Maria Regina Candido

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III Encontro Nacional de Estudos da Imagem
03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
O SIGNO FIGURATIVO DAS KHÓES NO RITUAL DAS ANTHESTERIAS
Profª Maria Regina Candido UERJ
Atenas se configurou como uma sociedade das imagens, fato que nos permite
admitir que a imagem grega sempre constituiu como uma mensagem para o outro para
ser vista, nesse caso, o outro somos nós, pesquisadores da sociedade ateniense do V
século. Martine Joly nos orienta, através da analise da imagem, a identificar os códigos
presentes na mensagem visual, sua função e qual ação devemos prosseguir para a
apreensão do seu conteúdo e sentido. Como ação experimental, selecionamos o corpus
imagético de vasos oinokhóes que integram o ritual religiosos das Anthesterias e a partir
da analise das imagens dos vasos apreender a possível mensagem registrada no V século
em Atenas e que chegou até nós, destinatários tão distante.
Vivemos em uma sociedade das imagens e como historiador, corremos o risco
de não apreender o seu sentido diante da ausência de uma metodologia que nos permita
decodificá-las. O termo imagem é de difícil definição variando de desenho, grafite,
pintura a filmes e, na atualidade, estamos mais familiarizados com a imagem
proveniente de mídia e publicidade. Entretanto, nós pesquisadores de História Antiga,
buscamos analisar sociedades que estão fora do tempo, do espaço e que deixaram de
existir, mas, deixaram vestígios de sua existência na forma de cultura material. Como
pesquisadores, precisamos recorrer ao corpus imagético de vasos, afrescos e relevos
gregos para tecer aproximação com as crenças e tradições de sociedades dos atenienses
que deixaram alguns fragmentos textuais e várias imagens.
No caso especifico de analise da religião grega, optamos por recorrer à semiótica
da imagem, abordagem teórica que nos auxilia a compreender a especificidade das
imagens, ou seja, seu modo de produção de sentido. A historiografia nos permite
afirmar que a ação do homem grego produziu vestígios que se tornaram testemunhos
históricos para os pesquisadores helenistas. Monumentos, estatuárias, vasos e afrescos
nos fornecem indício sobre o tema a religião grega que, em geral, parte da
documentação textual fragmentada proveniente do gênero literário grego.
A pesquisadora Martine Joly nos afirma que o trabalho da semiótica consiste em
tentar aprender categorias de signos distintos, verificar se os diferentes tipos de signos
têm uma unidade e se podemos cotejar leis próprias de organização que nos permite
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estabelecer processos de significação (M.Joly,1996:29) para quem produziu e/ou recebe
a imagem.
A semiótica é uma recente disciplina nas ciências humanas que surgiu no sec.
XX, porem a sua matriz advêm da Antiguidade grega no campo da medicina e da
filosofia da linguagem. Na raiz da palavra semiótica, encontramos o termo grego
semeion que significa signo, marca e mantém aproximações no sentido de estudar a
interpretação dos signos (M.Joly,1996:30) ou seja, as marcas de diferentes
manifestações que apontem a presença do homem e sua cultura. Para nós, helenistas que
trabalha com imagem, os sintomas da presença dos gregos transitam pelo campo da
percepção visual das imagens dos vasos nas quais buscamos decodificar e estabelecer
um sentido.
Nessa atribuição de sentido nos deparamos com o complicado processo de
tratamento das imagens gregas, pois a imagem tende a funcionar mais como ilustração
de um discurso histórico a partir da documentação textual. Nos propomos realizar o
caminho inverso e partir da analise dos pequenos recipientes de cerâmica
ática
identificado como khóes definidos como um conjunto de vasos atenienses que integra o
ritual das Anthesterias.
O ritual das Anthesterias em Atenas era celebrado em três dias a partir de
décimo primeiro dia do mês de fevereiro para celebrar a fermentação e a abertura dos
primeiros toneis de vinho novo. A presença do culto entre os atenienses parece ser
remanescente de tempos remoto, provenientes do período de migração dos dórios,
jônios e aqueus. Período ao qual as antigas famílias tradicionais se estabeleceram no
território ático oriundos de Creta, Ásia Menor e da Trácia. (P.Foucart, 1904:20).
