PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA Edson Ronaldo Nascimento Brasília – Julho de 2006 1 Sumário 1. Introdução ................................................................................. 3 2. A Economia Solidária ............................................................. 4 2.1 Indicadores Sociais ..............................................................5 2.2. Critérios de Avaliação do IDH .................................................6 2.3. Características da Economia Solidária....................................7 2.4 Programas Sociais......................................................................11 3. Conclusão .....................................................................................13 2 PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA Edson Ronaldo Nascimento1 1. Introdução A atividade econômica está associada à administração dos recursos escassos de uma comunidade. Essa administração da escassez assenta-se nos seguintes pressupostos: • a demanda por determinados bens e serviços que , em boa medida, revela a hierarquia das necessidades dos indivíduos; • o lucro, elemento motivador da atividade empresarial; e • a autoridade governamental que permite ao Estado, enquanto representante social legítimo em um sistema democrático, regular as regras de oferta e demanda. Instrumento essencial para o funcionamento do Estado, as finanças públicas materializam as funções clássicas de governo postuladas por Richard e Peggy Musgrave2: função alocativa, função distributiva e função estabilizadora. O termo finanças públicas, em nível federal no Brasil, refere-se à administração da massa de recursos (dinheiros, bens e créditos) que o Governo brasileiro movimenta no país e no exterior. Abrange não apenas as operações relacionadas ao processo de obtenção, distribuição e utilização dos recursos financeiros do estado brasileiro (incluindo a atuação dos organismos públicos em setores da vida econômica), mas também a administração do patrimônio público federal. 1 Economista, Especialista em Finanças. Autor dos livros Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. Vestcon. Brasília. 2002 e Finanças Públicas para Concursos. Editora Ferreira. Rio de Janeiro. 2006. E- mail: [email protected]; 2 Livro Public Finance in Theory and Practice - 1973. 3 Em teoria, a existência do setor público está relacionada à incapacidade do mercado em resolver problemas de oferta dos chamados bens públicos ou bens sociais. A iniciativa privada, por sua vez, perseguirá o objetivo de maximizar o lucro, a partir da redução dos custos de produção, oferecendo à sociedade os bens necessários à manutenção da vida econômica. Isso significa que também o sistema de produtivo de mercado possui uma função social importante, a partir do fornecimento de bens e serviços e da geração de emprego e renda. Essas observações levam a crer que o setor público, enquanto regulador das atividades econômicas, deverá buscar uma inter-relação constante com o setor produtivo de mercado. Caberá ao governo, no entanto, o papel de juiz, normatizador, regulador, ou ainda a responsabilidade pela repartição de forma igualitária dos pães e dos peixes. Por fim, o novo paradigma de crescimento econômico deverá contemplar a inclusão social como objetivo principal de uma Economia Solidária, mais preocupada com o cidadão do que com as empresas, com os meios de produção ou mesmo com as relações comerciais entre os povos. 2. A Economia Solidária Independentemente do sistema produtivo e das relações políticas da sociedade, as ciências econômicas devem buscar o bem estar da população. Não faria sentido que todo esforço empreendido pelo Estado visasse apenas reduzir a relação dívida/PIB ou mesmo aumentar o superávit primário das contas públicas. Aparentemente, esses parâmetros buscam em sua essência criar expectativas positivas para a economia, buscando pavimentar o caminho para os investimentos produtivos. 4 A sociedade no seu dia a dia, no entanto, busca a satisfação de necessidades derivadas da economia real como o emprego, a oferta de serviços de saúde e educação, a distribuição eqüitativa da renda etc. É claro que as variáveis econômicas citadas anteriormente possuem uma relação quase que direta com o atendimento das demandas sociais. Por outro lado, resta considerar que a sobra de recursos e a geração de renda (o crescimento do bolo), não significa necessariamente que haverá uma divisão justa das riquezas. 