VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 O realismo de entidades de Ian Hacking Tales Carnelossi Lazarin Universidade Federal de São Carlos/Programa de Pós-Graduação em Filosofia Faculdade Corporativa CESPI [email protected] Ian Hacking formula uma posição original e moderada no debate sobre o realismo científico, conjugando uma atitude antiteórica com o realismo a respeito de entidades inobserváveis que podem ser manipuladas e empregadas em experimentos científicos como instrumentos para investigar outras partes da natureza. Em respaldo a sua posição, o autor desenvolve uma filosofia dos experimentos científicos e tenciona mostrar (com recurso a muitos estudos de caso) que estes têm uma “vida própria” e são muito mais independentes das teorias científicas do que geralmente suposto pelos teóricos da ciência. Palavras-chave: realismo de entidades; experimentos científicos; representação científica. ...se você pode pulverizá-los, então eles são reais. Ian Hacking O realismo científico é a tese de que as teorias científicas são capazes de descrever o mundo como ele é (ao menos de forma aproximada), mesmo com respeito a seus aspectos que não são imediatamente observáveis (e.g. elétrons, campos magnéticos, genes, estados mentais, forças sociais, etc...). Colocando de outra maneira, a impossibilidade de observação direta não seria impedimento ao conhecimento científico que, em princípio ao menos, funcionaria igualmente bem em descrever as porções observáveis e inobserváveis da realidade. Além disso, os realistas alegam que o sucesso das teorias científicas maduras em tratar dos fenômenos naturais e realizar previsões acuradas só pode ser explicado pelo fato de que tais teorias são aproximadamente verdadeiras. Portanto, os inobserváveis que essas teorias mencionam (ou entidades muito semelhantes) devem de fato existir (cf. BOYD, 1984; 2002). Antirrealistas de orientação empirista geralmente objetam a essa concepção ‘otimista’ da natureza da ciência e, ainda que aceitem que a ciência possa estabelecer o conhecimento com respeito à realidade observável sem maiores problemas, alegam que o mesmo não ocorre com relação aos inobserváveis. Isso porque é possível construir modelos e teorias alternativas que mencionam inobserváveis distintos, mas dos quais é possível derivar as mesmas consequências observáveis ‘salvando os fenômenos’. Como o conhecimento dos inobserváveis sempre é mediado ISSN 2177-0417 - 474 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 por teorias científicas ou por instrumentos construídos com seu apoio, não seria possível estabelecer quais dessas representações alternativas da realidade seriam as ‘verdadeiras’ - e tampouco a existência dos inobserváveis mencionados (cf. VAN FRAASSEN, 1980/2006). Ian Hacking (1983) formula uma posição original neste debate que é intermediária às duas citadas, e o faz amparado em concepções particulares sobre a natureza da ciência. O autor compartilha com os antirrealistas do ceticismo com relação às teorias científicas e assume uma postura antiteórica apoiado em uma discussão que faz sobre a natureza das representações científicas. Contudo, isso não faz de Hacking um antirrealista; pelo contrário, o autor busca apoio nas atividades de observação e experimentação científica para substanciar uma formulação enfraquecida do realismo científico - chamado por ele de realismo de entidades -, cuja proposta e defesa são o assunto da presente comunicação . Inicio com a discussão que Hacking (1983) faz sobre a questão da representação científica. O autor se contrapõe aos filósofos modernos, que concebem a representação como uma ocorrência cognitiva ou mental, e restringe sua noção de representação à criação de artefatos públicos (e.g. figuras, esquemas, modelos, teorias...). As características essenciais das representações seriam certas semelhanças (likenesses) que as pessoas buscam capturar quando representam. Assim, uma representação pode ser mais ou menos acurada em delinear essas semelhanças e, além disso, outras representações alternativas que podem figurar ou descrever de maneira distinta, de outras perspectivas, ou de modo mais ou menos preciso, são sempre possíveis para qualquer objeto ou fato representado. Essa possibilidade de se criar múltiplas representações para qualquer fenômeno colocam a questão do que é ‘real’ -, ou seja, algumas representações podem figurar ou descrever como certas coisas são ou ocorreram, enquanto outras falham parcial ou totalmente nesse intento (ou são, mesmo, enganosas). Isso também é motivo para o ceticismo, colocando o problema da formulação de critérios que possam Nancy Cartwright (1983) publicou, simultaneamente, um livro em que assume uma posição realista similar à de Hacking (1983). Tanto ele quanto Cartwright trocaram rascunhos de seus livros, e reconheceram explicitamente, nos próprios textos, a semelhança entre suas posições. Entretanto, o realismo de entidades de Cartwright tem motivações próprias e também segue uma linha distinta de desenvolvimento, apoiando sua formulação do realismo de entidades de modo particular. As posições de Cartwright não serão abordadas na presente comunicação, pois não há espaço ou tempo suficientes para discuti-las a contento. ISSN 2177-0417 - 475 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 distinguir entre as representações que capturam as semelhanças acuradamente – figurando ou descrevendo, efetivamente, algo ‘real’ -, e outras tentativas não tão bem sucedidas. Porém, é preciso ressaltar que, embora a motivação seja essencialmente a mesma, o ceticismo só pode se desenvolver no antirrealismo científico se a hipótese de que a realidade tem partes inobserváveis tiver sido colocada. Hacking (1983) também reverte uma concepção tradicional na Filosofia da Linguagem, afirmando que sentenças simples - como “o gato está sobre o tapete” -, embora possam ser estabelecidas definitivamente como verdadeiras ou falsas, não se constituem, de fato, em representações da realidade - e alude ao segundo Wittgenstein (1953/1999) que afirmou que sentenças desse tipo podem ser empregadas para os mais diversos usos que não o de retratar a realidade. A posição de Hacking (1983) sobre esse ponto é que sentenças declarativas simples, em geral, não representam nada, mas que representações mais complexas e articuladas como as teorias científicas são, de fato, representações da realidade. Contudo, a situação com respeito ao estabelecimento dos valores de verdade dessas últimas representações é inversa, pois a possibilidade de múltiplas representações impede, dada a complexidade envolvida, que haja uma decisão definitiva sobre sua verdade ou falsidade. Ao encerrar sua discussão sobre a representação científica, Hacking (1983, p. 144) identifica um problema na discussão sobre o realismo científico que termina por apoiar sua atitude antiteórica. Ele afirma que tanto realistas como antirrealistas buscam “agarrar-se em algo na natureza da representação que irá vencer [seus adversários]”, e complementa secamente dizendo que “não há nada ali”. Assim, dada sua avaliação sobre a questão da representação científica e sobre as posições que figuram no debate, Hacking entende que a contenda sobre o realismo científico é vã se tomada no nível da teoria apenas; e se volta, então, para a prática científica na tentativa de defender o realismo científico em outras bases. Hacking (1983) parte de uma concepção habitual, não controversa, de que a ciência pode ser dividida em atividades complementares de representação (e.g. criação de teorias, modelos, equações) e intervenção (e.g. observações, medições, experimentos), que são realizadas com respeito aos diversos domínios da natureza e que ocorrem muitas vezes de forma concomitante e entrelaçada. O autor se opõe à concepção ‘recebida’ na Filosofia da Ciência que coloca as atividades de observação e ISSN 2177-0417 - 476 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 experimentação como essencialmente guiadas por teorias científicas e suas derivações (cf. POPPER 1935/2002; HEMPEL, 1965). Contrapondo-se a essa tradição que privilegia as teorias, Hacking (1983, p. 150) desenvolve uma filosofia dos experimentos científicos - esperando com isso desencadear um “movimento de retorno a [Francis] Bacon” – e, para tanto, recorre a diversos estudos de casos experimentais com os quais tenciona mostrar que “a experimentação tem uma vida própria”, muito mais independente das teorias científicas do que normalmente suposto. Hacking (1983, p. 154) afirma acreditar que a concepção de que um experimento só faz sentido se a teoria sobre o fenômeno investigado estiver sendo testada é “simplesmente falsa”, e replica que “alguém pode conduzir um experimento simplesmente pela curiosidade de ver o que vai acontecer” (embora ressalte que, em geral, muitos dos experimentos são realizados com base em conjeturas muito mais específicas). Contra Popper (1935/2002), Hacking (1983) alega que tampouco os dados obtidos só fazem sentido se forem