ACP_5882008_Medicamentos

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Ministério Público do Estado de Mato Grosso
Promotoria de Justiça
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA
ESPECIALIZADA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR DE
CUIABÁ-MT
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO,
representado pelos Promotores de Justiça que ao final subscrevem e que recebe
intimações, pessoalmente, no endereço inscrito no rodapé desta página, com fundamento
no art. 129, III, da Constituição Federal, somado ao art. 1°, II e art. 3º “caput” da Lei n°
7.347/85, ancorados nos Procedimentos Preliminares n° 000694-02/2005, 00110102/2007 e 000999-02/2005, em anexo, propõe a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE CONCESSÃO LIMINAR DE
TUTELA DE URGÊNCIA
Em face do ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica de direito
público interno, o qual pode ser citado na pessoa de seu representante judiciário, o
Procurador Geral do Estado de Mato Grosso, que pode ser encontrado, para efeito das
comunicações dos atos processuais, na sede da Procuradoria Geral do Estado, situada na
Rua 06, Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT e do
MUNICÍPIO DE CUIABÁ-MT, pessoa jurídica de direito público
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interno, a ser citada na pessoa de seu representante judiciário, o Procurador Geral do
Município, que pode ser encontrado, para efeito das comunicações dos atos processuais,
na sede da Procuradoria Geral do Município, com endereço no Palácio Alencastro, n°
158, 7º andar, pelos fatos e argumentos a seguir descritos:
INTRODUÇÃO
“Em geral, nove décimos da nossa
felicidade baseiam-se exclusivamente
na saúde. Com ela, tudo se
transforma em fonte de prazer.”
Autor: ArthurSchopenhauer in
http://www.imotion.com.br/frases/?
tag=saúde
O direito à saúde é um dos mais fundamentais direitos do ser humano,
razão pela qual a Constituição Federal em vigência, em um de seus momentos mais
felizes, estipulou em seu artigo 196 que esse direito seria exercido mediante a garantia,
pelo Poder Público, de atendimento integral às pessoas que necessitassem desse serviço
público.
Por “integral” se entende que é direito de cada um receber do Estado
brasileiro, todos os meios necessários e tecnologicamente disponíveis à preservação e
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recuperação de sua sanidade mental, física e psicológica.
Desde que a Carta Magna entrou em vigência, tem-se evoluído
sobremaneira no cumprimento de tal dispositivo constitucional, de tal forma que nos
dias de hoje mais e mais recursos têm sido destinados a cada ano para atender às
despesas inerentes a esse serviço público.
Entretanto, falhas na gestão do serviço público de saúde têm motivado o
ingresso cada vez maior de medidas judiciais de cunho individual e coletivo destinadas a
concretizar o atendimento a diversas pessoas e segmentos que na prática vêem-se
impedidos de exercitar o direito em questão.
Esse movimento crescente de busca desses direitos constitucionais
perante o judiciário tem sido denominado, muitas vezes de forma pejorativa, de
“judicialização da saúde”.
O recurso ao Judiciário tem sido um valioso instrumento de
reinvidicação às autoridades, que assim passam a construir políticas públicas destinadas
a resolver as demandas reprimidas que só são reveladas a partir do momento em que as
ordens liminares começam a se empilhar na mesa do gestor público.
Exemplo disso é o programa de assistência às pessoas que possuem o
vírus HIV[1], hoje apontado como modelo de política de saúde em escala mundial.
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Em grande parte, esse programa foi alavancado mediante a propositura
de diversas ações de caráter coletivo e individual que compuseram instrumento de
pressão suficiente para que se alcançasse a construção dessa política pública específica.
Assim sendo, o recurso ao Judiciário é instrumento democrático e
adequado para alavancar uma maior eficiência e atuação dos órgãos públicos de saúde.
De outro lado, temos o fato de que, especialmente nos últimos anos, tem
havido grandes incrementos tecnológicos na área da saúde, especialmente na área
farmacêutica; assim, cada vez mais são incorporados ao cotidiano da medicina novos e
melhores medicamentos, em ritmo bastante acelerado.
Temos, ainda, o fato de que as empresas farmacêuticas têm uma política
de divulgação de seus produtos extremamente incisiva[2], havendo muita concorrência
entre os diferentes laboratórios que oferecem diversas opções para cada doença
específica, sendo o foco da divulgação voltado diretamente ao profissional da medicina,
que é o responsável pelo diagnóstico das questões clínicas dos pacientes e pela
prescrição dos fármacos adequados à patologia específica.
Temos, ainda, o fato de que a imensa maioria dos médicos vinculados
ao SUS, seja através de vínculos diretos com o Poder Público, seja através de atuação
ligada aos prestadores de serviços de saúde estatal, não trabalham em regime de
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exclusividade, mantendo paralelamente à sua função de agente público atuação
profissional no campo privado, com consultório particular ou como médico ligado a
entidades privadas de saúde, recebendo, portanto, toda a informação e propaganda
decorrente da política de divulgação das empresas farmacêuticas.
Por outro lado, é necessário lembrar que deve ser concedida ao
profissional médico liberdade de prescrição, pois é ele quem, perante o diagnóstico
realizado no paciente sob seus cuidados, deve prescrever o tratamento mais adequado ao
caso específico.
É evidente que os pacientes do SUS, defrontados com a prescrição feita
pelo seu médico e não possuindo meios de comprar os medicamentos necessários, irão
procurar o poder público para adquiri-los e caso não tenha a sua demanda resolvida pelo
gestor, irão, se tiverem suficiente esclarecimento, bater às portas do Judiciário para
conseguir produto que lhe é reputado como essencial à preservação de sua saúde e
especialmente de sua vida.
É daí que vem, ao menos no aspecto farmacêutico, a questão da
“judicialização da saúde”.
A falta de entrega do fármaco ao paciente pode ter várias razões; uma
primeira hipótese é de que o medicamento, embora seja fornecido pelo Poder Público,
não se encontre disponível, por falha de gestão, situação esta que justifica plenamente o
recurso à ação judicial.
Para exemplificar tal argumento, apresentamos cópia de ofício
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encaminhado pela Secretaria de Estado da Saúde onde se informa a indisponibilidade de
medicamento em virtude da não conclusão de processo licitatório, gerando assim a
desassistência do paciente (fl. 423 do procedimento nº 000694-02/2005 em anexo –
numeração da promotoria).
