A saga de uma mente genial Como os estudos do cérebro

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A saga de uma mente genial
Como os estudos do cérebro de Einstein ajudam a
compreender
o mistério da inteligência e da genialidade humana
Leandro Narloch, de Princeton
Sipa Press
O GUARDIÃO FIEL
Thomas Harvey, patologista que fez a autópsia de Einstein: ele
decidiu que sua missão na vida era a guarda e a pesquisa do
cérebro do físico
VEJA TAMBÉM
• Quadro: Os estudos do cérebro de Einstein Albert Einstein foi o cientista mais popular de
toda a história. Seu rosto é o único que a maioria
• Quadro: O melhor de cada idade
• Nesta edição: A alma em um pen drive? das pessoas reconhece como o de um gênio –
• Em profundidade: A medicina do cérebro especialmente naquela foto na qual, irreverente e
cabeludo, ele mostra a língua para o fotógrafo.
e as chaves da inteligência
Não é para menos. Einstein revolucionou o
conhecimento do homem sobre a natureza. Mostrou a existência de um mundo invisível, cheio
relativo. Os elementos da genialidade em sua vida são de fácil descrição: originalidade,
inteligência, percepção e realizações que excedem as de qualquer um de seus contemporâneos
em seu campo de estudo. Mais complicado é explicar, cientificamente, de onde vinha todo esse
talento. É compreensível que tantos cientistas se debrucem hoje sobre o cérebro do físico genial
– retirado pelo médico-legista após sua morte, em 1955 – em busca da solução de um grande
enigma: existiria no órgão alguma característica anatômica capaz de influenciar a inteligência de
uma pessoa? A resposta a essa pergunta não diz respeito apenas a Einstein. Ela ajudaria também
a entender a inteligência em todos nós.
O repórter Leandro Narloch, de VEJA, foi aos Estados Unidos para conhecer de perto as
principais pesquisas e conversar com os cientistas que trabalham com o cérebro de Einstein. No
escritório de Elliot Krauss, patologista-chefe do Hospital de Princeton, em Nova Jersey, Narloch
teve a oportunidade de conhecer, por assim dizer, o próprio Einstein. Ou, pelo menos, a maior
porção remanescente de seu corpo. São 180 fragmentos de seu cérebro, embrulhados em
pequenos pacotes de gaze e boiando em álcool dentro de dois potes de biscoito dos anos 50. Na
sala apertada do patologista-chefe, o que resta de Einstein divide uma prateleira com
microscópios, relatórios e pilhas de prontuários médicos. "Muita gente pede para vê-lo ou quer
levá-lo para estudos ou exposição, mas eu raramente digo sim", explicou a VEJA. "Prometi
cuidar bem desse cérebro, e agora essa missão de guardião se tornou parte da minha vida."
Fotos Gilberto Tadday e Steve Pyke/Getty Images
O GÊNIO NA GARRAFA
O médico Elliot Krauss (à esq.), no Hospital de Princeton: ele conserva 180
pedaços
em dois potes de biscoito. Ao lado, fragmentos plastificados do cérebro
Esse senso de missão científica teria agradado a Einstein. Ele foi um teórico apaixonado que no
leito de morte ainda rabiscava equações na tentativa de corrigir o que considerava imperfeições
na mecânica quântica. Mas como reagiria se lhe fosse possível comentar as aventuras pelas
quais passou seu cérebro? Apesar de sua aura de gênio, Einstein foi um homem de simpática
simplicidade. Em vez de pompa, ele preferiu ser cremado na mesma tarde em que morreu, antes
que o mundo tivesse tempo de se mobilizar em sua homenagem. Para evitar que seu túmulo se
tornasse local de macabra veneração, as cinzas foram levadas por seu filho até o rio mais
próximo e espalhadas nas águas. Seu mais recente biógrafo, o americano Walter Isaacson, conta
que uma autópsia de rotina foi realizada pelo patologista-chefe do Hospital de Princeton,
Thomas Harvey, que usou uma serra elétrica para abrir o crânio e retirar o cérebro. Quando
costurou o corpo, o médico decidiu, sem pedir permissão à família do morto, embalsamar o
cérebro de Einstein e guardá-lo. Harvey não pretendia ganhar dinheiro com uma relíquia. De
temperamento um tanto sonhador, acreditava que poderia haver valor científico no estudo da
massa encefálica de um gênio reconhecido.