interpretados à luz das teorias, e que relações distintas entre teorias e experimentos se estabelecem nos diferente momentos do desenvolvimento científico, o que se dá de maneiras diversas com respeito às diferentes disciplinas científicas. Um dos pontos importantes que Hacking (1983) investiga em seguida é o da construção de instrumentos científicos para observação e experimentação. O autor afirma que durante a elaboração de aparatos experimentais muitos protótipos são construídos e que os cientistas não têm como saber se vão funcionar (seja porque não há experiência prévia de construção de artefatos similares ou, principalmente, porque as teorias sobre os fenômenos investigados não podem ser usadas para antecipar boa parte das dificuldades específicas encontradas em sua construção) . Há ocorrências em que surgem problemas que não são bem entendidos e que não são solucionados, o que impede o funcionamento do aparato como planejado e força os cientistas a buscarem abordagens experimentais distintas na tentativa de produzir ou testar o fenômeno sob investigação. Com sua filosofia da experimentação científica, Hacking (1983) inaugurou uma tradição inovadora, sendo seguido por outros autores contemporâneos (cf. FRANKLIN, 1998/2009). Hacking (1983) reitera um ponto enfatizado por Cartwright (1983), que cientistas experimentais, por vezes, usam vários modelos do mesmo fenômeno na tentativa de suprir limitações porque alguns modelos são melhores para certos usos e outros para usos distintos – sendo que os modelos empregados podem estar em desacordo ou mesmo serem inconsistentes entre si, o que não impede sua utilização conjunta. ISSN 2177-0417 - 477 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 Há, também, os procedimentos de eliminação de defeitos nos aparatos experimentais (debugging). No caso estudado por Hacking (1983) sobre a construção de um complexo emissor de elétrons, muitos dos defeitos nunca foram entendidos, enquanto outros foram eliminados por tentativa e erro até que o funcionamento do equipamento ocorresse de modo satisfatório. Além disso, o autor afirma que bons experimentadores se resguardam contra o absurdo - e que, no caso, um dos pesquisadores teve um palpite de que partículas de poeira poderiam interferir gerando erros sistemáticos nos resultados, o que levou os cientistas a usarem um spray antipoeira religiosamente no equipamento, só por via das dúvidas. Um outro ponto investigado por Hacking (1983) é o da história do desenvolvimento dos microscópios. O autor afirma que houve um longo período durante o qual não houve inovações revolucionárias na construção dos microscópios e que, nessa época, muitas das melhorias foram realizadas por construtores habilidosos, mas pouco instruídos em óptica. Ele pondera, também, que há tipos de microscópio que foram criados com base em propriedades ópticas cujas teorias foram posteriormente revertidas, mas que os espécimes observados continuaram a ser corretamente identificados. Um outro caso citado por ele é o de biólogos que, mesmo conhecendo pouco de óptica, aprendem a corrigir pela experiência seus instrumentos a fim de eliminar certos artefatos que poderiam atrapalhar suas observações. Enfim, Hacking (1983, p.199) reconhece que há várias ocasiões em que as teorias tiveram um papel central na concepção ou melhoria de modelos antigos de microscópios, mas afirma que há desenvolvimentos em que “é a engenharia que conta”, e não a teoria. Hacking (1983, 185) também busca responder a algumas teses e concepções sobre a observação científica, que julga incorretas ou enganadoras, afirmando que os defensores de uma filosofia da ciência experimental “não podem permitir que uma filosofia da ciência dominada pela teoria faça o próprio conceito de observação se tornar suspeito.” De especial interesse é a alegação de autores construtivistas (cf. HANSON, 1958; KUHN 1962/1996) de que as observações científicas são essencialmente ‘impregnadas’ por teorias (theory-laden), isto é, que aquilo que os cientistas veem seria influenciado de modo muito relevante pelo treinamento científico que receberam e, em especial, pelas crenças e compromissos teóricos que esposam. Assim, cientistas pertencentes a tradições de pesquisa distintas ISSN 2177-0417 - 478 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 ‘veriam’ uma mesma coisa de maneira diferente. Hacking (1983) tece, então, algumas considerações na tentativa de confrontar essa concepção. Hacking (1983) afirma que as pessoas notam coisas que