OFTALMOPEDIATRIA AMBLIOPIA 1 Rafael Dias Marques Nogueira 2 Bruno Fortaleza de Aquino Ferreira 2 Hugo Siqueira Robert Pinto OBJETIVOS DE APRENDIZADO Reconhecer s i na i s e s i ntoma s da a mbl i opi a , a prendendo os tes tes de tri a gem pa ra es ta condi çã o; Es ta r ci ente da neces s i da de de enca mi nha mento, a um ofta l mol ogi s ta , de toda cri a nça com s us pei ta ; Expl i ca r a os pa i s a neces s i da de do tra ta mento. RELEVÂNCIA Ambl iopia é a redução funcional da vi são de um ou ambos os olhos, provocado pelo desuso ou mal-uso durante o “período críti co” do desenvolvimento vi sual. Tal período se i nicia a o nascimento e s e estende até os ci nco a nos de i da de. Se detecta da e tra ta da precocemente, a ambliopia pode s er curada. Entretanto, o tratamento ra ramente é bem sucedido se iniciado após dez anos de i dade, e a deficiência vi sual persiste por toda a vi da. Pediatras e médicos de família provavelmente s erão os primeiros a ver um jovem pa ciente com ambliopia ou fatores predisponentes e, portanto, têm a responsabilidade de detecção e tratamento precoces , devendo es ta r fa mi l i a ri za dos com os ti pos , a detecçã o e a rel a çã o de a mbl i opi a e es tra bi s mo. INFORMAÇÕES GERAIS A a mbliopia desenvolve-se na infância, podendo s er detectada a través da medi çã o da a cui da de vi s ua l (AV). O meca nismo de perda de vi são não é conhecido, mas acreditas e que se ori gi ne no s i s tema nervos o centra l . A vi s ã o no na s ci mento é rui m, ma s a tra vés de es ti mul a çã o vi s ua l a dequada nos primeiros meses e a nos de vi da, a AV normal é a l ca nça da por vol ta dos três a nos de i da de. Desenvolvimento da visão humana O sistema visual (retina, nervo óptico e córtex visual) é imaturo ao nascimento, sendo a AV muito baixa (menor que 20/400) e os movimentos oculares mal controlados. O reflexo de fixação, todavia, está presente após a 33ª semana de gestação. A visão começa a desenvolver-se nas primeiras semanas de vida. O bebê fixa objetos, e tenta segui-los se o movimento de deslocamento for lento e no plano horizontal (movimentos horizontais surgem a partir do primeiro mês de vida, junto ao fenômeno de fusão). Movimentos persecutórios são imperfeitos até o final do primeiro ano. A mielinização do nervo óptico, o desenvolvimento do córtex visual e o crescimento do corpo geniculado lateral ocorrem ao longo dos dois primeiros anos. Entretanto, a fóvea amadurece apenas aos quatro anos. Ambl iopia não é uma anomalia orgânica primá ri a do ol ho, podendo pers i s ti r défi ci t vi s ua l a pós correçã o de condi ções predisponentes (catarata, retinoblastoma e outras des ordens inflamatórias oculares e congênita s que l eva m a ba i xa visual). Mais da metade dos pacientes com a mbl i opi a ta mbém possuem es tra bi s mo, pri nci pa l fa tor a s s oci a do. FISIOPATOLOGIA Des envolve-se em crianças que recebem de um ol ho 1. PROFESSOR DA DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 2. ACADÊMICO DE MEDICINA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ i nformações visuais turvas (erros refrativos) ou confl i ta ntes (ol hos desalinhados , mi ra dos em a l vos di s ti ntos ) com a s i nformações do outro olho. O cérebro da criança, a o receber doi s estímulos vi suais distintos, seleciona a melhor i magem e s uprime as imagens borradas ou conflitantes , o que res ul ta no desenvolvimento defeituoso da vi são, uma vez que pas s a a nã o haver os estímulos necessários para o desenvolvimento da s vias neurona i s . Se es s a pri va çã o s e es tender por um período prolongado durante o período críti co (a té os ci nco a nos ), pode ocorrer l es ã o neurol ógi ca i rrevers ível , representada por atrofia de neurônios do corpo geni cul a do l a teral e do córtex estriado. Em outra s pa l a vra s , o cérebro conti nua mente fa vorece o ol ho com mel hor vi s ã o, em detri mento do desenvol vi mento vi s ua l no outro ol ho. Por es sa ra zão, a a mbliopia é geralmente uni l a tera l e referi da popul a rmente como “ol ho pregui ços o”. CLASSIFICAÇÃO AMBLIOPIA ESTRÁBICA Uma cri a nça pode desenvolver a mbliopia no contexto de um es tra bi s mo. Um i níci o a dul to de es tra bi s mo gera l mente ca us a di pl opi a , poi s os doi s ol hos es tã o des alinhados ao fixar um objeto. O cérebro da cri a nça , por outro l ado, é mais a daptável e, em uma situação