Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 APRENDENDO NEUROCIÊNCIAS NA ESCOLA: UMA ESTRATÉGIA DE ABORDAGEM NO ENSINO MÉDIO Mônica Narciso Guimarães (Colégio Pedro II – CampusNiterói) Resumo Este trabalho constitui o relato reflexivo sobre uma experiência educacionalem Neurociências com o Ensino Médio. Trata-se de um grupo de estudos em neurociências, composto por uma professora e adolescentes do ensino médio do Colégio Pedro II – Campus Niterói,no Rio de Janeiro. A atividade pedagógica teve como objetivo principal apresentar o funcionamento cerebral de modo didático e lúdico, a partir do auxílio de imagens do cérebro e suas funções. Outros objetivos foram o de despertar a curiosidade e o interesse sobre o cérebro,e promover a integração do grupo.Ao final da atividade, os integrantes do grupo transpareceram vários conhecimentos prévios sobre as neurociências, além de curiosidade e animação para explorá-las ainda mais. Palavras-chave: Neurociências – Ensino Médio - Aprendizagem Introdução Várias pesquisas têm demonstrado a necessidade de estudo das neurociências nos cursos de graduação tanto nas áreas biológicas quanto nas áreas psicopedagógicas (BARTOSZECK, 2004;GROSSI et al.,2014). Os argumentos de tais pesquisas se debruçam no fato das neurociências fornecerem uma interface entre diferentes áreas do conhecimento, sendo este aspecto necessário para a formação do profissional, principalmente daquele que atuará nos ambientes escolares ou na saúde. No ensino médio, o estudo das neurociências é muito restrito e sua abordagem raramente vai além dos aspectos anatômicos e fisiológicos básicos do sistema nervoso. SANTOS e VELASQUES (2012) consideram que a compreensão do cérebro altera profundamente a visão que o indivíduo tem de si mesmo, auxiliando os estudantes do ensino médio, a conhecerem mais sobre si, sobre os que os rodeiam, ajudando-os a lidar um pouco melhor com as diversidades do dia-a-dia, além de obterem conhecimentos da chamada alfabetização em neurociências. A partir desta perspectiva, em 2015, constituímos um grupo de estudos em neurociências, em caráter extracurricular, afim de promover o ensino e divulgar as neurociências junto aos adolescentes do ensino médio de uma escola da rede federal, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II – Campus Niterói. O grupo de estudos em neurociências, em seu primeiro ano de existência, contou com uma professora de Biologia e doze alunos da 1ª série do ensino médio. Em 2016, o grupo se ampliou, 1909 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 constituindo-se em dois níveis: 9 alunos da 2ª série compõem o Nível Avançado e 11 alunos da 1ª série com o Nível Iniciante, totalizando 20 alunos. Neste artigo, será relatada uma experiência dinâmica e investigativa de ensinoaprendizagem desenvolvida pelosintegrantes do grupo de estudos de neurociências, do nível avançado como uma estratégia de recepção aos novos integrantes, os alunos do nível iniciante. A aprendizagem das neurociências O processo de aprendizagem é um processo de modificabilidade neural (SANTOS E VELASQUES, 2012).O cérebro é o órgão privilegiado para o processo de aprendizagem somado aos órgãos receptores das informações para o processamento. Sua função é a integração entre o organismo e o meio circundante para lidar com a realidade e nisto está a aprendizagem. Cada estímulo ou informação que é capturada pelo organismo proporciona uma nova conexão que se soma às anteriores em um processo contínuo que formará uma rede ou o mapa cognitivo da vida. A realidade complexa da estrutura cerebral em seu todo funcional é o que possibilita a realidade dos processos mentais superiores como sensação, percepção, pensamento, memória, linguagem, atenção, aprendizagem, emoção, motivação e cognição para a vida, a consciência e a subjetividade. Assim, a aprendizagem, segundo LENT (2010), é a aquisição de informações novas que orienta o comportamento e o pensamento.Inicialmente há a novidade e depois a apreensão do “fato” que deixa de ser novo. O processo aprendizagem depende da educação, vocação, história pessoal, valoração, método de ensino, estimulo sobre o tema e etc. As pesquisas nas neurociências avançaram muito nas últimas décadas, principalmente entre os anos