A CARTA DE PAULO AOS Romanos “Contesto!” (3:1–8) apóstolo estabelecendo que os gentios estavam perdidos tomou metade de um capítulo: quinze versículos (1:18–32). A acusação contra os judeus ocupou mais do que o dobro disso —– um capítulo e um terço: trinta e sete versículos (2:1—3:8). Por que essa diferença? Talvez porque seria duas vezes mais difícil para um judeu admitir que era pecador. O texto desta seção é 3:1–8. Não se trata de uma passagem fácil. Douglas Moo chamou os versículos 3 a 8 de “uns dos mais difíceis de se interpretar de toda a carta”1. A maioria dos escritores concorda que Paulo usou o formato de um diálogo, respondendo objeções de um adversário judeu imaginário. Entretanto, nem sempre é claro quem está “falando” — Paulo ou seu adversário. Além disso, tanto as objeções como as respostas são extremamente breves, demandando alguma especulação em relação às idéias principais. Apesar disso, o propósito principal do apóstolo é claro: calar a oposição judaica (veja 2:1; 3:19). No que diz respeito às objeções, provavelmente foram o tipo de minúcias que Paulo ouvia quando pregava nas sinagogas judaicas (veja Atos 13:14; 14:1; 17:1, 10; 18:4; 19:8). Quando comecei a trabalhar como pregador em tempo integral, fiquei surpreso ao ouvir as mesmas perguntas e argumentos vez após vez. Eu pensava comigo mesmo: “Devo imprimir as respostas para essas perguntas em cartões. Daí, quando for confrontado por alguém, poderei apenas tirar um cartão do bolso. Isto pouparia tempo de ambas as partes!” Essa era apenas uma piada que eu contava para mim mesmo — mas, se você já prega há muitos anos, sabe a que me refiro. Com o passar dos anos, Paulo provavelmente ouviu deus (vv. 9a, 19a, 20a). 1 Douglas J. Moo, Romans, The NIV Application Commentary. Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing House, 2000, p. 103. 1 as mesmas objeções vez após vez. Elas até podiam se parecer com as críticas que ele próprio fazia antes de se tornar um cristão. OBJEÇÃO: “PAULO, VOCÊ ESTÁ IGNORANDO A ALIANÇA DE DEUS!”2 (3:1, 2) Objeção (3:1) No fim do capítulo 2, Paulo disse aos judeus que ter a lei de Moisés e ser circuncidado não garantia a eles a salvação (2:17–29). Toda vez que se diz a uma pessoa religiosa que a salvação dela é questionável, está se provocando um debate. Por isso não nos surpreende a seguinte “resposta”: “Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” (3:1). “Vantagem” é a tradução de perissos, derivado da preposição peri (“sobre”). Perissos refere-se ao que está “sobre e acima”3. “Utilidade” vem de ofeleia, termo derivado de uma raiz que significa “aumentar”4. Ofeleia refere-se ao que aumenta ou soma ao que já se tem. Perissos e ofeleia são apenas duas maneiras de se dizer a mesma coisa. O adversário judeu imaginário de Paulo estava questionando: “Se o que você diz é verdadeiro, então de que vale ser judeu?” Do ponto de vista dos judeus, as palavras de Paulo no capítulo 2 refletiam a aliança que Deus fez com eles muitos e muitos anos atrás. Deus os separara de todas as nações da terra e lhes dera a Lei e o 2 Os subtítulos desta lição sofreram influência de John R. W. Stott, A Mensagem aos Romanos. Trad. Silêda e Marcos D. S. Steuernagel. Série A Bíblia Fala Hoje. São Paulo: ABU Editora, 2000, pp. 107–110. 3 The Analytical Greek Lexicon. Londres: Samuel Bagster & Sons, 1971, p. 317. 