Tecnobrega, territorialidades sonoras e a cultura popular da hipermargem Tony Leão da Costa Resumo: Neste artigo discuto o processo de aparecimento e difusão massiva do tecnobrega. Analiso sua expansão cultural e territorial, sua interferência na “tradição” musical local e os debates nos meios jornalísticos e artísticos ocasionados por seu aparecimento. Por fim caracterizo o tecnobrega como parte de uma cultura popular massiva mais antiga, originária da hipermargem sociocultural de Belém do Pará. Palavras-Chave: Tecnobrega; Cultura; Território; Hipermargem. Abstract: In this article, I discuss the process of emergence and the huge spreading of Tecnobrega. I also analyze its cultural and territorial expansion, its interference in “traditional” local music and the debates in news and artistic media caused by this coming out. Finally, I characterize Tecnobrega as part of a large popular old mass culture, originating in the socio-cultural hyper-margin of Belém do Pará. Keywords: Tecnobrega; Culture; Territory; Hyper-margin. Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 2 (2013), pp. 01-45 O brega venceu? Começo esse artigo com uma pergunta: “o brega venceu?”. Trata-se de uma provocação, obviamente, já que em termos práticos “vitória” ou “derrota” seriam categorias excessivamente reducionistas para pensar a cultura musical brasileira contemporânea, a partir do Norte do país. Seja como for, a pergunta não deixa de apresentar coerência se considerarmos que o tema da “música brega”, por vezes, tomou a forma de um acirrado debate entre vários grupos que pensam e/ou fazem a música popular brasileira contemporânea. Esse tema está, na verdade, na “crista da onda” das atuais discussões sobre novas identidades culturais e sonoras. Não foi a primeira vez que a difusão massiva de um “gênero” ou “subgênero” musical levou a um debate que ampliou o tema do “meramente” musical e chegou ao campo de noções mais amplas, tal como na tematização do confronto entre “arte” versus “lixo cultural” ou “alienação” versus “música autêntica”. O estado do Pará, inclusive, tempos atrás já vivera uma disputa entre os defensores do carimbó intitulado “paue-corda”, visto como autenticamente caboclo e amazônico, e o carimbó “moderno”, “comercial” ou “estilizado”, visto por alguns grupos como uma forma “deturpada” daquele primeiro tipo1. Voltando à provocação inicial, eu poderia afirmar que se de fato houve um novo confronto musical e ideológico, esse embate apresentou contemporaneamente uma forte feição territorial. Tratou-se, inicialmente, de uma disputa a partir do surgimento de novas territorialidades musicais e sonoras que partiram de alguns espaços localizáveis na cidade de Belém do Pará. Essa cidade, desde pelo menos os últimos dez anos, foi aos poucos sendo tomada pelo som que vinha de bairros periféricos como o Jurunas, a Condor, o Guamá, a Terra Firme, o Tapanã, o distrito de Icoaraci e demais periféricas da região metropolitana. Tratava-se do 2 • Revista Estudos Amazônicos tecnobrega, a versão musical mais nova da cultura brega, que começou a se difundir por volta do ano 2000. A história do “brega” no Pará é muito longa. Não há espaço neste texto para que ela seja recapitulada em detalhes. Todavia, para efeito de informação geral, basta citar que a categoria brega na região Norte, e no Pará em particular, apresentou conotações diferentes das quais ocorreram no restante do Brasil. Pelo menos desde os anos de 1980 há uma linhagem de artistas do mundo brega claramente identificável e que veio aumentando seu sentimento de autorreconhecimento. Essa cultura musical, por sua vez, está enraizada em uma cultura popular e massiva que remonta aos anos de 1940 em Belém. Naquela década apareceram os protótipos do que hoje é conhecido como “aparelhagens sonoras”. Eram as “rádios de subúrbios”, das quais se têm notícias desde 1941, e que mais tarde seriam conhecidos como “sonoros” ou “bocas de ferro” e atualmente como “aparelhagens”.2 Todas essas formas de veiculação sonoras e musicais são fruto da apropriação, pelas populações periferias, das inovações tecnológicas que chegavam à cidade. Desde muito cedo na periferia de Belém os donos de pequenos mercadinhos, de vendinhas e baiucas usavam gramofones para atrair clientes. Contratavam “cantores de subúrbio” e “radialistas de subúrbio” os quais, a partir da improvisação, transformavam os primitivos aparelhos de som em equipamentos mais potentes que chamavam a atenção das pessoas nas ruas, nas feiras ou nas casas. A presença desses equipamentos improvisados foi tão marcante que mesmo os empresários das rádios oficiais de Belém, como no caso de Roberto Camelier da Rádio Clube do Pará, sentiram sua concorrência e chegaram a reclamar às autoridades competentes no sentido de “pôr fim a um abuso diariamente praticado pelos exploradores de amplificadores e alto-falantes instalados em diversos pontos da cidade”.3 Revista Estudos Amazônicos • 3 Esse fetiche do morador das periferias sobre o tecnológico vai se desdobrar em uma cultura da hipermargem da cidade. Uma cultura que absorveu tanto elementos do folclore e da cultura popular afro-ameríndia e cabocla - em estreita comunicação com as culturas populares das regiões interioranas do estado - como influências externas, pelo uso das tecnologias disponíveis e também pela absorção de elementos da música nordestina, sudestina e da música “internacional” veiculada pelos modernos meios de comunicação durante todo o século XX.4 O tecnobrega é, como já dito, a versão musical mais nova deste conjunto cultural complexo e dinâmico. A amplificação de sua territorialidade é mais um capítulo da história da cultura não canônica local. História essa marcada por muitos encontros e, consequentemente, conflitos. O tecnobrega pode ser entendido, hoje, como o principal signo identitário musical das populações suburbanas e periféricas de Belém e da região metropolitana e é especialmente popular entre os setores juvenis desse grupo. Essa música tomou a cidade em seus múltiplos espaços, ampliando uma territorialidade que inicialmente era “marginal”, ao mesmo tempo em que ela mesma se modificou, ao ser amplificada para outros ambientes que antes lhe eram estranhos. Representaria isso a sua vitória? Teria ela adentrado ao cânone musical local e, até certo ponto, nacional? Repito: o brega venceu? Caso tenha vencido, quais foram os termos do embate? Para sabermos isso é necessário entendermos como os discursos sobre a música popular em Belém, e em sua região de influência, se constituíram ao ponto de caracterizarem um embate de gostos musicais. Não pretendo retomar aqui os inúmeros textos escritos nos últimos anos sobre o fenômeno, mas sim mostrar as linhas gerais de alguns temas recorrentes que surgiram a partir do momento em que a música brega, e o tecnobrega em particular, foi amplificada no cenário da música paraense e 4 • Revista Estudos Amazônicos posteriormente nacional. Por uma questão de espaço, limitar-me-ei a traçar o debate realizado ainda em Belém, por alguns críticos musicais ou pessoas do meio jornalístico. Esse debate, grosso modo, pode nos dar uma tipologia das ideias veiculadas no conjunto da sociedade para esse assunto.5 Tecnobrega: crítica e preconceito6 Um dos temas recorrentes na crítica ao tecnobrega, na medida em que ele se expandia em Belém, foi a ideia de que esse tipo de som não mereceria ser qualificado como música ou arte. Tanto do ponto de vista da música propriamente dita como do ponto de vista das letras, inúmeros críticos entendiam que o tecnobrega apresentaria qualidade estética baixa ou seria desprovido de qualquer qualidade estética. Tomo como exemplo duas falas que vão neste sentido. O jornalista Lúcio Flavio Pinto, em artigo intitulado “A poluição tecnobrega”, de 2009, definiu o tecnobrega como uma “monstruosidade antimusical” e assim o caracterizou: “A rigor, esse gênero nem pode ser enquadrado na condição de música. Não tem harmonia nem melodia. O ritmo é tão pobre quanto o de um bate-estaca. Uma voz esganiçada geme como se tivesse dado uma topada”.7 No mesmo sentido vão as observações do crítico Helder Bentes em texto de 04 março de 2011. Para ele, essa música seria mais próxima a um “barulho que se pretende artístico” ou uma “zoada”.8 Mais tarde em artigo de 19 de abril de 2011, referindo-se à recusa do governador do Estado do Pará, Simão Jatene, em transformar o tecnobrega em patrimônio cultural do estado, disse: “Em minha opinião, o governador ainda foi generoso ao se referir ao tecnobrega como ‘ritmo musical’ que repercute ‘artisticamente’”. E finalizou afirmando que a música brega seria “desprovida de critérios artísticos”.9 Revista Estudos Amazônicos • 5 Convém explicar que neste último artigo Helder Bentes fazia referência à movimentação que começara a ocorrer em grupos ligados às grandes aparelhagens sonoras de Belém, fãs do tecnobrega, jornalistas e políticos que se posicionavam de maneira mais aberta em relação àquela música. No final dos anos 2000, esses grupos se mobilizaram para criar uma lei que pudesse incorporar o tecnobrega à tradição “oficial” da música e cultura locais. A primeira movimentação para transformá-lo em patrimônio cultural e artístico do estado do Pará ocorreu em 2008, com a apresentação de um projeto de lei pelo deputado Carlos Bordalo, do Partido dos Trabalhadores. Em março de 2011, o projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Porém, em 15 de abril daquele ano, o governador Simão Jatene o vetou. Concomitante a isso, o tema tecnobrega permanecia criando polêmica nos meios artísticos locais. O aparecimento de bandas baianas que tocavam tecnobrega a partir de músicas conhecidas no mundo das aparelhagens de Belém reforçou o debate púbico sobre a questão. Para os defensores do gênero o não reconhecimento do valor cultural daquela música e das festas de aparelhagens a elas associadas, facilitaria o oportunismo de grupos de fora do estado do Pará que se apropriavam das músicas paraenses sem indicar a autoria dos artistas locais. Essa polêmica fora particularmente viva a partir ano de 2009 quando do aparecimento nacional da banda baiana Djavú, que se apresentou em vários programas de TV com versões de tecnobregas já bastante conhecidas nas festas de aparelhagens de Belém. Por alguns meses, a banda fez bastante sucesso nacional, o que alimentou o debate no Pará.10 Obviamente, a pressão das aparelhagens foi bastante significativa nesse processo. Nesse momento, a campanha para a criação da lei foi amplamente veiculada e discutida nas redes sociais da internet, em blogs, sites, rádios e programas de TVs realizados por pessoas da cena tecnobrega. 