2.1 Indicadores Sociais O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o mais conhecido indicador social da atualidade e mede o nível de desenvolvimento humano dos países utilizando como critérios três parâmetros conhecidos: educação, longevidade e renda. Na educação, os indicadores analisados são a alfabetização e a taxa de matrícula nas escolas. Na longevidade observa-se a esperança de vida ao nascer. O indicador utilizado para a renda é o PIB per capita, considerando o dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre os países). O IDH varia de zero (0) em países com nenhum desenvolvimento humano até um (1) em países com desenvolvimento humano total. Países com IDH entre zero e 0,499 apresentam índice desenvolvimento humano considerado baixo. Os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento humano, enquanto que os países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano elevado. 5 O Índice de Gini, de acordo com o PNUD, mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em situações concretas é muito difícil que o índice de Gini atinja os valores extremos, sendo que 0,5 já é considerado um valor representativo de fortes desigualdades. Para a construção desse indicador, utilizam-se as informações relativas à população ocupada e seus rendimentos mensais, através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. 2.2. Critérios de Avaliação do IDH Educação Para avaliar a dimensão da educação o cálculo do IDH considera dois indicadores: • o primeiro é a taxa de analfabetismo que considera o percentual de pessoas acima de 15 anos de idade que não sabem ler e escrever (indicador com peso dois). O Ministério da Educação no Brasil indica que, se a criança não se atrasar na escola, ela termina o principal ciclo de estudos (Ensino Fundamental) aos 14 anos de idade. Por isso a medição do analfabetismo se dá a partir dos 15 anos. • o segundo indicador é o somatório das pessoas, independente da idade, que freqüentam algum curso, seja ele fundamental, médio ou superior, dividido pelo total de pessoas entre 7 e 22 anos. Também entram na contagem os alunos supletivos, de classes de aceleração e de pós-graduação universitária. 6 Longevidade O item longevidade é avaliado considerando a esperança de vida ao nascer, que é válida tanto para o IDH municipal quanto para o IDH nacional. Esse indicador mostra a quantidade de anos que uma pessoa nascida costuma viver. Implicitamente, há uma identificação das condições de saúde e de salubridade locais, já que a expectativa de vida está diretamente relacionada com as condições de infra-estrutura e com os serviços públicos disponibilizados à população. Renda A renda é calculada tendo como base a renda per capita de uma localidade (País, Estado ou Município). Como existem diferenças entre os custos de vida de um país para o outro, a renda medida pelo IDH é em dólar PPC que visa eliminar essas diferenças. O índice varia, conforme visto, de zero (0) até um (1), sendo que: • quando um país está entre 0 e 0,499,o IDH é considerado baixo. • quando um país está entre 0,500 e 0,799, o IDH é considerado médio. • quando um país está entre 0,800 e 1, o IDH é considerado alto. 2.3. Características da Economia Solidária Os fundamento de uma economia solidária vem sendo debatidos em diversos fóruns internacionais gerando documentos como a Declaração de Cochabamba3, além de outros manifestos discutidos no Fórum Social Mundial4. 3 Durante Encontro Empreendedor para a Economia Solidária e o Comércio Justo na América Latina realizado na Bolívia em setembro de 2005. 4 Porto Alegre e Caracas 7 1. Ideologicamente, a Economia Solidária propõe uma forma diferenciada de qualidade de vida e de consumo, a partir da integração e da solidariedade entre os cidadãos de todo o mundo. 2. Os valores centrais da Economia Solidária são o trabalho, o conhecimento e o atendimento das necessidades sociais da população, a partir de uma gestão responsável dos recursos públicos. A Economia Solidária representa instrumento de combate à exclusão social na medida em que apresenta alternativa viável para a geração de trabalho e renda e para a satisfação direta das necessidades humanas, eliminando as desigualdades materiais e difundindo os valores da ética e da solidariedade. 3. A Economia Solidária é também um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica e social e a democracia participativa, além da preservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais. Além disso, a Economia Solidária exige o compromisso dos poderes públicos com a democratização do poder, da riqueza e do saber, e estimula a formação de alianças estratégicas entre organizações populares para o exercício pleno e ativo dos direitos e responsabilidades da cidadania (controle social). 4. A mensuração dos efeitos da Economia Solidária provém de indicadores não monetários complementares ao PIB (IDH, índice de Gini), buscando dar conta da diversidade das formas de atividades econômicas e de riqueza produzida, assim como dos efeitos sociais e ambientais da atividade econômica. Tais indicadores devem ser ainda instrumentos metodológicos para medição, avaliação e valoração da Economia Solidária, relevando as finalidades sociais e ambientais das atividades empresariais, a aptidão para a utilização de recursos produtivos e a ação governamental na distribuição de renda. 