4 W. E. Vine, Merrill F. Unger e William White Jr., Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 7a. ed., 2007, p. 1047. sinal da circuncisão. Estaria Paulo dizendo que tudo aquilo não significava nada? Resposta (3:2) Depois das duras palavras de Paulo no capítulo 2, poderíamos esperar que ele respondesse: “Não há vantagem nenhuma em ser judeu”. Ao contrário disso, ele respondeu: “Muita, sob todos os aspectos” (3:2a). Que “muita” vantagem e utilidade Paulo tinha em mente? Acrescentou o apóstolo: “principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (v. 2b). “Principalmente” causa a impressão de que Paulo pretendia citar uma extensa lista — mas essa lista só aparece no capítulo 9 (veja vv. 4, 5). Aqui, as palavras provavelmente são apenas introdutórias, significando “a vantagem mais importante é”. A vantagem mais importante dos judeus era que a eles “foram confiados os oráculos de Deus”. “Oráculos” é a tradução de logia, que muitos eruditos consideram ser um diminutivo de logos (“palavra”). Talvez esta forma peculiar fosse usada para indicar a natureza intimista e pessoal da revelação divina. A NVI diz “palavras de Deus”. Alguns limitam logia a apenas uma porção das Escrituras judaicas, mas John MacArthur provavelmente estava certo quando concluiu que o termo se refere ao “Antigo Testamento inteiro”5. James R. Edwards escreveu: “A revelação de Deus não acontece em qualquer lugar. Seres humanos não podem conjurar Deus sempre e onde quer que esteja. Deus precisa... [fazer] Se conhecer”6. Nesse caso, Ele Se fez conhecer e fez conhecer a Sua vontade aos judeus. Eles foram abençoados com os preceitos, as profecias e as promessas de Deus. Seus preceitos lhes diziam como viver; Suas profecias apontavam para o Messias e Suas promessas garantiam-lhes proteção contínua. Deus fizera da nação judaica a “guardiã do tesouro superior a todos os tesouros”7. Havia alguma vantagem em ter esse tesouro escrito... em ter uma revelação clara do próprio Deus... em ter instruções precisas em relação ao que Deus esperava da humanidade? Imaginemos dois homens tentando encontrar o caminho às escuras. Um tem apenas uma chama fraca e oscilante, enquanto o ou5 John MacArthur, Romans 1 – 8, The MacArthur New Testament Commentary. Chicago: Moody Press, 1991, p. 168. 6 James R. Edwards, Romans, New International Biblical Commentary. Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1992, p. 83. 7 James D. Smart, Doorway to a New Age. Nova York: S.c.p., 1972; citado em Morris, p. 153, n. 7. 2 tro tem uma luz forte, poderosa, que ilumina seu caminho8. O primeiro é comparável ao gentio antes de Cristo vir; o segundo é o judeu. Quem tem a vantagem? Obviamente, o homem com a luz mais reluzente. Esse era o judeu com “os oráculos de Deus”. Todavia, simplesmente ter uma vantagem não garante sucesso. Uma pessoa com um bom nível de escolaridade deveria ter uma vantagem sobre um indivíduo sem escolaridade. Contudo, alguns com pouca ou nenhuma instrução formal realizam mais do que outros que possuem uma formação considerável — porque tentam mais arduamente. Na prática de esportes, uma pessoa abençoada com um corpo forte e uma habilidade atlética natural tem vantagem sobre outra menos hábil — mas, às vezes, a segunda tem um desempenho superior ao da primeira por causa de uma determinação maior. Da mesma forma, ter “os oráculos de Deus” deu ao povo judeu uma enorme vantagem sobre os gentios — mas os judeus não estavam aproveitando ao máximo o que Deus lhes confiara. Os judeus aparentemente não entenderam o que lhes fora “confiado com os oráculos de Deus”. A raiz da palavra traduzida por “confiado” é pisteuo, a palavra comum para “crer”. (Retomaremos isto em breve.) Usado num modo passivo, o termo significa “ser confiado com”9. O termo “confiado” “muda a ênfase de propriedade para mordomia, de posse da lei para responsabilidade por ela”10. Os