Artigo original Registros hospitalares de câncer de Minas Gerais: análise de consistência das bases de dados Hospital-based cancer registries of Minas Gerais, Brazil: analysis of the consistency of databases Thays Aparecida Leão D’Alessandro1, Berenice Navarro Antoniazzi1, Daisy Maria Xavier de Abreu2 Resumo Trata-se de um estudo descritivo, com o objetivo de avaliar a consistência das bases de dados dos registros hospitalares de câncer (RHC) de Minas Gerais, que adotam o Sistema de Registro de Câncer (SisRHC), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), considerando a importância de obter uma informação fidedigna para realização das análises estatísticas. Para verificar a consistência das bases de dados dos RHC do Estado, no período de 1998 a 2006, utilizou-se a proporção de casos registrados em duplicidade e a proporção do preenchimento de informações em variáveis selecionadas. Verificou-se que 2,7% dos casos registrados estavam em duplicidade, 69% sem informação do grau de instrução, 26% sem definição do estadiamento clínico do tumor e 50 e 46% sem informação de alcoolismo e tabagismo, respectivamente. Os resultados sugerem que a garantia da qualidade da informação, por meio da avaliação da consistência dessas bases de dados, fundamentais para o planejamento da assistência e das ações de vigilância, prevenção e controle do câncer, pode ser alcançada mediante a adoção de rotinas de trabalho padronizado, utilização de novas versões do sistema e manutenção dos cursos de capacitação profissional. Palavras-chave: Sistema de informação hospitalar, serviço de informação, neoplasias, análise de dados Abstract This descriptive study aimed to assess the database consistency of hospital-based cancer registers (HBCR) of Minas Gerais, Brazil. These registers adopt the Cancer Register System (SisRHC, acronym in Portuguese), developed by National Institute of Cancer, regarding the importance of reliable information for statistical analyses. In order to evaluate the HBCR databases of Minas Gerais, Brazil, in the period of 1998 the 2006, we used the ratio of duplicated cases registered and the ratio of fulfilling in selected variables. The results show that from all cases 2.7% were duplicated, 69% had no information about education degree, 26% had no definition about tumor clinical stage and 50 and 46% had no information about alcoholism and smoke, respectively. The results suggest that the information quality improvement through the assessment of databases consistency – essential for health care planning and monitoring prevention actions and cancer control – can be reached by routines of standardized work, utilization of new versions of the system and maintenance of professional qualification courses. Key words: Hospital information system, information service, neoplasms, data analysis Especialista em Vigilância em Saúde – Área de concentração: doenças e agravos não transmissíveis. Coordenadora do Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer e seus Fatores de Risco da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (MG). End.: Superintendência de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais - Avenida Afonso Pena, 2300, 15º andar, Funcionários - CEP: 30130-007 - Belo Horizonte (MG) – E-mail: [email protected] 2 Doutora em Saúde Pública pelo Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 1 410 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 Registros hospitalares de câncer de Minas Gerais: análise de consistência das bases de dados Introdução O aumento da expectativa de vida da população brasileira e as mudanças nos hábitos de vida e nas condições socioeconômicas e ambientais são fatores condicionantes que tornam o câncer, cada vez mais, um problema de saúde pública, já que sua causalidade está relacionada à interação de múltiplos fatores, além da susceptibilidade genética (Brasil, 2006). Quanto mais precoce for detectada a doença, melhor o prognóstico, resultando