semelhante, i gnora a i ma gem do ol ho que fornece a i ma gem menos foca da. Embora es s a a da pta çã o s upere a di pl opi a , es s a s upres s ã o corti ca l de es tímul os s ens ori a i s de um ol ho, i nterrompe o desenvolvimento normal da vi são dos centros TEXTO REVISADO EM 18/02/2013. DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ s uperiores do cérebro, podendo res ul ta r em reduçã o de vi s ã o. Às vezes, o grau de desalinhamento entre os ol hos é mui to pequeno, torna ndo a detecçã o do es tra bi s mo e a mbliopia estrábica difícil. Mesmo com um pequeno â ngul o de es tra bi s mo, a a mbl i opi a pode s er gra ve. AMBLIOPIA REFRATIVA A a mbliopia por erros refrativos pode ser dividida em três s ubtipos: a ni s ometrópi ca , a metrópi ca e meri di ona l . Anisometrópica. Decorre de uma di ferença refra ci onal entre os olhos. Mesmo pequenas diferenças como uma di optri a (1D) podem provoca r a mbl i opi a . Frequentemente a ssocia-se com microestrabismo, podendo coexi s ti r a mbl i opi a es trá bi ca . Ametrópica. Res ulta de privação visual por a l to erro refra ti vo, s endo, em gera l , bi l a tera l e decorrente de hi permetropi a . Meridional. Res ul ta de pri va çã o vi s ua l em um meri diano, podendo ser unilateral ou bilateral. É ca usada por a s ti gma ti s mo nã o corri gi do. Uma a mbliopia refrativa pode s er tã o gra ve qua nto uma a mbliopia estrábica, por i sso, não podemos es quecer a pos sibilidade de ambliopi a na a us ênci a de es tra bi s mo. A detecçã o de a mbl i opi a deve s er ba s ea da em uma a norma l i da de encontra da nos tes tes vi s ua i s . AMBLIOPIA POR PRIVAÇÃO DE ESTÍMULO Ta mbém cha ma da de ex-a nops i a , ocorre qua ndo opa cidades dos meios ocul a res , como ca ta ra ta , ci ca tri zes cornea nas e, a té mesmo, ptose palpebral s evera, impedem a entra da de l uz adequada, interrompendo o desenvolvimento vi s ual. Mais ra ramente, a própria terapia para ambl i opi a de ocl usão de um olho norma l pode res ul ta r em defi ci ênci a vi s ua l do ol ho i ni ci a l mente s em a mbl i opi a . COMO EXAMINAR E INTERPRETAR OS ACHADOS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A a mbliopia é uma doença s ilenciosa, norma l mente nã o a presentando s i ntoma s . Ra ra mente uma cri a nça s e queixa de deficiência vi sual, especialmente se for unilatera l . Qua ndo há ambli opi a es trá bi ca , pode-s e nota r um ol ho torto, s endo uma queixa comum dos pa i s . Outro s i na l de a mbliopia i nclui tra umas frequentes, sempre do mesmo lado do corpo em vi rtude da defi ci ênci a de ca mpo vi s ua l provoca do pel a ba i xa de a cui da de vi s ua l uni l a tera l . DIAGNÓSTICO A a mbliopia pode ser detecta da por tes tes de AV, rea lizados em cada olho separadamente, sendo i mportantes a i nda para a detecção de outros distúrbios ocul a res , como ca ta ra ta , gl a ucoma e reti nobl a s toma . O ra s treio regular pelo pediatra ou médico de família a juda , a s s i m, a ga ra nti r que a vi s ã o da cri a nça es tá s e des envol vendo norma l mente ou, s enã o, i ns ti tui r um tra ta mento precoce. Um estudo realizado em São Pa ul o em 1987, demostrou que em cri anças com a té sete a nos e com a mbliopia estrábica, os pais foram os principais responsáveis pel a detecção da anoma l i a vi s ua l (77%) e na quel es com outra s ca usas de a mbliopia o diagnóstico foi fei to na ma i or pa rte a o a caso (47%). Isso mos tra a neces s i da de de uma bus ca a tiva por pa rte dos médi cos em detecta r cri a nça s a mbl íopes , a tra vés de exa mes de tri a gem. No míni mo, toda s a s cri a nça s deveri a m s er s ubmetidas a uma a valia çã o pa ra detecta r a noma l i a s da vi s ã o ou do olho dura nte os pri mei ros mes es de vi da e, nova mente, por volta dos três a nos . Tes tes de AV s ã o os ma i s importantes para a detecção de ambli opi a e erros de refra çã o. Es tra bi s mo pode s er detecta do pel a s i mpl es i ns peção geral ou pelos testes do reflexo cornea no e coveruncover tests. Rea çã o pupi l a r e fundos copi a di reta s ã o métodos de tri agem de saúde ocular em i ndivíduos de todas a s i da des . As técnicas para medir ou esti ma r a AV e detecçã o de a mbl i opi a va ri a m com a i da de da cri a nça . Recém-nascidos. É di fícil medir a AV verdadei ra em recém-nascidos. No entanto, o estado ocular dos bebês deve s er a valiado a través de testes