O festival era realizado primeiramente no meio rural com a emergência da polis
passou a ser realizado junto a periferia do meio urbano ao qual se organizava a abertura
dos toneis de vinho prensados e fermentado no mês de outubro. O festival tinha etapas
que eram denominadas de Pithoigia, Khoes e o Chytros
Em nossa analise vamos nos ater aos recipientes de cerâmica identificados
khóes, pequenos vasos que possuíam diferentes tamanhos ao qual a historiografia nos
fornece uma diversidade de medidas, a saber: J.R. Green considera que as miniaturas de
khóes variavam entre 6 a 9 cm (R.Hamilton,1995:65) e eram destinadas as crianças com
idade de três anos a dez anos. G.van Hoorn informa que havia três medidas maiores de
khóes, a saber: 3.06, 3.31 e 1.55 litros usados pelos adultos, porém a medida padrão de
vinho era o uso do recipiente para beber de 3.24 litros (G. van Hoorn,1951:32).
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Os vasos khóes, recipientes de cerâmica, foram catalogados por G. van Hoorn
(1951) com 600 imagens presentes no livro Khóes and Anthesterias e foi
complementada por J.R. Green, Khóes of the later Fifth Century (1971) e Richard
Hamilton(1992) que atualizou os dados com o acréscimo de imagens no livro Khóes
and Anthesteria:iconography and ritual. O autor complementou os dados imagéticos
com uma coleção de 87 fragmentos de testemonia textual sobre o ritual das
Anthesterias.
Selecionamos para analisar os vasos de cerâmica ateniense khóes do V sec, as
imagem que deixam transparecer a presença de crianças de três anos como participantes
do ritual das Anthesterias em Atenas. O olhar leigo lançado sobre as imagens dos vasos,
imediatamente irá indagar como se pode afirmar que crianças representadas nas
imagens detém a idade de três anos. A resposta a este questionamento está em
considerar a imagem do vaso analisado como uma mensagem visual composta de
diversos tipos de signos que equivale como uma linguagem, uma ferramenta de
expressão e de comunicação da sociedade ateniense do V sec. aC.
Atenas se configurou como uma sociedade das imagens que nos permite admitir
que a imagem sempre constituiu uma mensagem para ser vista pelo outro, mesmo
quando esse outro somos nós, os pesquisadores helenistas. Martine Joly nos orienta a
identificar o destinatário da mensagem visual, a função da mensagem, ação
determinante para a compreensão de seu conteúdo (M.Joly,1996:55). Nesse sentido, o
primeiro passo consiste em situar os diversos tipos de imagens que integram o mesmo
esquema de comunicação, ato que realizamos ao selecionarmos um corpus de trinta
vasos do tipo khóes pertencentes a sociedade dos atenienses do período clássico.
Em seguida a autora nos adverte que qualquer mensagem exige, em primeiro
lugar, um contexto social de produção/referente (M.Joly,1996:56), no nosso caso, a
sociedade dos atenienses no período clássico.
Martine Joly, seguidora de Roland Barthes, no livro Introdução a Análise da
Imagem (1996) evoca a metodologia empregada pelo seu mentor do qual apreendemos e
organizamos o seguinte quadro de analise para os recipientes de cerâmica khóes, a
saber: referente que é a identificação do suporte de informação, o signo plástico que
informa os dados físico do suporte de informação e o signo figurativo nos informa sobre
a especificidade da imagem. A ancoragem registra alguma informação escrita contida
no suporte.
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Após a identificação do objeto suporte de informação, seguimos para a analise
de alguns elementos constitutivo da imagem do vaso para em seguida identificar o tema
da imagem e contextualizá-la (M.Joly,1996:105). A representação da imagem torna-se
sinedótico, isto é, só vemos partes de elementos que ali estão para designar o todo
(M.Joly,1996:104) aplicado ao culto grego significa que só apreendermos parte dos
elementos que compõem o ritual, fato que nos leva a construir o que está ausente através
da descrição verbal presente na narrativa textual. Martine Joly denomina esta ação de
deslocamento de sentido (M.Joly,1996:105) que se organiza através da associação da
imagem como suporte de informação que nos possibilite reconstruir parte do ritual das
Anthesterias.