judeus não haviam sido bons mordomos da Palavra. Em determinado momento, eles de fato a substituíram (veja 2 Crônicas 34:14–33). Na época de Cristo, eles consideravam as tradições criadas por homens mais importantes do que os mandamentos dados por Deus (veja Mateus 15:1–9). Jesus disse asperamente aos líderes judeus: “Não provém o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras...?” (Marcos 12:24). OBJEÇÃO: “PAULO, VOCÊ ESTÁ QUESTIONANDO A FIDELIDADE DE DEUS!” (3:3, 4) Objeção (3:3) O fato de os judeus não observarem a lei nos leva à segunda objeção: “E daí?11 Se alguns não cre- 18 Se quiser, mencione um tipo de luz como uma lanterna ou uma tocha, comum aos seus leitores. 9 The Analytical Greek Lexicon, p. 314. 10 Edwards, p. 83. 11 “E daí” não consta do original. Foi um acréscimo dos tradutores porque esse tipo de sentença no grego tem uma resposta implícita. ram, a incredulidade deles virá desfazer12 a fidelidade de Deus?” (v. 3b). O jogo de palavras de Paulo nos versículos 2 e 3 é mais óbvio no grego do que no português: a repetição das palavras “crer” e “incredulidade” (pisteuo e pistis). Aos judeus fora “confiada” (uma forma de pisteuo) a Palavra, mas eles não “creram” (uma forma de pisteuo) na Palavra. A “incredulidade” (a negativa de pistis) deles desfez a “fidelidade” (uma forma de pistis) de Deus? Poderíamos exprimir o jogo de palavras assim: “Esperava-se que os judeus fossem fiéis à Palavra de Deus, mas eles foram infiéis. A infidelidade deles desfez a fidelidade de Deus?” A Bíblia Viva parafraseia a objeção assim: “É verdade que alguns deles foram infiéis, mas só porque quebraram suas promessas a Deus, isso significa que Deus quebrará suas promessas àqueles que o amam?” O adversário imaginário estava, com efeito, perguntando a Paulo: “Você está acusando Deus de ser infiel à aliança que Ele fez, tempos atrás, com Seu povo?” Resposta (3:4) Paulo expôs esta questão detalhadamente nos capítulos 9 a 11. Por ora, ele respondeu negativamente à implicação de que Deus poderia ser infiel. A resposta do apóstolo é contundente: “De maneira nenhuma!” (3:4a). A expressão é uma tradução literal da expressão grega me genoito, “a negação mais forte que se pode fazer no grego”13. Paulo usou essas palavras várias vezes (3:6, 31; 6:2, 15; 7:7, 13; 9:14; 11:1, 11), indicando o fervor que permeia a carta. É difícil exprimir em português a emoção extrema que a expressão me genoito denota. Uma expressão contemporânea seria: “Não! Mil vezes não!”14 Paulo estava chocado diante da mera sugestão de que Deus poderia ser infiel. A possibilidade das pessoas não acreditarem nele era menos importante para o apóstolo do que elas deixarem de glorificar a Deus. Paulo continuou sua resposta: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (v. 4b). O adversário imaginário tinha, com efeito, perguntado se a infidelidade dos judeus afetava a fidelidade de Deus. Paulo respondeu que, ainda que as pessoas não fossem o que deveriam ser, isso não afeta a na12 “Desfazer” no grego é um termo composto por “trabalho” (ergon) acrescido do elemento de negação (a) e intensificado por kata. Significa basicamente “fazer não trabalhar”, ser inoperante. (Morris, p. 155, n. 17.) 13 Edwards, p. 88. 