6 • Revista Estudos Amazônicos Finalmente, em maio de 2013, a Lei n° 7.708 foi aprovada, reconhecendo como patrimônio cultural e artístico para o estado do Pará o “ritmo tecnomelody”.11 Apesar das reclamações de críticos e jornalistas conhecidos na cidade, esse reconhecimento acabava contradizendo a tese do tecnobrega como algo “não artístico” ou de baixo valor cultural. Pelo menos neste aspecto os apreciadores do tecnobrega haviam conseguido uma vitória. Mas o debate continuou, antes e depois da lei. Associada a ideia de brega como uma música que estava abaixo do estatuto da “arte”, foi comum aparecerem afirmações que o colocavam como representante de um gosto baixo em oposição a um gosto elevado. Lúcio Flávio Pinto dizia: “brega é passaporte para o rebaixamento do gosto”. 12 A boa música, no seu entender, poderia ser encontrada na vertente da música popular feita no Pará por artistas identificados em grande parte com a tradição da MPB (Música Popular Brasileira), em seu sotaque regional. A MPB aparecia como um padrão de bom gosto e os artistas locais que produziam a partir desse padrão formariam uma linhagem de “bons” artistas, produtores de uma música de qualidade estética apreciável, um gosto médio aceito como “boa música”. Repetia-se, então, em Belém o modelo nacional de associação do bom gosto musical à estética MPB. Sem pretender repetir o longo debate sobre a construção da ideia de “moderna música popular brasileira”, quero lembrar que a partir de fins dos anos 1950 se construiu/inventou uma tradição musical que se pautava nos padrões estéticos bossanovistas, entendidos como modernos, e que mais tarde viria a se vincular ao conjunto musical heterogêneo que ficaria conhecido nos anos 1960/70 como MPB. Como mostrou Marcos Napolitano, a partir desse momento se construiu uma memória social que associava a MPB ao consumo de uma minoria “culta” e “crítica”, oposta ao mundo musical de caráter mercadológico e supostamente alienado. Essa visão foi criticada por esse historiador, que mostrou que a MPB Revista Estudos Amazônicos • 7 também fazia parte de um sistema de mercado muito importante em termos comerciais no Brasil dos anos 1970. Independentemente disso, a partir desse momento a MPB passou a funcionar como uma espécie de “complexo cultural plural” que estabelecia o que poderia ser entendido como “popular” e “brasileiro” e definia os critérios estéticos de “bom gosto”.13 Do outro lado do bom gosto, no seu lado oposto, melhor dizendo, estaria a música cafona e brega, respectivamente assim chamadas pela crítica musical nos anos 1970 e 1980. Segundo Paulo César Araújo, o termo “brega” começou a ser utilizado nos anos 1980 para definir uma vertente específica da canção popular caracterizada pela crítica especializada como “popularesca”, de baixa qualidade, sentimental, malfeita e esteticamente inferior à Música Popular Brasileira, a MPB.14 Assim, na perspectiva dos críticos e jornalistas paraenses, o Pará já havia apresentado bons artistas que estariam associados a uma tradição do bom gosto, a MPB de características locais. Nesse sentido, Lúcio Flávio Pinto argumentava que: A vertente verdadeiramente musical dessa tradição fecundou compositores, músicos e cantores em atividade, como Nilson Chaves, Vital Lima, Alcyr Guimarães, Sebastião Tapajós, Nego Nelson, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Jane Duboc, Andréa Pinheiro e muitos outros.15 Esse panteão musical, que também tem uma história muito complexa e remonta a debates anteriores sobre música popular no Pará, poderia ser variável, dependendo da perspectiva do crítico que o descrevia. 16 Dentro desse conjunto, algumas vezes, mesmo a música vista como “brega” 8 • Revista Estudos Amazônicos poderia ainda ser elevada à condição de bom gosto, mas não o tecnobrega, e sim apenas algumas produções mais antigas, parte daquilo que localmente era conhecido como o “brega dos anos 80”.17 Vê-se que a ideia de rebaixamento em alguns discursos aparecia como resultado da falta de educação do povo. Seria como se o povo fosse pouco instruído, desprovido da educação que deveria ser oferecida pelo Estado e pelos órgãos competentes, segundo o que se dizia. O povo, assim, aparece como vítima passiva da indústria cultural, o que ocasionaria o seu rebaixamento de gosto. Um exemplo desta visão pode ser visto no argumento do crítico Helder Bentes, no primeiro texto já citado. Assim ele dizia: Batidas repetidas e letras fáceis de serem alcançadas pela população desprovida de senso estético são introjetadas de tal forma, que se torna quase inevitável o seu consumo, principalmente se as pessoas não forem iniciadas em arte, se não forem educadas, para fazerem uma apreciação crítica das propriedades rítmicas da linguagem verbal, presentes na música desde meados do século XV.18 Destarte, argumentava-se que o povo não precisaria do tecnobrega. Necessitaria de outras coisas que o Estado não havia oferecido, como educação, saúde, moradia etc. Afirmava-se que a população só consumia o tecnobrega por ausência de tais benefícios formadores de uma cultura mais elaborada e consistente. Helder Bentes, mais uma vez, dizia que o tecnobrega é “um fenômeno previsível e diametralmente oposto às reais necessidades da população paraense”. Era um substitutivo ao que o povo de fato teria direito, já que: Revista Estudos Amazônicos • 9 (...) as escolas públicas estaduais estão caindo aos pedaços, entregues a péssimos gestores, o apadrinhamento político impera neste Estado relacional, a burocracia estatal mais atrapalha que ajuda o cidadão, a população atingida por este “fenômeno de cultura de massa” não tem acesso à saúde, educação, moradia digna, remédios e a uma pá de outras coisas fundamentais para o aumento de sua autoestima, para o despertar de seu juízo de gosto e de sua consciência crítica.19 Outra ideia corrente é a que relaciona a música brega com a violência dos bairros da periferia de Belém do Pará. A visão é variável. Para uns, no mínimo o tecnobrega contribuiria com a violência; para outros, pelo menos na forma que argumentam em seus textos, o brega seria quase que a causa da violência das festas populares de periferia. Lúcio Flávio Pinto dizia que o tecnobrega “também dá sua contribuição à violência geral. Contando, para a consumação do crime, com o disfarce da cultura popular”.20 Para o jornalista Anderson Araújo, a violência associada ao brega faria com que parte da população periférica não apreciasse o gênero: (...) outra grande parcela da mesma população pobre rejeita o ritmo, sobretudo por associá-lo à desordem pública e a práticas que colocam em risco a segurança da comunidade. Práticas comprovadamente observadas como o intenso consumo de drogas nas festas promovidas pelas aparelhagens e todas as consequências que o tráfico traz para esses bairros.21 10 • Revista Estudos Amazônicos O tecnobrega, assim, estaria associado aos excessos do consumo de drogas e da violência urbana. E esses excessos se faziam ouvir também no alto volume das festas de aparelhagem e dos locais onde se costumava consumir aquela música, nos sons nas casas, nos bares etc. Isso fez com que Lúcio Flavio Pinto se perguntasse se seria o Pará “a terra do barulho e Belém como a sua lídima capital”.22 Em alguns casos, questionava-se a aproximação de setores de classe média da população paraense com o tecnobrega, algo que começava a ocorrer em fins da década de 2000. Questionava-se, principalmente, a atuação de intelectuais que partiam em defesa daquela música, em caminho contrário à posição da maioria dos críticos. Esses intelectuais foram chamados por um jornalista de “sociólogos de aparelhagens”. A “sociologização” em questão era descrita como algo negativo já que viria acompanhada de uma patrulha ideológica que perseguiria quem exercia o direito de se colocar contra o tecnobrega. No dizer de Anderson Araújo em abril de 2011, tínhamos: “O que tem me assustado é a sociologização do debate e, principalmente, a patrulha feita por certos setores em cima de quem expressa o simples, antigo e sagrado direito de achar este ou aquele tipo de música uma porcaria”. E completava: De uma hora para outra, a festa do tecnobrega na periferia começou a ser remastigada em um palavrório e em uma atitude típica do pseudointelectual brasileiro: a exaltação da pobreza para respaldar sua legitimidade como cultura.23 Em resumo, pode-se tomar estas opiniões como um “tipo ideal” das visões sobre o tecnobrega durante a década de 2000. Obviamente que tais ideias não representam em totalidade a visão individual de cada um dos Revista Estudos Amazônicos • 11 autores citados, mas nos possibilita ver uma visão média do conjunto da sociedade. Importa ainda observar que alguns poucos críticos tiveram uma postura divergente em relação ao tema do tecnobrega, reconhecendo nele um fenômeno social importante e evitando análise estigmatizadoras. Esse foi o caso, por exemplo, da posição do cineasta e jornalista Vladimir Cunha, ainda em abril de 2011, quando do debate sobre a lei do tecnobrega com patrimônio cultural do Pará. Ele argumentou, dentre outras coisas, que essa música representava também um conflito social e cultural, fruto de uma sociedade marcada pela exclusão de grandes contingentes da população de periferia, particularmente os jovens. Nesse sentido, dizia: “O tecnobrega é a trilha sonora de um conflito. Da classe média com a periferia e da música matemática e acadêmica com a criação espontânea e intuitiva. É também o choque da ordem com a informalidade e o caos urbano”. Em seu ponto de vista, um dos erros dos críticos do tecnobrega era “não saber separar o transtorno causado pela falta de ordem pública de um fenômeno cultural socialmente relevante”. Daí que se perguntava, de maneira retórica: “as mazelas sociais e a negação de nossas raízes culturais invalidam o tecnobrega como música a ponto de sermos contra ele se tornar patrimônio cultural do Estado?”