como do reflexo corneano, do refl exo vermelho (TRV), reação pupi l a r, e, s e pos s ível , do exa me de fundo de ol ho. Crianças até 2 anos. Em cri a nças dessa faixa etária, é pos sível a va l i a r a pena s a funçã o vi s ua l , nã o a AV. Pa ra pes quisa de ambliopia, pode-se cobrir ca da olho por vez com a mã o ou, de preferência, com um adesivo e observa r como a cri a nça reage. A cri ança deve s er capaz de manter fi xa çã o centra l . Se a mbl i opi a es ti ver pres ente, prova vel mente ha verá verbalização ou movimentos eva s i vos , reti ra ndo a cobertura do olho bom. A a va liação da função vi sua l i ncl ui moti lidade ocular, que pode ser a valiada pela pas s a gem de um objeto i nteressante, como um brinquedo e um molho de cha ves, diante do bebê, analisando-se como olha e s egue o objeto. Mover a ca beça da cri a nça pode s er us a do pa ra demons tra r moti l i da de ocul a r, s e nã o for obti da por movi mentos pers ecutóri os . Crianças de 2-5 anos. Um ca rtã o de i ma gem pode s er usado para testar a a cuidade vi s ua l em cri a nça s entre doi s e três a nos. Aos três a nos (ou a ntes, se a criança puder s eguir i nstruções e comunicar-se de forma adequa da ), a AV deve s er testada com o optótipo de escala “E” – FIGURA 1. O us o de a des i vo é a mel hor ma nei ra de ga ra nti r ocl us ã o monocular completa e medição da AV preci s a nes s a fa i xa etá ria. A vi são deve s er verificada uma vez por a no, ca s o a AV determinada s eja normal em a mbos os ol hos . Cri a nça s mui to pequenas devem ter AV i guais e de pelo menos 20/40 em a mbos os ol hos . FIGURA 1. Representação simplificada da Escala “E”. AMBLIOPIA | 19 DISCIPLINA DE OFTALMOLOGIA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Acima de 5 anos. A ta bel a de Snel l en já pode s er us a da para testar a AV em cri anças a pa rti r dos ci nco a nos des de que conheça m a s l etra s do a l fa beto. CONDUTA A detecçã o precoce de a mbl i opi a é uma res ponsabilidade de extrema i mportâ nci a pa ra todos os envol vidos em cuidados da s a úde i nfa nti l . O di a gnós ti co ta rdi o pode ter consequências graves para a criança. Se uma a norma l i da de é s us pei ta da , o pa ci ente deve s er i medi a ta mente enca mi nha do a um ofta l mol ogi s ta . Ambliopia e estrabismo Em crianças menores de cinco anos, a ambliopia estrábica geralmente pode ser tratada de forma eficaz pelo oftalmologista através da oclusão do olho dominante. A criança usa um adesivo sobre o olho bom, forçando o cérebro para utilizar o olho anteriormente suprimido. Em geral, o sucesso do tratamento de oclusão para ambliopia vai depender da idade do paciente, do grau de deficiência visual e da aderência do paciente ao tratamento, sendo mais bem tolerado por crianças mais jovens. A duração dependerá da recuperação da visão, podendo ser mantida durante a primeira década de vida. Deve haver monitorização cuidadosa, especialmente durante os anos mais jovens, para evitar ambliopia por privação sensorial do olho ocluído. A cirurgia corretiva do estrabismo é ineficaz para o tratamento da ambliopia, sendo em geral contraindicada antes de sua resolução. Ambliopia refrativa O tratamento da ambliopia refrativa consiste do uso de óculos no olho de pior visão, seguido por oclusão do melhor olho se a diferença de AV persistir após 4-8 semanas. Visão igual em ambos os olhos é possível, sendo essenscial a cooperação dos pais. REFERÊNCIAS 1. BRADFORD, C. A. Basic ophthalmology. San Francisco: American Academy of Ophthalmology, 2004. 2. FACULDADE DE MEDICINA DA USP. Programa Educacional de Oftalmologia. São Paulo: Merck Sharp & Dohme, 2008. 3. KANSKI, J. J. Oftalmologia clínica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 4. REY, L. Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde . Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. 5. BECHARA, S. J.; KARA-JOSE, N. Detecção e tratamento de pacientes amblíopes na cidade de São Paulo, SP (Brasil). Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 4, Ago. 1987. Disponível em <http://www.scielo .br/sci elo.php?script =sci_artt ext&pid =S0034 -89101987000400006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 08 Nov. 2012. 6. COATS, D. K.; PAYSSE, E. A. Overview of amblyopia. UpToDaTe, 2012. Disponível em <http://www.uptodate.com/contents/o verview-of-amblyopia>. Acesso em 08 Nov. 2012. AMBLIOPIA | 20