Harvey também se atribuiu a missão de zelar pela preservação do órgão e decidir se podia ou
não examiná-lo. Uma de suas primeiras providências foi fotografá-lo e cortá-lo em 240 pedaços,
etiquetando cada um. Depois, pediu a colegas da Universidade da Pensilvânia que dividissem
parte do cérebro em fatias microscópicas. Ele próprio levou o material, acomodado em dois
vidros no banco de trás de seu carro, até a Pensilvânia. Foram os primeiros 400 quilômetros da
longa viagem post-mortem do cérebro. Por anos, Harvey enviou amostras a diversos
pesquisadores, escolhidos segundo seu gosto pessoal. Existem hoje fragmentos em laboratórios
dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Alemanha, Argentina e até mesmo em Calcutá,
na Índia. A mais conhecida viagem do cérebro de Einstein foi narrada por um de seus
protagonistas – o jornalista Michael Paterniti, da revista Harper’s – no livro Conduzindo o Sr.
Albert. No fim dos anos 90, Paterniti convenceu Harvey a levar o cérebro, de carro, para a casa
de Evelyn, a neta do cientista que vivia na Califórnia, do outro lado do país. Filha adotiva de
Hans Albert, primogênito de Einstein com sua primeira mulher, Mileva, Evelyn achava que
valia a pena investigar os rumores de que poderia ser, na verdade, filha biológica do vovô
Einstein. A versão fazia sentido, uma vez que ela nasceu num período em que Einstein, viúvo
ainda fresco, teve várias namoradas. O plano era descobrir a verdade analisando o DNA contido
no cérebro. Infelizmente para Evelyn e para os historiadores, o modo como Harvey conservara o
material tornou impossível a extração de uma amostra de DNA. Em 1998, já com 86 anos (ele
ainda viveu até 2007), Harvey passou adiante a guarda do cérebro ao serviço de patologia de
Princeton. Foi assim que Einstein foi parar na prateleira abarrotada de Elliot Krauss.
A inteligência é a mais intrigante entre as capacidades do cérebro humano. A dificuldade é
entender o que, exatamente, é a inteligência. A definição dada a VEJA por Shane Legg, da
Unidade de Cálculo e Neurociência da Faculdade de Londres: "A definição técnica inclui a
habilidade de tomar decisões, o poder de agir de maneira rápida e sensata em diversas
circunstâncias, além de considerar que o indivíduo esteja apto a aprender, a se adaptar
rapidamente, que tenha boa memória, capacidade de foco e pensamento rápido, lógico e
soluções criativas para novos problemas". O segundo desafio é onde, entre os bilhões de
neurônios do cérebro, o cientista deve procurar sua origem e mecanismos. Para um olhar
destreinado, o cérebro de Einstein seria uma decepção. Segundo o médico-legista, o órgão
pesava 1 230 gramas, menos que a média masculina, que é de 1 400 gramas. O volume também
estava 4 centímetros abaixo da média. Essa atrofia provavelmente era uma decorrência da idade
(o cientista morreu com 76 anos), o que é perfeitamente normal.
O número de sinapses e a velocidade de formação de novos neurônios diminuem a partir dos 35
anos. A quantidade de neurônios também se reduz. Um cérebro excepcionalmente bem dotado
de conexões na juventude pode, com o passar do tempo, ficar mais próximo da média. Em 1905,
o annus mirabilis, em que publicou os cinco ensaios que viraram pelo avesso a física moderna,
Einstein era um rapaz boa-pinta de 26 anos. No minuto seguinte à morte, têm início um processo
acelerado de decomposição por ação das bactérias e o desaparecimento de estruturas essenciais
ao funcionamento cerebral. Neurônios, suas sinapses e a glia (o combustível das estruturas
neurais) deterioram-se em apenas dez minutos. As análises post-mortem, já que não podem
registrar o cérebro em funcionamento, buscam informações sobre o formato, a densidade e o
tamanho de regiões e do conjunto, assim como sua composição microscópica. No caso de
Einstein, a comparação com outros cérebros ajuda na busca das diferenças que possam estar
ligadas à inteligência. O estudo do material embalsamado constitui um universo riquíssimo para
a ciência.