A outra maneira pela qual a judicialização se apresenta é quando o
médico vinculado ao SUS prescreve algum medicamento diverso daqueles que o Poder
Público fornece regularmente; neste caso, duas perpespectivas se abrem: Existe
medicamento similar que pode ser fornecido, mas o poder público, por deficiência de
gestão, não realiza a análise técnica da situação, limitando-se a negar o fornecimento em
virtude da justificativa burocrática de que o fármaco indicado não se encontra na relação
administrativa disponível.
Neste caso, a judicialização ocorre pois o paciente, com a indicação
farmacêutica prescrita, não apenas tem o medicamento negado, como também o sistema
não lhe fornece nenhuma solução para o seu problema de saúde, que pode assim restar
agravado de forma talvez irreversível. A partir do momento em que o gestor não resolve
o problema, busca-se o Judiciário para que o faça.
Ocorre, ainda, por vezes, que o medicamento prescrito não encontre
qualquer outro similar na relação dos fármacos disponíveis pelo SUS, sendo negado seu
fornecimento, mais uma vez, em virtude da ausência do produto adotado na relação
específica, sem que seja realizada qualquer avaliação médica para a solução do
problema.
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É neste último caso que os reais problemas da judicialização da saúde se
apresentam, pois os medicamentos que não contêm similar nas relações do SUS
representam, muitas vezes, fármacos novos que incorporam tecnologias mais eficientes
para o tratamento de determinadas patologias, mas que embora sejam aceitos pela
comunidade científica, não foram incorporados pelos atos do Poder Público, por demora
na gestão.
Basta
lembrar
que
especialmente
no
caso
dos
denominados
medicamentos de “alto custo”, cujo fornecimento é feito pela gestão estadual do SUS, as
relações de medicamentos não recebem atualizações por vários anos, deixando assim de
conter os fármacos mais avançados.
Os abusos acontecem quando, a pretexto de ocorrência das falhas acima
mencionadas, são propostas, quase sempre de boa-fé, medidas judiciais que forçam o
poder público a comprar medicamentos mais caros, mas de mesmo efeito dos
disponíveis, ou medicamentos novos, ainda não completamente aceitos pela comunidade
científica, contendo em si risco aos pacientes que os consumirem.
Ocorre que os abusos ocorridos na última hipótese mencionada são
enfeixados pelo gestor público em um único “pacote” com os demais casos, plenamente
justificáveis, de recurso ao judiciário para a consecução do direito à saúde, de forma a se
tentar justificar medidas e interpretações destinadas a restringir a integralidade da
assistência garantida na Constituição.
Representativo deste posicionamento, temos o editorial do jornal
“Estado de São Paulo”, datado de 07 de agosto de 2008, parcialmente transcrito a seguir:
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“Para as autoridades municipais e estaduais da saúde, a maioria
desses medicamentos novos custa muito mais do que aqueles que já
estão incluídos na lista de distribuição da rede pública. Em outras
palavras, os medicamentos similares seriam mais baratos e teriam
efeito terapêutico semelhante ao dos novos remédios. Além disso,
vários remédios novos são comercializados apenas no exterior, não
tendo sido ainda devidamente registrados no País pelos fabricantes.
Por isso, dizem as autoridades da saúde, as liminares que as obrigam
a fornecer indiscriminada mente medicamentos novos e caros, sob
pena de bloqueio de verbas públicas, desorganizam o planejamento e
as finanças dos Estados e dos municípios. Em São Paulo, onde já
foram ajuizadas mais de 25 mil ações, desde 2002, a Secretaria da
Saúde vem gastando cerca de R$ 25 milhões por mês somente para
cumprir ordens judiciais de distribuição de medicamentos que não
constam da lista do SUS. No Rio Grande do Sul, onde foram
impetradas 4,5 mil novas ações só no primeiro semestre do ano, o
gasto é de R$ 6,5 milhões mensais. Em Minas Gerais, o governo
estadual prevê gastos extraordinários de R$ 40 milhões em 2008. Ao
criticar a “judicialização da saúde”, alguns secretários estaduais e
municipais falam num possível “conluio” de médicos, laboratórios e
advoga dos para forçar a concessão de liminares. “Por que receitar
a última novidade do mercado quando há outras alternativas mais
baratas?”, indaga Jomara Alves, subsecretária da Secretaria da
Saúde de Minas. Outros secretários reclamam do excesso de
“ativismo” de promotores de Justiça e defensores públicos. No
Estado do Rio de Janeiro, 90% das ações que reivindicam a
distribuição gratuita de remédios que não constam da lista do SUS
foram impetradas pela Defensoria Pública. As autoridades da saúde
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alegam que, com os recursos que têm sido destinados para o
cumprimento de decisões judiciais, seria possível construir novos
hospitais de porte médio, com 200 leitos cada, e unidades de pronto
atendimento 24 horas, destinadas a casos menos graves, beneficiando
com isso um número maior de pessoas. “O Judiciário tem
privilegiado quem primeiro aporta na Justiça e não o sistema de
saúde”, diz Luiz Duarte de Oliveira, procurador do Estado de São
Paulo responsável pela área. Segundo ele, o gasto per capita de
pacientes atendidos judicialmente é mais alto do que o dos pacientes
que procuram o SUS. Como os orçamentos dos Estados e municípios
são limitados, é preciso estabelecer critérios objetivos para que
recursos públicos escassos beneficiem a maioria da sociedade.” In
www.boxnet.com.br/IMESP/PDF/20080807/capas%20e
%20editoriais/03. pdf
São interessantes esse números. O governo do Estado de São Paulo
gastou com publicidade e propaganda, apenas no primeiro semestre de 2006, mais de
vinte e seis milhões de reais, somente na administração direta, sem contar autarquias e e
entes indiretos, segundo o jornal Folha de São Paulo, em sua edição eletrônica de 04 de
agosto de 2006[3]. A mesma edição revela que em agosto do mesmo ano já havia o
registro de empenho de mais de trinta e dois milhões de reais, para um orçamento que,
no ano inteiro, havia feito a previsão de despesa a esse título, de aproximadamente trinta
e sete milhões de reais.
E mais, segundo a mesma notícia, o índice de execução orçamentária da
publicidade alcançava nesse mesmo ano o percentual de 89%, enquanto áreas relativas à
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educação tinham índice de execução orçamentária de apenas 15%.