são interessantes e surpreendentes, e que expectativas e interesses são, sim, influenciados por teorias. Porém, sustenta que não é verdade que alguém que consiga identificar corretamente uma ocorrência que aparece em uma radiografia ou instrumento científico esteja já ‘impregnado’ por teoria; e argumenta que um assistente poderia ser treinado a fazer as identificações corretas mesmo mantendo-se ‘ingênuo’ com respeito à teoria científica correspondente. Por fim, sustenta que, mesmo que as teorias respectivas mudassem radicalmente, ocorrências como as trilhas deixadas por elétrons em câmaras de bolhas continuariam sendo corretamente identificadas. A concepção do autor sobre a observação científica é que esta é uma habilidade e pode, pois, ser desenvolvida. Ele afirma que o bom experimentador deve ser observador, alerta, e aprender a detectar problemas e a perceber quando ocorrências inesperadas são pistas da natureza ou meros artefatos experimentais. Tendo recolocado o conceito de observação científica de maneira que pensa ser adequada, Hacking (1983), partindo do estudo que faz do desenvolvimento dos microscópios, alega que o uso de instrumentos científicos de observação como estes fornece uma justificativa para o realismo científico, uma vez que tais instrumentos não seriam usados apenas para ver coisas indetectáveis a olho nu, mas para manipulá-las – e enuncia um dos slogans com que apresenta suas teses no livro (HACKING, 1983, p. 189): “não só espie: interfira”. O autor afirma que a observação assistida por instrumentos é, também, uma habilidade a ser desenvolvida, e que a aprendizagem e o uso de microscópios é largamente independente de teorias. Assim, cientistas experimentais se convencem da realidade de ocorrências inobserváveis não porque suas observações são guiadas ou impregnadas por teorias, mas porque podem manipulá-las de maneira a produzir resultados confiáveis. Entretanto, a própria confiabilidade dos instrumentos poderia ser colocada em questão pelos antirrealistas, minando o apoio das evidências obtidas com as observações assistidas (cf. VAN FRAASSEN, 1985). Hacking (1981/1985; 1983) tenta se precaver contra esse tipo de objeção com considerações sobre a construção desses instrumentos, como manipulações que podem ser vistas ora a olho nu, ora com microscópios, e o uso ‘convergente’ de vários dispositivos que funcionam com princípios muito distintos e ISSN 2177-0417 - 479 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 que podem ser empregados para observar uma mesma coisa sem que se constatem disparidades radicais. Após ter apresentado defesas contra várias alegações de uma filosofia da ciência que privilegia as atividades de representação em detrimento das de intervenção, Hacking (1983, p. 262) justifica seu realismo a respeito de entidades inobserváveis com considerações adicionais sobre a capacidade de manipulá-las e empregá-las em experimentos científicos e em aplicações tecnológicas. Ele diz: O trabalho experimental fornece a evidência mais forte para o realismo científico. Isso não ocorre porque nós testamos hipóteses sobre entidades. É porque as entidades que em princípio não podem ser observadas são regularmente manipuladas para produzir novos fenômenos e investigar outros aspectos da natureza. Elas são ferramentas, instrumentos não para pensar, mas para fazer. Ao relatar um experimento que tinha por objetivo detectar quarks livres (cuja carga teórica é de ±1/3 da do elétron) em que pósitrons e elétrons eram “pulverizados” por emissores padronizados em uma esfera de nióbio a baixas temperaturas como forma de controlar sua carga elétrica total, Hacking (1983, p. 23) afirma, referindo-se aos pósitrons e elétrons, outro de seus slogans: “Até quanto me preocupa, se você pode pulverizá-los, então eles são reais”. O argumento, então, é que o realismo pode ser afirmado com respeito às entidades inobserváveis se estas podem ser manipuladas, gerando efeitos confiáveis e estáveis, e empregadas, elas mesmas, como instrumentos de pesquisa - e talvez utilizadas na investigação de aspectos ainda mais misteriosos da natureza (e.g. a presença de quarks livres). É preciso ressaltar que o compromisso metafísico de Hacking (1983, p.24), aqui, é mais propriamente com os elétrons e pósitrons que são empregados como instrumentos de investigação do que com os quarks livres que estariam supostamente sendo identificados - mas que não foram, eles mesmos, manipulados experimentalmente. Ele diz: O que me convenceu do realismo