8 5. Finanças solidárias, comércio justo de bens e serviços, agricultura sustentável, produção associativa, comércio eqüitativo e solidário, gestão participativa do habitat urbano, diálogos interculturais, sistemas de trocas solidárias, são algumas tentativas concretas de classificar a ação da Economia Solidária. Tudo isso conjugado com a adoção de códigos de conduta que garantam a justa implementação de critérios na prática de empreendimentos, sejam eles sociais, privados ou públicos. 6. A Economia Solidária propõe a criação de novas formas de contrato e de financiamento junto ao setor público, privilegiando os empreendimentos com retorno social imediato. Tem-se como exemplo, os empréstimos a pequenos e médios produtores, a facilitação na constituição de pequenas empresas, a simplificação tributária etc. 7. A agricultura deve estar integrada às grandes instâncias da Economia Solidária, considerando a segurança alimentar dentro de uma perspectiva de repartição da riqueza a partir da prática de preços justos (ou mesmo de subsídios) para produtos agrícolas. Isso deverá envolver uma integração nacional eficiente que possa identificar também onde exista sobra e onde exista falta de determinados produtos. Uma ação governamental social deve buscar a identificação das regiões onde existam sobras e excessos de produção, para que pessoas não morram de fome em um município enquanto alimentos são colocados no lixo em outro. 8. A Economia Solidária propõe uma atividade econômica enraizada no seu contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o desenvolvimento local como marcos de referência. Consumidores de diversos países definem conscientemente seus níveis de consumo com base em princípios éticos, solidários e sustentáveis. 9. A Economia Solidária busca também promover o desenvolvimento de redes de comércio a preços justos, tentando fazer com que os benefícios do desenvolvimento produtivo sejam repartidos eqüitativamente entre grupos e 9 países. O consumo organizado e consciente tem a capacidade de exercer pressão em favor da maior qualidade dos produtos, de regulações mais efetivas, e também é capaz de consolidar e reativar os modos de produção tradicionais baseados em relações de proximidade, de reciprocidade e de equilíbrio ecológico, desencadeando novas atividades produtivas de alta eficiência social. 10. A Economia Solidária propõe ainda o controle e a regulação dos fluxos financeiros para que cumpram seu papel de meio e não de finalidade da atividade econômica, além da imposição de limites às taxas de juros e aos lucros extraordinários de base monopólica, o controle público da taxa de câmbio e a emissão responsável de moeda nacional para evitar toda atividade especulativa, defendendo a soberania do povo sobre seu próprio mercado. 11. Os bancos cooperativos, as cooperativas de crédito, as empresas de microcrédito social e os empreendimentos mutuários, representam instituições que tem por objetivo financiar determinados segmentos sem concentrar lucros através dos altos juros. 12. A articulação de um consumo social com a produção, a comercialização e as finanças, de modo orgânico e dinâmico e do nível local até o global, de acordo com os princípios da Economia Solidária amplia as oportunidades de trabalho e intercâmbio para cada agente sem afastar a atividade econômica do seu fim primeiro, que é responder às necessidades produtivas e reprodutivas da sociedade e dos próprios agentes econômicos. 13. Para a Economia Solidária, conceitos como vantagens cooperativas e eficiência sistêmica substituem as velhas práticas da competição e da maximização da lucratividade individual. Consciente de fazer parte de um sistema orgânico e abrangente, cada agente econômico deve buscar contribuir para o progresso próprio e do conjunto, resultando em melhor qualidade de vida e trabalho para todos. Certamente que essa conscientização dependerá ainda do 10 nível educacional da população, elemento fundamental para o pleno exercício da cidadania. 14.A Economia Solidária busca fundamentalmente a unidade entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores do acesso aos seus benefícios, gerando crises recessivas, hoje de alcance global5. 2.4 Programas Sociais Diversos países em desenvolvimento vêm buscando corrigir distorções relativas a distribuição de renda e riqueza. De fato, de acordo com Musgrave, somente o setor público é que tem a capacidade de realizar a função distributiva na economia, o que remete parte da responsabilidade pelas desigualdades sociais, de acordo com esse autor, diretamente ao setor público. No Brasil vem sendo desenvolvido um programa de distribuição de renda a partir de receitas orçamentárias que são transferidas às camadas mais pobres da população. O Programa Bolsa Família desenvolvido pelo Governo Federal brasileiro tem alcançado um número significativo de famílias (cerca de 11 milhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social). O Programa Bolsa Família condiciona a transferência de renda à inserção e manutenção de crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos de idade nas redes de ensino e ao acompanhamento das gestantes, nutrizes e crianças até 7 anos pela rede de saúde (pré-natal, vacinação e acompanhamento nutricional). A Argentina utiliza o Plano Trabalhar como forma de transferência de renda a desempregados, enquanto que a China vem desenvolvendo sistemas de seguro para velhice, seguro médico, seguro desemprego, seguro contra acidentes de trabalho, seguro maternidade, custeados por fundos públicos e privados. 