Minhas Gerais, segundo outra notícia do jornal “Folha de São Paulo”,
em sua edição de 13 de agosto de 2006 (páginas A18 e A19 – caderno Brasil), teria
descumprido a aplicação mínima de recursos na área da saúde, usando verbas diversas
para compor, para efeito de prestação de contas, o orçamento mínimo desse serviço
público[4]. As verbas de publicidade relativas a esse ano, pelo menos até setembro,
teriam alcançado mais de sessenta e um milhões de reais, muito superiores aos dez
milhões inicialmente orçados, como revela a edição eletrônica do jornal “Folha de São
Paulo” de 24 de setembro de 2006[5].
Verifica-se, portanto, que os gestores têm demonstrado estarem atentos
às despesas da saúde, mas não externam essa mesma preocupação no que se refere às
verbas de publicidade e propaganda, atividade certamente considerada muito mais
importante do que a vida e a saúde das pessoas.
Os fatos aqui narrados estão sendo alinhavados para demonstrar,
primeiro, que o recurso ao judiciário não pode, por qualquer pretexto, sofrer desprestígio
por parte do gestor público, na medida em que se trata de direito fundamental de
qualquer pessoa o recurso à demanda judicial em caso de ameaça a lesão a direito, nos
termos do art. 5º da Constituição, o que ocorre quando se divulga que todas as demandas
buscando remédios e tratamentos são fruto de atos de má-fé, sem mencionar igualmente
as falhas cotidianas do sistema de saúde pública.
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Segundo, que os alegados problemas orçamentários decorrentes da
litigiosidade na área da saúde não são comparativamente tão graves, na medida em que
os gestores públicos não deixam de empregar verbas ainda mais vultuosas em áreas não
essenciais como publicidade, sem qualquer alarde.
Terceiro, que não se pode deixar de atender às demandas individuais da
saúde a pretexto de se atender a uma “maioria”, na medida em que o direito à saúde tem
caráter universal, não podendo ser limitado para alguns, especialmente àqueles que
padecem de enfermidades mais graves e custosas.
Por último, a introdução acima delineada se presta também a esclarecer
que boa parte da litigosidade envolvendo o pedido de medicamentos e tratamentos se
deve a erros de gestão do próprio poder público, que, ao não atualizar atos
administrativos, não cobrar atuação adequada dos agentes públicos do SUS e não focar
suas ações na efetiva resolução dos problemas dos pacientes acaba fomentando a
litigiosidade crescente.
É justamente este último aspecto que será abordado na presente ação
judicial, de acordo com os fatos e o direito que serão a seguir descritos, sendo, no
entanto, que a adequada percepção do problema, devido às distorções acima
mencionadas, precisou de uma ampla análise do tema para ser adequadamente exposto à
autoridade judicial através da presente demanda.
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DOS FATOS
Consoante se verifica dos procedimentos anexados a esta petição inicial,
o Estado de Mato Grosso, com a colaboração, ainda que involuntária, do Município de
Cuiabá, vem atuando de forma sistemática em desacordo com os preceitos
constitucionais e legais inerentes à administração pública e ao Sistema Único de Saúde,
de forma que, atuando burocraticamente, frustra o direito de uma série de pacientes
necessitados de medicamentos, gerando demoras e problemas que, em sua face mais
favorável, causam apenas uma derrama de ações judiciais na busca de remédios e
tratamentos.
Deve ser esclarecido que, grosso modo, existem dois tipos de
medicamentos: Os de “alto custo” cuja compra e fornecimento são realizados pelo
Estado de Mato Grosso, e todos os demais, que em Cuiabá, em virtude do sistema de
gestão plena são comprados e fornecidos pela municipalidade.
Com poucas exceções, eis que na Capital a prestação direta de serviços
médicos foi quase totalmente transferida da esfera estadual para a local, no Município de
Cuiabá são essencialmente os médicos da administração local que atendem os pacientes,
realizam os diagnósticos e prescrevem os medicamentos adequados às patologias
constatadas.
No interior, especialmente em Hospitais regionais como o de Colíder,
por exemplo, o Governo do Estado ainda presta diretamente serviços médicos, com
clínicos atendendo aos pacientes e fazendo as prescrições dos fármacos.
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A respeito dos medicamentos de “alto custo”, cujo nome formal é de
medicamentos “de dispensação excepcional”, informa o Ministério da Saúde[6]:
“O Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional iniciou
em 1982, sendo responsável por disponibilizar medicamentos para o
tratamento de doenças específicas, que atingem um número limitado
de pacientes, os quais na maioria das vezes utilizam-nos por períodos
prolongados. Algumas das condições de utilização destes
medicamentos englobam: Doença de Gaucher, Doença de Parkinson,
Alzheimer, Hepatites B e C, pacientes renais crônicos,
transplantados, portadores de asma grave, anemia, dentre outras.
São medicamentos de custo unitário geralmente elevado, cujo
fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias
Estaduais de Saúde. O paciente, atendido em umas das unidades
ambulatoriais do SUS, é avaliado clinica e laboratorialmente de
forma a cumprir os critérios de inclusão estabelecidos nos Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT, previstos para as
doenças cobertas pelo Programa.” (Trecho sublinhado nosso).
Existe ainda o RENAME (Relação Nacional de Medicamentos), o qual,
segundo notícia publicada na “Revista Fator” de 08 de março de 2007[7]:
“Em outubro de 2006, o Ministério da Saúde publicou, no Diário
Oficial da União, a atualização da Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (Rename), uma das prioridades
estabelecidas pela Política Nacional de Medicamentos.
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Elaborada com base no quadro nosológico do país e de acordo com
metodologia sugerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a
Rename 2006, contém cerca de 350 medicamentos essenciais
recomendados para os principais problemas de saúde no Brasil. Além
de atuar como lista orientadora para a aquisição de medicamentos a
nível federal, estadual e municipal, a relação servirá de base para o
direcionamento da produção farmacêutica e para o desenvolvimento
científico e tecnológico do país.
A Rename já está em sua quarta edição, a última é do ano de 2002.