14 Talvez haja outra expressão regional mais familiar aos seus ouvintes. tureza imutável de Deus (veja 2 Timóteo 2:13). Por exemplo, ainda que todo indivíduo existente na terra fosse mentiroso, Deus ainda seria verdadeiro. Com o intuito de reforçar a verdade de que Deus sempre Se mostrará verdadeiro, Paulo citou o Livro de Salmos: “Para seres justificado nas tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado” (v. 4c). A citação é da última parte de Salmo 51:4. A versão de Paulo é diferente da maioria das nossas traduções do Antigo Testamento porque ele estava citando o Antigo Testamento grego (a Septuaginta), enquanto nossas traduções são diretamente do hebraico. Salmo 51 é uma das passagens de confissão mais profundas do Antigo Testamento. Ele registra o arrependimento de Davi após ser confrontado com o profeta Natã por conta de seu pecado com BateSeba15. As palavras de Davi no versículo 4 revelam que uma de suas maiores preocupações era que, no fim, Deus Se mostrasse justo e correto. Ele estava, com efeito, dizendo ao Senhor: “Estou confessando o meu pecado para que o Senhor seja justificado em Suas palavras, e prevaleça quando for julgado”. A última parte, “prevaleça quando for julgado”, pode soar estranho para alguns. Pessoas podem julgar a Deus? Podem sim — e o fazem todos os dias. Já vi pessoas franzirem a testa e balançarem as cabeças ao perguntarem: “Por que Deus permitiu que isto acontecesse?” A dúvida pode perturbar as mentes até de cristãos mais conscientes. Moses E. Lard escreveu: Nós o denunciamos [acusamos] por nos criar capazes de pecar; por nos expor à tentação; por nos submeter à morte pelo pecado de outro; por nos conferir uma vida de privações; por exigir que sejamos santos em meio a grandes tribulações; por não nos revelar mais sobre o futuro...16 A idéia de Paulo é que, embora seres humanos tentem julgar a Deus, Ele será justificado no fim. Um dia, todas as pessoas terão de reconhecer que, em todas as questões, Ele foi eminentemente justo, que Ele foi fiel. Neste sentido, diríamos que “Deus será absolvido” quando “posto em julgamento”. 15 Manuscritos antigos possuem este título para o Salmo 51: “Salmo de Davi, quando o profeta Natã veio até ele, após ter ele estado com Bate-Seba”. A história se encontra em 2 Samuel 12:1–15. 16 Moses E. Lard, Commentary on Paul’s Letter to Romans. Lexington, Ky.: S.c.p. 1875; reimpressão, Delight, Ark.: Gospel Light Publishing Co., s.d., p. 103. 3 OBJEÇÃO: “PAULO, VOCÊ ESTÁ SUBESTIMANDO A JUSTIÇA DE DEUS!” (3:5, 6) Objeção (3:5a–c) A terceira objeção é: “Mas, se a nossa injustiça traz a lume17 a justiça de Deus” (v. 5a). “Se” carrega a idéia de “visto que”. A primeira parte do versículo 5 poderia ser traduzida por: “Visto que a injustiça dos judeus demonstra a justiça de Deus...” Um dos resultados do pecado (injustiça) de Davi foi que Deus Se mostrou justo (v. 4). O adversário imaginário começou, então, sua próxima objeção com uma premissa: a infidelidade dos judeus não diminui a fidelidade de Deus; pelo contrário, ela aumenta a fidelidade de Deus. Ela faz isto, em primeiro lugar, na forma de contraste — assim como a comparação com uma veste suja mostra como realmente está limpa a veste recém-lavada. Em segundo lugar, a fidelidade de Deus é aumentada por meio das inúmeras oportunidades a Ele providas para honrar Sua aliança com os judeus, a despeito das deficiências do povo. O argumento poderia ser expresso assim: “Nossos pecados fazem Deus parecer bom”. Tendo presumido que a injustiça dos judeus aumentou a justiça de Deus, o adversário continuou: “Que diremos?” (v. 5b) ou: “A que conclusão devemos chegar?” “Porventura, será Deus injusto por aplicar a sua ira?”18 (v. 5c). Vamos expandir essa idéia: “Paulo, você falou da ira de Deus [veja 1:18; 2:5, 8]; mas se Deus for aplicar a Sua ira sobre nós, judeus (como fará aos gentios), então Ele não estará cumprindo Sua promessa para conosco. Isto O tornaria injusto — e com certeza Ele não é injusto. Seria justo que Deus nos castigasse!” Os