.24 Esse cenário de polêmicas acabava confirmando o fato de que não só havia uma disputa significativa dentro do campo da vida cultural de Belém do Pará, como também que o tecnobrega foi um dos principais agentes desse debate. E, por vezes, poderia dizer, que ele se apresentou como um agente rebelde, na medida em que, independentemente dos discursos travados, permaneceu ampliando sua influência no gosto popular e expandindo-se para os quatro cantos da cidade de Belém e para além dela. Essa expansão do gosto popular se deu, como dito antes, como uma conquista de territórios dentro do “ambiente acústico”.25 Nos dias de hoje, qualquer pessoa que circule pelas ruas da cidade de Belém perceberá a 12 • Revista Estudos Amazônicos presença sonora dessa música. Isso pode ser visto em várias situações e em formas variadas. Na verdade, a presença da música brega, e do tecnobrega em particular, é demonstração de um acontecimento mais amplo, que escapa à fenomenologia meramente musical, pois expressa também a presença de uma cultura subterrânea da cidade, uma cultura que, em certos momentos da história de Belém e de sua região, se impusera ao gosto médio, sem pedir licença. Neste sentido, a territorialização do tecnobrega é também a territorialização de um modo de vida cultural das margens, que se manifesta de múltiplas formas, não só pela forma musical, apesar de ter na música um dos seus signos mais evidentes. Vejamos, então, a seguir alguns aspectos dessa presença cultural. Territorialidades do tecnobrega É importante considerar que análises unilaterais sobre o tecnobrega ou sobre qualquer outra forma musical popular e massiva quase sempre escondem a complexidade do fenômeno. Vimos que uma das acusações a esse gênero musical era a de que ele não seria nada mais nada menos do que um produto da indústria cultural. Seria, nessa perspectiva, uma forma musical alienante, fruto de uma fruição desavisada da música massiva, de uma escuta desprovida de critérios estéticos. De certo que essa afirmação não é de todo errada. Inegavelmente o tecnobrega é em parte fruto de uma indústria cultural nacional e internacional que influenciou a forma de fazer música em Belém do Pará. 26 É fruto da assimilação pelos artistas locais da música internacional, particularmente da música eletrônica das últimas décadas. Também não posso deixar de reconhecer que, a partir de certo momento, a música tecnobrega se associou, ou se reassociou, à indústria cultural na medida em que foi incorporada por grandes gravadoras e aos meios de comunicação massivos, chegando a lugares para além de seu espaço Revista Estudos Amazônicos • 13 imediato inicial, que eram as festas de aparelhagens da periferia de Belém. Há, assim, tanto a incorporação de elementos externos aos produtores locais do tecnobrega, como há, em um segundo momento, uma difusão massiva dessa música mediada pela indústria do entretenimento nacional. Alguns exemplos podem deixar claros esses dois aspectos a que me refiro agora. Para o primeiro caso é bom lembrar que é muito comum que os produtores de tecnobrega façam versões de músicas populares difundidas nos veículos tradicionais da indústria musical mundial. A música pop internacional é ouvida e apreciada pelas populações de Belém e, muitas vezes, se torna matéria prima a partir da qual versões são lançadas para o consumo local. Muda-se a letra da canção, mesmo que essa não tenha nenhuma relação com a versão original, modifica-se o andamento e o ritmo e tem-se um tecnobrega de sucesso nas aparelhagens. Essa tendência mostra claramente que os produtores de tecnobrega estão atentos à indústria internacional, ouvem as músicas populares que são veiculadas nas rádios, televisão, internet e festas populares. Da periferia do sistema, das periferias da cidade de Belém, recebem informações da música produzida, por exemplo, para os grandes clubes mundiais, nos quais se veiculam principalmente a música eletrônica para dançar. Isso, sem dúvida nenhuma, é um aspecto do que poderia se chamar de influência da indústria cultural sobre as populações locais. No que diz respeito à mediação da indústria cultural nacional à música produzida em Belém, e consequentemente sua amplificação, há que se lembrar da “elevação” de algumas bandas ao catálogo das grandes gravadoras do país. Isso não ocorreu em grande escala, mas bandas como a Calypso ou a cantora Gaby Amarantos, por exemplo, se tornaram referências nacionais da música brega em geral e da música tecnobrega em particular, respectivamente. Esses artistas representam o pico de uma 14 • Revista Estudos Amazônicos cultura brega muito mais profunda, que conseguiram ser aceitos pelo gosto nacional popular médio, passaram a frequentar programas de TV de grande audiência e a participar de propagandas e campanhas publicitárias de grandes marcas. Esses grupos e artistas inegavelmente foram, em parte, assimilados por uma indústria de CDs e DVDs que pode ser claramente entendida como comercial, a indústria cultural em seu sentido tradicional. Há que se considerar ainda o papel das aparelhagens como a forma local da indústria cultural, como uma forma própria de veiculação de elementos musicais (relativamente independente da grande indústria nacional), que também determina certa dependência dos artistas do tecnobrega à sua estrutura de produção e circulação. No Pará, existem centenas de aparelhagens e, dentro desse conjunto, existem algumas grandes aparelhagens que centralizam boa parte do circuito de festas de tecnobrega na cidade e na região. Creio que esse sistema, dominado pelas grandes aparelhagens, poderia ser considerado como uma das formas atuais da indústria cultural local se estruturar. Hoje, essas aparelhagens, além de desenvolverem suas atividades nas festas de aparelhagens propriamente ditas, fazem parte de um circuito ampliado que envolve programas de rádio, programas de TV, blogs e sites. Assim, não é à toa que muitas músicas de tecnobrega foram feitas em “homenagem” às grandes aparelhagens, citando-as nominalmente em suas letras, como se fossem músicas de campanhas publicitárias, para que pudessem ser veiculadas em festas nas quais essas aparelhagens se apresentavam. Logo, não deixa de ser verdadeira a afirmação de que o gosto popular é em boa parte “influenciado” pelo que é veiculado nas aparelhagens, rádios, TVs e sites do “circuito bregueiro”, 27 agora cada vez mais ampliado. Todos esses elementos descritos acima confirmam a tese de que o tecnobrega, em parte, pertence ao mundo da indústria cultural, seja ela local ou nacional, em menor ou em maior medida. Porém, se é verdade que o tecnobrega é em parte produto desse meio teoricamente alienante, Revista Estudos Amazônicos • 15 não é menos verdade que ele também é produto de uma cultura popular periférica, surgida em boa parte nos subúrbios de Belém, na qual a produção, a circulação e o consumo de informações sonoras e musicais foram mediados por tecnologias disponíveis aos moradores dessas periferias. Do ponto de vista da indústria cultural em termos adornianos, podemos dizer que o tecnobrega inicialmente viveu em relativa independência. Vários estudos já mostraram que o consumo do tecnobrega estava associado a espaços específicos dentro da cidade de Belém, as festas de aparelhagem da periferia.28 Essa característica pode ser verificada na forma como o sistema de produção e circulação do tecnobrega viveu e até certo ponto vive ainda hoje. Ronaldo Lemos e outros autores podem nos dar uma clara visão disso: Simplificadamente, podemos dizer que o mercado do tecnobrega funciona de acordo com o seguinte ciclo: 1) os artistas gravam em estúdios – próprios ou de terceiros; 2) as melhores produções são levadas a reprodutores de larga escala e camelôs; 3) ambulantes vendem os CDs a preços compatíveis com a realidade local e os divulgam; 4) DJs tocam nas festas; 5) artistas são contratados para shows; 6) nos shows, CDs e DVDs são gravados e vendidos; 7) bandas, músicas e aparelhagens fazem sucesso e realimentam o ciclo.29 Esse modelo sem dúvida faz do tecnobrega, pelo menos na maior parte da sua produção, uma música “marginal” dentro do cenário musical local e brasileiro. Ora, se há o domínio de uma indústria cultural local, 16 • Revista Estudos Amazônicos configurada no poderio das grandes aparelhagens, há de se convir que existem centenas de pequenas aparelhagens nas periferias de Belém, nas cidades do interior do estado e até em comunidades ribeirinhas distantes do grande centro, que não podem ser consideradas simplesmente como apêndices do sistema de grande mercado. De fato, para quem conhece as pequenas cidades da região amazônica, não será novidade nenhuma afirmar que o caboclo local cultiva de longa data fetiche pelo tecnológico sonoro. Isso faz parte de seu cotidiano. Quem caminha pelas ruas dos bairros de periferia de Belém, ou pelas cidades pequenas do Pará, ou mesmo em barcos e comunidades ribeirinhas certamente encontrará pequenas e micro-aparelhagens animando a festa de um bar, expostas na frente de uma casa, sonorizando uma festa de santo e em tantas outras situações. Seriam essas pequenas e micro-aparelhagens apenas o resultado do consumo alienado e desavisado da população à música pop internacional? Ou seriam elas o mercado em sentido tradicional, industrial, monopolizador? Com certeza, são fruto da ingestão de elementos externos, mas também são fruto de uma criatividade local na formulação tanto de gêneros musicais como de estratégias de circulação e de consumo próprio. A ideia de alienação simplifica por demais um fenômeno muito mais complexo. É verdade que os artistas do tecnobrega pertencem agora a um circuito nacional (e talvez internacional) de música ligado às grandes empresas de disco? Absolutamente não! Apenas um pequeno número de artistas ingressou no mercado nacional enquanto que, na periferia de Belém, adolescentes e jovens permanecem criando a música tecnobrega a partir de recursos precários e com equipamento improvisados fruto de uma habilidade e criatividade bastante independente do grande mercado. Há, portanto, uma cultura popular do tecnobrega, que é a versão musical mais nova de uma cultura popular brega mais antiga. A dinâmica da criação e Revista Estudos Amazônicos • 17 veiculação dessa música deve ser entendida em perspectiva histórica, o que significa entender a dinâmica de suas transformações. Na medida em que esse tipo de música se expandiu territorialmente, incorporando partes do ambiente acústico que antes não lhe pertencia, causou um impacto na percepção sonora da cidade pelos indivíduos e coletividades que desconheciam essa música ou que a conheciam, mas estavam acostumados a definir o padrão do belo e audível a partir de seus próprios critérios estéticos. O tecnobrega só passou a incomodar os críticos na medida em que se impôs no espaço da cidade. Ele mostrou uma nova corporeidade, uma nova dicção, uma nova forma de controle do território acústico, impôs-se pela territorialização de uma sonoridade que não pediu licença para se estabelecer. Ele é fruto de uma territorialização de uma cultura enraizada nas periferias de Belém, uma cultura marcada tanto pela assimilação de elementos da indústria cultural como pela criação cultural local mediada pelas tecnologias internacionais que chegaram ao solo citadino. Desde o início do século XX, Belém, e mesmo seus arrabaldes, já sente o impacto progressivo da cultura trazida pelos modernos meios de comunicação de massa: rádio, cinema, discos, revistas, etc.30 Como já visto, data de 1941 a primeira referência à existência de “rádios suburbanas” em Belém. Desde lá, no mínimo, a cultura popular suburbana e periférica estabeleceu formas de assimilação e produção de elementos musicais e sonoros, a partir de equipamentos da modernidade. Essas rádios de subúrbio, sonoros e aparelhagens, respectivamente, conviviam com a cultura popular mais antiga, a cultura popular enraizada em centenas de anos de chegadas de populações subalternizadas no processo de colonização e ocupação da Amazônia. Sabe-se que a história de Belém é uma história de expansão de fronteiras, de alargamento de margens, de fluxos e refluxos de gentes. 