Com a finalidade de realizar a avaliação sistemática da relação de
medicamentos e demais produtos farmacêuticos constantes da
Rename, o Ministério da Saúde criou, em julho de 2005, a Comissão
Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (Comare). A Rename 2006 é fruto de um
trabalho de equipe, pautado em uma metodologia padronizada de
análise sistemática dos fármacos que compunham a lista de 2002 e
da avaliação dos mais de 400 pedidos de alterações encaminhados
por diversos representantes da área de saúde. A OMS recomenda a
atualização da lista modelo de medicamentos essenciais a cada dois
anos e o Ministério da Saúde, através da Comare, pretende garantir
a revisão permanente dessa relação.
Medicamentos essenciais são aqueles considerados seguros, eficazes
e custo-efetivos, que satisfazem as necessidades prioritárias de saúde
da população, que devem estar continuamente disponíveis aos
segmentos da sociedade nos sistemas de saúde, nas formas
farmacêuticas apropriadas, com a garantia de qualidade e
informação adequadas.
Em entrevista Dr. Manoel Roberto da Cruz Santos, diretor do
Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos
(DAF/SCTIE/MS), fala sobre a Rename 2006, esclarecendo alguns
pontos importantes relativos à produção, divulgação e recepção,
desta nova listagem, pela sociedade.
No documento "Rename 2006: o processo de revisão e atualização" o
senhor escreveu "Esta Rename inova, pois pretende ser um
instrumento de gestão e (in) formação". Dr. Manoel Santos: Esta
nova edição da Rename 2006 inova em relação às edições anteriores
por incluir os pareceres técnicos sobre a decisão de inclusão,
exclusão ou substituição dos medicamentos na lista. Isto permite
melhor gestão da incorporação de medicamentos, pois ganha-se em
transparência e tem-se claro os motivos que levaram à seleção de um
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medicamento em detrimento de outro. Propicia a disponibilidade de
produtos farmacêuticos mais eficazes, mais seguros e com melhor
relação custo-efetividade, possibilitando maior eficiência no uso dos
recursos públicos. Além disso, a Rename 2006 constitui um
instrumento de informação sobre a seleção desses medicamentos,
difundindo os critérios adotados e, também, de formação para os
profissionais de saúde. (...)
A Rename 2006 poderá auxiliar na diminuição de ações judiciais
contra Estados e Municípios para o fornecimento gratuito de
medicamentos? Liminares abusivas autorizando a compra de
medicamentos não registrados, de alto custo e sem eficácia poderão
ser evitadas com a nova relação que contempla os principais
problemas de saúde da população? Dr. Manoel Santos: Sim. Como já
disse, a disponibilidade dos pareceres técnicos que fundamentam as
decisões da Comare, deixam de forma muito transparente os critérios
adotados para a incorporação dos medicamentos. Assim, tanto os
Ministérios Públicos, quanto as Defensorias e o Judiciário podem
compreender que a adequada atenção à saúde não depende da oferta
de todos os produtos farmacêuticos disponíveis no mercado. Mas sim
daqueles que se mostram eficazes e seguros de acordo com estudos
independentes e de boa qualidade publicados em revistas científicas
com credibilidade. Além disso, estados e municípios dispõe de um
instrumento poderoso para justificar a não oferta de um medicamento
específico, se a doença para a qual este medicamento seria utilizado
estiver coberta pela disponibilidade de outros medicamentos da
Rename. Repetimos aqui a mensagem do Ministro de Estado da
Saúde, José Agenor, na apresentação da Rename2006: "...que o
Ministério Público e o Judiciário compreendam o caráter técnico ali
estabelecido". (Trechos sublinhados nossos)
Não podemos deixar de notar que tanto os medicamentos excepcionais
como os componentes do RENAME são atualizados com longos intervalos, gerando
assim possível descompasso, a ser verificado em casos concretos específicos, entre os
avanços na área farmacológica e os preceitos dos atos administrativos que fundamentam
o fornecimento de remédios aos usuários do SUS.
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O que importa, no entanto, é que, sejam excepcionais ou não, existem
atos administrativos promanados pelos órgãos federais do SUS que estabelecem uma
base jurídica relativa a quais fármacos devem ser fornecidos pelo Poder Público; por
outro lado, essa base jurídica obriga, como verificamos acima, que especialmente no
caso dos remédios de “alto custo”, o pedido seja submetido à regulação, isto é, análise
clínica por parte do gestor público, que deverá a cada pedido de medicamento
excpecional verificar a sua adequação ou não ao paciente específico.
Entretanto, não é isso que se verifica; os médicos responsáveis pelo
atendimento do paciente nos centros de saúde, postos e políclinicas prescrevem os
medicamentos sem qualquer controle administrativo que os faça levar em consideração
os
fármacos
contidos
no
RENAME
e
nos
protocolos
de
medicamentos
excpecionais.
O que ocorre é que quando o paciente, de posse da receita, procura o
órgão do SUS encarregado do fármaco, este, por não constar de uma ou da outra lista,
simplesmente não é fornecido, ficando o paciente na pior da situações: Doente, com
consulta feita, mas sem obter o remédio de que necessita, por falta de articulação
eficiente entre os diferentes agentes públicos do SUS, em que um prescreve sem levar
em conta os medicamentos disponíveis e o outro que se limita simplesmente à negativa
do fornecimento, sem buscar resolver o problema do paciente. A este, quando possui
algum esclarecimento de seus direitos, não resta outra opção senão bater às portas do
judiciário.
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Conforme demonstram as fls. 048 e seguintes (numeração da
promotoria)
do
procedimento
000694-02/2005,
foi
expedida
Notificação
Recomendatória, destinada à Secretaria de Estado da Saúde, recomendando a adoção de
normas e procedimentos destinados, justamente, à realização de efetiva análise clínica da
situação do paciente que pleiteie junto à denominada “farmácia de alto custo” (órgão
estadual responsável pela aquisição e dispensação dos medicamentos excepcionais) o
fornecimento de medicamento não constante nos protocolos clínicos, para que, em caso
de discordância do remédio receitado originalmente, fosse adotado encaminhamento
adequado para a resolução do problema do paciente.
Entretanto, conforme demonstram os outros documentos constantes dos
referidos autos, especialmente aqueles colocados em seu final, os médicos vinculados à
farmácia de alto custo, responsáveis pela regulação do pedido de remédios, se limitam a
colocar em seus pareceres que o medicamento deve ser indeferido porque não consta da
portaria específica.
Convenhamos, primeiro, que para tal conclusão, não é necessária a
formação em curso superior de medicina; basta um agente administrativo para ler o
pedido e a lista e verificar se um está de acordo com outro; o que se denota é que o
clínico não faz a efetiva análise técnica do pedido de fármacos, abrindo assim a brecha
através da qual ocorre a negativa imotivada da administração, que gera, por sua vez, a
propositura de ações judiciais.
