Agregando valor ao agronegócio

Propaganda
Agregando valor ao agronegócio
Recentemente encontrei a Dra. Lila Vodkin, prestigiada cientista da
Universidade Illinois (EUA), que me contou, entusiasmada, sobre os progressos
do mapeamento do código genético da soja, liderado por ela. Trata-se de um
investimento de milhões de dólares, envolvendo seis universidades que estudam
mais de 200 mil pedaços de cromossomos para identificar os genes da soja.
História de americano louco, alguém pode pensar. Mas, a Inglaterra, a
Alemanha, a França e o Japão também investem na identificação dos genes de
plantas e animais. Só para país rico, com dinheiro sobrando? China, Cuba e Índia
investem maciçamente em engenharia genética. O governo chinês pretende
liderar, nesta década, o setor de biotecnologia entre os países emergentes e, até
2020, liderar o setor em escala planetária.
Visionários? Não, esses países entendem que o futuro do agronegócio está
reservado para quem dispuser de diferenciais mercadológicos. Um agricultor pode
vender sua produção bruta para o atravessador, a preço vil, ou pode agregar
valor, processá-la e embalá-la, obtendo um diferencial de preço. O mesmo ocorre
em escala global. O Brasil pode represar suas aspirações ao crescimento
vegetativo de sua venda de soja (que hoje vale R$ 40 bilhões) ou agregar valor à
soja de maneira que a torne um diferencial no mercado. Como fazê-lo?
Para responder à questão, pesquisei na literatura o que sairá da cornucópia
dos cientistas nos próximos anos. Grupei os avanços científicos em cinco
categorias: enriquecimento de alimentos com minerais ou vitaminas;
enriquecimento nutricional de óleos vegetais; melhoria dos teores e da qualidade
de carboidratos e proteínas; melhoria de componentes funcionais (nutracêuticos);
e redução de componentes indesejáveis. Usemos a soja, o principal componente
do nosso agronegócio, como exemplo.
A vitamina E, sintetizada apenas nos vegetais, é essencial para os animais
e seu efeito antioxidante previne inúmeros distúrbios de saúde. Os cientistas
introduziram na soja o gene que aumenta o teor de tocoferol, precursor da
vitamina E, tornando a soja importante fonte dessa vitamina. Alguns grãos, entre
eles a soja, têm alto teor de minerais, como cálcio e fósforo. Entretanto, a maior
parte pode estar indisponível na forma de sais do ácido fítico. Os cientistas
introduziram um gene que sintetiza a enzima fitase e torna disponíveis esses
nutrientes da soja para o organismo.
O óleo de soja é o mais consumido no Brasil e um dos mais consumidos no
mundo. Torná-lo mais saudável é um desejo dos médicos e uma preocupação dos
cientistas. Existem genes que melhoram o perfil dos ácidos graxos da soja. Um
deles aumenta o ácido oléico, reduz o teor dos ácidos saturados e,
conseqüentemente, a necessidade de hidrogenação dos ácidos graxos, tornando
o óleo mais saudável e diminuindo os custos de processamento. Por outro lado,
uma descoberta recente permite substituir, parcialmente, os ácidos graxos ômega
6 por ômega 3, o que diminui acentuadamente o risco de acidentes
cardiovasculares.
A soja possui algumas deficiências de aminoácidos, essenciais para o
organismo humano, que podem ser eliminadas com a introdução de genes que
sintetizam esses aminoácidos e aumentam o seu teor. Entre os componentes
funcionais, aqueles que mais entusiasmam os cientistas são os fitoesteróis e as
isoflavonas. Essas substâncias são responsáveis por reduzir os riscos de
acidentes cardiovasculares e de tumores de mama, útero e próstata, entre outros.
Os cientistas identificaram os genes responsáveis por estas substâncias, o que
gerou novas variedades de soja com propriedades terapêuticas muito superiores
às atuais.
Apesar de ser um ótimo alimento, a soja possui restrições, como sua
capacidade de produzir alergia ou flatulência intestinal em parcela da população.
Estes problemas estão sendo resolvidos pelos cientistas. Eles isolaram o gene
que sintetiza a proteína P34, responsável pela alergia da soja. Também foi
identificado o gene que sintetiza a rafinose e causa a flatulência. Ao interromper
as atividades dos dois genes, serão eliminados esses dois inconvenientes da soja.
Usei o exemplo da soja, porém o exposto se aplica a outros grãos, frutas,
hortaliças ou produtos derivados de animais. O Brasil pode acomodar-se em
oferecer uma matéria-prima convencional ou investir fortemente em novas
tecnologias e agregar valor aos produtos ofertados, tornando-os mais saudáveis e
nutritivos, a melhores preços e condições no mercado.
Décio Gazzoni é engenheiro agrônomo, mestre em entomologia, pesquisador da
Embrapa Soja e conselheiro do CIB
Download