18 • Revista Estudos Amazônicos Como a maioria das cidades da região amazônica, Belém teve pelo menos dois grandes momentos de desenvolvimento urbano. No primeiro, os rios eram basicamente o veículo de circulação de pessoas e mercadorias, de ações colonialistas de ocupação e conquista do território e também veículo de trocas culturais. No segundo, a partir da década de 1960, as rodovias se somaram às rotas anteriores, ampliando e complexificando o cenário de ocupação da região e da cidade.31 Nos dois momentos Belém permaneceu como uma cidade de chegadas de muitos povos, de outras regiões ou de outras partes do mundo. Exibiu desde cedo uma paisagem de conexões da cidade com o campo e da cidade com regiões mais distantes.32 Desde o período colonial a cidade se alargou em direção ao campo, às regiões rurais e extrativistas que a rodeavam. Superou barreiras naturais que separavam centro e subúrbio, como no caso dos igarapés que recortavam a malha urbana. Até a década de 1960 a expansão se deu rumo ao Sul, com a incorporação de bairros como Jurunas, Condor, Guamá e Terra Firme; e também rumo ao Norte, incorporando bairros como o Umarizal, a Pedreira e o distrito distante Icoaraci.33 A margem de Belém foi ocupada por moradores que estavam na interface entre o “centro” que se urbanizava cada vez mais e os subúrbios que ainda mantinham ares interioranos. Isso é possível perceber pelas descrições memorialísticas e da literatura como nas obras de Dalcídio Jurandir,34 De Campos Ribeiro35 e Nélio Reis.36 Mesmo hoje, grandes bairros de periferia, como o Jurunas, ainda mantém uma relação de diferenciação em relação ao centro da cidade, na medida em que conserva hábitos suburbanos muito influenciados pelas constantes relações que essa população estabelece com suas regiões de origem no interior do estado.37 Os portos da grande área fluvial, que cerca a cidade, apenas reforçam essa relação de traços rurais no urbano. Esses espaços não são apenas uma porta de entrada para produtos comerciais, como também possibilitam o estabelecimento de trocas culturais entre Revista Estudos Amazônicos • 19 esses dois mundos,38 assim como a construção de produtos culturais locais, resultado de assimilação de múltiplos elementos culturais, locais e externos. Essa hipermargem da cidade de Belém pode também ser vista como o lugar da população da “margem”, tanto no sentido espacial como no sentido social e étnico-racial. O entorno de Belém foi território dos grupos indígenas que lá habitavam desde antes da fundação da cidade. Mais tarde, essa mesma região se tornou lugar do “caboclo” amazônico39, que continua figurando como personagem subalterno no contexto social paraense. Mesmo depois da independência e depois do crescimento da cidade com a riqueza da Economia da Borracha no final do século XIX, os bairros de subúrbio continuaram habitados por populações negras e caboclas. Isso é o que podemos perceber pela grande presença de quilombos às proximidades de Belém desde o século XVIII até os dias de hoje.40 Ou ainda é o que nos mostra a trajetória do bairro do Umarizal, onde historicamente se encontravam grandes contingentes de populações negras até meados do século XX. Isso mostra que as margens de Belém também receberam contingentes populacionais negros oriundos da escravidão e da dinamização da estrutura do “Atlântico Negro”.41 Todos esses fatores levaram esses ambientes fronteiriços a se tornarem espaços de múltiplos processos culturais e de uma rica cultura popular suburbana. Isso se configurou na presença de festas populares peculiares e manifestações que sempre tomavam conta do calendário de eventos da cidade. Por exemplo, foi a partir dessa hipermargem que se apresentaram a toda Belém as festas de bois-bumbás e as atividades de capoeiras desde meados do século XIX.42 Foi ainda a partir desses ambientes fronteiriços que o carimbó ocupou o cenário da música popular no Pará. Foi nos bairros populares que o merengue e a guitarrada, “abrasileiramento” de gêneros musicais do Caribe,43 tiveram morada.44 E mais recentemente, foi 20 • Revista Estudos Amazônicos desses espaços que uma cultura popular brega, associada a maneiras específicas de veiculação musical, as aparelhagens passaram a ser conhecidas em toda a cidade e fora dela. Logo, diferente do que poderíamos imaginar inicialmente, o tecnobrega faz parte de um mesmo meio social e cultural. É a versão mais nova de uma cultura popular mais antiga. É a manifestação de uma cultura popular periférica enraizada na história da cidade de Belém, em suas margens, ou melhor dizendo, em sua hipermargem. A hipermargem que liga as micro-aparelhagens que animam festas de santo em uma comunidade ribeirinha a quilômetros de distância de Belém a uma festa gigantesca de uma grande aparelhagem numa sede de um bairro periférico da capital. O enraizamento do brega a uma cultura popular pré-existente faz com que sua expansão não se manifeste apenas pelo elemento musical, apesar de que este elemento talvez seja o mais visível e audível na percepção dos críticos. Na verdade, qualquer territorialidade musical e sonora está associada ao um modo de vida e a uma cultura específica, que incorpora vários elementos exteriores da vida “meramente” musical. Em Belém, percebe-se a expansão na malha urbana, a expansão territorial sonora e corpórea dessa cultura, por exemplo, pela ação das pessoas no interior do transporte coletivo urbano: adolescentes e jovens de bairros periféricos que têm o costume de ligar seus aparelhos de telefonia móvel, os celulares, ou pequenas caixas de som portáteis a todo volume. Esses indivíduos criam uma cultura de escuta constante da música. Estejam em seus bairros de origem ou estejam passando por bairros do centro da cidade. Em qualquer bairro de periferia de Belém é possível vermos pessoas escutando música a todo volume nos fins de semana ou em dias comuns, em aparelhos de sons residenciais, em carros com aparelhos automotivos amplificados em oficinas especializadas ou nos celulares. O “excesso” do som é uma forma de ser das populações da periferia de Belém. Revista Estudos Amazônicos • 21 Mesmo que consideremos que nem todos os moradores da periferia compartilhem este modo de ser, o cotidiano da maior parte desses bairros mostra que tal comportamento é socialmente aceito e entendido como normal. Esse “excesso” impacta no ambiente acústico na medida em que os moradores se transportam para fora de seus bairros de origem. Ele é uma forma da ampliação do circuito bregueiro identificado, em grande parte, como o momento específico das festas de aparelhagem. Ele é um aspecto a mais desse circuito bregueiro ampliado, que nada mais é do que a própria forma da cultura popular contemporânea da maior parte das populações da periferia da cidade de Belém, particularmente entre os jovens. Aos poucos, criou-se uma fala comum de queixa à “falta de educação” dessas pessoas que ouviam música em ônibus e espaços públicos do centro e, na maior parte das vezes, recusavam-se a usar fones de ouvido. Recentemente, essas queixas chegaram às chamadas “redes sociais” da internet, em sites de relacionamento, em blogs e outros meios eletrônicos e virtuais de comunicação. Na maior parte das vezes, a crítica a esse hábito ocorre com frases do tipo: “dê de presente um fone de ouvido a um bregueiro”. O “bregueiro”, por onde passa, tornou-se o representante real e imaginário do “barulho”, interferindo em ambientes que normalmente não fazem parte do seu dia-a-dia. Quando um bregueiro liga seu celular ou uma pequena caixa de som dentro de um ônibus, de algum modo, territorializa aquele espaço como pertencente ao seu mundo, mesmo que o veículo circule pelos bairros nobres da cidade; mesmo que eles estejam fora de seu espaço inicialmente familiar. A luta de classes se dá, muitas vezes, pela imposição do gosto popular e pela batalha no domínio do ambiente acústico. Isso ocorre também com adolescentes que andam de bicicleta nas ruas da cidade com seus celulares ligados a todo volume. Em alguns casos são 22 • Revista Estudos Amazônicos adaptadas pequenas caixas de som nas bicicletas. Os garotos que “sonificam” sua presença com celulares e caixas de som nos ônibus, nas ruas ou por onde passam com suas bicicletas, sem o saberem, estão territorializando o seu modo de ser na cidade, estão dizendo que existem, estão desafiando e “desafinando” a falsa harmonia e melodia da urbe, que, de fato, sempre foi uma cidade dividida, fragmentada e desigual. As bicicletas, em particular, são outra face do “excesso” da cultura popular periférica contemporânea. Nos bairros de periferia de Belém é comum que as oficinas especializadas de conserto de bicicletas também realizem intervenções e modifiquem a estrutura física dos veículos. Alargase a estrutura tubular, colocam-se chapas que permitem que o que era uma tubulação comum fique mais larga e possam ser pintadas com cores vivas e, muitas vezes, com dizeres e nomes. Associado a isso, improvisam-se buzinas com o uso de bombas de ar comprimido que ao serem acionadas ampliam enormemente a densidade do som de alerta. Tornam-se buzinas muito parecidas com equipamentos usados em caminhões e carretas. Tais bicicletas são facilmente encontradas no cotidiano das feiras e ruas de periferia de Belém e não raramente são um aspecto do “excesso” sonoro, associado ao próprio consumo da música brega, em grupos de adolescentes que frequentam as ruas da cidade. Sonificar sua presença significa, neste sentido, territorializar-se por onde se anda, a partir de uma tendência constante à dominação do ambiente acústico. Quando um jornalista com Lúcio Flávio Pinto observa que a cidade de Belém é uma cidade caracterizada pelo barulho, sem o perceber, deixa escapar que os agentes por excelência desse “barulho” são as pessoas de outros lugares da cidade, das periferias, dos bairros de baixada, enfim, pessoas que pertencem a uma cultura popular do “excesso”, do “bate-estaca”.45 O bate-estaca é a presentificação do “outro” urbano, é a territorialização da outra Belém que existe à margem da Belém que apresenta uma harmonia supostamente equilibrada. Revista Estudos Amazônicos • 23 Outro aspecto da territorialização do tecnobrega e da cultura popular brega é a presença dessa música em eventos “tradicionais” do calendário festivo da cidade. Nas festas populares do calendário anual, o tecnobrega passou a concorrer e quase sempre a ganhar de gêneros mais antigos e “tradicionais”. Exemplos disso ocorrem no carnaval, quando muitas pessoas passaram a colocar carros-som com o tecnobrega, mesmo em meio a blocos de marchinhas e samba. O mesmo se passa em festas como a quadra junina, festas religiosas em homenagem a algum santo popular etc. No carnaval dos últimos dez anos, a esse efeito, o tecnobrega vem quebrando a hegemonia do “carnaval nacional” pautado no modelo de samba sudestino. Na maior parte das vezes, o brega cerca os blocos e, pela força dos equipamentos de som automotivos, quase sempre os supera. Tem sido recorrente a reclamação das pessoas quanto à presença de carros som, bicicletas sonoras ou carros comuns que tiveram seus equipamentos sonoros amplificados e potencializados. Isso se configura também como uma tomada da cidade nas festas mais antigas, nas quais os gêneros que se tornaram “tradicionais” ocorrem. Todos esses elementos configuram a expansão que, consequentemente, acabou alargando o gosto popular ou, em outros termos, levou à aceitação progressiva do tecnobrega para outras áreas, onde originalmente ele não ocorria. Isso impactou também nos meios de comunicação tradicionais. Nas rádios e TVs comerciais, depois de certo tempo e mais recentemente nas rádios e TVs ditas de “bom gosto”, o tecnobrega passou a hegemonizar. Mesmo em rádios consideradas de gosto refinado, como a Rádio Cultura do Pará, ligada à FUNTELPA (Fundação de Telecomunicação do Pará)46, o tecnobrega tem ganhado cada vez mais espaço, ao mesmo tempo em que começa a ser revisto pela opinião dos ouvintes dessas rádios. 