judeus apegavam-se à idéia de que, por mais pecaminosos que fossem, ainda eram a nação da aliança de Deus. Por isso, acreditavam que Deus os salvaria no fim, independentemente de como houvessem se comportado. Resposta (3:5d, 6) Paulo provavelmente havia se deparado com essa objeção conversando com judeus, mas ainda lhe causava desconforto mencioná-la. Ele começou 17 “Traz a lume” (sunistemi) é a tradução de um composto (sun [“com”] mais istemi [“colocar”]) usado ao se falar de uma pessoa sendo apresentada a outra (“colocar junto”) de uma forma favorável. Uma possível tradução seria: “nossa injustiça... estabelece e exibe a justiça de Deus”. 18 Na construção grega da frase está implícita a resposta negativa. 4 sua resposta com uma explicação apologética: “(Falo como homem)” (3:5d). Era o mesmo que dizer: “Estou lhes mostrando como seres humanos podem ser ridículos quando tentam justificar seu pecado!” A seguiu ele reagiu à insinuação de que Deus poderia ser injusto com a abrasiva expressão: “Certo que não” (v. 6a). O que veio a seguir foi uma refutação sucinta: “Do contrário, como julgará Deus o mundo?” (v. 6b). Essas palavras tem 1) um significado óbvio e 2) um significado não tão óbvio. Superficialmente, Paulo estava dizendo: “Se Deus é injusto, Ele está desqualificado para julgar o mundo. Uma vez que vocês admitem que Ele julgará o mundo19, precisam concordar que Ele é justo”. Mas Paulo estava dizendo algo mais do que isso. Ele estava respondendo o argumento de que a injustiça dos judeus aumentava a justiça de Deus e que seria injusto Deus castigar os judeus pelo que “O fazia parecer bom”. Paulo disse, com efeito: “Apliquemos seu raciocínio ao mundo em geral. Vocês acreditam que os gentios são mais injustos do que vocês20. Se a injustiça aumenta a justiça de Deus, então a injustiça maior dos gentios deve aumentar a justiça de Deus ainda mais do que a injustiça de vocês. Seria duplamente injusto Ele julgar os gentios. Segundo o argumento de vocês, Deus não poderia julgar ninguém. Vocês O desqualificaram para ser o juiz do mundo!” Depois de analisar a resposta de Paulo, podemos ser tentados a olhar para a objeção dos judeus e dizer: “Mas que argumento tolo! Como alguém poderia ser tão ridículo?” Há poucas certezas na vida, mas pode ter certeza de uma coisa: quando as pessoas cometem erros, elas vão tentar se justificar com explicações ridículas21. Adão disse a Deus: “A mulher que [Tu] me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gênesis 3:12; grifo meu). Uma criancinha quebra uma louça, aponta para o cachorro e diz: “Foi ele!” Um jovem, ansioso por aderir à última moda, diz aos pais: “Mas todo mundo faz!” Um homem casado, tentando justificar seu caso extraconjugal, diz com tristeza: “Minha esposa não me entende!” Como alguém já disse: “é mais fácil racionalizar do que se arrepender22. Leon Morris 19 Veja Gênesis 18:25. Veja 2:1. 21 Use ilustrações com as quais seus ouvintes se identifiquem. 22 Adaptado de Bruce Barton, David Veerman e Neil Wilson, Romans, Life Application Bible Commentary. Wheaton, Ill.: Tyndale House Publishers, 1992, p. 63. 