Desde que o médico da farmácia de alto custo fizesse a crítica técnica
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dos pedidos de remédios, muitos abusos seriam evitados, pois fármacos caros poderiam
ser, desde logo substituídos por medicamentos mais baratos que estivessem nos
protocolos clínicos adequados, desfazendo-se assim muitos pedidos indevidos.
Por outro lado, caso a patologia do paciente não se adequasse a nenhum
dos medicamentos dos protocolos, a atuação clínica administrativa seria necessária para
que o paciente tivesse indicada a solução adequada para o seu caso.
A situação verdadeiramente kafkiana, do paciente que tem negado seu
medicamento na farmácia de alto custo sem qualquer outra providência por parte do
poder público, faz com que ele, no mínimo, tenha que retornar às filas do atendimento
médico, sem qualquer garantia de que o fármaco receitado será alterado e, mesmo que o
seja, se será aceito pelo médico regulador.
É preciso frisar também que embora o sistema de saúde seja único, as
diferentes esferas governamentais não estabelecem quaisquer canais de comunicação
entre si, não havendo qualquer meio institucional do médico regulador entrar em contato
com o médico que fez a prescrição a fim de se buscar uma solução de consenso para o
problema do paciente.
Anote-se que não se nega aqui, em nenhum momento, o direito do
médico de prescrever os medicamentos que entender necessários e adequados ao
problema do paciente; ele não está, caso o problema do usuário do SUS faça essa
exigência, vinculado às listas da RENAME e dos medicamentos excepcionais.
Ocorre que o médico vinculado ao SUS é agente público e como tal,
está jungido aos deveres de eficiência, de motivação de seus atos e de prestação de
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contas de suas decisões, eis que as mesmas impactam o interesse dos pacientes e o
erário.
Assim, o que temos é que tanto o Estado de Mato Grosso como o
Município de Cuiabá omitem-se, descumprindo seu dever de estabelecer controle
administrativo sobre seus agentes públicos médicos, pois deveriam oferecer-lhes todas
as informações pertinentes sobre os medicamentos disponíveis, tanto aqueles do
RENAME quanto dos protocolos de dispensação excepcional.
Os Réus omitem-se, ainda, quando não exigem que seus agentes
médicos motivem adequadamente as prescrições de medicamentos não previstos nas
relações de fármacos acima mencionadas, esclarecendo as razões pelas quais deve ser
fornecido o remédio não relacionado e não os outros disponíveis, justificando a medida
com base no estado clínico peculiar do paciente.
Chama a atenção o fato de que os médicos que estão nos postos e
centros de saúde e que efetivamente realizam as prescrições aos pacientes não têm, por
falta de gestão adequada, informação atualizada e cotidiana dos medicamentos que estão
disponíveis nos estoques, gerando assim as disfunções de indicação de remédios que não
são efetivamente encontrados pelos pacientes – gerando assim sofrimento e toda sorte de
feitos judiciais.
Neste sentido é importante mencionar a palavra do presidente do
Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso, em reportagem publicada no dia 02
Ministério Público do Estado de Mato Grosso
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de outubro do corrente ano no jornal “Folha do Estado”, p.5 (cuja cópia se encontra
encartada no final do procedimento ministerial 000694-02/2005, à fl. 426):
“O presidente do Sindmed diz ainda que uma forma de
melhorar o atendimento é informar a população de como e onde
procurar os serviços de saúde, montando um canal direto com a
população. Como exemplo, ele cita o fato de muitas pessoas não
saberem dos remédios que são fornecidos na Fármácia
Municipal, principalmente aqueles que são vendidos a um alto
custo nas farmácias privadas.”
O Estado de Mato Grosso tem se omitido de exigir, como rotina
administrativa, salvo alguns casos isolados, efetivo parecer médico nos indeferimentos
de pedidos de fármacos excepcionais, bem como tem falhado ao não estabelecer um
sistema de comunicação e controle que permita a rápida e eficiente substituição, quando
possível, do remédio originalmente prescrito, impedindo-se assim o prejuízo ao
paciente.
O estabelecimento desses controles administrativos é necessário para se
preservar o direito dos usuários do SUS a um atendimento rápido e eficiente, bem como
para se controlar as despesas do erário, bem como para se evitar grande parte das
demandas judiciais relativas a esse serviço público, permitindo assim priorizar os casos
onde efetivamente pode existir abuso de direito por parte de litigantes.
A presente demanda se destina, portanto, a obter do poder judiciário a
expedição de ordens aos Réus para que estabeleçam e façam cumprir os controles acima
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mencionados, preservando-se sempre o direito à liberdade de prescrição dos médicos e
demais profissionais habilitados a prescrever medicamentos.
Somente para ilustrar os fatos supra narrados, foram fotocopiadas, e
seguem acostadas em autos apartados do procedimento (ANEXO), as iniciais de
dezesseis Medidas Protetivas judiciais propostas por esta Promotoria de Justiça em favor
de pessoas idosas, nos anos de 2007 e 2008, em que se discute justamente o assunto em
pauta: o indeferimento do fornecimento de medicamentos sem qualquer outra
justificativa senão a de que o fármaco indicado pelo profissional médico não consta nas
listas do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde.
Ainda, em pelo menos duas dessas demandas, propostas em favor dos
idosos João Neris da Silva (Ação 324/2008, 2ª Vara Especializada de Fazenda Pública
da Capital) e Mauro da Costa Ribeiro (Ação 361/2007, 4ª Vara Especializada de
Fazenda Pública da Capital), verifica-se que os atendentes da farmácia de alto custo, sob
o argumento de não previsão dos medicamentos pleiteados nos protocolos clínicos,
sequer receberam os pedidos, negando o protocolo da solicitação dos medicamentos
(fls. 158-181 do ANEXO).
Ainda, os documentos colacionados às fls. 201, 215 e 222 do mesmo
ANEXO demonstram cabalmente a ausência de motivação quando do indeferimento dos
medicamentos não constantes das portarias do Ministério da Saúde e da SES/MT.
Tal atitude, até mais grave do que o simples indeferimento, pois sequer
proporciona ao paciente a prova de que lhe foi negado o fornecimento do fármaco,
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também não pode ser tolerada, afrontando o ordenamento jurídico, como será melhor
analisado adiante.
