ALEGRAI-VOS. HOJE NASCEU O SALVADOR Georgino Rocha O

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ALEGRAI-VOS. HOJE NASCEU O SALVADOR
Georgino Rocha
O convite à alegria ecoa no descampado de Belém onde pastores vivem e guardam os
rebanhos. (Lc 2, 1-14). É noite que envolve também o seu coração. O povoado fica a
uns três km, agravando o desconforto emocional. Apenas o apoio mútuo lhes serve de
amparo e consolação. São marginais `que sobrevivem em precárias condições. São
trabalhadores por conta de outrem sem qualquer protecção legal. São “nómadas”
considerados violentos e ladrões, socialmente perigosos e ameaçadores. Gente a
evitar e a manter à-distância.
No céu de Belém, faz-se ouvir uma voz estranha que se vai aproximando. Sentem
muito medo. Ficam pasmados com o convite que lhes é dirigido: “Não temais, porque
vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de
David, um Salvador, que é Cristo Senhor”. E para os demover, o Anjo indica-lhes um
sinal de reconhecimento: o Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa
manjedoura. O grande medo cede lugar a uma enorme paz, o pasmo é vencido pela
vontade curiosa de ir verificar a verdade do anúncio, a solidão da noite é desfeita pela
agradável companhia de vozes celestes que louvam a Deus pela sua glória e felicitam
os homens pela paz, fruto divino do amor incondicional e do esforçado trabalho
humano.
Lucas faz o relato do nascimento de Jesus com algum suporte histórico, mas sobretudo
com grande convicção evangélica, e pretende deixar escrito o que diligentemente
investigou. A sobriedade do estilo faz brilhar a grandeza do acontecimento. A
simplicidade das pessoas envolvidas e a pobreza de recursos utilizáveis apontam um
“espaço” novo onde Deus se faz humano e nos fala, dando-se assim a conhecer (Paul
Claudel). E surge a paz entre os homens de boa vontade, aquela que brota de uma
consciência iluminada pela glória do Senhor.
O Papa Francisco narra que “às vezes alguém me pergunta: ‘Mas padre, o senhor fala
sempre dos pobres e da misericórdia’. Sim – digo -, mas não é uma doença. É
simplesmente o modo com o qual Deus se revelou.” A resposta encontra apoio em
toda a vida de Jesus: do nascimento e aconchego no “curral” de animais em Belém, do
crescimento relacional e trabalho artesão em Nazaré ao “vai-vem” da paixão e à
agonia no Calvário. “Pai nas tuas mãos me entrego!” Oração confiante que culmina a
decisão inicial “ eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade”. (cf. Sal 39,9; Heb
10,7).
Amensagem recebida pelos pastores deixa bem claro o significado do nascimento de
Jesus que Lucas resume a três títulos expressivos: O Salvador, o Messias, o Senhor. São
títulos que destacam a dimensão salvífica da intervenção de Deus na história, a sua
proximidade peregrina. Como salvador, a sua função principal é a libertação de toda a
opressão. Como messias prometido, confirma a esperança do povo; como senhor da
história, irradia uma nova luz para toda a humanidade, uma nova seiva para toda a
criação. (Homilética, 2016/6, 827).
O Padre Américo que fundou o «Gaiato, Obra da Rua» lê com grande sabedoria as
situações de vida das pessoas e narra com estilo original cada facto com que se depara
na busca incansável de restituir a dignidade perdida a tantas crianças e pessoas
doentes. Conta ele que “um pequenino que hoje é meu, vadiou largos tempos, sem
família nem beira, em uma comarca de Portugal. Dormia nas manjedoiras, aquecia-se
ao bafo dos animais. – A Policia que tome conta! Eis o triste remédio que aquele povo
encontrava, para tamanho mal. Chamas a polícia para te livrares do perigo das crianças
abandonadas? Pois não te livras de outros muito maiores!” Os perigos denunciados
pelo Pai Américo são tristes realidades que pululam um pouco por toda a parte.
“Alegrai-vos. Hoje nasceu o Salvador”. Surpreende-nos pela sua proximidade.
Entusiasma-nos com a sua companhia. Rasga-nos horizontes de serviço com a sua
entrega incondicional. Identifica-se com os voluntários de todas as causas
humanizantes, sobretudo os que como Ele são “indesejados” por muitos e têm de
buscar refúgio em qualquer parte do mundo, ainda que degradada. O Natal de Jesus
constitui a prova mais decisiva de que é, a partir destes, que Deus nos salva de tudo o
que oprime, nos confirma na esperança de que outro mundo é possível, nos ilumina
nos caminhos de Belém onde aprendemos a “nascer de novo”. A estrela da gruta da
Natividade indica-nos o caminho. Aí nasceu Jesus Cristo Senhor.
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