20 escreveu: “Nós, pecadores, demonstramos incrível ingenuidade quando tentamos nos justificar”23. OBJEÇÃO: “PAULO, VOCÊ ESTÁ CONFUSO ACERCA DA GLÓRIA DA DEUS!” (3:7, 8) Objeção (3:7) Isto nos leva — provavelmente — à quarta objeção. No versículo 7 Paulo disse: “E, se por causa da minha mentira, fica em relevo a verdade de Deus para a sua glória, por que sou eu ainda condenado como pecador?” Alguns observam que nesse versículo Paulo mencionou “a minha mentira” e usou a palavra “eu” (oculta em português). Sugerem estes que Paulo apresentou somente três objeções e depois, no versículo 7, aplicou o raciocínio do seu adversário a si mesmo. Tal interpretação deles seria como se Paulo tivesse dito: “Vocês dizem que seus pecados aumentaram a glória de Deus, então Ele não deveria julgar vocês. Mas, ao mesmo tempo, vocês me chamam de mentiroso. Se o seu raciocínio estiver correto, minha suposta mentira também aumenta a glória de Deus. Nesse caso, é incoerente vocês me condenarem como um pecador!” Essa interpretação certamente é possível e não comete injustiça alguma contra o texto. Parece a nós, porém, que, no que diz respeito à palavra “mentira”, o adversário imaginário estava se referindo a Paulo acusar todo homem (no contexto, todo judeu) de ser um mentiroso no versículo 4. Quanto ao uso da primeira pessoa, Paulo geralmente o faz para identificar-se com seus leitores24. Na nossa opinião, Paulo estava formulando uma quarta objeção no versículo 7, semelhante à que ele acabara de expressar. O adversário judeu provavelmente estava argumentando: “Se a sua mentira aumenta a veracidade de Deus e acaba por aumentar a glória de Deus, por que você [Paulo] continua insistindo que os judeus são pecadores?” Resposta (3:8) A resposta básica de Paulo foi que, se o tipo de raciocínio expresso nos versículos 5 e 7 fosse desenvolvido até uma conclusão lógica, teríamos de concluir que é bom pecar porque, no fim, “o pecado faz Deus parecer bom”. No versículo 8a–c, Paulo colocou isto desta maneira: “E por que não dizemos...: Pratiquemos males para que venham bens?” 23 Morris, p. 161. Ibid., pp. 157–58. 24 Expresso dessa forma, o raciocínio deveria causar repúdio a qualquer um. O mal nunca é bom, e o pecado nunca deve ser elogiado. Será que alguém realmente argumentaria: “Pratiquemos males para que venham bens?” As pessoas fazem isso a toda hora! Elas não usam precisamente essas palavras, mas essa é a filosofia predominante25. Seria como um político que lança uma campanha aos cidadãos do seu estado, pedindo a aprovação de mais jogos de azar legalizados “para gerar fundos para as escolas da rede pública de ensino”. Tal contra-senso poderia fazer o versículo 8 ecoar em nossos ouvidos: “Pratiquemos males para que venham bens”. “Pratiquemos males para que venham bens” exprime uma filosofia de longa data: “O fim justificam os meios”. Muitos acreditam que, desde que o fim resulte em algo bom, o que se faz para atingir um objetivo não tem importância. Um jovem pode tentar justificar uma prova trapaceada porque, embora “os meios” (desonestidade) não sejam bons, “o fim” (a graduação) é desejável. Um empregado pode tentar livrar-se da culpa por erros que ele cometeu acusando falsamente outros porque, embora “os meios” (mentira) sejam errados, “o fim” (manter o emprego) é importante para ele. Só o Senhor sabe quantas transgressões têm se perpetuado em nome dessa filosofia maligna. Na primeira metade do versículo 8, Paulo inseriu uma frase: “como alguns, caluniosamente, afirmam que o fazemos” (v. 8b). A primeira pessoa do plural (“nós”) aqui provavelmente é o chamado “nós editorial”, referindo-se apenas a Paulo. Ele estava falando de seus inimigos que caluniavam contra o apóstolo e o seu ensino. Evidentemente alegavam que ele ensinava: “Pratiquemos males para que venham bens”. A referência pode ser ao ensino de Paulo sobre a graça. Em 5:20 ele disse que “onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Os críticos de Paulo distorceram isto para: “Quanto mais pecamos, mais graça recebemos — então precisamos pecar o máximo que pudermos!” (veja 2 Pedro 3:16b). Paulo dirigiu-se a essa deturpação caluniosa em 6:1 e 2. Paulo não julgou necessário refutar a filosofia “pratiquemos males para que venham bens”. Em vez disso, ele concluiu com esta afirmação breve, porém enérgica: “A condenação destes é justa” (3:8d). O texto original diz literalmente “dos quais 25 Neste e no próximo parágrafo, use ilustrações condizentes com a realidade dos seus ouvintes. 