em um aumento da sobrevida e da qualidade de vida, além de favorecer a relação custo/efetividade. Assim, investimentos na implantação de políticas públicas de promoção à saúde e a adoção de ações de prevenção e detecção precoce da doença podem trazer resultados satisfatórios no controle do câncer (Brasil, 2006). Com o objetivo de conhecer o quadro do câncer no Brasil e de seus fatores de risco, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) criou em 1999 o Programa de Epidemiologia e Vigilância do Câncer e seus fatores de risco (PAV). Tal programa é descentralizado para as Secretarias Estaduais de Saúde, responsáveis por desenvolver ações relacionadas aos registros de câncer por meio da implantação, acompanhamento e aprimoramento dos registros de base hospitalar e populacional (Instituto Nacional de Câncer, 1999). Em relação aos Registros de Câncer, os de base populacional (RCBP) coletam dados de uma população específica, enquanto os Registros Hospitalares (RHC) coletam dados de todos os pacientes atendidos no hospital, com diagnóstico confirmado de câncer (Instituto Nacional de Câncer, 1999). A situação encontrada pelo PAV de Minas Gerais em 2000 era de três RHC (em fase de coleta dos dados). Com os trabalhos realizados posteriormente (treinamentos estaduais e monitoramentos) houve a ampliação do número de registros, totalizando 21 RHC com anos consolidados em 2007, demonstrando a importância do papel da Vigilância Estadual do Câncer na construção do processo da informação epidemiológica dessa doença. Para que esses registros possam contribuir efetivamente para o conhecimento do perfil estadual e para analisar a qualidade da assistência prestada aos pacientes com câncer, é necessário que se tenha informação de qualidade. Além disso, os RHC sediados na área de cobertura dos RCBP contribuem como fontes de notificação da incidência populacional pesquisada. Os dados dos RHC são consolidados no aplicativo Sistema de Registro de Câncer (SisRHC) e, por possuir um grande número de variáveis para o preenchimento e ser constantemente alimentado, erros são inevitáveis. Podem ocorrer erros relacionados à digitação, rotatividade de profissionais, falta de prontuário único e a sua legibilidade e incompletude. Para Young (1995), a qualidade dos dados dos registros está intimamente ligada aos cuidados prestados aos pacientes, uma vez que seu propósito é o “de atender as necessidades da administração do hospital, ao programa de controle do câncer nele desenvolvido e, sobretudo, ao paciente, individualmente” (Young, 1995, p. 85). Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho foi avaliar a consistência das bases de dados dos RHC de Minas Gerais, os quais adotam o SisRHC, desenvolvido pelo INCA, considerando a importância de se obter uma informação fidedigna para realização das análises estatísticas. Materiais e métodos Trata-se de estudo descritivo, no qual foi desenvolvida uma análise da consistência das bases de dados dos RHC de Minas Gerais, demonstrando a proporção de casos registrados em duplicidade e o preenchimento de informações em variáveis selecionadas. A população de estudo é constituída por 52.386 casos de neoplasias coletados em 21 hospitais no Estado de Minas Gerais, que possuem RHC com bases de dados consolidadas entre 1998 a 2006 (Quadro 1). Os casos de neoplasia são registrados no aplicativo SisRHC, disponível desde 2002 e sofre atualizações constantes para aprimoramento de todo o sistema (Departamento de Ciência e Tecnologia, 2007). Descrições das variáveis do estudo As variáveis utilizadas para identificação de registros duplos e o preenchimento de informações em variáveis selecionadas estão descritas no Quadro 2. Descrição do preenchimento de informações em variáveis selecionadas e registros em duplicidade O aplicativo SisRHC possui um módulo de validação que relaciona erros de preenchimento de códigos, de datas, relação entre local do tumor primário e tipo