O que se descobriu de mais relevante sobre o cérebro de Einstein pode ser exemplificado em
cinco grandes pesquisas, realizadas por instituições científicas de primeira linha nos últimos 25
anos. Foram os autores desses trabalhos que VEJA procurou para preparar esta reportagem. O
estudo mais antigo é da anatomista Marian Diamond, da Universidade da Califórnia em
Berkeley, publicado em 1985. Ela recebeu quatro lâminas microscópicas do lobo parietal dentro
de um pote reutilizado de maionese e contou as células em cada seção. Notou então que a
concentração no lobo parietal inferior esquerdo de células gliais em relação aos neurônios era a
maior dos onze cérebros usados como comparação. O lobo parietal é uma área no topo do
crânio, acima da nuca, responsável pela noção de espaço e pelo pensamento matemático. Uma
interpretação possível é que os neurônios de Einstein usavam e necessitavam de maior energia.
Daí se pode inferir sua inteligência superior. Infelizmente, como não havia nenhum gênio entre
os onze outros cérebros, não foi possível estabelecer um padrão.
A pesquisa mais conhecida é a da neurocientista Sandra Witelson, da Universidade McMaster,
em Ontário, em 1999. Comparado com os cérebros de 35 outros homens, o lobo parietal de
Einstein era 15% maior e mais largo exatamente na parte responsável pelo processamento do
pensamento matemático e pela concepção espacial. Além disso, não tinha os sulcos que separam
as duas porções dessa região, o que, em teoria, facilitaria a comunicação entre os neurônios ali
situados. O resultado seria uma forma de pensar mais eficiente e inovadora, na opinião da
pesquisadora. "A extrema habilidade do raciocínio visual e matemático de Einstein pode ser
explicada por essa anatomia incomum", disse Witelson a VEJA. Mais dois estudos percorrem
caminhos similares, mas em outras áreas do cérebro. A neurologista Dahlia Zaidel, da
Universidade da Califórnia, observou que os neurônios do lado esquerdo do hipocampo, área
relacionada à memória, eram mais longos que os do lado direito. Isso sugere uma associação
mais fácil do hipocampo com o córtex frontal, o que tornaria Einstein mais capaz de relacionar
memórias com raciocínios. O neurologista Britt Anderson, da Universidade do Alabama,
percebeu que o córtex de Einstein era mais fino e mais denso que o de outros cinco cérebros
analisados. A suposição óbvia é a de que a maior densidade esteja relacionada à genialidade.
A pesquisa mais recente, publicada há apenas seis meses pela antropóloga Dean Falk, da
Universidade Estadual da Flórida, também identificou padrões incomuns de sulcos e fissuras no
córtex cerebral. Sua conclusão é surpreendente. Ela sugere que o cérebro de Einstein não era
mais eficiente que o de qualquer outra pessoa, mas funcionava de modo diferente. Em seus
estudos, Falk constatou uma formação incomum. A fissura lateral do córtex, um sulco que segue
o mesmo caminho da haste dos óculos e é associado à linguagem, normalmente termina com
uma pequena curva para cima. O de Einstein convergia para o sulco pós-central, dividindo o
cérebro pela metade. A configuração rara pode ter causado dificuldades com a linguagem. Essa
fraqueza teria sido o incentivo que o levou a desenvolver com maior força o pensamento
tridimensional, crucial para a criação da Teoria da Relatividade.
Certos indícios biográficos contribuem para a teoria de Falk. Einstein só aprendeu a falar aos 3
anos, na escola tirava notas baixas em alemão, seu idioma materno, e custou a aprender uma
segunda língua, o inglês. Ele sempre dizia que "a imaginação é mais importante que o
conhecimento" e contava que suas ideias mais brilhantes apareciam de repente, em forma de
cenário. Para demonstrar a relatividade do tempo, ele se imaginou caindo de um elevador ou
disputando uma corrida, na velocidade da luz, com um raio. Será possível que sua genialidade
fosse realmente o resultado de uma formação extravagante no cérebro? "O grande entrave para
as pesquisas que tentam responder a essa questão é que até hoje não foi descoberta uma relação
entre o formato e a composição do cérebro e os dotes intelectuais", disse a VEJA o
neuroanatomista Jackson Bettencourt, da Universidade de São Paulo.