Consideramos que o ritual das Anthestéria nos permite cotejar a interação entre
a iconografia e a testemonia textual através do conceito de Ritual de Passagem de
Arnold van Gennep cujas etapas determinam o estado de separação, transição/margem e
a integração (C.E.Muriel,1990:157). Entendemos que o ritual na polis dos atenienses
configurava-se como um ato religioso no qual um ser no estado de impuro tornava-se
sagrado através do ritual de iniciação. As imagens por nós selecionadas faz parte do
segundo dia da cerimônia das Anthestéria denominada por Khóes, o termo em grego
significa verter liquido em meio a libações as divindades gregas.
O ato de derramar liquido aos deuses gerou o nome do recipiente de vinho
denominado de khous. Segundo Andrew J. Clark, esse recipiente de cerâmica foi
primeiramente designado para conter uma pequena quantidade de liquido cujo tamanho
do recipiente definia, para o artesão, o pequeno espaço para a inserção da imagem
(A.J.Clark,1980:46). A pequena dimensão do vaso não permite que a imagem seja
grande e nem complexa. Outro aspecto que tem sido objeto de debate está relacionado
ao pequeno tamanho do recipiente de cerâmica e a sua capacidade liquida. Entre os
gregos antigos, o termo khous designava uma unidade de medida liquida equivalente a
16,5 polegadas cúbicas ou 0,475 litros ou 270 centímetros cúbicos (equivale uma
garrafa de refrigerante médio).
O segundo dia do festival das Anthestéria, as imagens dos recipientes de
cerâmica - as khoai - deixam transparecer a participação ativa das crianças. Brenda
Nagle nos informa que as crianças gregas iniciava a sua educação através da
participação nos rituais religiosos realizados junto aos seus familiares e a comunidade
local (B.Nagles,2006:224). Segundo a autora, Solón havia determinado que as crianças
bastardos/nothoi deveriam manter distancia dos rituais religiosos/hiera kai hosia
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realizados pelos parentes próximos/anchisteia (B.Nagles,2006:225). A afirmação da
autora nos leva a argumentar que presença das crianças no ritual
denominado
Apatúrias, as definia como filhos legítimos participantes de uma cerimônia religiosa
que integrava o processo de reconhecimento da legitimidade do cidadão ateniense.
Heródoto (I:147:3) nos relata que todos aqueles cujos antepassados eram
atenienses celebravam a cerimônia da Apatúrias, festa realizada em Atenas na qual os
jovens eram apresentados formalmente a phratria de seu pai. Entre os gregos. o ritual
integra a sua existência desde o momento em que nascem. O primeiro ritual da uma
criança grega é a cerimônia da Amphidromia, celebrado entre o sétimo e o décimo dia
de seu nascimento da criança, ao qual definia o reconhecimento paterno e o nome do
recém nascido. A cerimônia pode ser visto como um ritual de passagem na qual o recém
nascido legitima a sua inserção junto ao circulo familiar e diante do fogo sagrado do
oikos.
Com a idade de três anos, a jovem criança do sexo masculino ratifica a sua
legitimidade ao ser apresentada a comunidade/phratria de seu pai como filho que irá
perpetuar o nome da família e ratifica perante os demais integrantes da comunidade ser
o herdeiro legítimo dos negócios do pai. Deborah Kamen afirma que o jovem
participará da sua segunda cerimônia publica com a idade de dezesseis anos quando será
novamente apresentado junto a comunidade masculina/phratria para consolidar a sua
legitimidade (D. Kamen,2007:89). Nessa ocasião, o pai corta os longos cabelos do
adolescente, ato que simboliza o ritual de separação do estágio da infância e a entrada
na vida adulta que será confirmada aos dezoito anos com a admissão do nome do jovem
no registro do demos, fato que demarca e ratificação a inserção do novo cidadão em
Atenas.
As crianças participantes alcançaram a idade de três anos e o ritual ratificava
diante da comunidade do pai que o filho legítimo era um futuro cidadão apto a fazer
parte da comunidade dos atenienses. O símbolo desse ritual da passagem era a presença
da uma pequena caneca denominada de khóes na qual a jovem criança beberia o seu
primeiro vinho que simbolizava a sua integração no meio masculino e definia o inicio
de seu processo de aquisição de identidade ateniense como um futuro cidadão.