24 • Revista Estudos Amazônicos Isso ocorreu também com a política pública de cultura do Governo do Estado do Pará que, mesmo não atendendo de fato às demandas e necessidades da juventude no seu mundo da hipermargem, viu-se obrigado a assimilar parte dessa música suburbana e a usá-la agora em sua política oficial, como ocorre no evento Terruá Pará. Ele é uma espécie de mostra da música paraense, que começou no ano de 2006. É patrocinado pelo governo do estado do Pará através da Secretaria de Cultura (SECULT). Nele, busca-se reunir uma grande diversidade de artistas e gêneros musicais, nos quais o carimbó, a lambada ou guitarrada e o brega, incluindo o tecnobrega, são o carro-chefe. Na verdade, a atuação do Terruá tornou-se mais forte a partir do momento em que o tecnobrega e gêneros associados começaram a chamar a atenção da imprensa nacional para a música das “festas de aparelhagens”. Aos poucos, os gêneros que eram anteriormente definidos como música “povão” foram assimilados pela política pública estadual de cultura, tanto nas suas rádios e TVs, como na realização da mostra Terruá Pará. Pelo menos parte da cultura das margens tornou-se objeto de divulgação nacional da identidade cultural do Pará e da “brasilidade” a partir de Belém.47 Apesar de apresentar discurso que valoriza a cultura popular das aparelhagens e do mundo suburbano e brega, o Terruá acabou selecionando um número pequeno de artistas que representam essa cultura, tornando-se, assim, literalmente, uma “mostra”, ou uma amostragem, de um mundo cultural muito mais amplo e dinâmico, que continua vivo nas margens da cidade de Belém, onde, contudo, não há tantos holofotes e atenção da política cultural para a cidade. As mudanças têm ocorrido também no gosto popular médio, incluindo setores do “centro” de Belém que inicialmente não se identificavam nem consumiam o tecnobrega. A tendência dos últimos anos é que as críticas a essa música comecem a ficar restritas a setores cada vez menores da Revista Estudos Amazônicos • 25 sociedade, àqueles conscientemente associados à ideia de música de “bom gosto” versus “lixo cultural”. Minha observação de campo tem mostrado que mesmo artistas do mundo musical de Belém, que antes tinham uma visão tecnicista do que entendiam como “música complexa” versus “musica simplória” (estando o tecnobrega incluído nessa segunda categoria), têm relativizado bastante suas opiniões. Não necessariamente por terem mudado de ideia em relação ao tecnobrega enquanto música, tecnicamente falando, mas por conviverem com artistas que tocam ou incorporaram parcialmente o tecnobrega. O convívio de artistas da MPB ou do mundo do chorinho com artistas do tecnobrega, em pé de igualdade em festivais e mostras musicais, possivelmente tem levado a uma pacificação e a uma redução das críticas abertas, em particular entre pessoas do mundo da música. Na medida em que os mais famosos artistas do tecnobrega, aqueles que conseguiram superar as barreiras da hipermargem, passam a conviver com os artistas mais antigos da MPB, as relações de trabalho compartilhado e amizade ou camaradagem diminuem as distâncias e fronteiras. Com o tecnobrega, houve também a imposição de uma dicção particular que, para os intelectuais de classe média, inicialmente era vista como “voz de pato”, um termo recorrente nos meios intelectuais ou nas mesas de bares onde se discutiam a cultura musical paraense dos últimos anos. É maneira de falar e cantar nasalada, possivelmente muito característica do sotaque das populações caboclas urbanas do Pará. Esse efeito é também realizado de forma proposital pela agudização e distorção da voz dos cantores na mixagem das músicas de tecnobrega. É um recurso intencional, portanto, além de ser também representativo de uma maneira de falar cabocla. Essa forma de falar levou a uma forma de cantar, a um timbre que é prontamente reconhecido pelas pessoas do mundo brega e normalmente gera estranhamento para as pessoas de fora desse mundo. É 26 • Revista Estudos Amazônicos uma dicção particular, fruto de um modo de falar e um timbre normalmente diferentes da fala e do timbre dos grupos sociais entendidos como “cultos” na cidade de Belém.48 Essa dicção é fruto de uma corporeidade mais profunda, que se manifesta também em uma série de elementos que, por uma questão de espaço, poderei apenas citar neste texto. Trata-se, por exemplo, de uma estética do corpo brega. Modos de vestir, de combinar roupas e cores, de pintar o cabelo (com cores especificamente reconhecidas como de populações periféricas), de caminhar, de dançar, de falar, de olhar, de se presentificar no tempo e no espaço. Formas que são claramente reconhecidas pelos moradores de Belém, mesmo que, na maior parte das vezes, não sejam pronunciadas. São formar de sentir e de se colocar no mundo que fazem parte do cotidiano de uma população de Belém, não de toda, a população da hipermargem. O tecnobrega se impôs também pela construção de uma escrita própria e alternativa da história da música local, feita por seus próprios agentes. Já citei aqui o texto “Glossário Bregueiro” feito por artistas e pesquisadores associados a esse cenário, que tentou dar conta da diversidade dos “subgêneros” que fariam parte dessa música. Mas há uma série de artigos em sites, blogs, revistas e jornais, feitos por pesquisadores, DJs, cantores e fãs do mundo brega. Pessoas que fazem parte desse ambiente cultural e tentam escrever uma história daquilo que identificam como uma linhagem de artistas claramente identificáveis. Há assim uma autoidentificação de uma música brega feita por artistas bregas desde pelo menos os anos 1980. Exemplo disso é o texto do cantor Júnior Neves intitulado “Brega: de 1980 a 2005: do Brega Pop ao Calypso do Pará”. Esse pode ser considerado um dos primeiros e um dos mais importantes textos a tentar elaborar uma genealogia e uma periodização da cultura musical brega no estado do Pará. 49 Assim, os historiadores do brega lutam também no campo das narrativas históricas e da memória para Revista Estudos Amazônicos • 27 estabelecer uma identidade alternativa ao cânone musical da região e do Brasil. O brega e o tecnobrega impõem-se também pela construção de uma escrita própria e alternativa da história da música local feita pelos agentes do mundo acadêmico, ou seja, pela escrita de dissertações, teses, livros, artigos em revistas científicas, em veículos eletrônicos ou na mídia tradicional. Parte dos intelectuais acadêmicos teve o mérito de ter observado um mundo cultural complexo e dinâmico, que logo foi identificado como merecedor de análises científicas, mesmo em uma fase em que, para boa parte dos críticos musicais, o brega ainda era visto como lixo cultural. Isso pode ser percebido em alguns trabalhos como os de José Maria da Silva, Antonio Maurício Dias da Costa, Hermano Vianna, Paulo Murilo Amaral, Adriana Facina e minhas próprias formulações neste e em outros artigos. 50 Todos os aspectos descritos acima me levam a crer que o tecnobrega, ao se territorializar, forçou a sua entrada, mesmo que de maneira parcial, ao mundo da cultura do “centro”, a cultura “canônica” ou “oficial”. Ele foi o agente maior de sua própria história recente. Porém, ao adentrar neste mundo muito dele mesmo se metamorfoseou, num processo no qual a tradição pré-existente, canônica, seleciona o que deve e o que não deve ser aceito. Isso é percebido na atuação de artistas que não poderiam ser definidos como “bregas” em sentido estrito, mas passaram a produzir composições que se inspiram nele, para o consumo de um público também externo ao ambiente brega. Esse é o caso, por exemplo, do compositor, guitarrista e cantor Felipe Cordeiro. Sua trajetória é bastante curiosa e nos ajuda entender a complexidade dos encontros e desencontros culturais. Ele é filho de Manoel Cordeiro, guitarrista e compositor de lambadas e guitarradas da geração 1980. Apesar de fazer parte desse contexto musical originalmente 28 • Revista Estudos Amazônicos associado ao brega, por conta da influência familiar, Felipe Cordeiro teve uma formação que poderia ser caracterizada como acadêmica. Entrou na Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA) aos onze anos, em meados dos anos 1990, e lá estudou piano, teoria musical e bandolim. Aos 16 anos, fez vestibular para Filosofia na Universidade Federal do Pará, no mesmo período em que iniciou sua atividade de compositor. Nesse momento, teria sofrido grande influência de artistas de São Paulo, da chamada “vanguarda paulista”, tais como Luis Tatit, José Miguel Wisnik, Arrigo Barnabé e também de artistas da MPB, que definiu como “uma maneira específica de se fazer música popular do Brasil”. Somado aos paulistas, nomes como os de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Capinam, Paulo Cesar Pinheiro, Aldir Blanc, Milton Nascimento, entre outros, marcaram essa etapa de sua carreira. Seu primeiro CD, Banquete, seguiu essa linguagem. Ocorrida essa primeira fase, Felipe Cordeiro passou pelo que chamou de “processo de revisão crítica” que o levou a repensar suas antigas influências da MPB e recolocar a música massiva paraense, o tecnobrega, assim com as guitarradas e os merengues, como matéria-prima para um novo processo criativo. Assim ele descreveu essa mudança e a revisão da tradição musical da MPB: Essa estética de música brasileira [MPB] por alguns motivos perdeu a capacidade de ser uma linguagem contemporânea do ponto de vista estético, do ponto de vista mercadológico, de ponto de vista social, de todos os pontos de vista, segundo essa minha revisão crítica. (...) Essa estética teria perdido essa capacidade que era inerente a ela nas décadas de 60 e 70. Era uma