de 1990 e 1999, a “Década do Cérebro”. Nesses anos, os desenvolvimentos dos exames de neuroimagem permitiram a análise do funcionamento cerebral em tempo real, acelerando o processo de conhecimento sobre o encéfalo e suas estruturas, além de contribuir para um salto significativo sobre os estudos da área. Os conhecimentos proporcionados pelas neurociências contribuem hoje para o entendimento do encéfalo e suas múltiplas conexões. Mais ainda, o estudo dos diversos processos mentais, como e onde eles ocorrem e quais regiões específicas do cérebro estão relacionadas (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). A articulação entre todas essas áreas do conhecimento permite o estudo do encéfalo em diferentes níveis de análise. Afinal para LENT (2010), as neurociências investigam estrutura, função, história evolutiva, desenvolvimento, genética, bioquímica, neurofisiologia, farmacologia, informática, neurociência computacional e patologia do sistema nervoso. É a 1910 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 soma das abordagens: neurociência molecular, neurociência celular, neurociência sistêmica (neuroanatomia e neurofisiologia), neurociência comportamental e neurociência cognitiva. Alfabetização em Neurociência Baseada no conceito de alfabetização científica (CHASSOT, 2010), a alfabetização em neurociência pode ser definida como o entendimento dos processos e conceitos para a compreensão de tópicos relativos às doenças do cérebro e distúrbios do comportamento. Também se ocupa dos mecanismos saudáveis de sua função cerebral regular (HOUZEL,2002). A alfabetização neurocientífica para a sociedade em geral considera: 1- uso do conhecimento em neurociência para a concepção de ambientes para a participação social de indivíduos portadores de características específicas de processamento pelo sistema nervoso; 2- tomada de decisões esclarecidas em caráter pessoal ou familiar em relação à saúde, como suporte para o bom funcionamento do sistema nervoso na faixa etária de criança a adulto; 3- aplicação do conhecimento neurocientífico para o bom desenvolvimento e funcionamento do cérebro de recém-nascidos, crianças, adolescente e adultos; 4- o entendimento e o desenvolvimento de postura crítica frente a pesquisa e material neurocientífico veiculado pela mídia (adaptado de BARTOSZECK, 2004). Na população em geral, e em alguns casos os adolescentes estudantes do ensino médio, podem estar afetados por patologias neurológicas ou distúrbios afetivos. Não é incomum membros da família mais idosos como tios, avôs, devido a longevidade atual maior, estarem acometidos por doenças como Alzheimer e Parkinson. Mesmo na sala de aula,os adolescentes convivem com colegas com dificuldades de aprendizagem (déficit de atenção, hiperatividade, dislexia). Contudo, segundo HOUZEL (2002), acuriosidade do brasileiro recai em aspectos de memória, consciência, emoção e desenvolvimento do sistema nervoso. Já em crianças, observa-se maior interesse no funcionamento normal do cérebro, ao invés do cérebro doente, indicando portanto, que políticas educacionais devem ser implementadas neste sentido. Os currículos devem incentivar a alfabetização científica (BARTOSZECK, 2004). A apresentação da temática A experiência de ensino a ser relatada foi concebida como uma atividade dinâmica, na qual os integrantes do nível iniciante (alunos da 1ª série do ensino médio) foram recepcionados pelos integrantes do nível avançado (alunos da 2ª série do ensino médio) e pela professora. A atividade teve como objetivo principal apresentar aos novos integrantes o 1911 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 funcionamento cerebral de modo didático e lúdico a partir do auxílio de imagens do cérebro e suas funções. Outros objetivos foram o de estabelecer uma conexão entre o cérebro e vários aspectos da vida mental (psicológica), despertar a curiosidade e o interesse sobre o funcionamento do cérebro,ampliar o universo de informações, fortalecer ações voltadas para o pensar em si e a integração do grupo. Para isto foram projetadas imagens do livro “Viagem pelo Cérebro – para pais e filhos”, com texto de Luísa Albuquerque e ilustrações de Isabel Abreu. Na medida em que as ilustrações eram projetadas, todos comentavam