A cerimônia marca a primeira aparição pública e oficial da criança junto a
comunidade de seu pai. As imagens dos vasos nos apresentam a criança nua em meio a
brinquedos como bola, carrinhos, animal de estimação que pode ser um pequeno cão ou
uma ave além de bolos e doces sobre a mesa. Compreendemos as imagens como um
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registro e uma encomenda que demarca o valor da cerimônia para a família do pai que
reconhece e dá publicidade junto a phratria o seu herdeiro legitimo.
Nas imagens dos vasos produzidos intensamente no V século a C nos chama a
atenção as figuras de crianças nuas que portam cordões atravessados no peito e
amarrados nos pulsos e tornozelo. O pesquisador grego Semni Papaspyridi Karouzou (
Choés,1946,122-140) nos informa que o cordão era denominado de periamata usados desde
o nascimento até a idade de sete anos, o objeto representa um amuleto de proteção, símbolo
apotropaico contra a presença de qualquer adversidade que possa atingir a criança como
doenças, acidentes, mau-olhado, desviar os infortúnios, assustar os inimigos.
De acordo com Christopher Faraone Talisman and Trojan Horses: Gardian na
Statues in Ancient Greek, Mith and Rite, acrescenta que essas crianças portam amuletos
como forma de proteção contra a presença dos mortos no ritual das Anthestéria. O autor
nos adverte que o ritual celebrava o dia dos mortos para os atenienses, o termo amuleto
em grego é apotropaico do verbo apotropein que significa desviar o mal, levar de
volta, proteger (C,Faraone,1996:79).
A documentação literária e a cultura material como as imagens dos vasos gregos
nos permite afirmar que a vida dos atenienses era regida por rituais desde o seu
nascimento até a sua morte. O conceito de ritual de passagem de Arnold van Gennep
nos permite analisar as várias etapas do rito que se inicia com a separação demarcada
pelo seu nascimento. A etapa seguinte demarca-se pelo estágio da transição, na
condição do não lugar, momento em que o recém nascido encontra-se deitado no chão,
no centro do oikos diante da lareira que representa o fogo sagrado. A criança deitada
nua no chão, aguarda ser erguida pelo seu pai diante do fogo sagrado, ação que
determina o reconhecimento de sua legitimidade. Caso ocorra a rejeição, Jean-Pierre
Vernant afirma que a criança será exposta/apotithenai (J.P.Vernant,1983,155), ato que
determina a sua exclusão do espaço familiar em direção as áreas externas e oposta ao
oikos. Áreas compreendidas como áreas do não reconhecimento da cultura, espaço da
selvageria, íngreme e agreste como rios, florestas e terras não cultivadas, símbolos do
universo não domesticado (J.P.Vernant,1983:156). O reconhecimento paterno confere
ao recém-nascido de sua aparição pública no ritual da Apaturia e a sua participação no
ritual das Anthestéria.
Concluímos que partir dessa etapa, podemos afirmar que já está em andamento o
processo de aquisição de sua cidadania no momento em que o jovem de três anos passa
a ser incorporado a comunidade paterna. O ato será ratificado através dos anos como
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forma de trazer a memória da comunidade/phratria paterna a sua existência,
demarcando a sua legitimidade e a sua condição de adquirir a cidadania ateniense ao
completar os dezoito anos de existência junto a polis dos atenienses.
Bibliografia
CLARK, Andrew J.. The Earliest Know Chous by the Amasis Painter.Metropolitan Museum
Journal.vol 15 (1980), www.jstor.org/stable/1512750, acessado 11/1/2011.
FARAONE, Christopher. Talisman and Trojan Horses: Gardian na Statues in Ancient Greek,
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JOLY, Martine. Introdução a Análise da Imagem. São Paulo:Editora Papirus,1996.
KAMEN,Deborah.The Life Cycle in Archaic Greece. in: Cambridge companion to archaic
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MURIEL, Carlos Espejo. Grecia:sobre los ritos y las festas. Universidade de Granada,1990.
VERNANT,Jean-Pierre.Myth and Though among the Greek.London:Routledge, 1983.
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