música combativa esteticamente, porque propunha o novo; era uma música Revista Estudos Amazônicos • 29 combativa socialmente; era uma música combativa comportamentalmente. Nos anos 90, apesar de eu ter me influenciado por aquela linguagem meio que como um aprendizado..., cheguei à conclusão de que a MPB não era mais combativa esteticamente, porque se repetia; não era mais combativa socialmente, porque tinha caído num nicho social específico; não era mais combativa comportamentalmente, porque tinha caído numa zona de conforto absolutamente alienada e descompromissada com qualquer questão comportamental. Eu cheguei à conclusão de que fazer MPB nos anos 90 era a coisa mais reacionária possível, em todos os aspectos. Então eu passei por uma revisão dura com relação ao que eu vinha fazendo e procurei um caminho novo.51 O resultado dessa revisão foi o lançamento do CD Kitsch Pop Cult de 2012 que, como se pode ser percebido no título, tinha como proposta uma revisão de conceitos e um embaralhamento dos lugares comuns musicais, que iam das influências de vanguarda e da MPB até o mundo kitsch da música brega. Felipe Cordeiro se colocou conscientemente em um lugar ambivalente, que pudesse fazer uso dois mundos que marcaram a sua trajetória musical. Assim ele definiu essa postura: “Ambos os mundos, e são dois mundos diferentes, e eu de algum modo me sentia um híbrido dos dois. Então na verdade tem um pouquinho de ironia nisso tudo (...) tem um pouquinho de deboche e tem um pouquinho de seriedade também”.52 A obra de Felipe Cordeiro é um exemplo que mostrava que o tecnobrega e outros elementos da cultura musical brega passavam a ser 30 • Revista Estudos Amazônicos acessados por artistas e por um público mais próximo de vanguardas musicais, público jovem e urbano, de setores intelectualizados da população de Belém e mesmo do Brasil, já que sua carreira passou a se realizar em São Paulo a partir do lançamento de seu segundo CD.53 Outro exemplo de revisão de fronteiras é o caso da atuação da banda Lauvaite Penoso, formado por músicos do circuito alternativo da música paraense. É uma banda que se aproxima de um público jovem, apreciador da música “não comercial”, “independente”, até certo ponto vista como engajada a questões sociais. A banda tem entre suas composições carimbós, reggaes e um tecnobrega intitulado Guamá Sound System, que apresenta inovações tanto do ponto de vista da forma musical como do ponto de vista da letra. O tema da canção é o cotidiano de violência das periferias da cidade de Belém, a partir do bairro que dá título à música, o Guamá. Em meio a sirenes de carros da polícia e sons de tiros, interferências sonoras e ruídos que iniciam a música, ouve-se inicialmente um salve geral aos bairros de periferia da cidade: “Salve Guamá, Jurunas, Terra Firme, Icoaraci, Barreiro, todas as baixadas de Belém do Pará”. O teor crítico da letra é claramente percebido em partes que tematizam o contexto urbano e particularmente a desagregação das relações sociais nos bairros de periferia, sobretudo pela ação de jovens envolvidos com o mundo do crime. Faz-se alusão aos jovens que da periferia da cidade se dirigem para outros lugares com suas bicicletas com o intuito de cometer assaltos. Guamá, periferia, não sei o porquê mas estão roubando todo dia. Como não sabe? Mas olha só! Muita miséria e injustiça ao nosso redor. Pega ladrão! De bicicleta! Olha pra trás, aponta a arma, mas o tiro não acerta. Revista Estudos Amazônicos • 31 Irmão! Mas é certeira então, a nossa rima! É sound system aparelhagem vai pra cima. O mesmo som do tecnobrega que embala o cenário urbano violento apresenta o chamado para uma nova agregação de identidades e, ao mesmo tempo, uma nova identidade de resistência, configurada em divindades guerreiras africanas que são citadas na letra: “É alma livre, do mesmo lado/Ogum guerreiro, Oxalá tá declarado!”. E pelo acionamento da uma memória mais longínqua, talvez a memória de revoltas populares da história da Amazônia, como a Cabanagem, ou ainda a memória de povos que primeiro habitaram a região, que passaram pelo processo de colonização e massacre em outros tempos, como os grupos indígenas. Cabanos, indígenas e, creio eu, os atuais jovens de periferia apreciadores de tecnobrega são, portanto, irmãos, companheiros, de uma mesma condição que os une e, ao mesmo tempo, os desagrega: “miséria e injustiça ao nosso redor”. São, finalmente, “malungos”,54 que têm o potencial de caminhar do mesmo lado uma vez que consigam ter consciência da condição que os unifica. Esse é o chamado da canção: Malungo, vamos caminhar do mesmo lado. Malungo, não vamos esquecer nosso passado. A poesia está na rua mesmo assim você não vê! Mantenha a alma livre pra poder se defender. (...) Por fim, nomeiam-se alguns dos grupos indígenas brasileiros, os primeiros malungos da terra, com a introdução de um fragmento da música Chegança de Antônio Nóbrega e Wilson Freire. 32 • Revista Estudos Amazônicos Sou Pataxó, sou Xavante, Cariri, Ianomâmi, sou Tupy, Guarani, sou Carajá... Sou Pancarurú, Carijó, Tupinajé, Potiguá, sou Caeté, Fulniô, Tupinambá...55 O tecnobrega da banda Lauvaite Penoso é estruturado de forma diferente. Mantém o mesmo ritmo, o mesmo andamento, as mesmas interferências e ruídos eletrônicos do som das festas de aparelhagem, mas incorpora instrumentos reais como guitarras, bateria e baixos. Não é um tecnobrega inteiramente eletrônico, como o são a maior parte deles. Esse arranjo dá uma tessitura diferente à música. Podemos ouvir momentos com riffs de guitarra distorcida, dando maior densidade e agressividade sonora para canção e, em outros momentos, o canto quase falado do rap também complexifica a forma original, combinando com a tematização crítica e urbana da letra. 56 A composição apresenta, portanto, aspectos da música massiva das periferias de Belém, mas com outra ambientação. Não se trata mais da atmosfera festiva das festas de aparelhagem, nem de anúncios da presença das “equipes” e fãs clubes que vão prestigiar a festa, anunciados pelo DJs em meio à canção, e sim de um ambiente onde a violência urbana atinge a todos, sobretudo a população da periferia. Tratase ainda de um ambiente que criminaliza as populações mais fragilizadas pela pobreza e miséria e consequentemente coloca uns contra os outros, fazendo com que a comunidade desses bairros se fragmente na violência da juventude que assalta a população em suas bicicletas. É curioso observar, ainda, que a primeira vez que ouvi a música Guamá Sound System foi em uma apresentação da banda em um bar chamado Coisa de Negro, no distrito de Icoaraci, periferia de Belém. Este espaço que já existe há mais de uma década é caracterizado pela presença de um público amante da música regional paraense. Alguns artistas e produtores culturais ligados a este espaço participam de movimentos de valorização de gêneros Revista Estudos Amazônicos • 33 musicais como o carimbó. São, supostamente, grupos avessos à música mercadológica. A apresentação de um tecnobrega, como a do grupo Lauvaite Penoso, mostra como certas fronteiras de gosto começam a ser relativizadas na medida mesma em que o tecnobrega, ao se amplificar para além de seus espaços originários, também passou por modificações na forma. Esse tecnobrega foi aceito sem dificuldade em um espaço tradicionalmente associado à música regional e não comercial, um ambiente onde um tecnobrega comum possivelmente não teria espaço. Outros exemplos poderiam ser dados, mas esses dois casos exemplificam suficientemente o fenômeno de alargamento e transformação de uma forma musical originariamente marginal e periférica rumo a outros espaços, do mundo das vanguardas ou da música entendida como alternativa e crítica. Esse é um aspecto particularmente interessante da territorialização do tecnobrega na história contemporânea de Belém. Territorialidades sonoras e musicais Até aqui falei em territórios e territorialidades sonoras e musicais. Para finalizar este texto, caberia uma rápida definição do que penso sobre essas categorias. Essas palavras derivam do latim, territorium, e de terra, significando a ideia de “pedaço de terra apropriado”. O território é um espaço incorporado por um ou mais atores sociais, demarcado e definido por relações de poder, em suas várias dimensões. A territorialidade, como fenômeno associado, entende as relações sociais estabelecidas no e a partir do território. São relações que compreendem a noção de pertencimento, de delimitação, de limites e fronteiras a partir das necessidades constituídas pelos indivíduos e por coletividades em função de um determinado espaço, de um território.57 Neste sentido, segundo o que nos falam alguns 34 • Revista Estudos Amazônicos geógrafos como Marcelo Souza, o que define o território em primeiro plano é exatamente seu caráter político, já que é fundamentalmente um “campo de forças, as relações de poder espacialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato referencial”.58 O controle ou a tentativa de controle territorial não se manifesta tão somente pela presença física no espaço, mas também por relações de pertencimento e por construções de simbologias associadas a um determinado grupo. Assim, como bem observou Rogério Haesbaert: (...) o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de terreoterritor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro lado, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de plenamente usufruí-lo, o território pode inspirar a identificação (positiva) e a efetiva “apropriação”.59 Esses autores não se referiam em suas formulações ao aspecto propriamente sonoros e musicais das manifestações humanas no território, mas a partir da observação do caso do tecnobrega em Belém, é possível que se faça observações que caminham para essa perspectiva. No caso de Belém e do tecnobrega em particular, tivemos a ampliação de um território musical, a partir da expansão de um tipo particular de música. Tivemos também a imposição de uma maneira específica de uso de Revista Estudos Amazônicos • 35 ambientes sonoros e musicais, na medida em que um tipo específico de escuta se impôs para boa parte da cidade. O tecnobrega como uma forma musical específica, ao se expandir territorialmente, não expandiu apenas um tipo de música, mas sim um tipo de audição, uma maneira de se fazer ouvir, uma cultura de consumo musical, de ruídos e vozes. Expandiu, portanto, uma territorialidade sonora, uma forma complexa de relação com a música e com o som em sentido mais amplo. Não se escuta o tecnobrega com se escuta uma canção clássica da MPB: quem o escuta normalmente o faz em alto volume, seja numa aparelhagem do circuito bregueiro, seja na potência máxima de um celular, seja em um carro com o som amplificado, seja em uma bicicleta com caixas de som acopladas. Temos, assim, não só uma música em expansão, mas uma forma ampla de se vivenciar a