5 Fórum Social Mundial de 2002. 11 A transferência simples de renda não representa medida eficaz se não houver algum tipo de contrapartida daquele que recebe os recursos públicos. De acordo com o Banco Mundial a distribuição de fundos públicos para assistência social favorece o clientelismo político e a corrupção, além de fomentar uma cultura de dependência de doações estatais. Portanto, a busca por uma Economia Solidária justa e eficiente deve incluir alguma forma de resposta daqueles que recebem a ajuda do Estado. Espera-se que no Brasil as condicionalidades impostas àqueles que recebem recursos por intermédio do Programa Bolsa Família levem de fato a redução do analfabetismo e do trabalho infantil no nosso país, além de aumentar a expectativa de vida das novas gerações. Alternativamente aos programas de transferência de renda, e de acordo com os postulados da Economia Solidária, os governos poderão adotar algumas medidas que não representem transferência direta, mais indireta de renda e que alcancem toda a sociedade. Esses programas podem ser assim resumidos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária: ¾ O Estado, no âmbito de suas políticas públicas, deve criar um fundo nacional para o fortalecimento e apoio dos empreendimentos da Economia Solidária, com uma gestão descentralizada, participação popular, respeito às diferenças regionais e sobre controle social. O Fundo deve ser constituído por fontes locais, regionais, nacionais, internacionais e com recursos públicos e privados. ¾ Deve-se consolidar e ampliar as experiências dos fundos rotativos no Brasil, tendo o crédito solidário como um dos modelos incentivadores dos empreendimentos sociais com base na devolução de pagamentos não financeiros (banco de horas, equivalência produto/serviços etc). 12 ¾ O setor público deve tentar fortalecer uma rede de instituições financeiras locais como cooperativas de créditos, Bancos Cooperativos, ONGs, OSCIPs, Banco do Povo e programas governamentais com base em serviços financeiros adequados as realidades dos empreendimentos de caráter popular e solidário, destacando as moedas sociais, clubes de trocas, modalidades de aval comunitário e solidário. ¾ O Estado deve ampliar o repasse de fundos públicos para instituições de finanças solidárias/microfinanças, inclusive de crédito popular solidário, visando fomentar o desenvolvimento local com um sistema que assegure autonomia para os empreendimentos. ¾ A dimensão das finanças solidárias deve ser incorporada a projetos como o Fome Zero como elemento fundamental a permitir a necessária vinculação entre as imprescindíveis políticas compensatórias e políticas estruturais, por trazer em sua concepção, além do acesso ao crédito, elementos decisivos a democratização da pequena produção, à consolidação do trabalho cooperativo, ao estímulo à autogestão e às formas diferenciadas de produção de riquezas voltadas ao interesse comum. 3. Conclusão Conforme verificado, a Economia Solidária não representa um modelo econômico cujos efeitos em médio prazo podem ser medidos ou quantificados. Trata-se de uma ideologia que vem ganhando força em todo o mundo e que busca resgatar o papel social das ciências econômicas. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico, principalmente no campo das comunicações, tem aproximado cidadãos de todas as nacionalidades, o que poderá alavancar a integração econômica e social entre os povos. 13 Dessa forma, de acordo com os princípios da Economia Solidária, a definição de metas sociais deverá ser integrada aos programas governamentais conjugando o desenvolvimento econômico com a melhora da qualidade de vida da população. Essas metas poderão estar relacionadas, por exemplo, com a redução do analfabetismo ou com o aumento do número de lares com saneamento básico. As fontes para custeio poderão vir dos excessos de arrecadação ou ainda, do excesso do resultado primário, analisado a cada quadrimestre, em relação à meta definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO. Fontes adicionais de recursos para a cobertura das metas sociais poderão ser as Emendas Parlamentares (nesse caso, parte das emendas deveriam ser direcionadas aos projetos sociais da Economia Solidária), além de parte do percentual das tarifas cobradas nas Parcerias Público Provadas – PPP’s. 14