DO DIREITO
Conforme ficou acima estabelecido, a situação de inúmeros pacientes que têm o seu
direito à assistência à saúde postergado e até mesmo inviabilizado pelo não recebimento
de remédios, devidamente prescritos por médicos do SUS, mas não contemplados nas
relações de medicamentos fornecidos pelo Poder Público, e o gasto decorrente das ações
judiciais que resultam dessa situação demonstram claramente a falta de eficiência na
gestão do SUS nesse aspecto.
O dever da administração pública (incluída a do SUS) de atuar mediante práticas
eficientes de gestão está estabelecido como princípio constitucional, de acordo com os
termos do artigo 37 caput da Constituição federal.
A esse respeito, pontificam MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO, in
“Direito Administrativo”, 6ª edição, editora Impetus, Niterói, 2004, p. 133:
“Eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir da
positivação deste princípio como norte da atividade
administrativa, a sociedade passa a dispor de base jurídica
expressa para cobrar a efetividade do exercício de direitos
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sociais como a educação, a saúde e outros, os quais têm que ser
garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória.
Pelo mesmo motivo, o cidadão passa a ter o direito de
questionar a qualidade das obras e atividades públicas,
exercidas diretamente pelo Estado ou por seus delegatários.”
A partir do momento em que verificamos que o cidadão usuário fica encurralado entre as
posições dos agentes do SUS, uns indicando e outros negando os meios de
restabelecimento de sua saúde, temos que a gestão do SUS neste aspecto apresenta
ineficiência sistêmica, decorrente da falta de controle sobre seus agentes, que
prescrevem e negam sem que haja qualquer regulamentação que norteie a superação do
impasse, o que só é resolvido por meio das liminares tão criticadas.
A partir do momento em que existem as relações de medicamentos aceitos pelo poder
público, existe a base para o controle, mas ele não é exercido, conforme já verificamos
acima.
Entretanto, que ninguém se engane a respeito da natureza desse controle; em face da
notória demora do poder público em realizar a atualização das listas de medicamentos,
tanto os ordinários, como os de dispensação excepcional, seria temerário simplesmente
obrigar o médico do SUS a só prescrever os fármacos constantes das relações oficiais.
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Temerário porque, primeiro, sendo a medicina uma ciência biológica e não cartesiana, é
possível e provável que novos medicamentos, não constantes das listas, mas aceitos
pelos órgãos de controle sanitário, como a ANVISA (agência nacional de vigilância
sanitária), já estejam disponíveis para dar maior eficiência ao tratamento de pacientes.
Em casos como neoplasia (câncer), parkinson e alzheimer esses medicamentos mais
eficientes são a diferença entre vida e a morte, a demência e a lucidez.
Deve-se, portanto, adotar uma linha de razoabilidade administrativa em que,
preservando-se o direito constitucional de acesso à saúde, bem como a necessidade da
prescrição adequada, seja estabelecido controle sobre agentes públicos de forma que
esses justifiquem a indicação de fármacos e tratamentos a princípio não disponíveis pelo
poder estatal.
É aí que entra o dever de prestar contas, inerente à própria idéia de regime republicano.
Segundo a lição de HELY LOPES MEIRELLES, atualizada por EURICO DE
ANDRADE AZEVEDO, DÉLCIO BALESTERO ALEIXO e JOSÉ EMMANUEL
BURLE FILHO, in “Direito Administrativo Brasileiro”, 33ª ed., Malheiros Editores,
2007, p. 109:
“O dever de prestar contas é decorrência natural da
administração como encargo de gestão de bens e interesses
alheios. Se o administrar corresponde ao desempenho de um
mandato de zelo e conservação dos interesses de outrem,
manifesto é que quem o exerce deverá contas ao proprietário.
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No caso de o administrador público esse dever ainda mais se
alteia, porque a gestão se refere a bens e interesses da
coletividade e assume o caráter de um munus público, isto é, de
um encargo para a comunidade. Daí o dever indeclinável de
todo o administrador público – agente político ou simples
funcionário – de prestar contas de sua gestão administrativa, e
nesse sentido é a orientação de nossos tribunais.
A prestação de contas não se refere apenas aos dinheiros
públicos, à gestão financeira, mas a todos os atos de governo e
de administração (...)” . (Palavras em destaque conforme o
original).
Assim, resta mais do que adequado e razoável a exigência de que, a partir de uma
prescrição que poderá se traduzir em maior gasto à saúde pública e dificuldades para o
paciente obter o fármaco indicado, se controle o dever de motivar a decisão clínica que
contempla remédio não contido nas listas oficiais.
A expedição de normas de controle administrativo que estabeleçam uma maior
eficiência no atendimento ao usuário do SUS, evitando-se ainda maior judicialização por
parte das pessoas atingidas, se apresenta como dever da administração pública. Neste
sentido, é interessante a lição de FERNANDO AITH, in “Curso de Direito Sanitário”,
ed. Quartier Latin, 2007, p. 373:
“A normatização das políticas públicas de saúde organiza a
ação da administração para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, direcionando o Estado, juridicamente, à
adoção de ações concretas em benefício do Direito à saúde.
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Essas ações, que se manifestam através do serviço público
administrativo, representam para o Estado uma obrigação de
fazer juridicamente regulada, oferecendo aos cidadãos um
instrumento jurídico precioso para o controle das atividades dos
gestores públicos.”
Mais adiante, o mesmo autor reflete sobre o dever de controle administrativo pelos
gestores do SUS e o papel benéfico da intervenção do Poder Judiciário como elemento
alavancador de melhoria desse serviço público (op. cit., p. 380):
“(...) Ao mesmo tempo, esse controle judicial das políticas
públicas de saúde representa um enorme avanço das instituições
democráticas brasileiras e uma importante garantia para o
cidadão que se vê privado de seus direitos básicos de proteção à
saúde.