5 o juízo é justo”27. É obscuro se “dos quais” refere-se aos que diziam esse contra-senso, à frase propriamente dita, ou aos que deturparam Paulo (compare as traduções). Independentemente do que Paulo tinha em mente, a ênfase estava na palavra “justa”. Os judeus poderiam discutir o quanto quisessem — mas no fim, ainda eram pecadores. A condenação de Deus sobre eles era, portanto, “justa”, e não injusta. CONCLUSÃO O texto bíblico que vimos é breve, mas está recheado de afirmações que falam aos nossos corações. Por exemplo, João Calvino estava convencido de que as palavras de Paulo no versículo 4 — “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” — constituíam “o primeiro axioma de toda a filosofia cristã”278. James R. Edwards escreveu que a afirmação contém a “verdade condenatória de que todos são mentirosos”, e também a “esperança libertadora de que Deus é verdadeiro”29. Deus é verdadeiro, mesmo quando os homens são falsos. Deus é confiável, mesmo quando os homens não são confiáveis. Deus é digno de confiança, mesmo quando os homens não são. Deus jamais o abandona, embora os homens o abandonem. Outras verdades vitais poderiam ser extraídas do texto, mas neste encerramento queremos enfocar um único fato: Paulo respondeu a cada objeção que os judeus poderiam levantar. Em tribunais, os advogados de defesa às vezes interrompem os proce27 The Interlinear Greek-English New Testament: The Nestlé Greek Text with a New Literal English Translation by Alfred Marshall. Londres: Samuel Bagster & Sons, 1958, p. 610. 278 João Calvino, Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997, s.p. 29 Edwards, p. 85. dimentos dizendo: “Contesto!” e daí apresentam os motivos da contestação30. Se o juiz julgar a objeção legítima, ele diz: “Objeção aceita”. Em relação aos protestos judaicos, em cada caso, a resposta inspirada foi “Objeção recusada!” Por mais argumentos que os judeus apresentassem, eles ainda eram pecadores carentes da salvação! Se você ainda não respondeu ao amor de Deus obedecendo confiadamente (João 14:15; Marcos 16:16; Romanos 6:3–6), permita-me ser claro com você: você pode argumentar o quanto quiser, mas nada que disser mudará o fato de que você está perdido. Se essa for a sua situação espiritual, insisto que abandone seus argumentos e renda-se à vontade de Deus! NOTAS PARA PREGADORES E PROFESSORES Outro título para esta lição seria: “Objeção aceita!” John MacArthur usou aliteração para alistar as objeções: “Você está atacando o povo de Deus” (vv. 1, 2); “Você está atacando as promessas de Deus” (vv. 3, 4); “Vocês está atacando a pureza de Deus” (vv. 5–8)31. Se quiser fazer mais uma aplicação prática do texto, poderia enfatizar, por exemplo, que assim como aconteceu com os judeus, os oráculos de Deus nos foram confiados (veja Judas 3). Somos “guardiões” da Palavra (veja 2 Timóteo 2:2) e devemos ser fiéis ao que nos foi confiado. Também pode usar o texto para ilustrar o fato de que, assim como Paulo, temos de estar prontos para responder as objeções em relação ao que cremos (veja 1 Pedro 3:15). 30 Adapte conforme os procedimentos nos tribunais do seu país. 31 MacArthur, pp. 166, 170, 172. Autor: David Roper © Copyright 2008 by A Verdade para Hoje TODOS OS DIREITOS RESERVADOS 6