CMYK Saúde Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 29 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 3 de outubro de 2009 Stefan Wermuth/Reuters - 8/9/09 Pesquisadores anunciam ter descoberto como alguns insetos demonstram habilidade em resistir à infecção pelo protozoário da malária. Estudo pode abrir caminho para novo controle da ameaça Mosquitos “amigos” O Anopheles gambiae: alguns transmissores têm uma mutação que impede a infecção Philimon Bulawayo/Reuters - 12/2/09 » RODRIGO CRAVEIRO Q uem vive na Amazônia provavelmente já sofreu com febre alta, sudorese intensa, fadiga, fraqueza inexplicável e vômitos. Quase sempre juntos, os sintomas denunciam a malária (ou impaludismo), uma doença que ataca 50 em cada 1 mil habitantes da região e ameaça 40% da população do planeta. Dependendo do protozoário transmitido pelo mosquito Anopheles gambiae, o paciente pode arder em febre intermitente durante dois ou três dias. A ciência, porém, acaba de encontrar um meio de transformar os insetos em aliados na luta contra o mal. Pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular Europeu (EMBL, pela sigla em inglês), em Heidelberg (Alemanha), e do Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale, em Estrasburgo (França), descobriram que alterações em um único gene afetam a habilidade do mosquito de resistir à infecção pelo Plasmodium berguei — o parasita que provoca a malária em ratos. O achado abre espaço para uma espécie de controle seletivo do Anopheles, com o extermínio daqueles exemplares que não tenham a mutação genética. Em entrevista ao Correio, por e-mail, a francesa Stephanie Blandin — cientista do Inserm e líder do estudo — contou que sua equipe infectou os mosquitos Anopheles gambiae com o Plasmodium berguei. “Nós sabíamos que alguns desses insetos são capazes de não serem contaminados pelo parasita. Uma questão-chave tem sido entender o que faz a diferença entre um mosquito resistente e um suscetível (ao Plasmodium)”, explicou. Para responder a esse enigma, os especialistas compararam o genoma de ambos os tipos de Anopheles. “A principal diferença entre eles foi um único pedaço de um cromossomo. Dos 975 genes contidos na seção do DNA, apenas um chamou nossa atenção: o TEP-1”, acrescentou. Esse gene codifica a proteína que se une aos parasitas da malária, levando-os à morte no interior do intestino do mosquito, e está presente sob diferentes formas (ou alelos) em todos os Anopheles gambiae. “Para mostrar que dois alelos diferiam em sua eficiência na promoção da morte dos parasitas, criamos mosquitos que carregam um alelo do tipo resistente e um do tipo suscetível”, lembrou. Segundo Blandin, ela e seus colegas basicamente desligaram um ou outro alelo e compararam o número de Plasmodium berguei que poderiam se desenvolver em cada grupo. Assim, os cientistas demonstraram que diferentes alelos do TEP-1 conferem distintos graus de resistência aos parasitas da malária em ratos. Nova fase No Zimbábue, uma mãe coloca o filho na cama, protegida por um mosquiteiro: normalmente, a única defesa contra a malária, que ameaça 40% da população mundial Fotos: Marina Lamacchia Inserm/Divulgação Resistência ativada As imagens mostram dois intestinos de Anopheles gambiae, mosquito-vetor da malária comum na África Subsaariana. Na da esquerda, os pontos negros são os parasitas Plasmodium berguei mortos dentro dos insetos cujo alelo em atividade é o que comanda a “resistência”. Os pontos verdes fluorescentes são parasitas ainda vivos. Na foto da direita, vários CMYK A francesa investiga agora se os alelos de TEP-1 têm a mesma aversão ao Plasmodium falciparum, o protozoário que transmite a doença para o homem. Se virem a mesma correlação entre eles e o nível de resistência a esse parasita, os pesquisadores terão à disposição um marcador para monitorar a distribuição de mosquitos resistentes e suscetíveis ao micro-organismo causador da malária. “Isso nos ajudaria, por exemplo, a melhorar os atuais métodos de controle das populações de mosquito, alvejando aquelas que sejam suscetíveis à infecção”, comentou Blandin. A técnica desenvolvida pelos cientistas é chamada de interferência recíproca específica do alelo no RNA. “Esse método é aplicável a muitos diferentes organismos”, disse Lars Steinmetz, do EMBL. “Agora, podemos ir de uma região inteira do DNA a um gene que causa a doença — uma façanha raramente alcançável em organismos complexos”, acrescentou o alemão. A ferramenta capacita os pesquisadores a identificarem exatamente qual alelo está por trás de um traço específico. Eles produziram mosquitos individuais que tinham um alelo TEP-1 do traço resistente e outro de um traço suscetível. Então, “desligaram” — ou silenciaram — um ou mais desses alelos. A desativação dos alelos deu origem a mosquitos com diferentes graus de resistência à malária. O estudo comprova que a não suscetibilidade do mosquito ao parasita da malária depende da forma do gene que ele carrega. Stephanie Blandin afirma que ainda é cedo para determinar qual impacto sua pesquisa terá no controle e tratamento da malária em humanos. De acordo com ela, o mosquito vetor e o parasita são diferentes daqueles usados no estudo. No entanto, a francesa admite que respostas antiparasitárias similares devem funcionar em outras espécies do Anopheles. “Entender como um mosquito se defende contra os parasitas da malária nos ajudará a progredir mais rapidamente em relação a outras espécies de mosquitos”, concluiu. protozoários têm maior sobrevida dentro do intestino de mosquitos com o alelo para “suscetibilidade” ativado. Os cientistas descobriram que existem variantes do gene TEP-1, responsável pela codificação da proteína que se cola aos parasitas, matando-os. Cada um desses “alelos” corresponde a um nível de resistência diferente à infecção por malária.