histológico, dentre outros, antes da gravação do registro no sistema. Porém, esse módulo é distinto a cada nova versão do aplicativo e apenas relaciona os erros, permitindo, em alguns casos, que o registro das informações seja gravado como incoerente ou validado. Esses erros podem ser atribuídos, além do descrito anteriormente, à falta de atenção na coleta dos dados, aos erros de digitação, à legibilidade da escrita no prontuário, à falta de prontuário único, dentre outros, apesar de todos os registradores hospitalares serem capacitados e possuírem o Manual de Rotinas e Procedimentos dos Registros Hospitalares do INCA como apoio. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 411 Thays Aparecida Leão D’Alessandro, Berenice Navarro Antoniazzi, Daisy Maria Xavier de Abreu Quadro 1 - Habilitação*, situação das bases de dados dos registros hospitalares de câncer (RHC) implantados que possuem anos consolidados. Casos analíticos e não-analíticos, em Minas Gerais. Hospitais RHC Belo Horizonte Alberto Cavalcanti Belo Horizonte Luxemburgo Mário Penna** Santa Casa de Misericórdia** Fundação Benjamin Guimarães RHC Interior São João de Deus (Divinópolis) Bom Pastor (Varginha) ** Santa Casa de Misericórdia (Alfenas) Santa Casa de Misericórdia (Passos) Clínicas (Uberlândia) ** Clínicas UFTM (Uberaba) Dr. Hélio Angotti (Uberaba) Ibiapaba (Barbacena) Fundação Cristiano Varella (Muriaé) Instituto Oncológico (Juiz de Fora) João Felício (Juiz de Fora) ASCOMCER (Juiz de Fora) Márcio Cunha (Ipatinga) Fundação Dilson de Quadros (Montes Claros) Santa Casa de Misericórdia (Montes Claros) Total Habilitação Ano de implantação Anos consolidados Total de casos Unacon Voluntário Cacon Cacon Cacon Unacon 2001 2001 2006 2003 2001 2001 2000, 2001, 2005 2000, 2001 2005 2000 a 2003 2000 a 2003 2000, 2001 853 1.772 2.866 8.948 4.247 1.757 Unacon Unacon Voluntário Unacon Unacon Unacon Unacon Unacon Cacon Unacon Unacon Unacon Unacon Unacon Unacon 2003 2001 2005 2002 2001 2001 2001 2001 2004 2001 2001 2001 2001 2001 2003 2002, 2005, 2006 1998 a 2003 2005, 2006 2005 2000 a 2003 2000 a 2004 2003 2000 a 2004 2003 2000 a 2004 2000 a 2004 2002 2005 2000 a 2006 2002 a 2006 2.213 6.779 342 429 4.557 1.572 941 944 909 5.192 1.068 491 856 4.102 1.548 52.386 Fontes: Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer de Minas Gerais (PAV-MG) / Registros Hospitalares de Câncer (RHC). Situação em 2007. *Portaria SAS nº 146, de 11 de março de 2008; **em destaque, encontram-se os hospitais que entraram com dados parciais, referente ao ano de 2004. Quanto aos registros em duplicidade, em princípio, o SisRHC não detecta se a mesma pessoa foi registrada duas ou mais vezes no sistema, caso a pessoa possua mais de um número de prontuário e caso o nome tenha sido digitado errado. Para identificar esses casos, todos foram comparados manualmente por meio do aplicativo de linkage de dados, o Superproc. Esse aplicativo realiza a padronização e correção de campos no formato texto ou data, compara os vários registros entre si determinando quais pares são relativos a um mesmo paciente, com base no grau de similaridade, observado nos campos selecionados. Os resultados foram analisados segundo a descrição: • se mesma pessoa e mesmo tumor: deverá ser feito um único registro dessa pessoa após a homologação da comissão assessora que é composta por equipe multiprofissional e é responsável pelo suporte técnico ao RHC; • se mesma pessoa e tumores provavelmente diferentes: verificar junto à comissão assessora se o caso se trata de mesmo tumor e após a homologação, caso se confirme dois tumores primários o mesmo deverá permanecer no sistema; • se mesmo nome, tumores iguais ou não, número de CPF e, nesse caso, procedência e data de diagnósticos diferentes: considerar caso de homônimo. 