sobre alguns aspectos importantes sobre o sistema nervoso. Para abordar o funcionamento dos neurônios e os circuitos neurais, foram apresentadas ilustrações de alguns neurônios e um corte esquemático do sistema nervoso central (Figura 1). Os circuitos neuronais são responsáveis pelas funções básicas do nosso sistema nervoso bem como de outros animais. No caso humano determinam como nos comportamos como indivíduos. Nossas emoções vivenciadas como medo, raiva e as situações prazerosas da vida 1912 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 originam-se da atividade dos circuitos neuronais no cérebro. Nossa habilidade de pensar e armazenar lembranças depende de atividades físico-químicas complexas que ocorrem nos circuitos neuronais. Os circuitos neuronais existentes no cérebro e medula espinhal programam todos os nossos movimentos, desde colocar fio no buraco da agulha até chutar uma bola na partida de futebol (Figura 2). Este entrelaçado de processos neuronais também controla inúmeras funções no organismo humano. Por exemplo, a manutenção da temperaturacorporal e a pressão sanguínea são controladas automaticamente, fazendo com que nosso corpo fique em atividade, sem que tomemos conhecimento do que os circuitos neuronais estão fazendo. São funções autônomas orquestradas pelos circuitos neuronais, e ocorrem de forma não consciente. Ressaltamos que a biologia elementar mostra claramente que qualquer animal é o produto de complexa interação entre sua genética e os fatores ambientais. Nos primórdios da história dos seres vivos elementares, a evolução permitia a aquisição de vantagens competitivas aos animais cujo sistema nervoso pudesse fazer projeções antecipadas, de acontecimentos baseadas em correlações do passado, guardados na memória e articulados pelo que chamamos de raciocínio. Dessa maneira, o cérebro cujas áreas corticais se apresentaram mais desenvolvidas para a memória e o raciocínio (Figura 3), conferiu vantagens adaptativas ao seu possuidor na procura de alimentos, parceiros sexuais, localização de abrigos e na precaução a perigos, garantindo maior longevidade. Foram apresentados também alguns slides mostrando e explicando as divisões do nosso cérebro, os lobos frontal, parietal, occipital e temporal. Cada lobo, por sua vez, foi apresentado com suas subdivisões, área pré-frontal, área da associação visual, área da associação auditiva entre outras. 1913 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 No final da dinâmica, a professora levantou a temática dos Neuromitos, mitos sobre o funcionamento cerebral, perguntando “ Vocês acham que nós usamos somente uma parte do nosso cérebro quando fazemos determinada atividade? ”, “É correto afirmarmos que usamos somente 10% do nosso cérebro? ”, e finalizando os questionamentos apresentou: “Ao longo da nossa vida não produzimos mais novos neurônios? ”. Ouvimos diversas respostas, uns concordavam e outros não, então começamos a desconstruir esses neuromitos. Discutimos também sobre como as partes do cérebro estão interligadas, usando como exemplo a Área de Broca e da Área de Wernicke, duas áreas especializadas do hemisfério esquerdo.A primeira é a responsável pela motricidade da fala e a segunda, responsável pela compreensão verbal, a nossa linguagem.Quando falamos, além das áreas citadas, acendemos ou utilizamos também nossa memória. Resultados Ao final, a professora propôs uma atividade para que todos se integrassem. Numa cartolina com um desenho de um cérebro em vista lateral, a proposta consistiu em pintar uma parte do cérebro, respondendo a seguinte pergunta: "Se cada um de nós, pudesse representar uma parte do cérebro, qual delas seria e por quê?". Tivemos das mais variadas respostas, dentre elas: - “Queria ser a região occipital, porque como eu uso óculos, dou valor a essa área do cérebro. ” - “Queria ser o cerebelo, porque ele é responsável pelo equilíbrio. ” - “Eu queria pintar uma parte que se relaciona com a música. ” Figura 4. Resultado final da dinâmica “Que parte do cérebro você gostaria de ser? ”. 