música e a cultura festiva periférica. Mais que isso, essa modalidade específica de tratamento e domínio do ambiente acústico vem acompanhada de uma cultura territorial que envolve a imposição de corpos dançantes das populações dos bairros distantes, quase todos mestiços, negros, caboclos e indígenas, que mostram uma habilidade excepcional na dança agitada e frenética do tecnobrega. Há também a imposição de uma fala nasalada dos cantores e cantoras de tecnobrega, que mostram uma dicção totalmente avessa ao padrão de bom gosto nacional marcado pela ponderação, equilíbrio e moderação bossanovista, que caracteriza em última instância a escuta da MPB. Outros elementos poderiam ser ainda lembrados como formas de vestir, de andar, o discurso sobre festa e o consumo de bebidas alcoólicas, etc. Sobre a densidade sonora pela qual se faz ouvir o brega, em geral, e o tecnobrega, em particular, é bom lembrar as formulações feitas por Schafer sobre aquilo que ele caracterizou como o “ruído sagrado”. Aquele 36 • Revista Estudos Amazônicos autor argumentou que esse tipo de ruído é um som que se apresentava como poder temeroso aos homens, aparecera inicialmente associado às forças da natureza, tais como no caso do som do trovão, das ondas do mar, do vento durante uma tempestade, de um vulcão em erupção etc. Posteriormente, esses sons metamorfosearam-se em forças sociais, tornaram-se ruídos criados por homens e por suas instituições. O que os caracterizava era também a dominação do ambiente acústico. Isso aconteceu com vários tipos de sons humanos, incluindo o caso das máquinas, cada vez maiores e mais modernas, que surgiram no mundo contemporâneo. Para Schafer, por exemplo, a revolução industrial se impôs como força motriz da história contemporânea não só por sua dinâmica econômica e tecnológica, mas também porque apresentava um novo som, um novo ambiente acústico, tomado pelo tenebroso ruído que impunha respeito aos homens: o ruído das máquinas. A dominação se dava também pela conquista do ambiente acústico.60 Penso que o tecnobrega, como identidade estética, manifesta-se como “ruído sagrado divergente” ou, quem sabe, seria um “ruído profano”,61 semelhante, mas proporcionalmente contrário ao que Schafer chama de “ruído sagrado”. Ele também se impõe, amplificado, hipersonorizado, à sociedade que o circunda, porém se impõe não apenas para gerar o respeito e o temor dos homens, mas também para se fazer ouvir dissonante, agressiva e invasivamente, a uma paisagem sonora estabelecida pelas concepções de bom gosto. Nesse sentido, ele disputa o campo acústico, se territorializa, estabelece embate e relações tensão e poder. Em outros termos, se manifesta como uma territorialidade sonora divergente, profana. “Com-sagrando-se” (ou profanando-se) pelo “excesso”, pelo muito, pelo barulho, pelo uso do tecnológico ao seu modo, pela absorção de elementos múltiplos, em oposição ao moderado, à estética do “menos”, do “bom gosto”, à percepção de harmonia sonora e social. O brega e o tecnobrega não foram Revista Estudos Amazônicos • 37 inventores disso. Sabe-se que outras formas musicais, como o reggae, o funk etc., colocaram-se no ambiente sonoro da cidade, entre outras coisas, também pelo volume de som, pela imposição sonora do “barulho”. Isso parece ser, portanto, uma forma recorrente de luta pelo direito do controle do ruído, como uma forma simbólica de luta pelo direito à cidade e à cidadania. Na verdade, uma luta pelo direito ao ruído que se impõe ao harmônico, cindindo-o, deixando as fissuras transparecerem a verdade profunda do tecido social, a fragmentação que existe subjacente à aparente ordem. Esse conjunto de fenômenos não deixa de exibir que a “desordem”, o “ruído”, o “barulho” expressam uma dada historicidade das divisões socioculturais em Belém do Pará. Todo esse estado de coisas não deixa de ser uma luta que, no campo da cultura e das formas de uso do som e da música, mostra que a cidade exibe, na verdade, uma falsa calmaria, uma falsa harmonia, sendo, de fato, uma cidade cindida de sons e de gentes. Portanto, sem querer responder definitivamente a pergunta provocativa que deu início a esse texto, eu diria que se o brega não venceu, pelo menos ele desvendou e desnudou o campo, ou o território, das lutas socioculturais. Artigo recebido em março de 2014 Aprovado em maio de 2014 NOTAS 38 • Revista Estudos Amazônicos Professor da UEPA e Doutor em História pela UFF. Conferir: COSTA, Tony Leão da. “Música, literatura e identidade amazônica no século XX: o caso do carimbó no Pará”. ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 20, jan./jun., 2010, p. 61-81 2 As aparelhagens são grandes equipamentos de som, compostas por uma base de controle (uma “nave”, como comumente se fala), um ou mais DJs, caixas amplificadas muito potentes e de altíssimo volume, recursos variados de iluminação, adereços tecnológicos e telões. São normalmente usadas para sonorizar as festas da periferia de Belém, sobretudo as festas de tecnobrega ou simplesmente “festas de aparelhagens”. Gozam de grande popularidade e os nomes das principais aparelhagens são bastante conhecidos e cultuados pelos frequentadores dessas festas, ocorrendo inclusive o aparecimento de fãs clubes. Nas últimas décadas a popularidade dos DJs de aparelhagens os levou a apresentarem programas de TVs e rádios, assim como a se tornarem celebridades conhecidas em toda a região. Para um detalhamento do aparecimento das primeiras “rádios de subúrbio”, ainda em 1941, e suas transformações históricas que derivaram no aparecimento das atuais aparelhagens, verificar: COSTA, Tony Leão da. Música de subúrbio: cultura popular e música popular na hipermargem de Belém do Pará. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, 2013. Para uma excelente análise do “circuito bregueiro” paraense e da cada vez mais estreita associação entre “festas de aparelhagens” e o gênero musical tecnobrega, conferir: COSTA, Antonio Maurício Dias da. A festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. 2 ed. Belém: EDUEPA, 2009. 3 Ofício de Roberto Camelier, Diretor-gerente da Rádio Clube do Pará, dirigido ao diretor geral do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP). Caixa: Comunicação, Série: Ofícios, Pasta: julho, 31 de julho de 1941, Acervo: Arquivo Público do Estado do Pará. Este documento me foi gentilmente cedido pelo historiador Érito Vânio Oliveira, pesquisador da história do rádio na Amazônia. Para mais informações sobre a história do rádio na região amazônica e sobre a atuação de Roberto Camelier e os demais fundadores da Rádio Clube do Pará, conferir: OLIVEIRA, Érito V. B. Modernidade e integração na Amazônia: intelligentsia e broadcasting no entre guerras, 1923-1937. 2011. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2011. 1 4 COSTA. Música de subúrbio. Tipologia ideal inspirada na forma weberiana de análise sociológica. Conferir: WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. 6 Essa descrição do debate em torno do tecnobrega reproduz em boa parte artigo anterior publicado no site Ponto Zero, em 2011. Conferir: COSTA, Tony Leão da. “Tecnobrega: crítica e preconceito”. Disponível em: <http://www.pontozero.net.br/>. Acesso em: 17 mai. 2011. 5 Revista Estudos Amazônicos • 39 PINTO, Lúcio Flávio. “A poluição tecnobrega”. Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=622>. Acesso em: 10 jan. 2011. 8 BENTES, Helder. “Tá beba??? Tá doida??? Patrimônio cultural e artístico??? Só se for da...”. Disponível em: < http://www.orm.com.br/helderbentes/capa/?codigo=519678>. Acesso em: 10 mai. 2011. 9 BENTES, Helder. “O paraensismo desinformado que vetou o tecnomelody”. Disponível em: <http://www.orm.com.br/helderbentes/capa/?codigo=528026>. Acesso em: 10 mai. 2011. 10 Sobre a polêmica em torno da Banda Djavú e a música paraense, verificar: “Banda Djavú comenta polêmica do tecnobrega”. Disponível em: <http://mais.uol.com.br/view/92db81ral8qx/banda-djavu-comenta-polemica-dotecnobrega-04023270C8991386?types=A>. Acesso em: 10 dez. 2013. Também: “Toda verdade sobre o plágio chamado BANDA DJAVÚ”. Disponível em: <http://www.bregapop.com/felipe-languer-bomba-do-felipe/6047> Acesso em: 10 dez. 2013. 11 Os leitores perceberão que a palavra tecnobrega não foi citada na lei. Em torno disso, houve e há ainda um amplo debate que envolve muitos artistas dessa vertente e o público em geral. Para certos grupos a palavra “brega” representaria um entrave, uma dificuldade, para que se chegasse ao sucesso desse gênero musical em termos nacionais. A forma que a lei foi redigida em certa maneira expressa esse debate: preferiu-se o termo tecnomelody ao tecnobrega. Meus objetivos neste artigo não me permitem adentrar nesse assunto, mas é necessário que se diga que há uma série de termos utilizados pelos próprios “bregueiros” para se autodefinirem. Isso é verificável inclusive pela criação de um “glossário bregueiro” escrito pelo guitarrista lambadeiro e produtor cultural Manoel Cordeiro, pelo cantor e compositor Tonny Brasil e pelo autodenominado pesquisador de música brega Carlos Alberto Aguiar. Tal glossário apresenta os vários nomes possíveis de serem encontrados no mundo tecnobrega e naquilo que é visto como subgêneros do mesmo como, por exemplo, “Eletro Melody”, “Brega Melody”, “Brega Dance”, “Brega Calipso”, “Brega Pop” e assim por diante. Sobre essa questão, conferir: AGUIAR, Carlos Alberto; CORDEIRO, Manoel; BRASIL, Tonny. “Glossário bregueiro - 1990-2013”. Disponível em: <http://www.bregapop.com/servicos/historia/314-glossario/34-glossariobregueiro-carlos-alberto-aguiar-manoel-cordeiro-e-tonny-brasil>. Acesso em: 15 abr. 2013. Tendo em vista que a palavra tecnobrega me parece a mais popular aos apreciadores e detratores do gênero em Belém, e é, portanto, o termo nativo mais recorrente, faço uso dela para me referir a esse conjunto mais complexo e amplo da música popular. 12 PINTO, Lúcio Flávio. “A poluição tecnobrega”. Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=622>. Acesso em 10 jan. 2011. 7 40 • Revista Estudos Amazônicos NAPOLITANO, Marcos. Música e História. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p. 71. Sobre o papel da MPB com padrão estético e seu alargamento nos anos 1980, conferir: SANDRONI, Carlos. “Adeus à MPB”. In: CAVALCANTE & STARLING & EISENBERG (Orgs). Decantando a República: Inventário Histórico e Político da Canção Popular Moderna Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fund. Perseu Abramo, 2004. 14 ARAÚJO, Paulo C. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar. São Paulo: Ed. Record, 2003. 15 PINTO, Lúcio Flávio. “A poluição tecnobrega”. Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=622>. Acesso em: 10 jan. 2011. 16 Para um melhor entendimento sobre a tradição da “boa música” paraense e sua relação com a música bossanovista e a MPB, conferir: COSTA, Tony Leão da. Música do Norte: intelectuais, artistas populares, tradição e modernidade na formação da “MPB” no Pará (anos 1960 e 1970). Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2008. 17 Essa observação tem por base não exclusivamente os artigos citados aqui, mas também a observação in loco, ou “observação participante”, do debate no meio cultural de Belém da última década. Sobre o brega dos anos 1980 no Pará, verificar: COSTA, Tony Leão da. “Notas sobre o ‘brega’ no Pará”. In: FACINA, Adriana (Org.). Vou fazer você gostar de mim. Rio de Janeiro: Editora Multifoco/Iluminaria Acadêmica, 2011. p. 127-164. 18 BENTES, Helder. “Tá beba??? Tá doida??? Patrimônio cultural e artístico??? Só se for da...”. Disponível em: < http://www.orm.com.br/helderbentes/capa/?codigo=519678>. Acesso em: 10 mai. 2011. 19 Idem. 20 PINTO, Lúcio Flávio. “A poluição tecnobrega”. Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=622>. Acesso em: 10 jan. 2011. 21 Disponível em: <http://www.belemdopara.com.br/detalhe.bdop?conteudo=1414>. Acesso em: 10 jan. 2011. 22 PINTO, Lúcio Flávio. “A poluição tecnobrega”. Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=622>. Acesso em: 10 jan. 2011. 23 ARAÚJO, Anderson. “Os sociólogos de aparelhagem”. Disponível em: <http://www.belemdopara.com.br/detalhe.bdop?conteudo=1414>. Acesso em: 10 mai. 2011. Para um balanço da polêmica em torno do tecnobrega e, particularmente, os bastidores do embate entre os críticos em torno da deia de “sociólogos de aparelhagem”, conferir: AMADOR, Elielton. “A polêmica do tecnobrega”. Disponível em: <http://qualquerbossa.blogspot.com.br/2011/07/artigo-sobretecnobrega.html>. Acesso em: 25 jan. 2014. 13 Revista Estudos Amazônicos • 41 Conferir: CUNHA, Vladimir. “A encruzilhada do tecnobrega”. Disponível em: <http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-131523OPINIAO++A+ENCRUZILHADA+DO+TECNOBREGA.html>. Acesso em: 25 jan. 2014. Vladimir Cunha também foi diretor de um filme sobre esse tema, o documentário “Brega S/A”. 25 Para noção de “ambiente acústico”, conferir: SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001. 26 Para a concepção tradicional de “indústria cultural”, conferir: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. 24 COSTA. A festa na cidade. Conferir, dentre outros: SILVA, José M. “Música brega, sociabilidade e identidade na Região Norte”. ECO-PÓS, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, jan.-jul. 2003, p. 123-135; VIANNA, Hermano. “A música paralela”. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 out. 2003. Caderno Mais! p. 10-11; LEMOS, Ronaldo (et al). Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. (Tramas urbanas; 9); COSTA. A festa na cidade; e, COSTA, Antonio M. D. “Festa e espaço urbano: meios de sonorização e bailes dançantes na Belém dos anos 1950”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 32, n. 63, 2012, p. 381-402. 29 LEMOS. Tecnobrega. p. 22. 30 Isso é amplamente mostrado em trabalhos como: SALLES, Vicente. A modinha no Grão-Pará: estudos sobre ambientação e (re)criação da modinha no Grão-Pará. Belém: Secult/IAP/AATP, 2005. (Transcrições musicais por Marena Isdebsky Salles). 27 28 Conferir: CARDOSO, A. C. D. (Org.). O Rural e o Urbano na Amazônia: diferentes olhares em perspectiva. Belém: EDUFPA, 2006; e CASTRO, E. “Urbanização, pluralidade e singularidades das cidades amazônicas”. CASTRO, Edna. (Org.). Cidades na floresta. São Paulo: Annablume, 2008. 32 CANCELA, Cristina. D.; CHAMBOULEYRON, Rafael. (Orgs). Migrações na Amazônia. Belém: Ed. Açaí/Centro de Memória da Amazônia/PPGA, 2010. 33 PENTEADO, Antonio R. Belém – Estudo de geografia urbana. Belém: UFPA, 1968. v. 1. 34 JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão-Pará. Belém: EDUFPA; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Ruy Barbosa, 2004. 35 DE CAMPOS RIBEIRO, José G. Gostosa Belém de outrora... Belém: SECULT, 2005. 36 REIS, Nélio. Subúrbio. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937. 31 RODRIGUES, Carmem I. Vem do bairro do Jurunas. Belém: NAEA, 2008. SILVA, Marcos A.P. A cidade vista através do porto: múltiplas identidades urbanas e imagem da cidade na orla fluvial de Belém (PA). 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de PósGraduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Pará. Belém, 2006; e, MARIN, R. A. “Portos e trapiches de Belém”. SIMPÓSIO AMAZÔNIA, CIDADES 37 38 42 • Revista Estudos Amazônicos E GEOPOLÍTICA DAS ÁGUAS, 2003, Belém. Anais... Belém: NAEA/ UFPA, 2003, p. 78-79. 39 É importante considerar que o termo “caboclo” na maior parte das vezes representa muito mais uma categoria atribuída por agentes externos às populações rurais e periféricas urbanas da Amazônia. Não se trata propriamente de um termo de autorreconhecimento por partes das populações locais. Apesar disso, o usarei aqui de maneira genérica para me referir aos moradores mestiços do campo, das cidades interioranas e das periferias urbanas de Belém. Para detalhes sobre os usos dessa categoria, conferir: LIMA, Deborah M. “A construção histórica do termo caboclo: sobre estruturas e representações sociais no meio rural amazônico”. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 2, n. 2, p. 5-32, dez. 1999. RODRIGUES, Carmem I. “Caboclos na Amazônia: identidade na diferença”. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 9, n. 1, p. 119-130, jun. 2006. 40 SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. Belém: Paka-Tatu, 2004; e, MARIN, Rosa. A.; CASTRO, Edna. No caminho de pedras de Abacatal: experiência social de grupos negros no Pará. Belém: NAEA-UFPA, 2004. GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012. 42 LEAL, Luiz A. P. A política da capoeiragem: história social da capoeira e do boibumbá no Pará republicano (1888-1906). Salvador: EDUFBA, 2008. 43 A ideia de “abrasileiramento” de gêneros caribenhos devo a: OLIVEIRA, Alfredo. Ritmos e cantares. Belém: SECULT, 2000. 44 A ideia de subúrbio, ou hipermargem, como mediador da música paraense no século XX até os dias de hoje, verificar: COSTA. Música de subúrbio. 45 “Bate estaca” é um termo comumente utilizado para se fazer referência ao tecnobrega, por indivíduos que não apreciam esse tipo de música. É um termo correto, que faz parte do cotidiano da cidade. 46 A FUNTELPA (Fundação de Telecomunicação do Pará) é a rede de TV e rádio públicas do estado. É responsável pela retransmissão da programação da TV Cultura e da Rede Brasil, assim como é produtora de uma ampla programação local, normalmente de conteúdo educativo e informativo. No caso da Rádio Cultura do Pará, ocorre uma programação voltada para a música considerada de “bom gosto”, seja ela associada à MPB ou a gêneros musicais “não comerciais” e “alternativos”, ou ainda a música clássica e o chorinho. 41 Conferir: “O QUE é Terruá Pará”. Disponível em: < http://terruapara.com.br/o-que-e/>. Acesso em: 5 maio 2013. 48 Seria interessante que outros trabalhos de pesquisa pudessem ser realizados sobre essa questão da fala e da dicção dos cantores e cantoras de tecnobrega em Belém. Creio que esse aspecto é muito relevante, pois demonstra elementos da cultura interferindo diretamente no sotaque e na tessitura sonora tanto da fala como das músicas daí derivadas. Só um cantor ou cantora de tecnobrega cantam de determinada 47 Revista Estudos Amazônicos • 43 maneira e esse elemento revela aspectos significativos de uma territorialização que é, ao mesmo tempo, cultural (e necessariamente corpórea), sonora e musical. 49 Esse texto já foi analisado por Antonio Maurício Costa e por mim, respectivamente em: COSTA. A festa na cidade; COSTA. “Notas sobre o ‘brega’ no Pará”; e, COSTA. Música de subúrbio. Para mais detalhes sobre o documento conferir: NEVES, Júnior. Brega: de 1980 a 2005: do Brega Pop ao Calypso do Pará. Disponível em: <http://www.bregapop.com/servicos/historia/327-jr-neves/58-do-brega-pop-aocalypso-do-para-jr-neves>. Acesso em: 3 abr. 2010. Já citei acima alguns desses autores e seus respectivos trabalhos sobre a música brega. Outras produções ainda não citados aqui são: AMARAL, Paulo Murilo Guerreiro de. Estigma e Cosmopolitismo no Tecnobrega de Belém. Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/overblog/estigma-e-cosmopolitismo-notecnobrega-de-belem-2>. Acesso em: 15 abr. 2013; e, COSTA, Tony L. “Carimbó e brega: indústria cultural e tradição na música popular do norte do Brasil”. Revista Estudos Amazônicos, Belém, v. VI, n. 1, p. 149-177, 2011. 51 Depoimento de Felipe Cordeiro, Belém, 6 nov. 2012. 52 Idem. 53 É importante considerar que essas mediações entre os mundos da cultura massiva paraense e a música jovem e de vanguarda, do rock e de outros gêneros associados a um mundo moderno e urbano, já haviam ocorrido em outros momentos da história da música no Pará. Contemporaneamente é bom lembrar a atuação de bandas como Cravo Carbono e da atuação do guitarrista Pio Lobato em uma aproximação criativa influente entre a cena rock e o universo das guitarradas e do tecnobrega no início dos anos 2000. 50 54 No Dicionário Aurélio lemos sobre o verbete “Malumgo”: “Companheiro, camarada. / Nome que se davam mutuamente os negros escravos vindos da África no mesmo navio. / Bras. Irmão colaço, irmão de criação”. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/Malungo.html>. Acesso em: 10 jan. 2014. 55 Segundo informações de um dos integrantes da banda, essa parte da música aparece apenas nas apresentações ao vivo, pois o grupo ainda precisava da autorização dos autores para que o fragmento fosse definitivamente incluído em uma gravação final. 56 Conheço duas versões da música: uma ao vivo gravada em uma apresentação no bar Coisa de Negro em 2013 e uma gravação de estúdio, a mim cedida por Rodrigo Ethnos, um dos vocalistas da banda. Obviamente que a versão ao vivo apresenta algumas variações. Nela as guitarras são mais evidentes e no fim da música o andamento do tecnobrega se transforma em um quase punk rock. Segundo Rodrigo Ethnos a autoria da música é coletiva, sua com a participação dos demais integrantes da banda. Para a versão ao vivo, conferir: Guamá sound system. Disponível em: <https://soundcloud.com/lauvaitepenoso/guam-sound-system>. Acesso em: 10 jan. 2014. 44 • Revista Estudos Amazônicos 57 ALBAGLI, Sarita. “Território e territorialidade”. In: LAGES, Vinícius; BRAGA, Christiano; MORELLI, Gustavo (Orgs.). Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Brasília: SEBRAE, 2004. p. 23-69. SOUZA, Marcelo Lopes de. “O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento”. In: CASTRO, I. et al. (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 97, grifos do autor. 59 HAESBAERT, Rogério. “Território e multiterritorialidade: um debate”. GEOgraphia, Niterói, ano IX, n. 17, p. 19-45, 2007. p. 20. 60 SCHAFER. A afinação do mundo. 61 Devo a ideia de “ruído profano” às observações de Adriana Facina. 58 Revista Estudos Amazônicos • 45