Somente o desenvolvimento da história democrática brasileira
poderá aperfeiçoar esse mecanismo de controle judicial e dotálo do equilíbrio necessário para o atendimento do interesse
público da forma mais equânime e justa possível. Nesse sentido,
a normatização das políticas públicas representa também um
avanço pois obriga o Poder Executivo a se organizar e traçar
planos e metas para suas ações. A partir do momento em que a
execução das políticas públicas é planificada e normatizada, o
seu controle se torna mais eficaz e amplo.” (Trecho sublinhado
nosso)
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Temos ainda o fato de que a assistência integral à saúde – que dá ao paciente o direito de
receber o fármaco adequado à sua condição clínica – não pode ser restringido ao usuário
do SUS, cabendo à gestão do serviço portanto, estabelecer os controles necessários à
garantia desse direito constitucional e legal (arts. 196 e 198, II da Constituição e art. 6º,
I, alinea “d” da Lei Nº 8080/90 – Lei Orgânica da Saúde).
DO PEDIDO DE CONCESSÃO LIMINAR DE TUTELA DE
URGÊNCIA
O drama e o sofrimento das pessoas que precisam de medicamentos
prescritos em desacordo com a relação de fármacos disponíveis pelo Poder Público é
algo cotidiano e que revela, em muitos casos, demoras que inviabilizam a recuperação
do paciente e pode até levá-lo a óbito.
Essas conseqüências presentes demonstram que não se pode aguardar o
trânsito em julgado, e nem mesmo a prolação da sentença de primeiro grau onde se
ordene a tomada das providências necessárias à resolução do problema em tela.
Assim sendo, urge a necessidade de deferimento da tutela de urgência
ora pleiteada, obrigando-se desde logo os gestores do SUS a estabelecerem os controles
administrativos aqui indicados, com vistas ao aumento da eficiência da assistência
farmacêutica ao cidadão.
Não é preciso dizer que os que mais sofrem com os problemas descritos
nesta petição são as crianças, os adolescentes, os idosos e as pessoas com deficiência,
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que não podem aguardar as demoras decorrentes da falta de comunicação entre os
diversos agentes do SUS.
É necessário dizer que os danos e sofrimentos causados aos usuários
são virtualmente irrecuperáveis, assim como é de difícil reparação o custo do erário
decorrente das ações judiciais propostas em virtude da ineficiência e da falta de controle
do sistema de prescrição de medicamentos.
Desse modo, faz-se necessária, eis que atendidos os preceitos do art. 12
da Lei da Ação Civil Pública, aplicável a esta demanda, a concessão de tutela de
urgência para que desde logo o Estado e o Município adotem as providências necessárias
para sanar as falhas descritas nesta exordial.
Assim sendo, ao final se farão pedidos de tutela de urgência, a serem
formulados com base em fatos claramente verossímeis, sob os quais pesa, em caso de
não atendimento da tutela de urgência em questão, o perigo de dano de difícil ou
impossível reparação.
De outra banda, o periculum in mora também está presente, diante da
natural demora de tramitação de uma ação coletiva, até que seja examinado o meritum
causae, pois, enquanto tramita a demanda, as pessoas continuarão a padecer com as
falhas supra apontadas.
Noutras palavras, a demora na entrega da tutela jurisdicional acarretará
dano material irreparável aos titulares do manifesto direito.
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A questão ora posta sub judice é de extrema seriedade. Caso não haja a intervenção
célere do Poder Judiciário, continuarão a ser praticadas ilegalidades como as retratadas
nos presentes autos.
DOS PEDIDOS
Isto posto, requer-se nos termos do art. 12 da Lei da Ação Civil
Pública, a concessão de ordem liminar onde se determine:
1. Que o Estado de Mato Grosso seja intimado a elaborar, no prazo de
30 (trinta) dias contados da data do recebimento da ordem judicial, norma administrativa
que determine aos médicos encarregados das análises relativas aos pedidos de
dispensação de medicamentos excepcionais junto ao órgão denominado “farmácia de
alto custo” que procedam, obrigatoriamente, ao proferirem pareceres denegatórios dos
pleitos de fármacos submetidos à sua apreciação, à justificação clínica que motivam a
recusa, declinando expressamente a existência ou não, nos protocolos federais e
estaduais pertinentes, de medicamento de efeitos similares àquele cujo requerimento foi
recusado.
2. Que no prazo de 45 (quarenta e cinco dias), a contar da data de
recebimento da ordem judicial, o Estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá
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estabeleçam, por normas administrativas conjuntas, procedimento que permita aos
médicos reguladores da farmácia de alto custo entrarem em contato direto com o médico
que prescreveu o medicamento não constante das portarias, permitindo assim adequada
discussão clínica sobre a situação do paciente e a conveniência ou não da substituição do
fármaco originalmente indicado por outro eventualmente constante dos protocolos
adminsitrativos de dispensação excepcional;
3– Que o Estado de Mato Grosso emita norma administrativa obrigando
o recebimento e a análise de todos os pedidos de medicamentos de dispensação
excepcional que aportarem na denominada “farmácia de alto custo”, vedando-se a recusa
de protocolar os pedidos a pretexto de que o remédio pedido não consta dos protocolos
clínicos federal e estadual;
4– Que no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data de recebimento
da ordem judicial, o Estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá encaminhem a
cada um dos profissionais médicos e odontólogos a eles vinculados, mediante entrega
pessoal e individualizada, as listas de medicamentos contidos no RENAME (Relação
nacional de medicamentos) e dos protocolos clínicos federal e estadual de medicamentos
de dispensação excepcional a fim de que cada um dos referidos profissionais tome
ciência, para fins administrativos, de quais são efetivamente os fármacos postos à
disposição pelo SUS aos seus usuários;
5 – Que no mesmo prazo acima assinalado, o Estado de Mato Grosso e
o Município de Cuiabá estabeleçam normas e procedimentos administrativos destinados
a informar, semanalmente, aos médicos e demais agentes da saúde que estejam
encarregados de atender à população e que estejam vinculados, de qualquer forma, a
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esses entes estatais, a relação dos medicamentos disponíveis em seus estoques,
permitindo assim adequado suporte a esses profissionais em suas prescrições;
6 – Que os Réus sejam intimados ainda a colocarem, no mesmo prazo
acima assinalado, em suas páginas de internet e mediante afixação nas unidades de
saúde que estejam a eles vinculadas a relação, atualizada ao menos semanalmente, dos
medicamentos (de dispensação excepcional ou ordinária) que estejam disponíveis em
seus estoques, para conhecimento da população em geral, impedindo assim que pessoas