não tem nada a ver com os quarks. É o fato de que agora há emissores padronizados com os quais podemos pulverizar com pósitrons e elétrons – e é precisamente isso o que fazemos com eles. Nós entendemos os efeitos, nós entendemos as causas, e os usamos para descobrir outras coisas. Assim, a manipulabilidade experimental serviria como uma justificativa para alegações de existência das entidades inobserváveis que porventura sejam ISSN 2177-0417 - 480 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 empregadas como ferramentas em experimentos científicos. Tal justificativa, se o autor está certo, também seria largamente independente das teorias científicas por estar baseada predominantemente na atividade experimental, livrando-a, em larga medida, do problema de se decidir entre as múltiplas representações dos mesmos fenômenos que, como discutido, motiva o ceticismo . Quanto às críticas recebidas pelo realismo de entidades de Hacking (1983), estas em geral são de dois tipos (que apenas cito rapidamente pela limitação de espaço). Em primeiro lugar, há críticas sobre o apoio que o autor tenciona obter com a observação assistida por instrumentos. Van Fraassen (1985) objeta quanto à convergência visual alegada por Hacking (1981/1985; 1983), afirmando que, durante o processo de desenvolvimento dos microscópios, as alterações efetuadas no processamento do resultado visual (output) buscam, justamente, enfatizar similaridades persistentes e descartar aquelas transitórias, de modo que não é surpreendente que, ao término desse desenvolvimento, o resultado visual obtido seja extremamente similar se a entrada (input) e o processamento visual forem controlados - mesmo que os microscópios envolvidos sejam de tipos diversos. Em segundo lugar, critica-se o apoio que os experimentos ou as entidades inobserváveis obteriam das teorias científicas - sobre as quais Hacking (1983) é cético. Por um lado, é possível reafirmar a dependência de observações e experimentos com relação às teorias, supondo que a construção de experimentos ou a análise dos dados obtidos não faria sentido sem seu respaldo (cf. ELSAMAHI, 1994). Por outro, é possível supor que a relutância do autor em assumir compromissos com certas ‘representações’ das entidades supostamente existentes tornariam o realismo de entidades ‘presa fácil’ para os antirrealistas, uma vez que estes poderiam concordar com todos os efeitos observáveis constatados pelos experimentos sem, entretanto, conceder a verdade das teorias correspondentes ou a existência dos inobserváveis mencionados – e deixando o realista de entidades de mãos vazias (cf. DEVITT, 1984/1997). Concluindo, Hacking (1983) se posiciona de modo original no debate sobre o realismo científico, assumindo o ceticismo com respeito às teorias científicas e defendendo, concomitantemente, a manipulabilidade como apoio para alegações de Um ponto relevante é que Hacking (1983, p. 275) também termina por se mostrar um cético com respeito a entidades que são postuladas pelas teorias científicas, mas que não podem ser manipuladas (e.g. o éter ou, em especial, os buracos negros), e afirma que “entidades teóricas que tiveram vida longa, mas que acabaram não sendo manipuladas, geralmente se revelam como erros maravilhosos.” ISSN 2177-0417 - 481 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 existência de entidades empregadas para gerar efeitos estáveis e confiáveis, e que podem ser utilizadas em experimentos científicos ou em aplicações tecnológicas. Essa formulação enfraquecida do realismo científico é interessante porque, caso seja viável, se constituiria em uma alternativa realista mais ‘moderada’, situando-se entre as outras duas posições citadas. Porém, é necessário que algumas críticas incisivas sejam respondidas a contento, como questionamentos sobre o apoio que os realistas poderiam obter com uso de instrumentos científicos para detecção e observação assistida de fenômenos; e, principalmente, sobre a relação que se estabeleceria ‘de fato’ entre experimentos e teorias – uma vez que, sem tais esclarecimentos, seus adversários poderiam alegar que o realismo de entidades termina por colapsar no realismo científico tradicional, ou então que é refutado pelos céticos. Referência BOYD, R. The current status of scientific realism. In: LEPLIN, J. (ed.). Scientific realism. Berkeley: University of California Press, 1984. p. 41-82. BOYD, R. Scientific Realism. Stanford encyclopedia of philosophy. 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