Pesquisa de Nicolelis mostra como o cérebro integra ob etos

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Ciência
26 de Agosto de 2013
Neurociência
Pesquisa de Nicolelis mostra como o cérebro integra objetos
externos ao corpo
Equipe do neurocientista foi capaz de fazer um macaco sentir um braço virtual —mostrado em
uma tela — como se fosse seu, demonstrando pela primeira vez que as áreas táteis do cérebro
podem responder a estímulos puramente visuais
Por Guilherme Rosa
Miguel Nicolelis pretende usar a descoberta para desenvolver exoesqueletos que sejam
assimilados pela imagem corpórea dos usuários (Fabio Berriel/LatinContent/Getty Images)
Cada ser humano tem no cérebro um modelo de seu próprio corpo. A partir das informações que são coletadas por
meio do tato, da visão e da audição, ele toma consciência das fronteiras físicas entre seu corpo — que ele habita,
sente e controla — e o mundo exterior. Acontece que esse esquema corpóreo projetado pelo cérebro é mais maleável
que o de carne e osso, sendo capaz de incorporar uma série de ferramentas que os homens usam rotineiramente. Um
tenista experiente, por exemplo, pode assimilar sua raquete como uma extensão do próprio corpo; uma violinista, seu
violino; e um cirurgião, seu bisturi.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: Expanding the primate body
schema in sensorimotor cortex by virtual
touches of an avatar
Onde foi divulgada: periódico PNAS
Quem fez: Solaiman Shokur, Joseph E.
O’Doherty, Jesse A. Winans, Hannes Bleuler,
Mikhail A. Lebedev e Miguel A. L. Nicolelis
Instituição: Universidade Duke, EUA; entre
outras
Dados de amostragem: Dois macacos, que
foram colocados de frente a uma tela onde era
exibido um braço gerado por computador. Ao
Apesar de esse processo ser bem conhecido pelos cientistas, eles
não sabiam, até agora, como exatamente a imagem corpórea era
formada e deformada no cérebro. Em uma pesquisa publicada na
revista PNAS, uma equipe liderada pelo neurocientista brasileiro
Miguel Nicolelis mostra, pela primeira vez, que as áreas tátil e
motora do cérebro são capazes de também receber sinais visuais,
assimilando ao corpo ferramentas que o indivíduo apenas vê, mas
não sente.
A pesquisa de Nicolelis foi baseada na ilusão da mão de borracha,
um conhecido truque estudado por neurocientistas de todo o
mundo. Durante a ilusão, um indivíduo tem o seu braço real
escondido detrás de uma cartolina, enquanto um braço de borracha
fica a sua vista. Em seguida, o ilusionista — ou o cientista — toca
ao mesmo tempo, e em pontos idênticos, o braço falso e o
verdadeiro. Ao ver a mão de borracha sendo tocada enquanto
sente os estímulos reais, o indivíduo assimila esse braço como se
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/pesquisa-de-nicolelis-mostra-como-o-cerebro-i... 27/08/2013
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mesmo tempo em que uma bola virtual tocava o
braço falso, os pesquisadores tocavam o braço
real.
fosse parte de seu corpo — ignorando a existência do membro
escondido.
Resultado: Os pesquisadores descobriram que
os animais assimilaram o membro virtual à sua
imagem corpórea. Ao medir a atividade das
regiões táteis e motoras de seu cérebro, eles
descobriram, pela primeira vez, que elas
também eram capazes de responder aos sinais
puramente visuais emitidos pela tela
Ilusão real — Em sua experiência, a equipe de Nicolelis realizou
um procedimento parecido com dois macacos. Eles foram
colocados de frente a uma tela, onde era exibido um braço realista
gerado por computador. Enquanto, na imagem, o membro virtual
era tocado por uma bola, os cientistas estimulavam seus braços
verdadeiros nos mesmos pontos. Assim como na ilusão da mão de
borracha, os animais assimilaram o braço virtual para sua imagem
corpórea.
Enquanto isso, os cientistas analisavam a atividade das áreas
cerebrais responsáveis por processar informações táteis e motoras dos macacos. A chave para entender o fenômeno
aconteceu em seguida, quando os pesquisadores fizeram a bola tocar o braço virtual, sem que o estímulo real
correspondente acontecesse. "Nesse momento, o macaco apenas vê a esfera virtual tocando no braço. Mesmo assim,
os neurônios responsáveis por processar as informações táteis e motoras disparam", afirma Nicolelis em entrevista ao
site de VEJA.
Caminho indireto — Segundo o pesquisador, os neurônios dessas
regiões demoraram entre 50 e 70 milissegundos para responder aos
estímulos visuais. Isso demonstraria que essas informações não chegam
diretamente às áreas tátil e motora, mas passam antes pela área
responsável por processar os estímulos visuais. "A informação não
chega ali de modo direto, mas indiretamente. Nós mostramos, pela
primeira vez, que o córtex visual tem acesso ao córtex tátil", diz o
pesquisador.
Isso demonstraria que o processamento das informações sensoriais não
acontece, necessariamente, em apenas uma região do cérebro. Assim, o
órgão funciona muito mais como uma rede que analisa os dados
recebidos de modo distribuído do que como uma máquina
compartimentada. "Nós mostramos que aquela visão antiga do cérebro
dividido em áreas estritamente especializadas não tem mais sentido. O
processamento das informações é muito mais dinâmico e bem
distribuído, a ponto de uma área tátil responder a estímulos visuais."