Especialistas acreditam que três fatores estão associados a uma inteligência superior. A primeira
é uma arborização mais volumosa e rica dos dendritos. Esses prolongamentos do neurônio
recebem os sinais elétricos das terminações dos neurônios vizinhos, estabelecendo a
comunicação entre eles e transmitindo informações. Ou seja: quanto mais dendritos, mais fácil e
eficiente seria a comunicação entre os neurônios. O segundo fator é uma maior conectividade
entre os neurônios, ou seja, um maior número de sinapses. O terceiro é uma inter-relação mais
eficiente de várias áreas do cérebro para realizar uma determinada função. É possível que o
cérebro de Albert Einstein usasse várias partes do cérebro ao mesmo tempo para desempenhar
uma função ou fizesse mais conexões sinápticas do que o da maioria das pessoas. O difícil é
saber o que teria feito Einstein desenvolver essas habilidades. "Provavelmente, foi uma
conjunção de fatores ambientais e genéticos. Ele tinha o potencial mental e estava exposto ao
melhor ambiente possível para desenvolvê-lo", diz o neurologista Mauro Muszkat, de São
Paulo. As últimas décadas do século XIX foram de grande efervescência intelectual. A
velocidade das descobertas era um incentivo para que um jovem talentoso abraçasse o caminho
da ciência. É impossível não perguntar o que poderíamos ter aprendido se o cérebro de Einstein
tivesse sido preservado com recursos modernos. Os cientistas dispõem hoje de técnicas
avançadas para retirar e armazenar fragmentos cerebrais. O micrótomo, por exemplo, corta
tecidos em lâminas de uns poucos milésimos de milímetro de espessura, que podem ser
indefinidamente conservados em plásticos especiais. Por outro lado, como seria se ele vivesse
nos dias de hoje? A resposta não é animadora. As técnicas de ressonância magnética e
tomografia computadorizada, que hoje registram o funcionamento do cérebro, não podem dar
uma resposta satisfatória sobre o mistério da inteligência humana. "Ainda que se possa traçar
uma relação entre determinada função e uma área cerebral, a precisão dessas técnicas é a mesma
de estudar uma célula com uma lupa", diz o neurocientista Ivan Izquierdo. Nem por isso se deve
imaginar que o estudo do cérebro de Einstein esteja encerrado. Sobre isso, a antropóloga Dean
Falk afirma: "À medida que a neurociência avança, o mistério da genialidade de Einstein se
torna mais e mais atraente para quem pesquisa a inteligência".
Com reportagem de Paula Neiva, Gabriela Carelli, Laura Ming e Renata Moraes
Enigma do cérebro avariado
Carolina Romanini
Wilton Junior/AEW
CHANCE DE ADAPTAÇÃO
Imagens de um crânio atravessado por arpão
Enquanto cientistas tentam entender a genialidade de Albert Einstein, a medicina se surpreende
com circunstâncias absolutamente opostas: das pessoas que vivem bem com apenas parte do
cérebro. Dois anos atrás, uma radiografia de rotina revelou um oco no interior da cabeça de um
francês de 44 anos. Só depois de submetê-lo a exames de tomografia e ressonância magnética,
os médicos da Universidade do Mediterrâneo, em Marselha, perceberam que ele tinha cérebro,
mas minúsculo e alojado como uma capa rente ao crânio. Ainda assim, esse francês viveu quatro
décadas sem chamar atenção. Vinte anos atrás o cérebro era visto como sendo formado por
setores estanques, cada um deles responsável por determinada habilidade.
A descoberta da neurogênese, o processo de produção de novos neurônios ao longo da vida, em
1998, e o avanço da tecnologia de neuroimagens revelaram uma realidade diferente. O cérebro
tem capacidade de se regenerar e de se adaptar. Quando uma área sofre dano, outra pode muitas
vezes assumir suas funções. Oito em cada dez crianças que, para curar a epilepsia, tiveram um
hemisfério retirado vivem normalmente com meio cérebro. "As conexões cerebrais são globais.
Cada tarefa é realizada não por uma única área, mas por uma densa rede de neurônios", explica
Benito Damasceno, chefe do departamento de neurologia da Faculdade de Medicina da
Unicamp. As funções vitais, como o batimento cardíaco e a respiração, estão protegidas em
áreas profundas, como o hipotálamo e o tronco cerebral. A maior parte do cérebro é constituída
de massa encefálica, sem nenhuma função vital. Isso explica como uma pessoa pode ter a cabeça
transpassada por um arpão e sobreviver sem sequelas (veja as fotos acima). "O cérebro é mais
parecido com uma floresta do que com um relógio ou computador, como se pensava no
passado", diz o neurologista Mauro Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo.
Fotos Hulton-Deutsch Collection e John W. Karapelou/Corbis/Latin Stock
EDIÇÃO DA SEMANA
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VEJA
Einstein
Uma mente genialidade
14 de março de 1979
Comemoração
Há 100 anos nascia o maior gênio da ciência.
11 de fevereiro de 1984
Só uma lenda
Einstein nunca foi mau aluno, mostra documento.
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