412 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 Para verificar a consistência dessas bases utilizou-se a proporção de casos registrados em duplicidade e a proporção do preenchimento de informações em variáveis selecionadas. Selecionados os dados, estes serão repassados aos hospitais de origem para reavaliação junto à Comissão Assessora com sua homologação, por meio de um relatório das inconsistências verificadas com orientação aos responsáveis pelo registro para os devidos ajustes. Este estudo respeitou os preceitos éticos da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde não permitindo a identificação de pacientes e profissionais dos hospitais pertencentes ao estudo. Resultados Os resultados aqui apresentados correspondem ao total de casos informados pelos 21 RHC do Estado de Minas Gerais e não estão sendo apresentados de forma individual. A análise de consistência das bases de dados de RHC aponta que em dois, dos 21 hospitais, a classificação dos casos em analíticos/não analíticos, essencial para o planejamento e gerenciamento das ações, apresentou 11 casos (0,02%) em branco. Registros hospitalares de câncer de Minas Gerais: análise de consistência das bases de dados Quadro 2 - Variáveis selecionadas para identificação da duplicidade de registros e preenchimento de informações. Para identificação da duplicidade de registros: NOME: Nome completo do paciente. DATANASC Data do Nascimento do paciente. NCPFCTSUS: Registro de Identidade civil – RIC (CPF/Cartão do Sistema único de Saúde – SUS). Para preenchimento de informação: ANALITIC: Cadastro dos casos em Neoplasia, em duas categorias: Analítico (planejamento e realização do tratamento foi realizado no hospital) e Não Analítico (casos que já chegam aos hospitais tratados). RACACOR: Raça/cor da pele do paciente. INSTRUC: Grau de instrução do paciente na época da matrícula no hospital. PROCEDEN: Procedência do paciente. LOCALNAS: Local de nascimento do paciente. ESTCONAT1: Estado conjugal atual. ALCOOLIS1: Alcoolismo. TABAGISM1: Tabagismo. DTDIAGNO: Data do primeiro diagnóstico do tumor. DIAGANT: Diagnóstico e tratamentos anteriores (condição de chegada dos pacientes). BASMAIMP: Base mais importante do diagnóstico do tumor. LOCTUPRI: Localização do tumor primário (CID 10: O2). TIPOHIST: Tipo Histológico do Tumor Primário (CID 10: O2). ESTADIAM: Estadiamento clínico do tumor antes do tratamento. TNM: Classificação dos tumores malignos – T: representa a extensão do tumor, N: representa a ausência ou presença e a extensão das metástases em linfonodos regionais e M: a ausência ou a presença de metástases a distância. PTNM: Classificação dos tumores malignos, patológico, no qual exige a ressecção do tumor primário ou biopsia adequada para avaliar a maior categoria PT (primary tumor). DTINITRT: Data do início do primeiro tratamento especifico para o tumor no hospital. LATERALI1: Lateralidade do tumor. PRITRATH: Primeiro tratamento antineoplásico recebido no hospital. ESTDFIMT: Estado da doença ao final do primeiro tratamento no hospital. Fonte: Rebelo et al., 2000. Tabagismo* 46 Alcoolismo* 50 Estado conjugal* 11 Local de nascimento 1 Procedência 0,3 Instrução Raça % 69 17% 0 20 40 60 80 100 * itens opcionais Fonte: Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer de Minas Gerais (PAV-MG)/Registros Hospitalares de Câncer (RHC). Gráfico 1 - Distribuição percentual dos casos registrados sem informação para variáveis sociodemográficas, Minas Gerais, 1998-2006. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 413 Thays Aparecida Leão D’Alessandro, Berenice Navarro Antoniazzi, Daisy Maria Xavier de Abreu Lateralidade* 20 Estado da doença ao final do 1º tratamento 19 Data de início de tratamento 2 1º Tratamento para o tumor 0,4 TNM e pTNM conjuntamente 35 Estadiamento 26 Morfologia 0,1 Topografia 0,03 Base mais importante do diagnóstico 2 Diagnóstico e tratamentos anteriores Data de diagnóstico % 1 5 0 10 20 30 40 * itens opcionais TMN – T: extensão do tumor; N: ausência ou presença e extensão das metástases em linfonodos regionais; M: ausência ou presença de metástases a distância; pTNM: classificação dos tumores malignos, patológicos, no qual exige a ressecção do tumor primário ou biopsia adequada para avaliar a maior categoria PT. Fonte: Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer de Minas Gerais(PAV-MG)/Registros Hospitalares de Câncer (RHC). Gráfico 2 - Distribuição percentual dos casos registrados sem informação para as variáveis relativas ao tumor, Minas Gerais, 1998-2006. Foi analisada a proporção de casos registrados sem informação quanto às variáveis sociodemográficas: raça, instrução, procedência, local de nascimento, estado conjugal atual, alcoolismo e tabagismo. As variáveis que apresentaram maior proporção de registros sem informação foram: instrução (36.981 casos, 69%), alcoolismo (25.938, 50%) e tabagismo (24.091, 46%) (Gráfico 1). Do total de casos de câncer da cavidade oral ((CID 10: C00C10) (OMS, 1994), 45% não possuíam a informação registrada de alcoolismo e tabagismo. Para os casos de câncer da traqueia, brônquios e pulmões ((CID 10: C33-C34) (OMS, 1994) , 32% estavam sem informação registrada de tabagismo Das variáveis selecionadas referentes ao tumor, a proporção de casos registrados sem informação e/ou em branco foi mais expressiva para os casos de TNM e pTNM (18.221, 35%), estadiamento (13.431, 26%) lateralidade (10.483, 20% e estado da doença ao final do 1º tratamento (9.882, 19%) (Gráfico 2). As variáveis classificadas como itens opcionais na ficha de coleta do registro são preenchidas em função das necessidades do hospital e da disponibilidade da fonte primária do dado (Rebelo et al. , 2000) podendo explicar, em parte, o baixo preenchimento dessas variáveis. O reduzido preenchimento, nesses casos, pode estar relacionado também à falta dessa informação no prontuário médico. 414 Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 Foram encontrados 1.402 (2,7% do total) casos registrados em duplicidade e/ou duvidosos de mesma pessoa. Dos 21 RHC, 25% apresentaram número de registros duplicados inferior a 16 e mediana de 41 registros duplicados. O número mínimo de registros duplos encontrado foi 9, e o máximo de 324. Em um hospital participante do estudo não foi encontrado registros em duplicidade. Discussão Como em qualquer outra atividade, no setor saúde a geração de informações representa um instrumento para identificar focos prioritários, levando a um planejamento e a uma execução de ações adequadas às transformações necessárias de uma realidade. Nessa perspectiva, as informações dos registros hospitalares de câncer são de suma importância para o planejamento de ações de prevenção e controle do câncer, contribuindo também para o conhecimento do perfil dos pacientes atendidos nesses hospitais e da análise da qualidade da assistência prestada. Sendo assim, a falta da informação precisa e de qualidade prejudica a tomada de decisão por parte da direção do hospital, no tocante à eficácia e eficiência dos tratamentos ofertados, além da alocação de recursos necessários para o atendimento. Registros hospitalares de câncer de Minas Gerais: análise de consistência das bases de dados Os achados do estudo quanto à ausência da informação, assim como a duplicidade de registros, podem estar relacionados, em boa parte, à falta de prontuário único em alguns hospitais e o preenchimento insuficiente e ilegível dos prontuários médicos. Escosteguy (2002) observou durante seu trabalho de campo, a pouca valorização desse registro, tanto no seu conteúdo quanto na legibilidade. Relata, ainda, ser o prontuário um instrumento de registro do processo e resultado dos cuidados prestados, o que está diretamente relacionado à qualidade da informação gerada pelos sistemas. Quanto à legibilidade, Nunes et al. (2004) relatam a dificuldade da leitura da grafia do médico atestante nas declarações de óbito em seu estudo. Almeida e Alencar (2000) descrevem que as dificuldades de detectar as intercorrências gestacionais em seu estudo podem ser devido à falta da informação no prontuário ou a