1914 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Em seguida,um integrante destacou: - “Quando escutamos música, mexemos não só com uma parte do nosso cérebro, mas sim várias. ” Todos pintaram (Figura 4) e durante a atividade, foram levantados questionamentos interessantes.Um deles foi: "Como a música atua em nosso cérebro? ". Sintetizando, os novos integrantes do grupo transpareceram vários conhecimentos prévios sobre as neurociências, assim como curiosidade e animação para explorá-las ainda mais. A motivação dos adolescentes ea expectativa de entendimento do “funcionamento” cerebral via neurociências foram nitidamente esboçadas. Todos participaram, a seu modo, expressando inquietudes e questionamentos. Os temas abordados suscitaram interesse em como o cérebro funciona nas mais diversas situações, dentre o acúmulo excessivo de memórias ao desgaste destas. O encontro teve um impacto muito positivo nos novos participantes do grupo, que se mostraram bastante integrados. Reflexões finais As neurociências oferecem um grande potencial para nortear pesquisas acadêmicas e proporcionar futuraspossibilidades nas escolhas profissionais dos adolescentes do ensino médio. Pouco se têm publicado para análise nesse tipo de investimento educacional. A maioria das pesquisas reforça a ideia de que os conhecimentos em neurociências presentes nas produções acadêmicas cooperam para a área da educação, enfocando as possibilidadesdo professor em aprimorar o ensino de sua disciplina envolvendo estudantes em atividades diferenciadas, exercitando várias áreas cerebrais, o que favorece a aprendizagem (RICHTER et al.,2015). Contudo, faz-se necessário construir diferentes pontes, não só entre as neurociências e a prática educacional, como também entre a produção acadêmica e o currículo de biologia do ensino médio. Daí, a importância de se proporcionar, aos adolescentes, experiências como as do Grupo de Estudos em Neurociências do Campus Niterói, contribuindo para o despertar de vocações e a inserção de conteúdos extracurriculares. Políticas educacionais devem ser planejadas através da alfabetização em neurociências, como forma de envolver o público em geral, além dos educadores (BARTOSZECK, 2004). É preciso aprofundar o estudo de ambientes educativos não tradicionais, que privilegiem oportunidades para que os alunos desenvolvam entendimento, e que possam construir significado a partir de aplicações no mundo real. 1915 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Agradecimentos A autora agradece aos alunosco-autoresEric Cardoso de Souza, Laís Fialho Soares e Raphaela Peixoto da Cunha, bolsistas da Pró-Reitoria de Pós-Graduação,Pesquisa, Extensão e Cultura do Colégio Pedro II e integrantes do Grupo de Estudos em Neurociências do Colégio Pedro II – Campus Niterói pela elaboração deste trabalho. Referências ALBUQUERQUE, L., ABREU, I. Viagem pelo cérebro para pais e filhos. Sociedade Portuguesa de Neurociências / Ciência Viva. Disponível em http://www.spn.org.pt/docs/viagem_cerebro.pdf, acesso em 07 jun 2016. BARTOSZECK, A. B.; BARTOSZECK, F. B. Neurociência dos seis primeiros anos: implicações educacionais. Harpia, v. 1, n. 2, p. 1-25, 2004. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2002. CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 5. ed. Ijuí: Unijuí, 2010. GROSSI, M. G. R., GROSSI, V. G. R., SOUZA, J. R. L. M. & SANTOS, E. D. Uma reflexão sobre a neurociência e os padrões de aprendizagem: A importância de perceber as diferenças.Debates em Educação, Maceió, Vol. 6, n. 12, Jul./Dez. 2014. HOUZEL, S. H. O Cérebro Nosso de Cada Dia. 8ª ed.Rio de Janeiro: Vieira &Lent Casa Editorial, 2002. LENT, R. Cem bilhões de neurônios. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2010. RICHTER L.,SOUZA V. M., SUECKER S. K., LIMA V. M. do R. Contribuições da Neurociência para o Ensino e Aprendizagem de Conceitos Científicos.Anais do X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC. Águas de Lindóia, SP, 2015. SANTOS, F.R.C.; VELASQUES, B. Neurociências: contribuição para adolescentes em Medida Socioeducativa. In: Anais do I Congresso Internacional Interdisciplinar em Ciências Sociais eHumanidades,Niterói–RJ, 2012. Disponível em http://www.aninter.com.br/ANAIS%20I%20CONITER/GT09%20Sa%FAde%20e%20socied ade/Neuroci%EAncias%20contribui%E7%E3o%20para%20adolescentes%20em%20Medida %20-%20trabalho%20completo.pdf, acesso em 07 jun 2016. 1916 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia