA 26-28, trad. Paulo Quintela, Lisboa, Edições 70, 1995, pp. 40-41
1. Relacione os conceitos de vontade, autonomia e liberdade, explicando o significado dessa
relação no contexto da obra. (2 vals)
2. A partir do texto, explique por que razão, ainda que não se pudesse encontrar no mundo
qualquer verdadeira virtude, tal facto não seria suficiente para diminuir o valor da moralidade.
Fundamente a sua resposta com elementos da obra. (3 vals)
OS PROBLEMAS DA FILOSOFIA, Russell
Suponha-se um homem que houvesse visto um grandíssimo número de cisnes brancos: poderia esse
homem muito bem julgar, atendo-se aí ao nosso princípio, que era coisa provável, consoante os dados,
que todos os cisnes fossem brancos: e seria um raciocínio de correcção perfeita. Este raciocínio não é
confutado pelo facto de alguns cisnes serem negros: com efeito, pode muito bem suceder uma coisa,
sem embargo do facto de que certos dados tornem improvável que ela ocorra. (...) O facto, pois, de que
as coisas deixam frequentemente de nos satisfazer as expectativas não é prova de que as expectativas
não serão provavelmente satisfeitas, em certo caso determinado, ou numa determinada classe de casos.
Assim, o princípio indutivo, ou da indução, não é susceptível de ser refutado por nenhum recurso à
experiência. Mas o princípio indutivo, por outra banda, é também insusceptível de ser provado por
qualquer recurso à experiência. Podemos conceber que a experiência o confirme para os casos que já
foram examinados; porém, para todos os casos não examinados ainda, é só o princípio da indução o que
pode justificar qualquer inferência daquilo que já foi examinado para aquilo que não foi examinado ainda.
Toda a sorte de raciocínio que, sobre a base da experiência havida, conclua a respeito do futuro (ou a
respeito das partes não experienciadas do tempo passado ou do presente) pressupõe o princípio da
indução; portanto, nunca podemos recorrer à experiência para provar o princípio da indução sem por aí
cairmos num vício lógico, que é o vício de petição de princípio. Assim, temos, por consequência, ou que
aceitar o princípio indutivo por virtude da sua própria evidência intrínseca, ou que renunciar a justificar de
algum modo as nossas expectativas quanto ao futuro.
Trad. António Sérgio, Coimbra, Almedina, 2001, pp.73-74
1. Relacione conhecimento de trato e conhecimento por descrição, explicando o significado
dessa relação no contexto da obra. (2 vals)
2. A partir do texto, explicite a relação do princípio da indução com a experiência. (3 vals)
Download