normatização do conteúdo a ser nele descrito. Romero e Cunha (2008) relatam que a limitação da qualidade da informação no uso das variáveis socioeconômicas possa ser a explicação de a grande maioria dos artigos não analisarem “a qualidade da informação nem seu efeito sobre os resultados encontrados” (Romero e Cunha, 2008, p. 7). A ausência de informação esteve presente em diferentes variáveis, sendo que, o maior percentual encontrado foi o da variável grau de instrução (69%). Nunes et al. (2004), em seu estudo, relatam que a análise sobre a escolaridade nas declarações de óbito de câncer de colo uterino, em Belém, foi prejudicada pela falta de informação. No estudo de Souza et al. (2008), sobre a mortalidade materna por aborto, em Santa Catarina, a distribuição por escolaridade apresentou 48,39% dos registros ignorados. Os autores relatam que a falta dessa informação é “um indicativo da falta de qualidade da assistência, porque o registro dos dados é um componente desta” (Souza et al., 2008, p. 738). Assim como descreve Young (1995), é responsabilidade do registrador assegurar que todos os procedimentos realizados estejam documentados adequadamente e com precisão, o seguimento seja feito, que os casos sejam identificados ‘a tempo e a hora’, e que as informações no prontuário estejam corretas, para conseguir, assim, um dado com alta qualidade. Esses autores relatam o compromisso dos profissionais de saúde em registrar esses dados, que muitas vezes, podem subsidiar um novo diagnóstico. Além disso, para Rebelo et al. (2000), a informação da escolaridade na ausência da renda é um indicador da situação socioeconômica do paciente. Outro aspecto que deve ser considerado na avaliação das bases de dados dos RHC refere-se à qualidade da informação sobre fatores associados à incidência do câncer. Conforme destaca estudo sobre a situação do câncer no Brasil, O sinergismo potencializa o risco de desenvolvimento de determinados tipos de câncer e a redução isolada de apenas um deles pode ser insuficiente para garantir a efetividade das ações de prevenção (Brasil, 2006, p. 48). No caso de câncer de boca e orofaringe, o consumo de álcool e tabagismo possui uma fração de 48% atribuível na população, conjuntamente. Já o tabaco é responsável por 45% das mortes por doenças coronarianas; 90% dos casos de câncer de pulmão ocorrem em fumantes; 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica são devidas ao tabaco (Brasil, 2006). Apesar da importância do preenchimento dessas variáveis para o conhecimento de fatores de risco na população, nas bases de dados analisadas dos RHC, observa-se uma ausência de 50% da informação para alcoolismo e 46% para o tabagismo. A proporção de casos registrados sem informação conjuntamente de alcoolismo e tabagismo para o câncer da cavidade oral (C00-C10) encontrado foi de 45%. Para o câncer da traqueia, brônquios e pulmões, a proporção de casos registrados sem informação de tabagismo foi de 32%. Santos et al. (2008), relatam a forte associação verificada no relato de caso estudado por eles entre a exposição ao álcool e tabaco, conjuntamente, e o câncer oral. O conhecimento da extensão da doença no momento do diagnóstico influencia fortemente a sobrevida, o que pode ser avaliada pelo estadiamento do tumor nessa fase (Brasil, 2006). A variável estadiamento clínico apresentou uma proporção de 26% de casos registrados sem informação, o que, nesse caso, como descrito anteriormente, dificulta o tratamento adequado para o tumor. O estudo realizado por Theme Filha et al. (2004), que discute sobre a qualidade da informação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), em confronto com a pesquisa realizada em entrevista com puérperas e em prontuários, apresentou um percentual de informações ignoradas menor que 10% na maioria das variáveis, exceto para consultas de pré-natal e idade gestacional, obtidas por meio dos prontuários. Destaca-se a boa cobertura desse sistema e a