hipossuficientes usuárias do SUS sejam, por falta de conhecimento, obrigadas a recorrer
aos serviços privados para a aquisição dos medicamentos de que necessitam;
7 – Que no prazo de 90 (noventa) dias contados do recebimento da
ordem judicial de tutela antecipada, o Estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá
emitam regulamentos administrativos onde se estabeleça o dever dos profissionais
médicos vinculados ao SUS de, em caso de ser necessária, em virtude da condição
clínica do paciente, a prescrição de medicamentos diversos daqueles disponíveis no
RENAME e nos protocolos estadual e federal de dispensação excepcional, que a
indicação do fármaco seja acompanhada de justificativa clínica onde se estabeleça
porque aquele remédio é efetivamente necessário no lugar dos demais que estão
disponíveis nas listas administrativas já mencionadas;
8 - Que enquanto perdurar a tramitação do presente feito, o Estado e o
Município de Cuiabá sejam obrigados a fazer a entrega das relações do RENAME e dos
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protocolos estadual e federais de dispensação excepcional a cada novo profisisonal
médico e ondontólogo que ingressar, sob qualquer tipo de vínculo, na gestão estadual e
local do SUS, devendo ser dado a ele, ainda, ciência pessoal do regulamento
mencionado no item antecedente;
9 - Que o Estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá sejam
previamente notificados a se manifestarem, na forma da lei, no prazo de 72 (setenta e
duas horas) a respeito do presente pedido de tutela antecipada antes da prolação da
decisão judicial pertinente;
10 - Que esse Juízo estabeleça multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais) por cada dia em que perdurar eventual descumprimento das medidas elencadas
anteriormente neste pedido de concessão de tutela de urgência, a serem aplicados ao réu
responsável pela violação da ordem judicial;
11 - Que se comunique ao Secretários Estadual e Municipal de Saúde
do Estado e de Cuiabá, na sua qualidade de autoridades diretamente responsáveis pelos
atos a serem cumpridos em razão das ordens judicais expedidas em razão da ordem
liminar aqui pleiteada, bem como a cada um dos eventuais sucessores destes durante o
período em que tramitar a presente demanda, que o descumprimento das providências
acima mencionadas e ordenadas pelo Juízo implicará na incidência, por parte dos
agentes responsáveis pela implementação das medidas judiciais, na incursão pessoal
pelo cometimento das sanções legais cabíveis pela desobediência;
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12 - Que se conceda ao oficial de justiça responsável pelas diligências
acima mencionadas o direito de realizar as comunicações dos atos fora do expediente
forense e eventualmente na residência dos intimandos, na forma estabelecida no Código
de Processo Civil;
13 - Que os valores eventualmente arrecadados pela aplicação das
multas diárias acima estipuladas sejam revertidas ao Fundo Estadual do Ministério
Público (FUNAMP), na forma da lei estadual.
14 - Que os Réus sejam intimados, ainda, a apresentarem em Juízo,
quarenta e oito horas depois do esgotamento de cada um dos prazos acima mencionados,
relatório a respeito das providências realizadas, para fins de demonstração do
cumprimento de todas as ordens judiciais acima descritas.
Finalmente, de meritis, requer o Ministério Público:
15 - Que esse Juízo ordene a citação do Estado de Mato Grosso e do
Município de Cuiabá a respeito dos termos da presente petição inicial;
16 - Que esse Juízo proceda a regular tramitação do presente feito,
condenando-se os Réus a realizarem, de forma definitiva e permanente, as providências
elencadas por ocasião do pedido da tutela antecipada;
Ministério Público do Estado de Mato Grosso
Promotoria de Justiça
17 - Que em caso de sentença de improcedência total ou parcial dos
pedidos contidos nesta ação, que o Juízo se manifeste expressamente a respeito da
incidência, ou não, nesta demanda, dos arts. 37, caput , 196 e 198, inciso II, da
Constituição Federal e artigo 6º, inciso I, alinea “d” da Lei Nº 8080/90 – Lei Orgânica
da Saúde – para fins de prequestionamento em caso de eventual necessidade de
interposição de recursos especial e/ou extraordinário;
Protesta-se pela produção de todas as provas admitidas em direito,
especialmente a juntada posterior de documentos e produção de prova oral em audiência.
Para os efeitos do artigo 258 do Código de Processo Civil, dá-se à causa
o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Temos em que se pede deferimento.
Cuiabá, 10 de outubro de 2008.
ALEXANDRE DE MATOS GUEDES
Promotor de Justiça
CARLOS EDUARDO SILVA
Promotor de Justiça
Ministério Público do Estado de Mato Grosso
Promotoria de Justiça
[1] Neste sentido, temos a palavra da Dra. Lore Lamb, assessora do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
(CONASS): “A questão da judicialização teve início em algumas secretarias de Saúde, em locais onde o
Judiciário conta com uma estrutura diferenciada, com uma nova visão dos direitos dos cidadãos mais presentes.
Em relação à patologia, isso começou com a Aids. Essa doença foi a grande precursora das demandas judiciais e
do acesso num grupo que se organizou frente a um diagnóstico extremamente difícil que tinha da sua patologia, e
foi migrando para outras áreas. Um dos estados em que realmente as demandas tiveram início, de forma mais
pesada e acirrada, foi o Rio Grande do Sul, que eu acho que tem a ver com a questão da postura do judiciário.
Outro foi São Paulo, devido ao acesso a novas tecnologias, a tratamentos inovadores etc.” In
/www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1965&sid=3
[2] O fato é reconhecido inclusive por entidades representativas da profissão médica, como o Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo, em cartilha distribuída ao público: “O Cremesp está muito preocupado com o
crescimento do “assédio” dos laboratórios aos médicos, visando influenciar na prescrição de medicamentos, o
que tem gerado, em algumas situações, ações judiciais indevidas contra o SUS. Os principais meios são:
divulgação de anúncios e patrocínio de revistas médicas especializadas; representantes de vendas que visitam
consultórios médicos e serviços de saúde; patrocínio de congressos médicos e cursos de capacitação;
financiamento de passagens aéreas, hospedagens e outras benesses em congressos médico-científicos e eventos
em
qualquer
lugar
do
mundo;
distribuição
de
brindes
etc.”
In
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/publicacoes/pdf/cartilha_medicamentos.pdf
[3]
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u81035.shtml
[4]
http://www.sindifiscomg.com.br/midia/midia2006/fsp.13082006.brasil.html
[5]
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u74696.shtml
[6]
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/texto_excepcionais.pdf
[7]
http://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=6121
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