Leia também:
Equipe de Nicolelis cria "sexto sentido" em ratos
Entrevista: "No futuro, as pessoas vão experimentar sensações
para as quais não nasceram equipadas para perceber
O exoesqueleto no corpo — A pesquisa se insere na sequência lógica dos experimentos liderados por Miguel
Nicolelis nos últimos anos. Ela surgiu logo após um estudo publicado em 2011, no qual o cientista usou uma
interface cérebro-máquina-cérebro para fazer um macaco mexer um cursor na tela de um computador apenas com seu
pensamento. Nesse caso, o animal também assimilou o braço virtual para sua imagem corpórea, o que levou o
pesquisador a estudar por meio de que mecanismos seu cérebro era capaz de fazer isso.
Saiba mais
INTERFACE CÉREBRO-MÁQUINA-CÉREBRO
São sensores capazes de captar a atividade elétrica
dos neurônios, decodificá-la, remetê-la a artefatos
robóticos e depois de volta para o cérebro por meio
de sinais visuais, táteis ou elétricos. Na prática, as
ICMCs transformam os pensamentos em comandos
digitais que as máquinas podem entender.
Agora, Nicolelis diz que está usando o resultado do experimento
para ajudar no desenvolvimento de novas interfaces cérebromáquina, como o exoesqueleto que pretende construir e
demonstrar no jogo inaugural da Copa do Mundo no Brasil, em
2014. A ideia é que o aparelho seja controlado por um deficiente
físico apenas com seu pensamento, restaurando suas funções
motoras e sensoriais. "Como já conhecíamos o resultado desse
experimento há mais de um ano — esse é o tempo médio que uma
pesquisa leva para ser publicada hoje em dia —, nós estamos
tirando proveito disso para construir o exoesqueleto, para fazer
com que ele também seja assimilado pela imagem corpórea do
paciente", diz.
“Agora, sabemos que as próteses usadas em terapias
de reabilitação podem ser assimiladas pelo cérebro do
paciente”
Miguel Nicolelis
Chefe do laboratório de neuroengenharia da Universidade de Duke, EUA, e
diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal
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Como o cérebro forma a imagem de seu próprio corpo? O esquema corpóreo é formado a
partir dos sinais sensoriais — táteis, visuais ou auditivos — que o cérebro captura. O que
acontece é que, até a nossa pesquisa, ninguém sabia como ele redesenhava o corpo a partir de
sua interação com objetos artificiais. A ilusão do membro de borracha é um exemplo disso.
Nela, a pessoa sente o braço de um manequim como se fosse o seu próprio braço. É uma
ilusão muito forte, que é sentida por 90% das pessoas. Mas ninguém sabia com ela se
materializava, como o cérebro criava essa materialização do braço artificial.
O que o seu estudo pode explicar sobre a incorporação de ferramentas externas para o
esquema corpóreo? Na verdade, o avatar que nós mostramos na tela não passa de uma
ferramenta que o macaco usou — um membro artificial. Nossa experiência sugere que qualquer
ferramenta usada por uma pessoa pode ser assimilada como extensão de seu esquema
corpóreo. Há dez anos eu venho defendendo uma hipótese para explicar a habilidade de
Pelé: eu digo que, em seu cérebro, a bola já estaria assimilada como parte de seu corpo. Agora
nós temos uma prova cabal dessa teoria, de que é realmente possível que a representação de
seu pé, projetada pelo cérebro de Pelé, tenha uma bola incorporada.
No começo do ano, o senhor publicou um estudo no qual conectava o cérebro de dois
ratos. Por meio de uma interface cérebro-cérebro, um dos animais conseguiu sentir o que
era captado pelo bigode do outro. Como sua nova experiência pode explicar esse estudo
anterior? Nossa pesquisa atual dá subsídios para afirmarmos que as vibrissas do segundo rato
foram assimiladas pelo cérebro do primeiro. Ou seja, o esquema corpóreo do animal incluiu seu
próprio corpo inteiro, mais um pedaço do corpo do outro rato.
Qual pode ser o impacto dessa pesquisa? Esse trabalho estende dramaticamente o limite da
plasticidade cerebral — até por isso ele foi aceito pela PNAS, uma das revistas científicas mais
citadas do mundo. Ele terá impacto tanto na pesquisa básica em neurociência quanto na parte
clínica. Agora, sabemos que as próteses usadas em terapias de reabilitação podem ser
assimiladas pelo cérebro do paciente. Inclusive, estamos aplicando esse conhecimento em
nossos estudos no projeto Walk Again. Como já conhecíamos o resultado desse experimento
há mais de um ano — esse é o tempo médio que uma pesquisa leva para ser publicada hoje em
dia —, nós estamos tirando proveito disso para construir o exoesqueleto, para fazer com que
ele também seja assimilado pela imagem corpórea do paciente.
Em que estágio estão as pesquisas do projeto Walk Again? Devemos inaugurar o nosso
laboratório na AACD em cerca de duas semanas. Em setembro, devemos começar os testes
aqui no Brasil. O exoesqueleto está sendo construído por laboratórios europeus desde junho, e
deve estar pronto para ser trazido para cá e testado até o final do ano.
Como serão realizados esses testes? Eles serão regulamentados tanto por um comitê de
ética local quanto pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A identidade dos
pacientes terá de ser respeitada. O Walk Again é um projeto de pesquisa que deve durar vários
anos — ele começou neste e não termina na Copa do Mundo. Ela será simplesmente um
episódio para demonstrarmos a tecnologia. Isso precisa ficar claro: não estaremos realizando
nenhum experimento durante a Copa, nós simplesmente vamos mostrar o que estará funcional
à época. O processo experimental deve continuar por vários anos até que tenhamos atingido
nosso objetivo final. É um programa científico, e teremos uma série de artigos publicados
durante todo esse tempo.
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