qualidade da informação. Nosso estudo apresentou variáveis com altos percentuais de preenchimento, com procedência, local de nascimento, data de diagnóstico, diagnóstico e tratamentos anteriores, topografia (local do tumor primário), morfologia (tipo histológico), dentre outras. As variáveis que apresentaram baixo percentual de preenchimento, apesar das supervisões, capacitações dos profissionais e da crítica à entrada de dados do sistema, devem ser revistas. Cad. Saúde Colet., 2010, Rio de Janeiro, 18 (3): 410-7 415 Thays Aparecida Leão D’Alessandro, Berenice Navarro Antoniazzi, Daisy Maria Xavier de Abreu Problemas relacionados à qualidade da informação são relatados por diversos autores e alguns deles sugerem propostas para melhorar a informação. Para Saunders et al. (2009), as estratégias adotadas para a melhoria da qualidade da informação foram indispensáveis para obtenção de dados confiáveis no seu estudo, como: realização de treinamento da equipe, reciclagem, supervisão constante, verificação do preenchimento dos formulários da pesquisa, manutenção de equipe fixa, dentre outros. O autor cita ainda a importância da qualidade da informação como subsídio de planejamento e avaliação de ações e programas de saúde. Para a Fundação Oncocentro de São Paulo (2001), Um monitoramento contínuo pode identificar problemas de diversas ordens, tanto na coleta dos dados, como no entendimento de conceitos e definições ou na própria qualidade do atendimento prestado (p. 27). Assim, as bases de informação devem ser permanentemente monitoradas e, conforme indicam Almeida e Alencar (2000), é importante considerar a adoção de técnicas da qualidade da informação, entre outras, para sistemas de informação que possuam boa cobertura. Conclusão Os resultados mostraram que o alto percentual de casos registrados sem informação, encontrados em algumas variáveis, pode estar relacionado à dinâmica dos serviços de registros hospitalares, incluindo um número elevado de profissionais que digitam a informação no sistema, a própria digitação, a legibilidade e incompletude dos prontuários e a alta rotatividade dos profissionais. Tais aspectos devem ser revistos por seus responsáveis, de forma contínua e sistemática, em busca da qualificação da informação. Em relação à duplicidade dos casos registrados, o problema pode estar relacionado, também, aos erros de digitação e a falta de prontuário único. Com base nos resultados observados, sugere-se, como forma de garantir bases consistentes e de qualidade, a consolidação de uma rotina de avaliação, com ênfase no monitoramento periódico por parte do próprio registrador que realizará controles periódicos de sua base de dados, para exatidão e consistência destas. A utilização de versões mais recentes do sistema deve ser uma conduta dos registros, para que todos tenham o mesmo padrão de validação e assim minimizar o número de casos incoerentes e validados. A manutenção dos profissionais envolvidos, das supervisões, das capacitações de registradores e coordenadores – esses com desejável formação médica – e dos cursos de formação de novos registradores contribuem, também, para a melhoria da informação gerada uma vez que permitirá atualização permanente dos responsáveis pelos registros. Dessa forma, as bases de dados dos RHC efetivamente serão fontes de informação fidedignas para realização de análises estatísticas que subsidiarão, por sua vez, a definição de ações voltadas para o planejamento da assistência, prevenção e controle ao câncer em Minas Gerais. Agradecimentos Os autores agradecem a toda equipe do Programa de Epidemiologia e Vigilância do Câncer e seus fatores de risco de Minas Gerais (PAV-MG), em especial a Raquel Paranhos Nogueira e Davidysson Abreu Alvarenga, pela grande colaboração dada ao trabalho. Aos registradores de câncer, bem como aos hospitais participantes deste trabalho. Referências Almeida, M. F.; Alencar, G. P. 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