Introdução à Crítica de Arte (Análise de Imagem) Aninha Duarte1 Degustações Imagéticas As imagens provavelmente sinalizam expressões das manifestações da cultura humana desde as pinturas pré-históricas das cavernas. A partir de então, vimos esses códigos não-verbais irem se avolumando no decorrer de tempos e espaços distintos, por meios diversificados. Podemos observar que as imagens são depositárias de historicidades, de ações individuais ou coletivas do homem. Elas carregam vestígios, iconografias, que nos permitem perceber a apreensão e compreensão do mundo pelo sujeito que as produz. A origem das imagens, formação, agenciamentos e interpretações marcam objetos de interesses de muitos estudiosos, tais como: Aristóteles, Platão, Wölfflin, Panovsky, Pierce e muitos outros na contemporaneidade. Suas análises foram se desdobrando e criando teorias com o afã de decodificar a topografia das imagens. Para tanto, delas se ocupam disciplinas tais como: a medicina, a história – em especial a história da arte e da crítica, teorias antropológicas, sociológicas, psicológicas da arte, a semiótica visual, as teorias da cognição. Para pensarmos as aproximações com as imagens durante o curso “Introdução à Critica de Arte”, atividade proposta pelo grupo de Estudos NUPEA/DEART da Universidade Federal de Uberlândia/ MG, nos guiamos por alguns “princípios advindos de estudos modernos de História da Arte que 1 Artista Plástica graduada pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em ensino de arte pelo Departamento de Artes da Universidade Federal de Uberlândia, mestre em História pelo Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia e professora de Desenho, Pintura e Introdução à Crítica de Arte do Departamento de Artes da Universidade Federal de Uberlândia. desenvolveram, segundo diretivas metodológicas fundamentais: Formalista, Sociológica, Iconológica, Semiológica ou Estruturalista”. (ARGAN, p. 34) Dentro dessas teorias buscamos salientar os pontos de convergências e divergências conseqüentes dessas pontuações e suas utilizações como meios de aproximações das imagens, entendendo a importância desses estudos como fundamentações teóricas que nos possibilitam criar interlocuções com as imagens. Ficando evidenciado que as citadas fundamentações podem servir de arrimo para se pensar a imagem, o que se distancia de serem meras “receitas interpretativas”. Como ponto de partida propusemos exercícios de análises formais, iconográficas e iconológicas de algumas obras. No decorrer do curso, abrimos para questionamentos segundo os quais o universo das imagens hoje possivelmente nos inquietam. Partimos da indagação primeira: “O que é uma imagem?” Diante da dificuldade de definir as diferentes utilizações do termo “imagem”, nos filiamos à Martine Joly ao fazer a seguinte afirmativa: [..] o termo imagem lembra-nos o deus Proteu: parece que a imagem pode ser tudo e seu contrário - Visual e imaterial, fabricada e “natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora”. (JOLY, p. 27) Dessa conformidade, pontuada pelos pares de contrários complementares apresentados por Joly, pudemos perceber que eles amenizam parte da interrogativa, mas não nos aquietam. Possivelmente nos sentimos mais provocados a externar nossos pareceres, dúvidas, conflitos sobre a diversidade das imagens que passam pelos sujeitos propositores e os que as recebem. O homem na contemporaneidade vive circundado por um cipoal de imagens de tipos diversificados. Em meio a uma sobreposição imagética, vamos transitando como que asfixiados, inebriados, pelos meandros vertiginosos de informações que nelas estão habitadas. Entre esse frêmito de imagens que populam nosso cotidiano, muitas das vezes formamos com algumas delas relações sinestésicas de afinidades, empatias, trocas ou até mesmo de aceitações e recusas. Em nosso entendimento, vamos criando um acervo mental daquelas com as quais tecemos vínculos cognitivos e as outras se esvaem num olhar efêmero-hedonista. Seguindo nesse contexto, fazemos um recorte voltado mais especificamente para as Artes Plásticas. Podemos perceber que as imagens são banhadas de símbolos, signos, conceitos e significados, frente às múltiplas formas de sua construção e leitura. Pensar a imagem é ir para além daquilo que ali se vê. Importam as teias que a circundam, sua origem, o processo criativo do artista, o tempo e espaço nos quais foi concebida, suas ambigüidades de mensagens e as interpretações que elas transmitem. Movidos pelo desejo de adentrarmos cada vez mais como uma ressonância magnética no corpo das imagens, percebemos que fomos criando um repertório bastante ousado e provocante para nos aproximarmos de suas problemáticas. Assim, comumente vemos as diversas metáforas que usamos. Exemplificando: “lendo imagens”, “conversando com as imagens”, “análise de imagem”, “relendo imagem”, “ouvindo as imagens”. Avançando um pouco mais nessas ousadias, começamos a atrevermos dizer: As imagens possuem cheiros: “cheiram morte”, “dor”, “perfume”, “fedem” As imagens possuem sons: “gritam”, “falam”, “gemem”, “silenciam”, “cantam”. As imagens possuem sabores: “doce”, “amarga”, “acidada”, “apimentada”. As imagens possuem movimentos: “gestuais”, “dançam”, “bailam”. As imagens possuem clima: “São frias”, “quentes”, “tem frescor”, “são áridas”. Em outra direção, abrimos ainda para discussões que geralmente vestem/resvestem as peles das imagens. São os divergentes confrontos a respeito de entendimentos conceituais de “Belo”, partindo de premissas kantianas, discussões semióticas apontadas por Charles Pierce, e em torno da dicotomia representação/apresentação, tendo como orientações as definições iniciadas pela escolástica medieval, e nas argumentações especificas na voz de Michel Foucault sobre a perda da representação, e ainda na tese de Derrida sobre a impossibilidade de representação. Dessa maneira, conduzimos as reflexões sobre “análises de imagens”., sinalizando com o seguinte parecer: mesmo com o olhar já vertiginoso, contaminado, hipnotizado, embriagado, por essa atmosfera de imagens de naturezas diversas, advogamos a favor desse “sem limite de imagens”. Vemos que por meios delas, é externado o “auto-retrato” dos conflitos do homem globalizado, cibernético, do século XXI. Elas “representam” “re-apresentam”, “(a)presentam”, “presentificam”, a configuração de nossa realidade social, fruto de um “processo evolutivo” criado a partir da revolução industrial. No domínio das Artes Plásticas, dentro desse desejo de se enfronhar nas imagens, acreditamos que elas podem ser lidas, esquadrinhadas, descarnadas, e, possivelmente, não serão apreendidas na sua totalidade. Acreditamos ainda que as imagens são, de forma analógica, caleidoscópicas, conforme cada olhar. Elas se apresentam de maneiras diferentes e são re-significadas, re-feitas em nossos imaginários. Nessa breve reflexão sobre tão larga temática, deixamos apenas indicações da mínima fração que nos impele esse território mimético das imagens. BIBLIOGRAFIA ARGAN, Giulio Carlo, FANGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. Lisboa: Estampa , 1992. ________, Arte e Crítica de Arte. Lisboa: Estampa , 1995. SANTAELLA, Lúcia. NOTH. Winfried. Imagem, Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo: Iluminuras, 1999. SANTAELLA, Lúcia. Cultura das Mídias. São Paulo: experimento, 2000. PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia: uma introdução ao estudo da renascença. In: Significados das Arte Visuais . São Paulo, Perspectiva... WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte; o problema da evolução dos estilos na arte recente. São Paulo: Martins Fontes,1984. MENGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. MARTINE, Joly. O Que é Uma Imagem? São Paulo: Papirus, 1996.